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Os cristãos-novos viveram anos sem serem molestados, muitos deles praticando sua
religião em casa, até o surgimento do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em
Portugal em 1536, instituição que já existia na Espanha e tomou os moldes desta. As
Inquisições surgiram com as heresias praticadas no Sul da França (Cátaros e
Albigenses) e mesmo na própria Roma. A heresia era tudo aquilo que contrariasse os
cânones católicos, um afastamento dos dogmas da Igreja Romana. Tendo sido sempre
reprimidas com força e violência pelas autoridades eclesiásticas. Morrer queimado na
fogueira era a pena maior, às vezes, queimados vivos, mas na maioria das vezes já
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garroteados. As penas eram muitas, entre elas passar o resto da vida vestindo os
Sambenitos, que eram roupões compridos com dizeres e desenhos de insígnias de fogo
e demônios. Depois da morte dos penitenciados, esses Sambenitos eram pendurados
nas Igrejas sempre identificados com o nome de quem os usou, para que seus
descendentes ficassem com fama de judeus para o resto de suas vidas. Eram
penitenciados também com a pena das galés, remando ou trabalhando nas naus, por
anos ou para sempre, isto é, até morrer. A melhor pena era o desterro para o Brasil ou
para as colônias portuguesas na África. Nesses territórios colonizados pelos lusitanos,
os cristãos-novos tinham mais liberdade, e não enfrentaram tribunais inquisitoriais,
tendo apenas recebido, como no Brasil, nas Ilhas Atlânticas (Arquipélago dos Açores,
Madeira, São Tomé e Príncipe) e Angola, Visitações, que consistiam em visitas de
bispos com poderes para receber denúncias de práticas das religiões: judaica,
maometana, protestante, e ainda, feitiçaria, bruxaria, blasfêmia, sodomia, solicitação,
e outros "delitos" menores. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição só foi abolido em
Portugal em 1820.
II – OS CRISTÃOS-NOVOS NO BRASIL
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geralmente nas madrugadas, tiraram a vida de pessoas que queriam somente ter a
liberdade de consciência. O mais famoso condenado brasileiro foi o advogado, poeta e
dramaturgo Antonio José da Silva, de alcunha "O Judeu", nascido no Rio de Janeiro em
1705, de família cristã-nova da classe média e pertencente à comunidade judaizante
do Rio de Janeiro, com centenas de integrantes da qual faziam parte muitos senhores
de engenho, mercadores e autoridades. Toda sua família foi presa e levada para
Lisboa, onde depois de o terem prendido pela segunda vez, foi condenado à morte na
fogueira aos 34 anos de idade. Ele chegou a estudar Direito em Coimbra, porém ficou
famoso por suas obras no teatro de fantoches do Bairro Alto de Lisboa, sendo
considerado, hoje, um clássico da literatura portuguesa. Foi garroteado e queimado na
Ribeira, em Lisboa, aos 18 de outubro de 1739, mais de dois anos após a fundação do
Rio Grande de São Pedro, feita em 19 de fevereiro de 1737, pelo brigadeiro José da
Silva Pais. Isto prova que enquanto o Rio Grande do Sul estava nascendo e povoado, as
fogueiras da Inquisição ainda crepitavam...
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Cristãos-Novos açorianos e madeirenses no Brasil
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III – CRISTÃOS-NOVOS NOS AÇORES
O Arquipélago dos Açores formado pelas nove ilhas, São Miguel, Terceira, Faial, São
Jorge, Santa Maria, Pico, Flores, Graciosa e Corvo, descoberto pelo navegador Diogo de
Silves em 1427, e depois povoado pelo frei Gonçalo Velho Cabral com portugueses do
continente, seguidos por famílias flamengas (belgas e holandesas), francesas, inglesas
e de outras minorias étnicas, foi abrigo, também, dos cristãos-novos fugitivos da
Inquisição. A presença judaica nos Açores é anotada pelo grande historiador, de
origem judaica, Alexandre Herculano, em sua monumental obra "História da Origem e
Estabelecimento da Inquisição em Portugal" à página 80 do volume I, como fato
ocorrido em 1501: "uma caravela lotada de cristãos-novos, que saíra de Portugal para
a África, batida pelos temporais arribou aos Açores, e os infelizes passageiros, presos aí
e condenados depois a serem escravos, foram dados de presente por El Rey a
Vasqueanes Corte-Real". O historiador Alfredo da Silva Sampaio também cita o mesmo
naufrágio na Ilha Terceira, diz ele: "em 1501 aportaram a Ilha Terceira náufragos
hebraicos fugindo à perseguição". Em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, há uma
freguesia denominada Porto Judeu, cujo nome é explicado pelos moradores que, em
épocas passadas, o mar estava bravio e então, passaram a chamar o lugar de "judeu".
Mas esta explicação e este significado, embora usado por pescadores de origem
açoriana em Santa Catarina, não convence. Aquela localidade pode ter sido o local
onde tantos cristãos-novos desembarcaram como náufragos ou não. O navio citado
por Herculano e Sampaio não é o único citado em documentação. Outro barco é
mencionado na "Carta de Gaspar Dias de Landim, a El Rey, sobre a prisão de indivíduos
que fugiam à Inquisição, de 19 de novembro de 1548", onde descreve: "Senhor – Eu
tenho escrito a V.A. como há muitos dias estou neste porto esperando Pero Vaz de
Siqueira, pêra me pasar aos luguares a fazer os paguamentos, como me V.A. mamda,"
e em seguida cita "...a dez de novembro tomou a justiça desta vila ( Santa Maria) na
barra embarcados em hua nao, dezanove omens em que yão molheres e moços, os
quais yãm na via de Veneza; acharão-lhe pouquo dinheiro, comtia de dozentos
cruzados e algum fato (roupa);são de Lixboa, çapateiros, e tudo um casal de filhos e
gemros, ficam presos por parte da santa Imquisição. O Senhor Deos acrecente a vida e
real estado de V.A.; do porto de Santa Maria ( Açores) a XIX ( 19) de novembro de 548
(1548) – Gaspar Dias de Landim – sobre scripto – A elrey nosso senhor". (Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, maço 81 n° 85).
Em 1592, o Inquisidor nos Açores Pe. Jerônimo Teixeira Cabral, denuncia a infiltração
de cristãos-novos na Igreja como clérigos. A primeira ação inquisitorial nos Açores foi
em 1555, quando o bispo de Angra, D. Frei Jorge de Santiago mandou verificar vários
casos de Judaísmo, mandando prender alguns homens e enviá-los para Lisboa. Dois
anos após foram enviadas para Lisboa 22 pessoas acusadas de práticas judaicas. São
elas: Ana Lopes; André Moniz; Antonio Fernandes; Branca Dias, Cecília Rodrigues,
Diogo Lopes; Fernão Lobo; Francisco Lopes; Mestre Gabriel; Gabriel de Andrade;
Henrique Ribeiro; Inês Dias; Isabel Mendes; Isabel Moniz; Isabel Pinta; João Tomás;
Jorge Álvares; Manuel Álvares; Rui Dias; Rui Fernandes e Violante Henriques. Logo
seguiram para a capital da Metrópole: Pero Galvão; Antonio Carvalhais; Jácome
Gonçalves e Maria Dias. Já em 1608 começava a ser montada a rede de funcionários
inquisitoriais. Iniciando pelos Comissários do Santo Ofício, e logo em 1612 a dos
Familiares (os esbirros mais infames). Entretanto, desde 1597, já atuava como
Comissário da Inquisição em Ponta Delgada o pe. Luís Pinheiro, reitor da residência da
Companhia de Jesus e, como primeiro Familiar, o tanoeiro Pero Fernandes, residente
em Ponta Delgada. E, em Angra, atuava como Comissário o Pe. Francisco Valente,
reitor do Colégio Jesuíta. Para a Ilha do Faial, somente em 1749 foi nomeado
Comissário o frei José de Santo Antonio de Pádua. Existiram comissários do Santo
Ofício no arquipélago açoriano até 1806 quando, então, perseguiam os franco-maçons.
Outros burocratas da Inquisição eram os Notários, os Qualificadores e os Visitadores
das Naus. Havia também o trabalho de redução de estrangeiros, que procuravam
converter para o catolicismo como foi o caso da família inglesa Fisher, residente no
arquipélago. A primeira Visitação ao arquipélago foi a de D. Marcos Teixeira entre
1575-1576, o mesmo que esteve no Nordeste do Brasil. Ele visitou as ilhas de São
Miguel, Terceira e Faial. A segunda foi em 1592, feita por D. Jerônimo Teixeira Cabral,
tendo visitado as ilhas Terceira e São Miguel. Já a terceira e derradeira visita, foi
realizada entre 1619-1620, por D. Francisco Cardoso do Torneio, que esteve nas ilhas
de São Miguel e Terceira. Do total de 354 pessoas denunciadas, 172 foram por
Judaísmo que, somadas às 27 prisões de 1555-1557, totalizam 199 cristãos-novos
denunciados nos Açores. Foram gerados 114 processos entre 1557 e 1802, envolvendo
112 pessoas, sendo apenas 26 pela "heresia judaica". E, destes, somente 10 foram
enviados a Lisboa, e apenas três condenados à morte na fogueira. Os condenados à
pena capital foram: Leonor Marques, em 1584; Antonio Borges, em 1559 e Maria
Lopes, em 1576.
A produção maior do arquipélago açoriano nessa época era o trigo, o linho, o vinho a
urzela, uma tintura de cor castanha e o pastel, tintura em tom de azul, largamente
utilizadas nas indústrias têxteis de Flandres para onde eram exportadas. Este comércio
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chamava a atenção de cristãos-novos como Duarte da Silva, rico comerciante de
Lisboa. Ele mantinha nos Açores os agentes: Simão Lopes, na ilha do Faial, João de
Afonseca Chacon e ilha Terceira Pero Martins Negrão, todos da grei judaica. O
comércio do ouro, da prata das Índias de Castela e o açúcar da Madeira despertam o
interesse dos judeus portugueses de Amsterdã, Londres, Bordéus, Hamburgo e
também seus parentes residentes em Portugal colônias. Era o começo do século XVII e
os mercadores Belchior Gomes de Leão e Diogo Lopes de Andrade agem neste
contexto principalmente na Madeira. De Rouen, França, o judeu Simão Lopes Maciel,
de família cristã-nova fugitiva da Inquisição portuguesa, desenvolveu uma rede de
comércio internacional colocando na Madeira como representantes seus os
congêneres Bento de Matos Coutinho e Diogo Fernandes Branco. Na Ilha Terceira
mantinha os cristãos-novos Antonio Dias Homem e Bento Fernandes Homem. Para o
Brasil designou o correligionário Belchior Rodrigues Ribeiro. Viviam como judeus em
Amsterdã os madeirenses Jerônimo de Andrade e Manuel Cardoso ambos com suas
famílias. Outro comerciante judeu português que comerciava com os Açores a partir
de Amsterdã foi Jerônimo Doria de Andrade conforme registros no Arquivo Municipal
daquela capital holandesa em 18 de março de 1627. Em Cabo Verde era fornecedor de
"peças", isto é escravos negros africanos, o cristão-novo Manuel Caldeira juntamente
com seu congênere Luiz de Carvalhal que atuava também em todo Golfo e rios da
Guiné. Negociavam, juntamente com João Soeiro da Madeira, escravos para as
Antilhas e outros países. Com negócios de ouro e prata e dono do navio "São Mateus"
passa pelo Rio de Janeiro e vai ao Prata, o mercador judeu português Bartolomeu
Rodrigues, em 1609. Em Buenos Aires desde o início da colonização, mas
principalmente em 1618, quando chega ali chega uma embarcação lotada de cristãos-
novos proveniente da Bahia, a população local é considerada de maioria portuguesa e
judaica. Fato que alarmou os clérigos da cidade que solicitaram providências às
autoridades da Inquisição espanhola. A explicação para a fuga de cristãos-novos
brasileiros para o Prata era a de que se alarmaram com a notícia vinda de Lisboa
dizendo que nova Visitação do Santo Ofício estava programada para o Brasil naquela
época. Com a quantidade de judeus portugueses em Buenos Aires o termo português
tornou-se sinônimo de judeu em toda a América espanhola.
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O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o
mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla
branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E, viu-se a
terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou criou-te
português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
No início do século XIX, vieram para a Ilha Terceira, imigrantes judeus marroquinos,
muitos deles descendentes de judeus fugitivos de Portugal. Já em 1835, constroem
sinagoga e cemitério naquela ilha. A família de maior destaque é a Bensaúde, que teve
e continua tendo grande influência nos Açores e Portugal até os dias atuais. Empresas
de transporte, inclusive aéreo, entre as ilhas e o continente, são desta família. O
presidente português Jorge Sampaio é Bensaúde por parte materna, entretanto, em
sua maioria, se tornaram cristãos-novos. Nos Açores que se tenha conhecimento,
existe apenas um judeu da família Waldemar, do ramo Sefaradita (ibérico), e uma
senhora judia norte-americana aposentada, do ramo Asquenazita (germânico). A
sinagoga está semi-destruida, bem como os três cemitérios. A família Azulay, residente
no Rio de Janeiro, descende de judeus açorianos de origem marroquina.
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o momento, mas como vimos anteriormente sobre a presença judaica nas Ilhas
Atlânticas, é fácil deduzir que alguns casais ou cônjuges certamente eram de
descendência judaica, e que trouxeram em sua bagagem uma parcela da herança
judaica que conseguiram manter secretamente em seus lares. E, esse é o nosso
objetivo o de levantar o véu que encobre os segredos desse passado tenebroso e que
algumas pessoas gostariam que ficassem enterrados para sempre. Os reflexos tanto no
Rio Grande do Sul como em Santa Catarina com certeza foram de grande efeito
embora não tenham ainda sido dimensionados. Algo da cultura judaica está
classificada nos estudos de folclore e considerado como tal sem conhecerem os
estudiosos os traços judaicos que permaneceram vivos depois da grande devastação
causada pela "Santa Inquisição". O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição pouco fez
contra a grande quantidade de refugiados nas ilhas, e poucos foram os denunciados e
sentenciados. Nos Açores, apenas três ilhas foram visitadas pelos esbirros
inquisitoriais: São Miguel, Terceira e Faial. Os cristãos-novos que viviam nas outras
ilhas nem foram molestados. Na Madeira e Porto Santo, muito poucos foram presos e
condenados, e é sabido que lá existia uma grande comunidade secreta de cristãos-
novos portugueses, da qual fazia parte o comerciante Domingos Mendes de Cea,
notório judaizante que lá residia no final do século XIV. Como saber se haviam cristãos-
novos entre os chamados "casais de número"? Os documentos existentes da época
não esclarecem nada porque ninguém declarava suas crenças secretas, eis que
sabedores da perseguição religiosa ainda em vigor quando da chegada ao extremo sul
brasileiro. Na documentação, podemos ver apenas sutilezas e um ou outro detalhe,
certamente judaico, principalmente nos inventários. Como, por exemplo, as esmolas
depois da morte de pessoa da família lembrando a "Sedacá", a caridade judaica ainda
hoje praticada pelos judeus de todos os ritos. É apenas um dos fatos mencionados no
livro "A Vila da Serra" de Clóvis Stenzel Filho, juntamente com outros costumes
judaicos existentes entre descendentes de açorianos no município de Osório no final
do século XIX, quando era chamada de Conceição do Arroio.
É justamente aí, nos costumes e crenças que poderemos descobrir as origens judaicas
de muitos açorianos gaúchos e catarinenses. Em Florianópolis algumas famílias de
origem açoriana sabedoras de suas origens, freqüentam às vezes a sinagoga local fato
que ocorre em diversos pontos do Brasil. É naquela capital, também, comum a
fabricação do pão torcido, conhecido pelos judeus como "chalá". O nome Raquel é
muito usado entre as filhas de descendentes de ilhéus. No Rio Grande do Sul, já temos
catalogado diversos costumes judaicos praticados tanto pelas populações de
descendentes de açorianos, como de luso-brasileiros provenientes de São Paulo. Só
para citar alguns: o "sinu saimão" ou "sin salamão", a estrela de Salomão de cinco
pontas, símbolo mágico de origem judaica e conhecido desde o Brasil colonial, é
largamente usado como proteção de barcos, portais de casas e janelas, lembrando
uma "mezuzá" ( caixinha contendo orações e salmos usada pelos judeus para proteção
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de seus lares) além de roupas de crianças recém nascidas ou como amuleto no
pescoço. O bebê não pode antes de ser batizado ficar sem iluminação no quarto
porque os espíritos maus podem atacá-lo. Isto é, simplesmente, a lembrança da deusa-
demoníaca Lilith, que roubava e matava criancinhas, lenda do imaginário judaico
levado para Portugal. Derramar a águas de todos os cântaros, após o falecimento de
uma pessoa em casa, era praticado até poucos anos atrás quando não existiam
torneiras no interior gaúcho. Este costume é o mais representativo da cultura religiosa
judaica do rito sefaradita, constante inclusive de um Siddur (livro de orações), do qual
não pode haver contestações, porque o ritual é o mesmo. O folclorista Câmara
Cascudo menciona a larga prática deste costume no Nordeste além de outros
tipicamente judaicos, também encontrados no Rio Grande do Sul. A coletânea destes
costumes e sua prática ainda em nossos dias serão divulgadas juntamente com
entrevistas e relatos contando fatos inéditos, como o Romance medieval português,
Dona Silvana ou Silvaninha, preferido de judeus portugueses que se espalharam pelo
mundo e o cantaram até na Bósnia-Herzegovina. Em nossos próximos trabalhos serão
relatados mais detalhes desses costumes reprimidos pelo medo da Santa Inquisição e
pelas repressões ditatoriais. São fatos que desagradam muita gente que preferem não
lembrá-los devido ao horror desses tribunais que grassaram em diversos países da
Europa, consumindo pela labareda das fogueiras a vida de milhares de pessoas
inocentes, pelo simples fato de quererem ter outro credo, discordar dos dogmas
cristãos vigentes ou simplesmente desejarem liberdade de consciência.
Na História do surgimento do Estado do Rio Grande do Sul, tem a mão firme de muitos
cristãos-novos que podem não ter sido judaizantes, mas tinham a amizade destes no
Brasil colonial. Todo o empreendimento da fundação da Colônia do Santíssimo
Sacramento às margens do Rio da Prata, em 1680 teve o concurso de diversos cristãos-
novos, incluindo entre eles o próprio governador D. Manuel Lobo com origens cristãs-
novas bem como seus principais auxiliares. Essa praça portuguesa plantada defronte a
Buenos Aires que serviu mais ao contrabando da prata de Potosí e mais tarde trocada
pelos Sete Povos das Missões teve papel fundamental na colonização do Rio Grande
do Sul. O próprio madeirense Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcelos, primeiro
povoador de Porto Alegre, onde recebeu sesmaria em 1740, que era de família fidalga
da ilha da Madeira e descendente de príncipes e reis de toda a Europa, tem em sua
ascendência descendentes de judeus como João Gonçalves Zarco, que se tornou
Câmara, dando início a essa linhagem que hoje existe em diversos países, e os De La
Rua, espanhóis cujo nome denuncia a origem cristão-nova, porque essa Rua era
exatamente o "Kahal" dos Judeus, "La Calle" ou "La Juderia", como diziam os
espanhóis. A infiltração de cristãos-novos na nobreza européia é por demais sabido, eis
que até a Casa de Bragança tem uma cristã-nova em sua origem. Daí, talvez, o
interesse de D. Pedro II em aprender o hebraico, corresponder-se com rabinos
franceses e adquirir uma Sefer Torah, (rolos do Pentateuco em hebraico) iemenita de
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cerca de 800 anos, uma das relíquias deixadas por ele para o Brasil está sob a guarda
da BIBLIOTECA Nacional, no Rio de Janeiro.
V – Considerações finais
Creio que ficou claro que nas Ilhas Atlânticas e Brasil colonial houve grande atividade
dos judeus portugueses transformados em cristãos-novos, em sua maioria à força, pela
água benta que lhes jogaram compulsoriamente. Pretendo, num próximo trabalho,
comprovar melhor a influência dos cristãos-novos na economia, cultura e no caráter
do Brasil. O caráter foi construído com muitos traços judaicos a começar pelo jeitinho
brasileiro. Nos Açores, ainda falta estudar e descobrir muito mais sobre as atividades e
costumes dos cristãos-novos, bem como na Madeira. Sabe-se, através de
documentação ainda existente, que os cristãos-novos açorianos exerciam as mais
diversas profissões como cirurgiões, advogados, boticários, licenciados, mercadores,
ourives, confeiteiros, sombreireiros (que fabricavam chapéus) e uma série de outras
atividades ligadas ao artesanato. Mas poucos eram ricos daí, talvez, a falta de interesse
da Inquisição em processá-los já que os confiscos não valeriam a pena. A lista parcial
de sobrenomes a seguir pertence ao periodo de 1604 a 1623, encontrados em algumas
Fintas de cobrança de impostos exclusivos dos cristãos-novos, das Ilhas de São Miguel,
Terceira, Graciosa e Pico, faltando aqui das outras ilhas e de outros períodos da
História. Vejamos, então, os sobrenomes: Andrade, Azevedo, Álvares, Alemão, Braga,
Borges, Barcelos, Câmara, Cunha, Carvalhais, Cerqueira, Carlos, Carvalho, Costa, Dias,
Delgado, Duarte, Eça, Fernandes, Fontes, Gralia, Geralda, Gonçalves, Henriques,
Heitor, Jacinto, Lopes, Mendes, Medeiros, Morais, Manuel, Pereira, Preto, Piseiro,
Rodrigues, Ruivo, Santiago, Soares, Tomás, Vaz e Vieira. Existem outros nomes e
sobrenomes mencionados no texto daqueles que foram presos e penitenciados pelo
Tribunal do Santo Ofício. Paradoxalmente, graças aos arquivos inquisitoriais existentes
em Portugal, podemos estudar melhor e sabermos os nomes e o modus vivendi desses
judeus portugueses que estiveram nas Ilhas Atlânticas e que fizeram nova diáspora
para o Brasil, para as Índias de Castela, Caribe inglês e holandês além da América do
Norte e outros países da África e Oriente.
Referências Bibliográficas
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Antonio José – A Inquisição Portuguesa - Lisboa, Coleção Saber, Publicações Europa-
América Ltda., 3ª edição, dezembro de 1964. - HERCULANO, Alexandre - História da
Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal – Vol. I, Lisboa, Edições Europa-
América Ltda., 1984. - DORIA, Antonio Álvaro – Damião de Góis - Lisboa, Clássicos
Portugueses, Livraria Clássica Editora, 1944. - SALVADOR, José Gonçalves – Os Cristãos-
Novos e o Comércio no Atlântico Meridional – São Paulo, Livraria e Editora
Pioneira/MEC, 1978. - STENZEL F°, Antonio - A Vila da Serra – Caxias do Sul, UCS, Escola
Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980.
Outras fontes
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