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O Surgimento
O Surgimento
Lawrence Stone1
I
Os
historiadores
sempre
contaram
estórias2.
Desde
Tucídides
e
Tácito
a
Gibbon
e
Macaulay,
a
composição
de
uma
narrativa
em
prosa
viva
e
elegante
sempre
foi
considerada
como
sua
maior
ambição.
A
história
era
vista
como
um
ramo
da
retórica.
Nos
últimos
cinquenta
anos,
porém,
essa
função
de
contar
estórias
adquiriu
uma
reputação
negativa
entre
os
que
se
consideram
a
si
mesmos
na
vanguarda
da
profissão,
os
praticantes
da
chamada
"nova
história"
do
período
posterior
a
Segunda
Guerra
Mundial3.
Na
França,
o
contar
estórias
foi
desqualificado
como
"historie
événementielle".
Agora,
porém,
vejo
sinais
de
uma
tendência
subterrânea
que
vem
atraindo
muitos
"novos
historiadores"
importantes
de
volta
para
alguma
forma
de
narrativa.
Antes
de
iniciar
um
exame
das
indicações
de
tal
mudança
e
de
avançar
al-‐
gumas
especulações
sobre
suas
possíveis
causas,
seria
melhor
esclarecer
uma
série
de
coisas.
A
primeira
é
a
acepção
em
que
aqui
se
entende
a
"narrativa”
4.
A
narrativa
aqui
designa
a
organização
de
materiais
numa
ordem
de
sequência
cronológica
e
a
concentração
do
conteúdo
numa
única
estória
coerente,
embora
possuindo
sub-‐tramas.
A
história
narrativa
se
distingue
da
história
estrutural
por
dois
aspectos
essenciais:
sua
disposição
é
mais
descritiva
do
que
analítica,
e
seu
enfoque
central
diz
respeito
ao
homem,
e
não
às
circunstâncias.
Portanto,
ela
trata
do
particular
e
do
específico,
de
preferência
ao
coletivo
e
ao
estatístico.
A
narrativa
é
uma
modalidade
de
escrita
histórica,
modalidade
esta,
porém,
que
também
afeta
e
é
afetada
pelo
conteúdo
e
pelo
método.
1 Sou muito grato à minha mulher e meus colegas, os professores Robert Darnton. Nalalie Davis. Felix Gilbert.
Charles Gillispie. Theodore Rabb, Carl Schorske e muitos outros, pelas valiosas críticas a um esboço inicial desde
artigo. Aceitei a maioria das sugestões, mas a responsabilidade pelo produto final cabe apenas a mim.
2Utiliza-se nesta tradução o pouco consagrado "estória", para manter a distinção com a “história", conforme o uso de
"story" e "history" no original.
3 Não se deve confundir esses "novos historiadores" recentes com os "novos historiadores" americanos de uma
geração anterior, como Charles Deard e James Harvey Robinson.
4 Sobre a história da narrativa, ver L Gossman, Augustin Thierry and Liberal Historiography" History and Theory.
Beiheft XV. 1979. H. White; Methahistory: The Historical Imagtnation in the Nineteenlh Century. Baltimore, 1973.
Agradeço ao professor Randolph Starn por chamar minha atenção para este último.
O
tipo
de
narrativa
em
que
estou
pensando
não
é
o
do
simples
cronista
ou
analista
de
coisas
passadas.
É
a
narrativa
orientada
por
algum
"princípio
fecundo",
e
que
possui
um
tema
e
um
argumento.
O
tema
de
Tucídides
eram
as
guerras
do
Peloponeso
e
seus
efeitos
catastróficos
sobre
a
sociedade
e
a
política
gregas;
o
de
Gibbon
era
o
declínio
e
queda
do
Império
Romano;
o
de
Macaulay,
o
surgimento
de
uma
disposição
participativa
liberal
nas
correntes
da
política
revolucionária.
Os
biógrafos
contam
a
estória
de
uma
vida,
desde
o
nascimento
até
a
morte.
Nenhum
historiador
narrativo,
no
sentido
em
que
aqui
os
defini,
deixa
a
análise
totalmente
de
lado,
mas
ela
não
constitui
o
arcabouço
de
sustentação
em
torno
do
qual
constroem
sua
obra.
E,
por
fim,
eles
estão
profundamente
preocupados
com
os
aspectos
retóricos
de
sua
apresentação.
Quer
suas
tentativas
dêem
certo
ou
não,
eles
certamente
pretendem
alcançar
concisão,
espírito
e
elegância
estilística.
Não
se
contentam
em
lançar
palavras
numa
página
e
ali
deixá-‐las,
pensando
que,
na
medida
em
que
a
história
é
uma
ciência,
dispensa
o
auxílio
de
qualquer
arte.
Não
se
deve
considerar
que
as
correntes
aqui
identificadas
se
apliquem
a
grande
massa
dos
historiadores.
O
que
se
tenta
é
apenas
assinalar
uma
mudança
perceptível
de
conteúdo,
método
e
estilo
entre
uma
parcela
muito
reduzida,
mas
desproporcionalmente
destacada,
da
profissão
histórica
como
um
todo.
A
história
sempre
teve
muitas
sedes,
e
assim
deve
continuar
para
prosperar
no
futuro.
O
triunfo
de
um
gênero
ou
escola
sempre
acaba
levando
a
um
sectarismo
estreito,
ao
narcisismo
e
autobajulação,
ao
desprezo
ou
tirania
em
relação
aos
de
fora,
e
outras
características
desagradáveis
e
contraproducentes.
Todos
nós
conhecemos
exemplos
disso.
Em
alguns
países
e
instituições,
foi
pernicioso
que,
nos
últimos
trinta
anos,
os
"novos
historiadores"
tenham
conseguido
se
impor
de
tal
maneira,
e
será
igualmente
pernicioso
se
a
nova
corrente,
se
é
que
é
uma
corrente,
alcançar,
aqui
e
ali,
um
mesmo
tipo
de
dominação.
É
também
fundamental
estabelecer
de
uma
vez
por
todas
que
este
ensaio
tenta
mapear
transformações
observadas
no
estilo
histórico,
sem
fazer
juízos
de
valor
sobre
as
modalidades
boas
e
as
não
tão
boas
de
escrita
histórica.
Em
qualquer
estudo
historiográfico,
é
difícil
evitar
juízos
de
valor,
mas
este
ensaio
não
pretende
erguer
qualquer
bandeira
nem
conflagrar
uma
revolução.
Ninguém
está
sendo
instado
a
jogar
fora
sua
calculadora
e
contar
uma
estória.
II
Antes
de
observar
as
correntes
recentes,
primeiramente
é
preciso
explicar
o
abandono,
por
parte
de
muitos
historiadores,
há
cerca
de
cinquenta
anos
atrás,
de
uma
tradição
que,
durante
dois
séculos,
encarou
a
narrativa
como
modalidade
ideal.
Em
primeiro
lugar,
apesar
de
acaloradas
afirmativas
em
contrário,
reconheceu-‐se
amplamente,
com
certa
razão,
que
as
respostas
de
tipo
cronológico
a
perguntas
sobre
o
quê
e
como,
mesmo
que
orientadas
por
um
argumento
central,
de
fato
não
avançam
muito
para
responder
a
perguntas
sobre
o
porquê.
Além
disso,
naquela
época,
os
historiadores
se
encontravam
sob
a
forte
influência
tanto
da
ideologia
marxista,
quanto
da
metodologia
das
ciências
sociais.
Por
decorrência,
estavam
interessados
em
sociedades,
e
não
em
indivíduos,
e
confiavam
que
se
poderia
chegar
a
uma
"a
história
científica"
que,
com
o
tempo,
criaria
leis
generalizadas
para
explicar
a
transformação
histórica.
Neste
ponto,
devemos
parar
mais
uma
vez,
para
definir
o
que
se
entende
por
"a
história
científica".
A
primeira
"a
história
científica"
foi
formulada
por
Ranke
no
século
XIX,
e
se
baseava
no
estudo
de
novas
fontes.
Acreditava-‐se
que
a
detalhada
crítica
textual
de
registros
até
então
intocados,
enterrados
em
arquivos
oficiais,
estabeleceria
definitivamente
os
fatos
da
história
política.
Nos
últimos
trinta
anos,
apareceram
três
tipos
muito
diferentes
de
"história
científica",
correntes
na
profissão,
todos
baseados
não
em
novos
dados,
mas
em
novos
modelos
ou
novos
métodos:
o
modelo
econômico
marxista,
o
modelo
ecológico-‐demográfico
francês
e
a
metodologia
"cliométrica"
americana.
Segundo
o
velho
modelo
marxista,
a
história
avança
num
processo
dialético
de
tese
e
antítese,
através
de
um
conflito
de
classes,
elas
mesmas
criadas
por
uma
transformação
no
controle
sobre
os
meios
de
produção.
Nos
anos
1930.
essa
idéia
resultou
num
determinismo
econômico-‐social
bastante
simplista,
que
afetou
muitos
jovens
estudiosos
da
época.
É
uma
noção
de
"história
científica"
que
foi
firmemente
defendida
por
marxistas
até
o
final
dos
anos
1950.
Deve-‐se
notar,
porém,
que
a
atual
geração
de
"neo-‐marxistas"
parece
ter
abandonado
a
maioria
dos
princípios
básicos
dos
historiadores
marxistas
tradicionais
da
década
de
1930.
Agora
estão
tão
interessados
pelo
estado,
a
política,
a
religião
e
a
ideologia
quanto
seus
colegas
não-‐marxistas,
e
nesse
meio-‐tempo
parecem
ter
renunciado
à
pretensão
de
estarem
buscando
uma
"história
cientifica".
O
segundo
sentido
da
"história
científica"
é
o
empregado
pela
escola
Annales
de
historiadores
franceses,
desde
1945,
entre
os
quais
Emmannuel
Le
Roy
Ladurie
pode
figurar
como
porta-‐voz,
embora
um
tanto
extremado.
Segundo
ele,
a
variável
fundamental
na
história
são
as
mudanças
no
equilíbrio
ecológico
entre
a
oferta
alimentar
e
a
população,
equilíbrio
este
a
ser
necessariamente
determinado
por
estudos
quantitativos
da
produtividade
agrícola,
das
transformações
demográficas
e
preços
dos
alimentos
na
longa
duração.
Esse
tipo
de
"a
história
científica"
surgiu
a
partir
de
uma
combinação
entre
um
prolongado
interesse
francês
pela
geografia
e
demografia
históricas
e,
de
outro
lado,
a
metodologia
quantitativa.
Le
Roy
Ladurie
nos
disse
claramente
que
"a
história
que
não
é
quantificável
não
pode
pretender
ser
científica"
5.
O
terceiro
sentido
da
"história
científica"
é
basicamente
americano,
e
se
baseia
na
pretensão,
expressa
em
alto
e
bom
tom
pelos
"cliometristas",
de
que
apenas
sua
própria
metodologia
quantitativa
muito
especial
pode
ter
qualquer
5 E. Le Roy Ladurie. The Territory of the Historian, trad. B. and S. Reynolds (Hassocks, 1979), p. 15, e pt. i, passim.
ambição
de
ser
científica6.
Segundo
eles,
a
comunidade
histórica
pode
ser
dividida
em
dois.
Há
"os
tradicionalistas",
entre
os
quais
incluem-‐se
os
historiadores
narrativos
do
velho
estilo,
tratando
principalmente
da
política
do
estado
e
da
história
constitucional,
e
os
"novos"
historiadores
econômicos
e
demográficos
das
escolas
Annales
e
Past
and
Present
-‐
embora
estes
últimos
utilizem
a
quantificação
e
os
dois
grupos
tenham
sido
inimigos
ferrenhos
por
várias
décadas,
principalmente
na
França.
Totalmente
à
parte
estão
os
"histo-‐
riadores
científicos",
os
cliometristas,
que
se
definem
mais
por
uma
metodologia
do
que
por
algum
assunto
ou
interpretação
específica
sobre
a
natureza
da
transformação
histórica.
São
historiadores
que
constroem
modelos
paradigmáticos,
às
vezes
contrafatuais
sobre
mundos
que
nunca
existiram
na
vida
real,
e
testam
a
validade
dos
modelos
com
as
mais
sofisticadas
fórmulas
matemáticas
e
algébricas,
aplicadas
a
grandes
quantidades
de
dados
eletro-‐
nicamente
processados.
Seu
campo
específico
é
a
história
econômica,
que
praticamente
conquistaram
nos
Estados
Unidos,
e
têm
feito
grandes
incursões
na
história
da
política
democrática
recente,
aplicando
seus
métodos
ao
com-‐
portamento
nas
votações,
tanto
por
parte
dos
eleitores
quanto
dos
eleitos.
Essas
grandes
empreitas
são,
necessariamente,
resultado
de
um
trabalho
de
equipe,
bastante
parecido
com
a
construção
das
pirâmides:
equipes
de
auxiliares
diligentes
reúnem
dados,
codificam-‐nos,
programam-‐nos
e
passam-‐nos
pela
trituração
do
computador,
todos
sob
a
direção
autocrática
de
um
chefe
de
equipe.
Os
resultados
não
podem
ser
verificados
por
nenhum
dos
métodos
tradicionais,
visto
que
as
provas
documentais
estão
fechadas
em
gravações
computadorizadas
particulares,
não
sendo
expostas
em
notas
de
rodapé
nas
publicações.
De
qualquer
maneira,
os
dados
são
muitas
vezes
expressos
de
uma
forma
tão
matematicamente
obscura
que
são
ininteligíveis
para
a
maioria
dos
historiadores
profissionais.
O
único
consolo
para
os
leigos
perplexos
é
que
os
membros
dessa
ordem
sacerdotal
discordam
ferozmente
em
público
sobre
a
validade
das
descobertas
de
cada
um
deles.
Esses
três
tipos
de
"história
científica"
em
certa
medida
se
sobrepõem,
mas
apresentam
diferenças
suficientes,
e
com
certeza
aos
olhos
de
seus
próprios
praticantes,
para
justificar
a
elaboração
dessa
tríplice
tipologia.
Outras
explicações
"científicas"
da
transformação
histórica
granjearam
prestígio
durante
algum
tempo,
e
depois
saíram
de
moda.
O
estruturalismo
francês
produziu
algumas
teorizações
brilhantes,
mas
não
criou
uma
única
obra
histórica
importante
-‐
a
menos
que
se
considerem
os
textos
de
Michel
Foucault
como
obras
primariamente
históricas,
e
não
de
filosofia
moral
com
exemplos
extraídos
da
história.
O
funcionalismo
parsoniano,
precedido
pela
Teoria
6Um artigo inédito de R. W. Fogel. "Scientific History and Tradicional History". 1979: apresenta os argumentos mais
persuasivos que se podem invocar para considerá-la como a única e verdadeira história "cientifica". Mas continuo sem
me convencer.
Científica
da
Cultura
de
Malinowski7,
teve
uma
longa
vida,
apesar
de
não
conseguir
apresentar
uma
explicação
sobre
a
transformação
ao
longo
do
tempo,
e
a
despeito
do
fato
óbvio
de
que
o
encaixe
entre
as
necessidades
materiais
e
biológicas
de
uma
sociedade
e
as
instituições
e
valores
com
que
ela
vive
nunca
foi
perfeito
e,
na
verdade,
é
freqüentemente
muito
precário.
Tanto
o
estruturalismo
como
o
funcionalismo
deram
idéias
valiosas,
mas
nenhum
deles
chegou
sequer
perto
de
oferecer
aos
historiadores
uma
explicação
científica
abrangente
da
transformação
histórica.
Esses
três
grupos
principais
de
"historiadores
científicos",
que
floresceram
respectivamente
dos
anos
1930
aos
anos
1950,
dos
anos
1950
aos
meados
dos
anos
1970,
e
dos
anos
1960
ao
começo
dos
anos
1970,
tinham
uma
extrema
confiança
de
que
os
grandes
problemas
da
explicação
histórica
eram
solúveis,
e
que
eles
os
resolveriam
com
o
tempo.
Supunham
que
finalmente
se
apresentariam
soluções
inflexíveis
para
questões
até
o
momento
tão
desconcertantes,
como
as
causas
das
"grandes
revoluções"
ou
da
passagem
do
feudalismo
para
o
capitalismo,
e
das
sociedades
tradicionais
para
as
modernas.
Esse
otimismo
impetuoso,
tão
patente
dos
anos
1930
aos
anos
1960,
escorava-‐se,
nos
dois
primeiros
grupos
de
"historiadores
científicos",
na
crença
de
que
condições
materiais
como
as
transformações
na
relação
entre
a
população
e
a
oferta
alimentar,
as
transformações
nos
meios
de
produção
e
conflitos
de
classes,
eram
as
forças
motoras
da
história.
Muitos,
mas
nem
todos,
consideravam
os
desenvolvimentos
intelectuais,
culturais,
religiosos,
psicológicos,
jurídicos
e
mesmo
políticos,
como
meros
epifenômenos.
Como
o
determinismo
econômico
e/ou
demográfico
ditava
em
larga
medida
o
conteúdo
do
novo
gênero
de
pesquisa
histórica,
a
modalidade
mais
adequada
para
organizar
e
apresentar
os
dados
era
a
analítica,
mais
do
que
a
narrativa,
e
os
próprios
dados
deviam
ter
uma
natureza
quantitativa
ao
máximo
possível.
Os
historiadores
franceses,
que
na
década
de
1950
e
1960
encontravam-‐
se
à
frente
deste
ousado
empreendimento,
desenvolveram
uma
disposição
hierárquica
padronizada:
em
primeiro
lugar,
tanto
em
ordem
de
sequência
como
em
ordem
de
importância,
vinham
os
fatos
econômicos
e
demográficos;
a
seguir,
a
estrutura
social,
e,
em
último
lugar,
os
desenvolvimentos
intelectuais,
religiosos,
culturais
e
políticos.
Esses
três
terços
eram
vistos
como
se
fossem
os
andares
de
uma
casa:
cada
um
se
apóia
sobre
as
fundações
do
nível
inferior,
mas
os
que
estão
por
cima
exercem
pouco
ou
nenhum
efeito
sobre
os
de
baixo.
Em
algumas
mãos,
a
nova
metodologia
e
as
novas
questões
geraram
resultados
quase
espetaculares.
Os
primeiros
livros
de
Fernand
Braudel,
Pierre
Goubert
e
Emmanuel
Le
Roy
Ladurie
figuram
entre
os
maiores
textos
históricos
de
todos
os
7 Bronislaw Malinowski. A Scientific Theory of Culture, and Other Essays. Chapei Hill. N. C 1944.
tempos
e
lugares8.
Por
si
sós,
justificam
plenamente
a
adoção
da
abordagem
analítica
e
estrutural
por
toda
uma
geração.
O
resultado,
porém,
foi
um
violento
revisionismo
histórico.
Como
apenas
o
primeiro
terço
é
que
importava
realmente,
e
como
o
tema
eram
as
condições
materiais
das
massas,
e
não
a
cultura
da
elite,
tornou-‐se
possível
falar
na
história
da
Europa
Continental
do
século
XIV
ao
século
XVIII
como
"l'historié
immobile".
Le
Roy
Ladurie
argumentou
que
nada,
absolutamente
nada,
mudou
ao
longo
desses
cinco
séculos,
visto
que
a
sociedade
se
manteve
obstinadamente
presa
em
sua
"eco-‐demografia"
tradicional
inalterada9.
Neste
novo
modelo
da
história,
movimentos
como
o
Renascimento,
a
Reforma,
o
Iluminismo
e
o
surgimento
do
estado
moderno
simplesmente
desapareceram.
Foram
ignoradas
as
transformações
maciças
da
cultura,
arte,
arquitetura,
literatura,
religião,
educação,
ciência,
direito,
constituição,
construção
civil,
burocracia,
organização
militar,
sistemas
tributários
e
assim
por
diante,
as
quais
ocorreram
nos
escalões
superiores
da
sociedade
durante
esses
cinco
séculos.
Essa
curiosa
cegueira
foi
decorrência
de
uma
sólida
crença
de
que
tais
questões
pertenciam
à
terceira
parte,
uma
mera
superestrutura
superficial.
Quando
alguns
estudiosos
desta
escola
começaram,
recentemente,
a
utilizar
seus
métodos
estatísticos
comprovados
em
problemas
como
a
alfabetização,
o
conteúdo
das
bibliotecas,
a
ascensão
e
queda
da
devoção
cristã,
eles
definiram
suas
atividades
como
uma
aplicação
da
quantificação
a
"le
troisiéme
niveau".
III
A
primeira
causa
do
atual
ressurgimento
da
narrativa
é
uma
desilusão
generalizada
com
o
modelo
determinista
econômico
de
explicação
histórica
e
essa
tríplice
disposição
hierárquica
dele
originada.
A
cisão
entre
a
história
social
e
a
história
intelectual
teve
as
mais
infelizes
consequências.
Ambas
se
tornaram
isoladas,
estreitas,
voltadas
para
si
mesmas.
Nos
Estados
Unidos,
a
história
intelectual,
que
antes
havia
sido
o
estandarte
da
profissão,
enfrentou
tempos
difíceis
e,
por
um
certo
período,
perdeu
a
confiança
em
si10:
a
história
social
prosperou
como
nunca,
mas
seu
orgulho
por
suas
realizações
isoladas
não
passava
do
prenúncio
de
uma
subseqüente
perda
da
vitalidade,
quando
começou
a
declinar
a
fé
em
explicações
puramente
econômicas
e
sociais.
Os
registros
históricos
agora
obrigaram
muitos
de
nós
a
reconhecer
que
existe
um
fluxo
8F. Braudel. La Méditerranée et le Monde Méditerranéen à l'époque de Philippe II. Paris. 1949: P. Goubert. Beauvais
et le Beauvaisis de 1600 à 1730. Paris. 1960: E. Le Roy Ladurie. Les paysans du Languedoc. Paris. 1966.
9 E. Le Roy Ladurie, "L'historié Immobile", em seu Le Territoire de l'Historien. 2 vol. Paris. 1973-8. ii, o artigo
foi escrito em 1973.
10R. Darnton. "Inlelleclual and Cullural Hislory", in M. Kämmen (org.). History in Our Time, Ithaca. Nova York.
1980.
bidirecional
extraordinariamente
complexo
de
interações
entre
fatos
relativos,
de
um
lado,
à
população,
oferta
alimentar,
clima,
oferta
monetária,
preços,
e,
de
outro
lado,
os
valores,
idéias
e
costumes.
Formam,
com
as
relações
sociais
de
posição
ou
classe,
uma
única
rede
de
significados.
Muitos
historiadores
agora
acreditam
que
a
cultura
do
grupo,
e
mesmo
a
vontade
do
indivíduo,
são,
pelo
menos
potencialmente,
agentes
causais
de
transformação
tão
importantes
quanto
as
forças
impessoais
da
produção
ma-‐
terial
e
do
crescimento
demográfico.
Não
existe
nenhuma
razão
teórica
pela
qual
estas
últimas
devam
sempre
determinar
as
primeiras,
e
não
vice-‐versa,
e,
na
verdade,
acumulam-‐se
as
indicações
de
exemplos
em
contrário11.
A
contracepção,
por
exemplo,
é
nitidamente
tanto
um
produto
de
um
estado
mental
quanto
de
circunstâncias
econômicas.
Pode-‐se
encontrar
a
prova
disso
na
ampla
difusão
da
prática
anticoncepcional
por
toda
a
França,
muito
antes
da
industrialização,
sem
grandes
pressões
populacionais
a
não
ser
em
pequenas
propriedades
rurais,
e
quase
um
século
antes
do
que
qualquer
outro
país
ocidental.
Hoje
em
dia,
também
sabemos
que
a
família
nuclear
é
anterior
à
sociedade
industrial,
e
que
os
conceitos
de
privacidade,
amor
e
individualismo
surgiram,
analogamente,
entre
alguns
dos
setores
mais
tradicionais
de
uma
sociedade
tradicional,
a
Inglaterra
no
final
do
século
XVII
e
começo
do
século
XVIII,
e
não
em
decorrência
de
processos
econômicos
e
sociais
modernizadores
de
data
posterior.
A
ética
protestante
foi
um
produto
colateral
de
um
movimento
religioso
espiritual,
que
se
enraizou
nas
sociedades
anglo-‐saxãs
da
Inglaterra
e
Nova
Inglaterra,
séculos
antes
que
fossem
necessários
ritmos
constantes
de
trabalho
ou
que
fosse
construída
a
primeira
fábrica.
Por
outro
lado,
existe
uma
correlação
inversa,
pelo
menos
na
França
oitocentista,
entre
a
alfabetização,
a
urbanização
e
a
industrialização.
Os
níveis
de
alfabetização
se
revelam
como
guias
precários
para
atitudes
mentais
"modernas''
ou
profissões
"modernas"12.
Assim,
os
elos
entre
a
cultura
e
a
sociedade
são
de
fato
muito
complexos,
e
parecem
variar
no
tempo
e
no
espaço.
E
difícil
não
suspeitar
que
o
declínio
do
engajamento
ideológico
entre
os
intelectuais
ocidentais
também
desempenhou
seu
papel.
Se
observamos
três
das
batalhas
históricas
mais
renhidas
e
apaixonadas
dos
anos
1950
e
1960
-‐
a
ascensão
ou
declínio
da
nobreza
na
Inglaterra
seiscentista,
a
ascensão
ou
queda
do
rendimento
real
do
operariado
nas
primeiras
fases
da
industrialização,
e
as
causas,
natureza
e
consequências
da
escravidão
americana
todas
constituíam,
na
base,
discussões
ateadas
por
preocupações
ideológicas
do
momento.
Na
época,
parecia
desesperadamente
importante
saber
se
a
interpretação
marxista
estava
certa
ou
não,
e
por
isso
essas
questões
históricas
eram
relevantes
e
instigantes.
11M. Zuckerman, "Dreams that Men Dare to Dream: The Role of Ideas in Western Modernization", Social Science
Hist.,ii (1978).
F. Furet e J. Ozouf. Lire et Écrire, Paris. 1977. Ver também K. Lockridge. Literacy in Colonial New
12
13 Refiro-me ao debate iniciado por Robert Brenner. "Agrarian Class Structure and Economy Development in Pre-
industrial Europe". Past and Present, no 70. tev. 1976.pp. 30 75
numéricas
sem
nunca
exporem
explicitamente
a
base
estatística
para
suas
afirmações.
A
quantificação
também
fez
com
que
o
argumento
baseado
exclusivamente
no
exemplo
pareça
um
tanto
desacreditado.
Os
críticos
agora
exigem
provas
estatísticas
de
apoio,
que
mostrem
que
os
exemplos
são
típicos,
e
não
exceções
à
regra.
Tais
procedimentos
melhoraram
inquestionavelmente
a
força
lógica
e
a
capacidade
de
persuasão
do
argumento
histórico.
E
não
há
qualquer
discordância
que,
sempre
que
for
adequado,
fecundo
e
possível
a
partir
dos
registros
disponíveis,
o
historiador
deve
levá-‐los
em
conta.
Existe,
porém,
uma
diferença
de
gênero
entre
a
quantificação
artesanal
feita
por
um
único
pesquisador,
amontoando
números
numa
calculadora
de
mão
e
montando
tabelas
e
porcentagens
simples,
e
o
trabalho
dos
cliometristas.
Estes
se
especializam
na
reunião
de
enormes
quantidades
de
dados
por
meio
de
equipes
de
auxiliares,
do
uso
do
computador
eletrônico
para
processá-‐los
e
da
aplicação
de
procedimentos
matemáticos
extremamente
sofisticados
aos
resultados
obtidos.
Têm-‐se
levantado
dúvidas
sobre
todos
os
estágios
desse
processo.
Muitos
questionam
se
os
dados
históricos
são
suficientemente
confiáveis
para
garantir
tais
procedimentos;
se
se
pode
confiar
que
as
equipes
de
auxiliares
aplicam
procedimentos
uniformes
de
codificação
a
grandes
quantidades
de
documentos
freqüentemente
muito
heterogêneos
e
mesmo
ambíguos;
se
é
de
algum
modo
possível
confiar
que
todos
os
erros
de
co-‐
dificação
e
programação
foram
eliminados;
e
se
o
refinamento
das
fórmulas
matemáticas
e
algébricas
não
acaba
sendo
contraproducente,
na
medida
em
que
confundem
a
maioria
dos
historiadores.
Finalmente,
muitos
se
sentem
perturbados
pelo
fato
de
ser
praticamente
impossível
verificar
a
confiabilidade
dos
resultados
finais,
visto
que
têm
de
depender
não
de
notas
publicadas,
mas
de
gravações
computadorizadas
de
propriedade
particular,
abstraídas,
por
uma
vez
dos
dados
brutos.
Essas
questões
são
reais
e
não
desaparecerão.
Todos
nós
sabemos
de
teses
de
doutorado,
de
monografias
ou
comunicações
publicadas
que
empre-‐
gavam
as
técnicas
mais
sofisticadas
para
provar
o
óbvio
ou
pretender
provar
o
implausível,
utilizando
fórmulas
e
linguagens
que
tornam
a
metodologia
inverificável
para
o
historiador
comum.
Os
resultados
às
vezes
combinam
os
defeitos
da
ilegibilidade
e
da
trivialidade.
Todos
nós
sabemos
de
teses
de
dou-‐
torado
que
definham
inacabadas,
pois
o
pesquisador
não
conseguiu
manter
sob
seu
controle
intelectual
o
mero
volume
de
coisas
apresentadas
pelo
computa-‐
dor,
ou
que
gastou
tanto
esforço
para
preparar
os
dados
para
a
máquina
que
seu
tempo,
paciência
e
dinheiro
acabaram
terminando.
Uma
conclusão
clara
é
seguramente
que
sempre
que
possível,
a
amostragem
manual
é
preferível
e
mais
rápida
do
que
passar
o
universo
inteiro
por
uma
máquina,
além
de
ser
igualmente
confiável.
Todos
nós
sabemos
de
projetos
em
que
uma
falha
lógica
no
argumento
ou
a
incapacidade
de
usar
o
simples
bom
senso
viciou
ou
tornou
duvidosas
muitas
das
conclusões.
Todos
nós
sabemos
de
outros
projetos
em
que
a
falta
de
registro
de
parte
de
uma
informação
no
estágio
de
codificação
levou
à
perda
de
um
resultado
importante.
Todos
nós
sabemos
de
outros
em
que
as
próprias
fontes
de
informação
são
tão
inconfiáveis
que
podemos
ter
certeza
de
que
pouco
confiáveis
serão
as
conclusões
baseadas
em
sua
manipulação
quantitativa.
Os
registros
paroquiais
são
um
exemplo
clássico,
aos
quais
vem
se
dedicando
um
volume
de
trabalho
gigantesco
em
muitos
países,
e
apenas
parte
dele
é
capaz
de
vir
a
produzir
resultados
que
valham
a
pena.
Apesar
de
suas
realizações
inquestionáveis,
não
se
pode
negar
que
a
quantificação
não
respondeu
às
grandes
esperanças
de
vinte
anos
atrás.
A
maioria
dos
grandes
problemas
da
história
continuam
tão
insolúveis
como
sempre,
se
não
mais.
O
consenso
sobre
as
causas
das
revoluções
inglesa,
francesa
ou
americana
continua
tão
distante
como
sempre,
apesar
do
enorme
esforço
dedicado
a
elucidação
de
suas
origens
sociais
e
econômicas.
Trinta
anos
de
pesquisa
intensiva
na
história
demográfica
mais
aumentaram
do
que
diminuíram
nossa
perplexidade.
Não
sabemos
por
que
a
população
deixou
de
crescer
em
inúmeras
áreas
da
Europa
entre
1640
e
1740:
não
sabemos
por
que
ela
voltou
a
crescer
em
1740,
e
nem
mesmo
se
a
causa
foi
o
aumento
da
fecundidade
ou
o
declínio
da
mortalidade.
A
quantificação
nos
informou
muito
sobre
as
questões
sobre
o
quê
da
demografia
histórica,
mas,
até
agora,
rela-‐
tivamente
pouco
sobre
os
porquês.
As
grandes
questões
sobre
a
escravidão
americana
continuam
tão
esquivas
como
sempre,
apesar
de
ter-‐lhes
sido
de-‐
dicado
um
dos
estudos
mais
volumosos
e
sofisticados
jamais
elaborados.
A
publicação
de
suas
descobertas,
longe
de
solucionar
muitos
problemas,
apenas
aumentou
a
temperatura
do
debate14.
Ela
teve
o
efeito
benéfico
de
concentrar
a
atenção
sobre
problemas
importantes,
tais
como
a
dieta,
a
higiene,
a
saúde
e
a
estrutura
familiar
dos
negros
americanos
sob
a
escravidão,
mas
também
desviou
a
atenção
dos
efeitos
psicológicos
tão
ou
mais
importantes
da
escravidão
sobre
os
senhores
e
os
escravos,
simplesmente
porque
tais
questões
não
podiam
ser
medidas
por
um
computador.
As
histórias
urbanas
estão
cheias
de
estatísticas,
mas
as
tendências
de
mobilidade
continuam
obscuras.
Hoje
em
dia,
ninguém
tem
plena
certeza
se
a
sociedade
inglesa
era
mais
aberta
ou
mais
móvel
do
que
a
sociedade
francesa
nos
séculos
XVII
e
XVIII,
ou
nem
mesmo
se
a
nobreza
ou
a
aristocracia
estava
ascendendo
ou
decaindo
na
Inglaterra
antes
da
Guerra
Civil.
Atualmente,
a
esse
respeito,
nossa
posição
não
é
melhor
do
que
a
de
James
Harrington
no
século
XVII
ou
a
de
Tocqueville
no
século
XIX.
Foram
justamente
aqueles
projetos
com
as
dotações
de
verbas
mais
pródigas,
os
mais
ambiciosos
na
coleta
de
grandes
quantidades
de
dados
por
legiões
de
pesquisadores
remunerados,
os
mais
cientificamente
processados
14 R. W. Fogel e S. Engerman. Time on the Croat. Boston. Mass. 1974: P.A.. David et al. Reckoning with
Slavery. Nova York. 1976; H. Gutman. Slavery and the Numbers Game. Urbana. 1975. 111.
pela
última
palavra
na
tecnologia
eletrônica,
os
mais
matematicamente
sofisti-‐
cados
na
apresentação,
que
até
agora
se
revelaram
como
os
mais
decepcionan-‐
tes.
Hoje,
depois
de
vinte
anos
e
milhões
de
dólares,
libras
e
francos,
o
que
há
para
mostrar,
pelo
gasto
de
tanto
tempo,
trabalho
e
dinheiro,
são
apenas
resul-‐
tados
bastante
modestos.
Há
pilhas
enormes
dé
folhas
impressas
esverdeadas
juntando
pó
nos
gabinetes
dos
estudiosos;
há
muitos
volumes
gordos
e
deses-‐
peradoramente
maçantes,
cheios
de
tabelas
de
números,
equações
algébricas
abstrusas
e
porcentagens
levadas
até
duas
casas
decimais.
Também
existem
muitas
novas
descobertas
valiosas
e
algumas
grandes
contribuições
para
o
conjunto
relativamente
pequeno
de
obras
históricas
de
valor
permanente.
Mas,
de
modo
geral,
a
sofisticação
dos
métodos
tem
mostrado
a
tendência
a
superar
a
confiabilidade
dos
dados,
ao
passo
que
a
utilidade
dos
resultados
parece
-‐
até
certo
ponto
-‐
estar
numa
proporção
inversa
à
complexidade
matemática
da
metodologia
e
à
escala
grandiosa
da
coleta
de
dados.
Em
qualquer
análise
em
termos
dos
custos
e
benefícios,
o
retorno
da
história
computadorizada
em
grande
escala
tem,
até
agora,
justificado
apenas
ocasionalmente
o
investimento
de
tempo
e
dinheiro,
e
isso
tem
levado
os
historiadores
a
buscarem
outros
métodos
de
investigar
o
passado,
que
lancem
mais
luz
com
menos
problemas.
Em
1968,
Le
Roy
Ladurie
profetizou
que,
nos
anos
1980,
"o
historiador
será
um
programador
ou
não
será
nada”15.
A
profecia
não
se
cumpriu,
e
muito
menos
pelo
próprio
profeta.
Os
historiadores,
portanto,
foram
obrigados
a
voltar
ao
princípio
da
indeterminação,
ao
reconhecimento
de
que
as
variáveis
são
tão
numerosas
que,
na
melhor
das
hipóteses,
apenas
generalizações
de
médio
alcance
são
possíveis
na
história,
como
sugeriu
Robert
Merton
há
muito
tempo
atrás.
O
modelo
macro-‐
econômico
é
um
castelo
no
ar,
e
a
"a
história
científica"
é
um
mito.
Explicações
monocausais
simplesmente
não
funcionam.
O
emprego
de
modelos
de
explicação
em
feed-‐back,
construídos
em
torno
de
"afinidades
eletivas"
weberianas,
parece
oferecer
instrumentos
de
melhor
qualidade
para
revelar
algo
da
verdade
fugidia
sobre
a
causação
histórica,
especialmente
se
abandonamos
qualquer
pretensão
de
que
essa
metodologia
seja,
em
qualquer
sentido,
científica.
A
desilusão
com
o
determinismo
monocausal
econômico
ou
demográfico
e
com
a
quantificação
levou
os
historiadores
a
começarem
a
colocar
um
leque
de
questões
totalmente
novas,
muitas
delas
antes
impedidas
de
se
mostrarem
devido
à
preocupação
com
uma
metodologia
estrutural,
coletiva
e
estatística
específica.
Um
número
cada
vez
maior
dos
"novos
historiadores"
vem
tentando
agora
descobrir
o
que
se
passava
na
cabeça
das
pessoas
no
passado,
e
como
era
viver
naqueles
tempos,
questões
estas
que
reconduzem
inevitavelmente
ao
uso
da
narrativa.
16 C. Geertz. "Deep Play: Notes on the Balinese Cock-Fight", em seu The Interpretation of Cultures. Nova York. 1973.
estabelecer
uma
conexão
entre
o
súbito
aumento
do
interesse
por
esses
temas
no
passado
e
preocupações
semelhantes
no
presente.
Esse
novo
interesse
pelas
estruturas
mentais
foi
estimulado
pelo
colapso
da
história
intelectual
tradicional,
tratada
como
uma
espécie
de
caça
livresca
de
idéias
remontando
nas
eras
(que
geralmente
termina
em
Aristóteles
ou
Platão).
Os
"grandes
livros"
eram
estudados
num
vazio
histórico,
com
pouco
ou
nenhum
esforço
de
situar
os
próprios
autores
ou
seu
vocabulário
lingüístico
em
seus
verdadeiros
quadros
históricos.
A
história
do
pensamento
político
no
ocidente
está
agora
sendo
reescrita,
basicamente
por
J.G.A.Pocock,
Quentin
Skinner
e
Bernard
Bailyn,
com
uma
reconstrução
laboriosa
do
contexto
e
significado
preciso
das
palavras
e
idéias
no
passado,
e
mostrando
como
mudaram
de
formas
e
cores
no
decorrer
do
tempo,
como
camaleões,
para
se
adaptarem
a
novas
circunstâncias
e
novas
necessidades.
Simultaneamente,
a
tradicional
história
das
idéias
está
se
dirigindo
para
um
estudo
sobre
as
transformações
nos
meios
de
comunicação
e
no
público
receptor.
Surgiu
uma
nova
e
próspera
disciplina
da
história
da
imprensa,
do
livro
e
da
alfabetização,
e
de
seus
efeitos
sobre
a
difusão
de
idéias
e
a
transformação
de
valores.
Uma
outra
razão
adicional
para
que
vários
"novos
historiadores"
estejam
voltando
à
narrativa
parece
consistir
na
vontade
de
tornarem
suas
descobertas
novamente
acessíveis
a
um
público
leitor
inteligente,
mas
não
especialista,
muito
disposto
a
aprender
o
que
revelam
essas
questões,
métodos
e
dados
inovadores,
mas
sem
estômago
para
tabelas
estatísticas
indigestas,
argumentos
analíticos
áridos
e
uma
prosa
cheia
de
jargões.
Os
historiadores
estruturais,
analíticos
e
quantitativos
estão
cada
vez
mais
falando
apenas
entre
eles,
e
com
mais
ninguém.
Suas
descobertas
aparecem
em
revistas
profissionais
ou
em
monografias
tão
caras,
e
com
edições
tão
reduzidas
(menos
de
mil
exemplares),
que
na
prática
são
quase
que
inteiramente
compradas
apenas
por
bibliotecas.
E,
no
entanto
o
sucesso
de
periódicos
históricos
populares,
como
History
Today
e
L'hisloire,
demonstra
que
existe
um
grande
público
disposto
a
ouvir,
e
os
"novos
historiadores"
agora
estão
ansiosos
em
falar
para
essa
audiência,
em
vez
de
deixar
que
ela
se
alimente
de
manuais
e
biografias
populares.
As
questões
que
estão
sendo
colocadas
pelos
"novos
historiadores"
são,
afinal,
as
que
nos
preocupam
a
todos
atualmente:
a
natureza
do
poder,
da
autoridade
e
da
liderança
carismática:
a
relação
entre
as
instituições
políticas
e
os
padrões
sociais
e
sistemas
de
valores
subjacentes:
as
atitudes
frente
à
juventude,
à
velhice,
à
doença
e
à
morte:
o
sexo,
o
casamento
e
o
concubinato,
o
nascimento,
a
contracepção
e
o
aborto;
o
trabalho,
o
lazer
e
o
consumo
conspícuo;
a
relação
entre
a
religião,
a
ciência
e
a
magia
como
modelos
explicativos
da
realidade;
a
força
e
a
direção
das
emoções
do
amor,
medo,
luxúria
e
ódio;
o
impacto
de
alfabetização
e
da
educação
sobre
a
vida
das
pessoas
e
o
modo
de
encarar
o
mundo;
a
importância
relativa
atribuídas
a
diferentes
grupos
sociais,
como
a
família,
o
parentesco,
a
comunidade,
a
nação,
a
classe
e
a
raça;
a
força
e
o
significado
do
ritual,
do
símbolo
e
do
costume
como
formas
de
dar
coesão
a
uma
comunidade:
as
abordagens
morais
e
filosóficas
do
crime
e
do
castigo;
padrões
de
submissão
e
surtos
de
igualitarismo;
os
conflitos
estruturais
entre
classes
ou
grupos
sociais;
os
meios,
possibilidades
e
limitações
da
mobilidade
social;
a
natureza
e
o
significado
do
protesto
popular
e
das
esperanças
milenaristas;
as
alterações
no
equilíbrio
ecológico
entre
o
homem
e
a
natureza;
as
causas
e
efeitos
da
doença.
São
todas
questões
candentes
na
atualidade,
e
dizem
respeito
às
massas,
mais
do
que
às
elites.
Têm
maior
"relação"
com
nossas
próprias
vidas
do
que
os
efeitos
de
reis,
presidentes
e
generais
mortos.
IV
17D. P. Jordan, The King's Trial: Louis XVI v. the French Revolution (Berkeley,1979); reviewed in Publishers' Weekly,
13 de Agosto de 1979.
18 N. Elias, Uber den Prozess der Zivilisation (Basel, 1939), trans. Edrnund Jephcott as The Civilizing Process, 2 vols.
(Oxford and New York, 1978).
19 T. Zeldin. France, 1848-1945. 2 vol. série Oxlord History of Modern Europe. Oxlord. 1973-77: uad. Histoire des
Passions Françaises. Paris. 1978. Ver também R. Mandrou. Introduction à ta France Moderne, 1550-1640, Paris. 1961
21J. Delumeau. Vie Économique et Sociale de Rome dans la Seconde Moitié' du XV] siècle. 2 vol. Paris. 1957-9: Ldlun
de Rome, XV - XIX siècle. 2 vol. Paris. 1902: Le Catholicisme entre Luther et Voltaire. Paris. 1971; La Mort des Pays
de Cocagne: CompurtamenU Collectifs de la Renaissance à l'âge classique. Paris. 1970: L'Histoire de la Peur. Paris.
1979.
22 P. Brown. The World of Late Antiquity: From Marcus Aurelius to Muhammad. Londres. 1971.
Houve
até
mesmo
um
ressurgimento
da
narração
de
um
único
acon-‐
tecimento.
Georges
Duby
ousou
fazer
o
que,
há
poucos
anos
atrás,
seria
inconcebível.
Ele
dedicou
um
livro
ao
relato
de
uma
única
batalha
Bouvines
e
por
meio
dela
esclareceu
as
principais
características
da
sociedade
feudal
francesa
na
primeira
metade
do
século
XIII23.
Carlo
Ginzburg
nos
deu
um
minucioso
relato
da
cosmologia
de
um
obscuro
e
humilde
moleiro
do
norte
da
Itália,
do
início
do
século
XVI,
e
através
dela
procurou
mostrar
a
perturbação
intelectual
e
psicologia
a
nível
popular,
provocada
pela
filtragem
das
idéias
da
Reforma24.
Emmanuel
Le
Roy
Ladurie
pintou
um
quadro
único
e
inesquecível
da
vida
e
morte,
trabalho
e
sexo,
religião
e
costumes,
numa
aldeia
dos
Pireneus,
no
início
do
século
XIV25,
Montaillou
é
significativo
sob
dois
aspectos:
em
primeiro
lugar,
porque
se
tornou
um
dos
maiores
best-‐sellers
de
história
do
século
XX
na
França;
em
segundo
lugar,
porque
não
conta
uma
estória
direta
-‐
não
há
estória
-‐,
mas
vagueia
pela
cabeça
das
pessoas.
Não
é
por
acaso
que
é
esta,
justamente,
uma
das
maneiras
pelas
quais
o
romance
moderno
se
distingue
dos
romances
de
épocas
anteriores.
Mais
recentemente,
Le
Roy
Ladurie
contou
a
estória
de
um
único
episódio
cruento,
em
1580,
numa
pequena
vila
no
sul
da
França,
utilizando-‐o
para
revelar
as
contracorrentes
de
ódio
que
vinham
dilacerando
o
tecido
social
da
vila26.
Carlo
M.
Cipolla,
que
até
então
fora
um
dos
mais
férreos
entre
os
obstinados
estruturalistas
econômicos
e
demográficos,
acabou
de
publicar
um
livro
mais
interessado
numa
reconstrução
evocativa
das
reações
pessoais
à
terrível
crise
de
uma
epidemia,
do
que
no
estabelecimento
de
estatísticas
sobre
a
incidência
do
mal
e
a
mortalidade.
Pela
primeira
vez,
ele
conta
uma
estória27.
Eric
Hobsbawm
descreveu
a
vida
curta,
desagradável
e
brutal
dos
rebeldes
e
bandidos
pelo
mundo,
de
modo
a
definir
a
natureza
e
os
objetivos
de
seus
"rebeldes
primitivos"
e
"bandidos
sociais”
28.
Edward
Thompson
contou
a
estória
da
luta
na
Inglaterra,
no
começo
do
século
XVIII,
entre
os
caçadores
clandestinos
e
as
autoridades
na
floresta
de
Windsor,
a
fim
de
respaldar
seu
argumento
sobre
o
conflito
entre
plebeus
e
nobres
naquela
época29.
O
último
livro
de
Robert
Darnton
conta
como
25E. Le Roy Ladurie. Montaillou, Village Occitan de 1294 à 1324, Paris. 1976: trad. B. Bray. Montaillou: Cathars and
Catholics in a French Village 1294-1324. Londres. 1978.
26 E. Le Roy Ladurie. Le Carnaval de romans: de la chandeleur au mercredi des cendres, 1579-1580. Paris. 1979.
27 C. M Cipolla. Faith, reason, and the plague in seventeenth-century Tuscany, Ithaca. N.Y., 1979.
28E. J. Hobsbawn. Primitive Rebels. Manchester. 1959; E. J. Hobsbawm. Bandits. Londres. 1909: E. J.
Hobsbawm e G. Rudé. Captain Swing. Londres. 1969.
31N. Z. Davis, "Charivari, honneur et communaute a Lyon et a Geneve au XVIIe siecle", in J. Le Goff and J.-C. Schmitt
(orgs.). Le Charivari (a sair).
32K. V. Thomas. Religion and the Decline of Magic: Studies in popular beliefs in sixteenth and seventeenth century
England (London, 1971).
33 L. Stone. The Family, Sex and Marriage in England, 1500 - 1800. Londres. 1971.
subconsciente,
ao
invés
de
se
aferrarem
aos
fatos
em
si.
E
sob
a
influência
dos
antropólogos,
tentam
utilizar
o
comportamento
para
revelar
sentidos
simbólicos.
Em
quinto
lugar,
eles
contam
a
estória
de
uma
pessoa,
um
julgamento
ou
um
episódio
dramático,
não
por
ele
mesmo,
mas
para
lançar
luz
ao
funcionamento
interno
de
uma
cultura
e
uma
sociedade
do
passado.
V
Se
estou
certo
em
meu
diagnóstico,
o
movimento
em
direção
à
narrativa
por
parte
dos
"novos
historiadores"
marca
o
fim
de
uma
era:
o
fim
da
tentativa
de
criar
uma
explicação
científica
coerente
sobre
a
transformação
no
passado.
O
determinismo
econômico
e
demográfico
faliu
frente
às
evidências,
más
não
surgiu
nenhum
modelo
determinista
completo,
baseado
na
política,
na
psicologia
ou
na
cultura,
para
ocupar
seu
lugar.
O
estruturalismo
e
o
funcionalismo
não
se
mostraram
muito
melhores.
A
metodologia
quantitativa
se
revelou
um
caniço
bastante
frágil,
capaz
de
responder
apenas
a
um
leque
restrito
de
problemas.
Levados
a
escolher
entre
modelos
estatísticos
a
priori
do
comportamento
humano
e
uma
compreensão
baseada
na
observação,
na
experiência,
no
julgamento
e
na
intuição,
alguns
dos
"novos
historiadores"
agora
tendem
a
recuar
em
direção
à
segunda
modalidade
de
interpretação
do
passado.
Embora
o
ressurgimento
da
modalidade
narrativa
por
obra
dos
"novos
historiadores"
seja
um
fenômeno
muito
recente,
ele
é
apenas
um
pequeno
filete
em
comparação
à
vazão
larga,
constante
e
igualmente
ilustre
de
narrativas
políticas
descritivas
de
historiadores
mais
tradicionais.
Um
exemplo
recente
que
teve
uma
considerável
aclamação
entre
os
eruditos
é
o
livro
de
Simon
Schama
sobre
a
política
holandesa
no
século
XVIII34.
Obras
como
esta
foram
tratadas,
durante
décadas,
com
indiferença
ou
desdém
quase
indisfarçado
pelos
novos
historiadores
sociais.
Essa
atitude
não
era
muito
justificável,
mas
em
anos
recentes
levou
alguns
dos
historiadores
tradicionais
a
adaptarem
sua
modalidade
descritiva
a
novas
questões.
Alguns
deles
já
não
tão
preocupados
com
questões
do
poder
–
e,
portanto,
com
reis
e
primeiros-‐ministros,
guerras
e
diplomacia
–,
mas,
como
os
"novos
historiadores",
estão
voltando
a
atenção
para
a
vida
privada
de
pessoas
totalmente
obscuras.
A
causa
dessa
corrente,
se
é
que
é
uma
corrente,
não
é
clara,
mas
a
inspiração
parece
ser
a
vontade
de
contar
uma
estória
e,
com
isso,
revelar
as
peculiaridades
da
personalidade
e
a
interioridade
das
coisas
numa
época
e
numa
cultura
diferentes.
Alguns
historiadores
tradicionais
já
fazem
isso
há
algum
tempo.
Em
1958,
G.
R.
Elton
publicou
um
livro
composto
de
estórias
de
tumultos
e
agressões
físicas
na
Inglaterra
quinhentista,
extraídas
dos
registros
da
34 S. Schama. Patriots and Liberation: Revolution in the Netherlands, 1180 - 1813. Londres. 1977.
Câmara
Estrelada35.
Em
1946.
Hugh
Trevor-‐Roper
reconstruiu
de
maneira
brilhante
os
últimos
dias
de
Hitler36.
Recentemente,
ele
investigou
a
carreira
extraordinária
de
um
inglês
relativamente
obscuro,
colecionador
de
manuscritos,
vigarista
e
pornógrafo
secreto,
que
morou
na
China
nos
primeiros
anos
deste
século37.
O
propósito
de
escrever
essa
divertida
invencionice
era,
pelo
visto,
o
puro
prazer
em
contar
estórias
por
elas
mesmas,
seguindo
e
capturando
um
espécime
histórico
bizarro.
A
técnica
é
quase
igual
à
que
foi
utilizada,
anos
atrás,
por
A.J.A.
Symons.
em
seu
clássico
The
Quest
for
Corvo38,
ao
passo
que
a
motivação
parece
muito
semelhante
à
que
inspira
Richart
Cobb,
ao
registrar
em
horríveis
detalhes
a
vida
e
morte
miserável
de
criminosos,
prostitutas
e
outros
desajustados
sociais
no
submundo
da
França
revolucionária39.
Muito
diferentes
em
conteúdo,
método
e
objetivo
são
os
textos
da
nova
escola
britânica
de
jovens
empiristas
antiquaristas.
Eles
escrevem
narrativas
políticas
pormenorizadas,
que
implicitamente
negam
que
exista
qualquer
sentido
profundo
na
história,
além
das
excentricidades
fortuitas
do
destino
e
da
personalidade.
Liderados
por
Conrad
Russell
e
John
Kenyon,
impelidos
por
Geoffrey
Élton,
agora
estão
ocupados
em
tentar
remover
qualquer
sentido
ideológico
ou
idealista
das
duas
revoluções
seiscentistas
inglesas.40
Não
há
dúvida
que
eles,
ou
outros
como
eles,
logo
voltarão
suas
atenções
para
outra
parte.
Embora
suas
premissas
nunca
sejam
apresentadas
explicitamente,
suas
abordagens
são
puramente
neo-‐Namieristas,
numa
época
em
que
o
namierismo,
enquanto
forma
de
encarar
a
política
setecentista
inglesa,
está
morrendo.
Fica-‐se
a
imaginar
se
a
atitude
deles
em
relação
à
história
política
não
pode
brotar
subconscientemente
de
um
sentimento
de
desilusão
quanto
à
capacidade
do
sistema
parlamentar
contemporâneo
em
lutar
contra
o
inexorável
declínio
econômico
político
da
Grã-‐Bretanha.
Seja
como
for,
são
cronistas
muito
eruditos
e
inteligentes
dos
fatos
miúdos,
da
"histoire
événementielle",
e
assim
formam
uma
das
várias
correntes
que
alimentam
o
ressurgimento
da
narrativa.
37H. R. Trevor-Roper. A Hidden Life: The Enigma of Sir Edmund Back House, Londres. 1976; ed. amef. The Hermit of
Peking. Nova York. 1977.
39 R. Cobb. The Police and the People. Oxford. R. Cobb. 1970; Death in Paris. Oxford. 1978.
40C. Russell, Parliaments and English Politics, 1621-29 (Oxford, 1979); J. P. Kenyon, Stuart England (London, 1978);
see also the articles by John K. Gruenfelder, Paul Christianson, Clayton Roberts, Mark Kishlansky and James E.
Farnell, in Jl.Mod. Hist., xlix no. 4 (1977).
A
razão
fundamental
para
a
passagem
da
modalidade
analítica
para
a
modalidade
descritiva,
entre
os
"novos
historiadores",
é
uma
grande
mudança
na
postura
quanto
ao
que
constitui
o
tema
central
da
história.
E
isso,
por
sua
vez,
depende
de
pressupostos
filosóficos
anteriores
sobre
o
papel
do
livre
arbítrio
humano
em
sua
interação
com
as
forças
da
natureza.
Os
dois
pólos
opostos
de
pensamento
ficam
mais
claros
com
citações
respectivas.
Em
1973,
Emmanuel
Le
Roy
Ladurie
deu
a
uma
seção
de
um
volume
de
seus
ensaios
o
título
de
"História
sem
Gente”
41.
Em
contraposição,
há
meio
século
atrás,
Lucien
Febvre
anunciava:
"minha
presa
é
o
homem",
e
há
25
anos
atrás
Hugh
Trevor-‐Roper,
em
sua
palestra
inaugural,
insistiu
junto
aos
historiadores
sobre
"o
estudo
não
das
circunstâncias,
mas
do
homem
nas
circunstâncias"42.
Hoje,
o
ideal
de
história
de
Febvre
está
se
difundindo
em
muitos
círculos,
ao
mesmo
tempo
em
que
continuam
a
sair
do
prelo
estudos
estruturais
analíticos
sobre
forças
impessoais.
Portanto,
agora
os
historiadores
estão
se
dividindo
em
quatro
grupos:
os
velhos
historiadores
narrativos,
basicamente
biógrafos
e
historiadores
políticos:
os
cliometristas,
que
continuam
a
agir
como
dopados
em
estatísticas;
os
obstinados
historiadores
sociais,
ainda
ocupados
em
analisar
estruturas
impessoais;
e
os
historiadores
da
mentalité,
agora
perseguindo
ideais,
valores,
quadros
mentais
e
padrões
de
comportamento
pessoal
íntimo
-‐
quanto
mais
íntimo,
melhor.
No
entanto,
a
adoção
da
minuciosa
narrativa
descritiva
ou
da
detalhada
biografia
individual,
por
parte
dos
historiadores
da
mentalité,
não
deixa
de
ter
seus
problemas.
Ê
a
velha
questão
de
que
o
argumento
por
exemplos
selecionados
é
filosoficamente
inconvincente,
um
recurso
retórico
e
não
uma
prova
científica.
Recentemente,
Carlo
Ginzburg
formulou
bem
a
armadilha
historiográfica
fundamental
em
que
nos
debatemos:
"A
orientação
quantitativa
e
anti-‐antropocêntrica
das
ciências
da
natureza
a
partir
de
Galileu
colocou
as
ciências
humanas
num
desagradável
dilema:
ou
assumir
um
estatuto
científico
frágil
para
chegar
a
resultados
relevantes,
ou
assumir
um
estatuto
científico
forte
para
chegar
a
resultados
de
pouca
relevância”
43.
A
decepção
com
a
segunda
postura
está
provocando
um
retorno
à
primeira.
Em
decorrência
disso,
o
que
agora
está
ocorrendo
é
uma
ampliação
do
exemplo
selecionado
-‐
agora,
muitas
vezes
é
um
único
exemplo
pormenorizado
-‐,
convertendo-‐o
numa
das
modalidades
correntes
de
se
escrever
história.
Num
certo
sentido,
é
apenas
um
prolongamento
lógico
do
imenso
sucesso
dos
estudos
de
história
local,
que
tomam
como
tema
não
uma
sociedade
inteira,
mas
apenas
um
segmento
-‐
uma
província,
uma
cidade,
e
mesmo
uma
aldeia.
A
história
total
só
parece
possível
se
42 H. R. Trevor-Roper. History, Professional and Lay. Univ. Oxford. Palestra Inaugural. Oxford. 1057: p. 21.
43C. Ginzburg. "Roots of a Scientific Paradigm". Theory and Society. vii. 1979. p. 270. Cit. cf. ed. bras.. Sinais: raízes
de um paradigma indiciário", in Mitos, Emblemas, Sinais. SP. 1989. trad. Federico Carotti. p. 178.
se
toma
um
microcosmo,
e
os
resultados
têm
com
freqüência
contribuído
mais
para
esclarecer
e
explicar
o
passado
do
que
todos
os
estudos
anteriores
ou
contemporâneos,
baseados
nos
arquivos
do
governo
central.
Num
outro
sentido,
porém,
a
nova
corrente
é
a
antítese
dos
estudos
de
história
local,
visto
abandonar
a
história
total
de
uma
sociedade,
por
menor
que
seja,
como
algo
impossível,
e
defender
a
estória
de
uma
única
célula.
O
segundo
problema
que
deriva
do
uso
do
exemplo
pormenorizado
para
ilustrar
a
mentalité
é
como
distinguir
entre
o
normal
e
o
excêntrico.
Como
agora
nossa
presa
é
o
homem,
a
narração
de
uma
estória
muito
detalhada
de
um
único
incidente
ou
personalidade
pode
ser
elucidativa
e,
ao
mesmo
tempo,
constituir
uma
boa
leitura.
Mas
apenas
se
as
estórias
não
se
limitam
a
contar
um
caso
impressionante,
porém
essencialmente
avulso,
de
algum
episódio
dramático
de
amotinamento
ou
saque,
ou
a
vida
de
algum
plebeu,
místico
ou
mendigo
excêntrico,
e
sim
são
escolhidas
pela
luz
que
podem
lançar
sobre
certos
aspectos
de
uma
cultura
passada.
Isso
significa
que
devem
ser
típicas,
mas,
por
outro
lado,
a
ampla
utilização
de
registros
judiciais
dificulta
muita
a
solução
dessa
questão
da
tipicidade.
As
pessoas
levadas
ao
tribunal
são
quase
que
por
definição,
atípicas,
mas
o
mundo
exposto
tão
desnudadamente
no
depoimento
das
testemunhas
não
o
é
necessariamente
O
seguro,
portanto,
é
examinar
os
documentos,
não
tanto
pelas
provas
que
oferecem
sobre
o
comportamento
excêntrico
do
acusado,
e
sim
pela
luz
que
lançam
sobre
a
vida
e
as
opiniões
de
quem
veio
a
se
envolver
no
incidente
em
questão.
O
terceiro
problema
diz
respeito
à
interpretação,
e
é
de
solução
ainda
maic
difícil.
Desde
que
o
historiador
permaneça
ciente
dos
riscos
envolvidos,
contar
estórias
é
talvez
uma
maneira
tão
boa
quanto
qualquer
outra
para
obter
um
vislumbre
íntimo
do
homem
no
passado,
para
tentar
entrar
em
sua
cabeça.
O
problema
é
que,
se
consegue
entrar,
o
narrador
vai
precisar
de
toda
a
habilidade,
experiência
e
conhecimento
adquiridos
na
prática
da
história
analítica
da
sociedade,
economia
e
cultura,
se
quiser
oferecer
uma
explicação
plausível
sobre
algumas
das
coisas
estranhíssimas
que
é
capaz
de
encontrar.
Talvez
também
precise
de
um
pouco
de
psicologia
amadorística
para
ajudá-‐lo,
mas
a
psicologia
amadorística
é
um
material
extremamente
complicado
para
se
conseguir
manejá-‐
la
com
êxito
–
alguns
diriam
que
é
impossível.
Um
outro
perigo
evidente
é
que
o
ressurgimento
da
narrativa
pode
levar
a
uma
volta
ao
puro
antiquarismo,
ao
contar
estórias
por
elas
mesmas.
Outro
ainda
é
que
ela
concentrará
a
atenção
sobre
o
sensacional,
assim
obscurecendo
a
insipidez
e
monotonia
da
vida
da
imensa
maioria
das
pessoas.
Tanto
Trevor-‐Roper
quanto
Richard
Cobb
oferecem
uma
leitura
extremamente
divertida,
mas
estão
largamente
expostos
a
críticas
sob
esses
dois
aspectos.
Muitos
praticantes
da
nova
modalidade,
inclusive
Cobb,
Hobsbawm,
Thompson,
Le
Roy
Ladurie
e
Trevor-‐
Roper
(e
eu
mesmo)
sentem-‐se
claramente
fascinados
por
estórias
de
violência
e
sexo,
que
tocam
nos
instintos
voyeuristas
de
todos
nós.
Por
outro
lado,
pode-‐se
argumentar
que
o
sexo
e
a
violência
são
partes
integrantes
de
toda
experiência
humana,
e,
portanto
é
tão
sensato
e
defensável
explorar
seu
impacto
sobre
os
indivíduos
no
passado,
quanto
querer
ver
tal
material
nos
filmes
e
programas
de
televisão
contemporâneos.
A
tendência
para
a
narrativa
levanta
problemas
irresolvidos
sobre
a
maneira
que
formaremos
nossos
graduandos
no
futuro
-‐
supondo
que
haja
algum
para
formar.
Nas
antigas
artes
da
retórica?
Na
crítica
dos
textos?
Em
semiótica?
Em
antropologia
simbólica?
Em
Psicologia?
Ou
nas
técnicas
de
análise
das
estruturas
sociais
e
econômicas
que
viemos
praticando
durante
uma
geração?
Portanto,
continua
em
aberto
se
essa
inesperada
ressurreição
da
modalidade
narrativa,
por
obra
de
tantos
praticantes
de
proa
da
"nova
história",
se
mostrará
boa
ou
ruim
para
o
futuro
da
profissão.
Em
1972,
Le
Roy
Ladurie
escreveu
confiante:
"A
historiografia
atual,
com
sua
preferência
pelo
quantificável,
pelo
estatístico
e
estrutural,
foi
obrigada
a
eliminar
para
sobreviver.
Nas
últimas
décadas,
ela
praticamente
condenou
à
morte
a
história
narrativa
dos
acontecimentos
e
a
biografia
individual”
44.
É
cedo
demais
para
rezar
uma
oração
fúnebre
sobre
o
cadáver
decadente
da
história
analítica,
estrutural
e
quantitativa,
que
continua
a
vicejar,
e
mesmo
a
crescer,
caso
a
tendência
nas
teses
de
doutorado
americanas
seja
algum
guia
para
isso45.
Não
obstante,
nesta
terceira
década,
a
história
narrativa
e
a
biografia
individual
estão
dando
mostras
visíveis
de
estarem
voltando
dentre
os
mortos.
Nenhuma
delas
parece
se
manter
igual
ao
que
eram
antes
de
seu
pretenso
falecimento,
mas
é
fácil
identificá-‐las
como
variantes
do
mesmo
gênero.
É
claro
que
uma
única
palavra
como
"narrativa",
principalmente
tendo
uma
história
tão
complicada
por
detrás,
é
inadequada
para
descrever
o
que,
na
verdade,
constitui
um
amplo
leque
de
transformações
na
natureza
do
discurso
histórico.
Existem
sinais
de
mudança
quanto
à
questão
central
na
história,
desde
circunstâncias
que
cercam
o
homem
até
o
homem
nas
circunstâncias:
nos
problemas
estudados,
desde
os
econômicos
e
demográficos
aos
culturais
e
emocionais;
nas
fontes
básicas
de
influência,
desde
a
sociologia,
economia
e
demografia
à
antropologia
e
psicologia:
no
tema,
do
grupo
ao
indivíduo;
nos
modelos
explicativos
da
transformação
histórica,
desde
os
estratificados
e
monocausais
aos
interligados
e
multicausais;
na
metodologia,
desde
a
quan-‐
tificação
em
série
ao
exemplo
individual;
na
organização,
da
analítica
à
descritiva:
na
conceitualização
da
função
do
historiador,
da
científica
à
literária.
Essas
mudanças
multifacetadas
em
conteúdo,
objetivo,
método
e
estilo
de
escrever
história,
que
estão
ocorrendo
todas
ao
mesmo
tempo,
têm
claras
afinidades
eletivas
entre
si:
todas
se
encaixam
perfeitamente.
Nenhuma
palavra
é
capaz,
sozinha,
de
resumi-‐las
todas,
e
assim,
por
enquanto,
a
"narrativa"
terá
de
servir
como
uma
senha
taquigráfica
para
tudo
o
que
está
se
passando.