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Elisabeth Noelle-Neumann

A espiral do silêncio
Apresentação
Prefácio
1. A hipótese do silêncio
O conhecimento está por trás das medições
2. Comprovação com instrumentos de pesquisa de opinião
O teste do trem
Solta-se o verbo quando se sente que está em harmonia com o
espírito do seu tempo
As mudanças de opinião favorecem a investigação
3. O medo do isolamento como causa
Reações diante de situações de entrevista como se fossem reais
Quem furou os pneus do carro?
7.0 surgimento do termo “opinião pública”: Jean-Jacques
Rousseau
12. A queda da Bastilha: opinião pública e psicologia das
massas
13. A moda é opinião pública
14. O castigo do açoite
16. A opinião pública integradora
17. Revolucionários, hereges e contestadores: os desafiadores
da opinião pública
Com os olhos da TV
A decodificação da linguagem e sinais visuais
A ignorância pluralista: o povo se engana sobre o povo
0 núcleo duro
Não há palavras se os meios de comunicação não as fornecem
Epílogo em agradecimento
Epílogo da segunda edição
A espiral do silêncio
Opinião pública: nosso tecido social

TRADUÇÃO. APRESENTAÇÃO E NOTAS Cristian Derosa

PREFÃCIO

Alexandre Costa

ESTUDOS NACIONAIS

A espiral do silêncio: opinião pública: nosso tecido social Elisabeth Noelle-


Neumann

Io edição - agosto 2017 - Estudos Nacionais

Título original: Die Schweigespirale, de Elisabeth Noelle-Neuman

Publicado originalmente em alemão por: Verlag Ullstein GmbH,


Frankfurt/M.Berlim, 1982. Ute Kõrner Literary Agent.

Coordenação executiva: Marlon Derosa

Coordenação editorial, tradução e notas: Cristian Derosa

Revisão técnica: Karina de Carvalho Giglio

Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução total ou parcial


deste livro por qualquer meio, seja eletrônicos ou mecânico, fotocópia,
gravação ou arquivada em sistema de banco de dados sem permissão
expressa dos detentores dos direitos.

Direitos de publicação em língua portuguesa reservados a

Estudos Nacionais

Rua João Mota Espezim, 1339, Saco dos Limões, Florianópolis, SC CEP
88045-400 www.estudosnacionais.com
FICHA CATALOGRÁFICA

Noelle-Neuman, Elisabeth, 1916-2010.

A espiral do silêncio: opinião pública: nosso tecido social / Elisabeth Noelle-


Neuman; tradução, apresentação e notas de Cristian Derosa - Florianópolis
SC

Estudos Nacionais, 2017 Título original: Die Schweigespirale ISBN: 978-


85-94261-00-7

1. Opinião pública. 2. Psicologia social. 4. Controle social. 5. Ciência


política. I. Título.

Editora Estudos Nacionais

Agradecimentos
A presente edição se tornou realidade graças a uma campanha de
financiamento coletivo, coordenada pela editora Estudos Nacionais, para a
qual colaboraram 119 pessoas. A editora agradece a todos os participantes
dessa campanha e, em especial, aos que colaboraram de maneira
diferenciada, aos quais listamos abaixo:

Anthony Hunhoff

Bráulio Mendes Bruno de Lima Schõnhofen Carlos Cesar Borsatto

Cássio Vilasboas Cláudia Noronha

Douglas Winck Edgar Wiese Zacchi Eduardo Gonçalves Emerson Marinho


Enrique villanova

Evilasio Tenorio Silva Junior Germano Maragno

Gustavo Henrique Fraga de Carvalho

José Volmir Ramos Marcelo Guizzo


Maria Laura Machado Campos Nilson Jose Leite Bueno

Paulo de Tarso Pereira Rafael da Paz Domingos Pinto Renato Emydio da


Silva Júnior

Roberto Smera Ronaldo Lucas Silva wSimão Luiz Stanislawski

Simone Nunes Vera Calazans

Vinicius L. Santa Rosa 

Apresentação
Cumprindo um dos objetivos da editora Estudos Nacionais, de suprir a falta
de subsídios para o estudo da sociedade, especialmente a brasileira,
apresentamos a primeira edição de A espiral do silêncio no Brasil. Lançado
originalmente em 1982, na Alemanha, teve grande impacto no
desenvolvimento das pesquisas em comunicação e psicologia social em todo
o mundo, tornando-se um verdadeiro clássico.

A pesquisa de Elisabeth Noelle-Neumann jamais deixou de ser atual e, ainda


hoje, em tempos de politicamente correto, acaba descrevendo com precisão a
nossa conturbada política. A autora propõe, neste livro de referência, um
estudo da sua hipótese da teoria da espiral do silêncio, título que se tornou
expressão corrente no estudo da mídia. Trata--se de uma abordagem
fundamental para a análise da relação entre os meios de comunicação e o
controle social.

No Brasil, o debate em torno do assunto sempre acompanhou as discussões


acadêmicas norte-americanas e mantém-se ainda carente de pesquisa
empírica. Carência que também se verifica no aspecto teórico, já que a
ausência de uma edição brasileira tomou a obra restrita a uma pequena
parcela especializada de leitores. A editora Estudos Nacionais busca
conceder o acesso dos leitores menos familiarizados a esta obra clássica para
os estudos na área.

Desde a edição alemã até esta primeira edição brasileira, algumas


modificações foram feitas, pela própria autora, a partir da sua primeira
tradução para o inglês, em 1993 e, depois, na edição espanhola, em 1995. A
presente edição reúne as atualizações que a autora fez em vida em todas as
reedições da sua obra.

Com a morte de Neumann, em 2010, as edições seguintes não puderam


contar com as suas valiosas atualizações e comentários. As notas de rodapé
sugeridas na presente edição não têm a pretensão de substituir as
atualizações da autora, mas de facilitar a compreensão das teorias expostas,
fornecer bibliografia adicional atualizada, assim como exemplos ilustrativos
para o nosso tempo e público específicos. Indicadas na condição de
comentários ([C].) ou de notas do tradutor ([N.T.]), essas inserções têm a
função de aproximar o leitor das teorias utilizadas ou, quando é o caso,
aproximá-las da nossa realidade presente, facilitando o entendimento do
leitor brasileiro. Quanto às referências bibliográficas e apontamentos feitos
pela autora no decorrer da pesquisa, foi mantida, na maior parte, a
bibliografia original alemã, inglesa ou espanhola, optando sempre pela maior
facilidade de acesso do leitor. Quando possível, portanto, nos reportamos a
edições brasileiras, portuguesas ou espanholas, principalmente quando se
trata de bibliografia especializada em comunicação, de fácil acesso ao
público leitor brasileiro.

Por incrível que possa parecer, esta obra, tão citada em trabalhos acadêmicos
e discussões sobre mídia, ainda não estava presente em nosso mercado
editorial. Este fato nos faz refletir sobre o nível de percepção dos brasileiros
a respeito dos fatores políticos e midiáticos influentes em nossa classe
pensante, elemento invariavelmente determinante da identidade e
independência política, bem com à formação da consciência de nossos
cidadãos. Esses fatores afetam profundamente o discernimento político e
são, justamente, os requisitos para o exercício daquela liberdade tão
requerida pelo sistema democrático. Esperamos que este livro contribua para
o desenvolvimento do pensamento nacional no que diz respeito à sua
necessária noção de consciência crítica e independência individual.

Cristian Derosa

Prefácio
Alexandre Costa

A democracia não é uma dádiva. Nem no sentido de perfeição, muito menos


no sentido de presente. Para ser verdadeira e estável, a dinâmica democrática
exige que os seus pressupostos sejam constantemente aperfeiçoados e
defendidos.

Entre os princípios que constituem uma sociedade democrática está a


liberdade de expressão, que consiste na materialização da liberdade da
consciência, e é, portanto, fonte de todas as outras liberdades e condição sine
qua non para a existência de uma coisa chamada individualidade humana.
Bem no meio dessa intrincada rede de sustentações composta de direitos e
deveres, coletivos e individuais, encontra-se a “opinião”, essa palavra muito
usada e pouco compreendida, que serve a variados propósitos e que
frequentemente é alçada ao Olimpo sem a exigência da sua adequação à
realidade.

Nos últimos anos tem aumentado o espaço e a relevância das opiniões


pessoais. Tudo passou a ser nivelado como opinião, desde palpites
espontâneos a escolhas racionais, passando por reflexos condicionados e
palavras de ordem. Com o crescimento e a onipresença das redes sociais, o
espaço e o acesso à opinião aumentaram consideravelmente, o que torna o
assunto ainda mais importante para qualquer um que pretenda entender o
panorama sócio-político.Diante da importância cada vez maior destas novas
formas de comunicação, que permitem a

publicação das manifestações pessoais sem qualquer exigência de


contrapartida, torna-se imprescindível refletir sobre a essência e os acidentes
relacionados à formação, influência, cristalização e repercussão da opinião.

Em meus estudos sobre a cronologia dos planos de constituir um governo


mundial, notei que ao longo do tempo um fator foi particularmente
aprimorado com mais afinco que os demais. Depois de alguns projetos
baseados principalmente na força militar, econômica e política, as iniciativas
visando convencimento, persuasão e qualquer outro tipo de influência
tornaram-se o foco das atenções destes planejadores, e por fim mostraram-se
mais eficientes que os fuzis e as legislações. Mesmo quando comparada a
outros aspectos como sistemas econômicos e iniciativas políticas, nenhuma
outra área recebeu mais atenção daqueles que desejam controlar o mundo
inteiro.

Como a eficácia deste tipo de iniciativa depende de um certo grau de


discrição, a maioria das pessoas nem imagina que por trás de toda
comunicação global, principalmente nos assuntos vitais e estratégicos, existe
uma intenção deliberada de interferir na opinião das pessoas, com técnicas,
métodos e experimentos. Na verdade, poucos sabem que o controle da
opinião pública é tema de inúmeros estudos e tem sido beneficiado com
financiamentos de valores incalculáveis.

Qualquer um que tenha pesquisado sobre os regimes totalitários que


inspiraram os projetos que hoje são conhecidos como Nova Ordem Mundial
sabe que a questão da manipulação da opinião é central nesse processo. De
Antonio Gramsci à Escola de Frankfurt, passando por diversos outros
pensadores, fica evidente que a estratégia mudou drasticamente após os
fracassos dos regimes soviético e nazista. O foco, que era “mudar a
sociedade de cima para baixo”, transformou-se em uma série de iniciativas
que têm como objetivo mudar antecipadamente o pensamento do indivíduo e
desta forma enfrentar menos resistência para as futuras implantações.

Basta pensar um pouco para perceber que de nada adianta lutar contra as
iniciativas políticas e econômicas que compõem estes planos sem conhecer a
estratégia insidiosa que se esconde na comunicação de massa. E assim que
eu percebi que esta era a chave para compreender o panorama e prever os
rumos das decisões políticas, passei a procurar pelos estudos sobre o tema. O
que eu não esperava é que a maioria dos estudos mais sérios e documentados
sobre a influência da comunicação na formação das opiniões levava a um
assunto ainda mais específico e profundo, a Espiral do Silêncio.

A autora deste estudo, que serviu a muitos outros sobre ciência política,
opinião pública e mídia é uma professora alemã, Elisabeth No-elle-
Neumann, nascida em Berlim em 1916 e falecida em 2010. Seus estudos,
iniciados ainda na década de 1960, demonstram, de forma objetiva e
indiscutível, que a psicologia humana obedece a certos preceitos para a
formação da opinião, seja pública ou individual.
Olavo de Carvalho, que foi o grande responsável por aprofundar as questões
levantadas por Noelle-Neumann no Brasil, explica a peculiaridade desta
questão eminentemente psicológica, que atinge o imaginário e talvez até o
subconsciente das pessoas. O filósofo sintetiza a Espiral do Silêncio como
um jogo de impressões e de emoções vagas, e não um processo de
doutrinação ideológica. Tal característica exige uma observação muito mais
atenta e um estudo mais apurado, o que torna este livro ainda mais
necessário.

Como já estava habituado a não encontrar no Brasil alguns dos livros


essenciais ao assunto que pesquisava, principalmente aqueles que
desmontam ou simplesmente questionam as argumentações do status quo,
não foi uma surpresa descobrir que o livro ainda não tinha uma edição
brasileira.

Décadas depois, portanto, chega ao Brasil o livro que traz todas as


informações necessárias para a compreensão dessa estratégia e que permite,
ao leitor atento, imunizar a sua percepção de forma a não ser mais um idiota-
útil.

Partindo de pesquisas realizadas nas eleições alemãs entre 1965 e 1971, a


autora percorre um longo e detalhado caminho, mostrando passo a passo o
funcionamento dos mecanismos que influenciam o posicionamento e a
tomada de decisões. Todo estruturado como uma aula, o livro lançado agora
no Brasil pela editora Estudos Nacionais, traz todas as etapas necessárias
para a compreensão do que vem a ser a Espiral do Silêncio e suas entranhas.

O livro começa apresentando as ferramentas que serão utilizadas, avança


para abordagens mais diretas sobre as questões relacionadas à opinião, suas
características e particularidades, tudo com absoluta transparência e
obedecendo a rigoroso método científico.

Logo no início o leitor já entende o que é, como funciona e quais os métodos


utilizados, levantando hipóteses e abrindo para uma abordagem muito
profunda sobre o poder de influência do que a autora chama de isolamento, a
força ativadora da Espiral do Silêncio. Os capítulos vão se desenvolvendo de
forma organizada e didática, com experimentos, entrevistas e cruzamento de
dados entre vários estudos, tudo sustentado com uma enxurrada de
exemplos.

Em menos de 30 capítulos Noelle-Neumann oferece a explicação de todo um


sistema, que começa com a compreensão do tema central e continua com
observações históricas e demonstrações práticas do seu funcionamento, o
que permite ao leitor adquirir um aparato de conhecimentos e técnicas que
vão abrir sua compreensão não apenas nas questões diretamente ligadas à
ciência política, mas de toda comunicação de alguma forma relacionada com
a opinião pública.

O ponto alto do livro, no meu entender, reside na capacidade da autora de


entrar no tema sem se apegar a formalismos vazios ou aca-demicismos
desnecessários, mas vários outros aspectos merecem destaque.

Diluída em diversos momentos ao longo do livro, a demonstração da


impossibilidade de avaliar a questão como uma simples fórmula matemática
é outro ponto essencial do estudo. A opinião pública não é simplesmente a
soma das opiniões pessoais e nem mesmo a média entre elas. A autora
mostra detalhadamente como os mais variados fatores, muitas vezes
desconexos e até mesmo aparentemente contraditórios, tendem a direcionar
o pensamento e o comportamento de uma maneira que as pesquisas mais
superficiais nunca poderiam ou poderão revelar. Com este olhar diferenciado
o livro desmonta diversos métodos simplórios de aferição usados em
pesquisas cotidianas e mostra como esses levantamentos também são usados
para manipular a opinião pública.

Também merece registro o enfoque na observação da forma que as notícias


são propagadas, jogando luz não apenas sobre o conteúdo transmitido, o que
leva o leitor a compreender e identificar o corporativismo da imprensa, seus
reais objetivos, muitas vezes não declarados, e seus métodos de
manipulação, exagero e ocultação da informação circulante.

Este livro oferece ainda o mais precioso dos instrumentos para demonstrar
que existe manipulação deliberada na transmissão da informação. E prova
que a aplicação da Espiral do Silêncio não é espontânea e definitivamente
não é um fato isolado. Esta questão é decisiva porque muitas pessoas
intuitivamente desconfiam que existe algum tipo de manipulação das
informações, mas só conseguem enxergar interesses pontuais sobre a
distorção de uma notícia, sem perceber que existem ligações com várias
outras.

Com o politicamente correto onipresente e a disseminação avassaladora das


iniciativas de engenharia social, o lançamento da primeira versão brasileira
deste clássico é motivo de comemoração para todos que tenham interesse em
proteger a sanidade das suas opiniões e dos seus posicionamentos.

Boa leitura!
 

1. A hipótese do silêncio
Na véspera das eleições de 1965, o segundo canal da televisão alemã, ZDF,
realizava, pela primeira vez, uma festa eleitoral na Beetho-ven Halle, em
Bonn. Haveria um jantar, várias orquestras, muitos convidados em um
grande banquete. A sala estava cheia. À direita, diante e abaixo do palco,
havia sido colocado um pequeno andaime com uma lousa. Ali, uma
celebridade abriría dois envelopes recebidos dois dias antes. Um dos
envelopes vinha do Instituto Allensbach1 e outro da EMNID, as duas
principais empresas de pesquisa de opinião. Depois, os diretores de ambas as
organizações seriam convidados para expor as suas previsões sobre o
resultado das eleições em quadrados desenhados na lousa. Em meio ao ruído
do arrastar das cadeiras, sons de talheres e cálices, eu levantei-me e escrevi
na lousa: “União Democrata Cristã-União Cristã Social, 49,5% das intenções
devoto; Partido Social Democrata, 38,5%”. Naquele momento, entre as
centenas de pessoas que havia atrás de mim, instalou-se uma gritaria que se
converteu em um ruído estrondoso. Ensurdecida, terminei de escrever as
previsões:

Partido Democrata Livre, 8,0%; outros partidos, 4,0%2.

O público da sala ferveu sentindo-se enganado e Gerd Bucerius, editor da


revista semanal Die Zeit, disse-me: “Elisabeth, como você quer que eu a
defenda agora?”. Perguntei-me: teria o meu Instituto Allens-bach enganado
deliberadamente a todos dizendo-lhes que as eleições estavam muito
equilibradas? Dois dias antes, a revista Die Zeit havia publicado uma
entrevista comigo, cujo título era a minha frase: “Não me surpreendería
absolutamente se os socialdemocratas ganhassem” (Leonhardt, 1965). Mais
tarde, nesta mesma noite, quando os resultados oficiais das eleições se
aproximavam das previsões de Allensba-ch, um político democrata cristão
deu á entender aos telespectadores, entre risos, que havia compreendido a
situação desde o princípio, mas era prudente suficiente para não falar a
respeito: “Tudo é legítimo no amor e na guerra”, dizia ele. A citação de
minha frase feita pelo Die Zeit era exata. Eu havia realmente dito aquilo.
Mas a entrevista estava arquivada há mais de duas semanas na redação da
revista. No início de setembro, a corrida eleitoral parecia mostrar um
empate. O que viram os que se reuniram na Beethoven Halle era a mesma
coisa que havíamos visto com surpresa em nossas mesas, nos escritórios da
Allens-bach, três dias antes das eleições. Mas não podíamos publicar, pois
parecería uma tentativa de influenciar no resultado, provocando uma espécie
de efeito de adesão ou tentativa de induzir uma “aposta no favorito”
(bandwagon effect) em benefício dos democratas cristãos3. O que aconteceu
já tinha sido descoberto e comentado séculos antes sem que se entendesse:
era o poder da opinião pública. Sob a pressão dela, centenas de milhões de
eleitores haviam participado do que depois se chamaria de “reviravolta no
último minuto”. Na última hora, uma multidão havia engrossado as filas dos
democratas cristãos devido à percepção de uma situação de igualdade com o
outro grande partido, cujos resultados finais refletiram em uma vantagem de
mais de 8% (Veja a figura 1).
Figura 1. O enigma do ano eleitoral de 1965. A intenção de voto
permaneceu quase invariável durante muitos meses, indicando uma situação
de igualdade entre a CDU-CSU e o SPD. Ao mesmo tempo, porém, a ideia
de que a CDU-CSU iria ganhar cresceu entre os votantes. A que se deveu
este fenômeno? Por fim, tivemos o efeito da “aposta no cavalo vencedor”
em favor do suposto vencedor das eleições.

Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevistas 1095, 1097, 1098, 2000, 2001,


2002, 2003, 2004, 2005, 2006.
1
[N.T.] O instituto fundado pelo primeiro marido de Neumann chamava-se,
em alemão, Instituí für Demoskopie Allensbach, que poderia ser traduzido
como Instituto de demoscopia de Allensbach. Demoscopia é uma palavra
ainda não dicionarizada e utilizada apenas em publicações especializadas.
Palavra composta por: demos (povo) + copia (traslado literal), o que
significa literalmente pesquisar a opinião do público para torna-la conhecida.
Segundo Antônio Hohfeldt, a demoscopia é a pesquisa de opinião pública
sob organização científica. No entanto, para a melhor compreensão do leitor
pouco familiarizado com o assunto, traduzimos o nome do instituto como
Instituto de pesquisa de opinião de Allensbach.
2

A União Democrata Cristã (CDU) é o mais conservador dos principais


partidos alemães. A União Cristã Social é a sua organização irmã na
Bavária. O partido Social Democrata (SPD) constitui a esquerda do espectro
político alemão. O Partido Democrata Livre (FDP) - os Liberais - ocupa uma
posição intermediária entre os principais partidos.
3

[N.T.] Bandwagon, em inglês, diz respeito a uma espécie de carruagem que


levava uma banda. Ela passava tocando e todos iam atrás. O Bandwagon
effect ficou conhecido como o efeito que em português chamamos de “Maria
vai com as outras” ou efeito de “aposta no cavalo favorito”. A autora se
refere a um efeito de votação em um candidato sugerido como vencedor pela
maioria e pode ser referido quando as pessoas seguem uma tendência
imitativa por perceberem que ela é ou será vitoriosa conforme a opinião da
maioria.

O conhecimento está por trás das medições


Embora em 1965 não nos déssemos conta, naquela época já tínhamos em
nossas mãos a chave dessa dramática mudança da intenção de voto do
eleitorado. Em um artigo sobre a opinião pública, que apareceu em 1968, na
Enciclopédia Internacional de Ciências Sociais, W. Phillips Davison,
professor de ciências da comunicação e jornalismo na Universidade de
Columbia (Nova York), escreveu: “O conhecimento da estrutura interna das
opiniões públicas, não obstante, continua limitado e há muito mais por trás
das medições” (Davison, 1968,192). Essa era exatamente a nossa situação
em 1965. Havíamos medido muito mais do que entendíamos. Assim,
enquanto os dois partidos estavam praticamente empatados de dezembro de
1964 até quase o dia das eleições, ocorridas em setembro do ano seguinte -
com pesquisas publicadas regularmente pela revista Stern - um outro
processo realizava-se em um movimento contínuo e completamente
independente. A pergunta da pesquisa era: em sua opinião, quem vai ganhar
as eleições? Em dezembro, o número dos que esperavam uma vitória dos
democratas cristãos e dos que acreditavam no Partido Social Democrata era
quase idêntico, embora os socialdemocratas levassem uma pequena
vantagem. Depois, as estimativas começaram a mudar de direção e a
expectativa de uma vitória democrata cristã ascendeu inexoravelmente,
enquanto caía a confiança na vitória socialdemocrata. Em julho de 1965, os
democratas cristãos estavam muito à frente e, em agosto, a expectativa de
sua vitória alcançava quase 50%. Era como se a intenção de voto do
eleitorado e a opinião desse eleitorado sobre qual partido estaria em
vantagem estivessem em planetas distintos. Por fim, todos pegaram carona
na alternativa vencedora. Como se estivessem presos a uma corrente, de 3%
a 4% dos votantes foram arrastados para o partido que, segundo a
expectativa geral, sairia vencedor.

Toda investigação começa com um enigma


Estávamos confusos: como podiam mudar tão radicalmente as expectativas
sobre o partido ganhador, uma vez que as intenções de voto dos eleitores
permaneciam inalteradas? Até 1972, quando foi convocada uma eleição
federal com pouca antecedência, havendo somente umas poucas semanas de
campanha (eleições que não eram especialmente adequadas a nossos
objetivos), não iniciamos qualquer investigação de opinião com um
questionário especialmente pensado para colher a classe de informações que
necessitávamos. Mas já havíamos formulado a hipótese da qual partiriamos,
que foi apresentada no Congresso Nacional de Psicologia ocorrido em
Tóquio, no verão de 1972 (Neumann, 1973).

A campanha eleitoral de 1972 desenvolveu-se exatamente igual à de 1965.


Os dois partidos principais estavam igualados quando se fazia a pergunta
sobre intenções de voto. No entanto, a expectativa de vitória atribuída ao
Partido Social Democrata ia crescendo semana após semana, como uma
realidade separada, independente, com somente um retrocesso ao longo do
período. Depois, justamente no final, voltou a produzir-se uma “reviravolta
no último minuto”: todos pularam no barco do vencedor esperado, no caso o
Partido Social Democrata (Veja a figura 2).

Figura 2. O fenômeno de 1965 se repete em 1972. As intenções de voto


permanecem constantes - embate entre a CDU/CSU e o SPD -, mas o clima
de opinião muda: diminuem as expectativas de vitória da CDU/CSU,
enquanto aumentam a do SPD. Ao final, ocorre um efeito de "aposta no
vencedor", a favor das expectativas de vitória do SPD. Fonte: Arquivos de
Allensbach, entrevistas: 2084, 2085, 2086/1, 2086/11, 2087/1, 2087/11 e
2088.

O clima de opinião depende de quem fala e quem se


cala
A hipótese me lembrou da agitação estudantil do final da década de 1960 e
início dos anos 1970, provavelmente devido a uma estudante em particular,
que certo dia encontrei na entrada da sala de conferências. Percebi que ela
levava um botton democrata cristão na jaqueta. “Não sabia que era partidária
dos democratas cristãos”, disse a ela. Ao que ela explicou: “Não sou. Estou
usando este botton para ver o que acontece”. Voltei a vê-la ao meio dia. Já
não estava com o botton e eu a questionei o porquê de ter tirado. Ela
respondeu: “Foi horrível! Retirei--o”.

Neste contexto de comoção, que caracterizou os primeiros anos da nova


Ostpolitik, isto era compreensível1. Talvez os seguidores dos democratas-
cristãos e dos socialdemocratas estivessem igualados em número, mas não
contavam com a mesma energia, entusiasmo ou ganas de expressar ou exibir
suas convicções. Somente eram vistos em público: botton, camisetas e
símbolos socialdemocratas, o que facilmente faria com que a força relativa
dos dois partidos fosse avaliada incorretamente. Neste momento,
desenvolveu-se uma dinâmica peculiar: os que estavam convencidos de que
a nova Ostpolitik era adequada pensavam que suas idéias acabariam por ser
aceitas por todo mundo. Desta forma, estas pessoas se expressavam
abertamente, defendendo os seus pontos de vista confiantemente. Os que
rechaçavam a Ostpolitik, por outro lado, sentiam-se marginalizados,
retiravam-se e se calavam.

Tal inibição fez com que a opinião de maior apoio explícito parecesse ainda
mais forte do que realmente era, enquanto a outra opinião acabava por
parecer mais fraca. Observações feitas em determinados contextos
estenderam-se a outros e estimularam as pessoas a proclamar suas opiniões
ou a “engoli-las” mantendo-se em silêncio até que, em um processo em
espiral, determinado ponto de vista chegasse a dominar o cenário, ao passo
que o outro desaparecia da consciência pública no emudecer de seus
partidários. Este é o processo que podemos qualificar de espiral do silêncio.

A princípio, tudo isso era apenas uma hipótese. Servia para explicar o que
havia ocorrido em 1965. No verão desse ano eleitoral, o apoio ao governo
culminou quando a atenção pública se concentrou nas atividades conjuntas
do chanceler Ludwig Erhard e a rainha da Inglaterra. O popular Erhard
preparava-se para a sua primeira campanha parlamentar como chanceler; e a
rainha percorria a Alemanha, naquele horário de verão maravilhoso,
encontrando-se e sendo saudada por Erhard uma vez ou outra. As notícias
televisivas levavam a todas as partes as imagens dos seus encontros. Embora
as preferências dos eleitores estivessem igualadas entre socialdemocratas e
democratas cristãos, era agradável manifestar adesão à União Democrata
Cristã, o partido do poder, e era fácil fazer isso abertamente. O rápido
crescimento da expectativa de vitória democrata cristã nas eleições
parlamentares refletia esse clima de opinião (Veja a figura 1).

Os que se uniram no último minuto


Esse clima não arrastou as intenções de voto nem em 1965 nem em 1972. De
fato, nessas duas ocasiões ocorreu justamente o contrário. Do princípio ao
fim, as intenções permaneceram quase inalteradas devido àquele fator
responsável por abrir o caminho à mudança que se produziría na véspera das
eleições: o clima de opinião. Pode-se interpretar isso como um bom sinal, ou
seja, as intenções de voto possuem uma considerável estabilidade, não se
movem como velas à deriva num vendaval. Paul Lazarsfeld, psicólogo social
norte-americano e estudioso das eleições, referiu-se, certa vez, a uma
hierarquia de estabilidade, dando às intenções de voto o nível mais elevado,
sendo elas especialmente constantes e sujeitas somente a mudanças lentas
em resposta a novas experiências, observações, informações e opiniões
(Lazarsfeld, 1948).

Finalmente, porém, o efeito do clima de opinião fez-se sentir. Nas duas


ocasiões, presenciamos a “reviravolta no último minuto” na direção da
pressão que provocou um relevante deslocamento do clima de opinião: 3% a
4% dos votos. Lazarsfeld (1968, 107-109) já havia observado este “efeito
onda” ou “aposta no favorito” nas eleições presidenciais norte-americanas de
1940. Esse efeito é uma alusão à vontade geral de fazer parte do grupo
vencedor. Mas por que o grupo vencedor? Talvez a maioria das pessoas não
seja assim tão pretensiosa. Com exceção da elite, a maior parte dos
indivíduos não espera obter um cargo ou algum poder com a vitória eleitoral.
Trata-se, portanto, de algo mais modesto: o desejo de evitar o isolamento,
um desejo provavelmente compartilhado por todos nós. Ninguém quer estar
tão isolado quanto a estudante universitária que usou um botton democrata
cristão durante uma manhã inteira; tão isolado que os vizinhos desviem o
olhar ao cruzar na escada, ou os colegas do trabalho se afastem deixando um
acento vazio entre ambos. Estamos apenas começando a observar os
milhares de sinais que nos permitem perceber que não estamos rodeados por
elos de simpatia, mas cercados pela exclusão.

Ao perguntarmos às mesmas pessoas antes e depois das eleições de 1972,


descobrimos que os mais propensos a sentirem-se isolados dos demais - em
nossos estudos os identificamos pelo comentário “conheço pouca gente” -
são os que, com maior probabilidade, participam da “reviravolta no último
minuto”. Também é possível que os menos confiantes em si mesmos e
menos interessados pela política mudem seu voto no último minuto. A baixa
autoestima faz com que poucas dessas pessoas se imaginem, alguma vez,
estarem entre os vencedores. Parece que “seguir a multidão” descreve
melhor aquilo que desejam obter aqueles que “se unem”. Mas esta situação
se aplica, mais ou menos, a toda a humanidade. Quando uma pessoa se sente
isolada, seu sofrimento é tal que fica fácil manipulá-la através de sua própria
fragilidade.

Parece que o medo do isolamento é a força ativadora da espiral do silêncio.


Seguir a multidão constitui um estado de relativa felicidade. Mas se esta
opção não é possível, quando não se quer compartilhar em público uma
convicção aceita aparentemente de modo universal, ao menos é possível
permanecer em silêncio, uma segunda opção para continuar sendo tolerado
pelos demais.

Thomas Hobbes escreveu sobre o significado do silêncio em seu livro The


Elements of Law, publicado em 165023. O silêncio, dizia ele, pode ser
interpretado como um sinal de conformidade, já que é fácil dizer não quando
não se está de acordo. Hobbes está, sem dúvida, equivocado quando diz que
é fácil dizer não, mas tem razão ao propor que o silêncio pode ser
interpretado como conformidade. E isso é o que o torna tão tentador.
Expondo o fenômeno à luz do dia
Existem duas formas possíveis de comprovar a validade de um processo
como o descrito na hipótese da espiral do silêncio. Se algo assim existe
realmente e se é um processo por meio do qual as ideologias e movimentos
sociais se impõem ou desaparecem, autores de séculos anteriores também
devem tê-lo percebido de alguma forma. E pouco provável que um
fenômeno deste tipo tenha passado despercebido diante da atenção de
homens sensíveis e reflexivos como filósofos, estudiosos do direito e
historiadores, que tanto pensaram e escreveram sobre os homens e seu
mundo. Quando comecei a buscar entre os escritos de grandes autores do
passado, alegrei-me ao encontrar uma descrição precisa da dinâmica da
espiral do silêncio na história da Revolução Francesa, de Alexis de
Tocqueville, publicada em 185624. Tocqueville descreve a decadência da
Igreja na França em meados do século XVIII e o modo como o desdém pela
religião se converteu em uma paixão generalizada e imperante entre os
franceses. O silêncio da Igreja francesa, conta ele, foi um fator de primeira
importância: “Os que continuavam crendo nas doutrinas da Igreja tinham
medo de ficar sozinhos em sua fidelidade e, temendo mais a solidão do que o
erro, declaravam compartilhar das opiniões da maioria. Deste modo, o que
era somente a opinião de uma parcela do país chegou a ser considerado
como a vontade de todos e a parecer, por isso, irresistível, inclusive para os
que haviam contribuído para gerar essa falsa aparência”25. Seguindo a
recorrência deste tema pelo passado, encontrei observações e opiniões
impressionantes espalhadas por toda a parte. Entre elas havia comentários de
Jean Jacques Rousseau e David Hume, John Locke, Martin Lutero,
Maquiavel, John Hus, além de autores da Antiguidade. O assunto, porém,
nunca aparecia como tema principal, mas sob a forma de comentários
marginais. Era como seguir os rastros de um fugitivo, mas pouco a pouco foi
se confirmando a realidade da espiral do silêncio.

Um segundo modo de comprovar a legitimidade de uma hipótese é


investigá-la empiricamente. Se existia um fenômeno como a espiral do
silêncio, haveria de ser possível medi-lo. Ainda mais em nossos dias. Depois
de mais de cinquenta anos testando instrumentos para o uso em pesquisas e
entrevistas representativas, um fenômeno psicosso-cial deste tipo não
deveria escapar à observação. O capítulo seguinte descreve os tipos de
instrumentos que desenvolvemos para expor a espiral do silêncio à fria luz
do dia.
1

[N.T.] Ostpolitik (em alemão, Política do Leste) foi o nome dado aos
esforços políticos dos chanceleres da Alemanha Ocidental para a
normalização das relações com o Leste Europeu, especialmente na tentativa
de reunificação da Alemanha. Tal como alertavam os conservadores
alemães, o esforço de conciliação acabou por dificultar a aproximação dos
dois blocos e o reconhecimento da parte soviética como legítima, retardando
ainda mais a queda do Muro de Berlim que só foi ocorrer em 1989.
 

2. Comprovação com instrumentos


de pesquisa de opinião
O termo “instrumento” pode dar a ideia de algum tipo de aparato visível, um
equipamento ou uma engenhosa máquina de medir. As perguntas de um
questionário de pesquisa de opinião, embora pareça uma brincadeira boba,
podem ser eficientes instrumentos de observação. As respostas de uma
amostra representativa de indivíduos a essas perguntas revela a existência de
motivos e formas de conduta, fenômenos que podem servir de cimento a
processos como a espiral do silêncio. Afirmar a existência desta teoria
equivale a dizer que as pessoas observam o seu meio social, fixam o olhar
naqueles que as observam e têm consciência da dinâmica das tendências.
Além disso, registram quais opiniões estão ganhando terreno e quais reúnem
o potencial para se tornarem dominantes. Mas podemos provar estas
afirmações?

Como saber?
Em janeiro de 1971, as pesquisas de opinião da Allensbach começaram a
investigar a espiral do silêncio. O primeiro questionário era composto de três
perguntas básicas sobre a Alemanha Oriental:
Se você tivesse que tomar a decisão, diria que a República Federal deveria
reconhecer ou não a Alemanha Oriental como segundo estado alemão?

Agora, sem levar em conta a sua própria opinião, como acha que a maioria
dos habitantes da República Federal se posicionaria sobre reconhecer ou não
a Alemanha Oriental?

Seria a maioria favorável ou contrária? O que você acredita que acontecerá


em um ano em relação à opinião de todos?

A maior parte das pessoas pesquisadas poderia muito bem ter respondido:
“Como vou saber o futuro? Não sou profeta”. Mas não foi essa a resposta.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, entre 80% e 90% de uma
amostra representativa da população com mais de dezesseis anos de idade,
deu sua opinião sobre as posições mantidas pelas pessoas que as rodeavam.

Das opiniões pesquisadas, aquelas que diziam respeito ao futuro mostraram-


se, em geral, menos seguras, ao passo que as que diziam respeito ao futuro
de uma opinião eram dadas sem tanta hesitação. Naquele mesmo mês de
janeiro de 1971, três quintos dos consultados expressaram suas previsões
sobre como se desenvolvería a opinião relativa ao reconhecimento da
Alemanha Oriental. As estimativas foram bastante claras: 45% das pessoas
acreditavam no aumento da opinião favorável ao reconhecimento e somente
16% apostavam na diminuição (tabela 2). Os resultados nos remetem às
eleições de 1965. Em resposta à pergunta "quem você imagina que ganhará
as eleições?”, não se obteve como resposta majoritária “como quer que eu
saiba?”, embora essa pudesse ser uma resposta razoável em vista da
divulgação mensal de pesquisas que assinalavam uma competição bastante
empatada. Naquele momento, as expectativas pareciam cada vez mais claras
a respeito do resultado e a consequência disso se demonstrou na mudança de
voto na última hora. Extrapolando as observações feitas entre 1965 e 1971,
teríamos que supor a ocorrência de uma espiral do silêncio operando em
favor do reconhecimento da Alemanha Oriental.
A descoberta de uma nova capacidade humana: a
percepção do clima de opinião
Agora vejamos em que medida nossas extrapolações iniciais confirmaram a
hipótese da espiral do silêncio. Repetimos muitas perguntas desde a primeira
tentativa de janeiro de 1971. E, como em 1965, confirmou-se, de forma
consistente, uma aparente capacidade das pessoas em captar algo das
opiniões majoritárias e minoritárias, ou seja, em perceber a distribuição e a
frequência dos pontos de vista favoráveis e contrários. Tudo isso
independentemente dos números apresentados nas pesquisas publicadas
(tabela 3).

Assim, no ano eleitoral de 1976, comparamos sistematicamente os


resultados das duas perguntas que havíamos utilizado para medir a
percepção da força das opiniões tanto em 1965 quanto a partir 1971. As
perguntas foram: “quem vai ganhar as eleições?” e “o que pensa a maioria
das pessoas?”. Ambas as perguntas produziram resultados semelhantes, mas
a pergunta “você acha ou não que a maioria das pessoas prefere o partido
X?”, demonstrou ser mais exata e, portanto, melhor instrumento de medida
do que: “qual partido vai ganhar?”. As oscilações nas estimativas relativas à
força dos partidos era claramente mais acentuada, apesar de correrem
paralelas a outras medidas (figura 3).

Tabela 3. Expectativas sobre o clima futuro de opinião

Qual a opinião que ganhará apoio e qual perderá? A maior parte das pessoas
arriscaria um juízo sobre qual ponto de vista recebería maior apoio em uma
controvérsia. Escolhemos seis exemplos entre 25 testes baseados em mil a
duas mil entrevistas, com amostra representativa da população, realizadas
entre 1971 e 1979. O texto das perguntas era o seguinte: “do modo como
estão as coisas, como você pensa que serão as opiniões dentro de um ano?
Haverá mais ou menos gente a favor de...?”.
As incríveis variações nas respostas sobre o clima de opinião política nos
despertaram o interesse em saber se aquelas estimativas estavam corretas.
Em dezembro de 1974, começamos a comprová-las sistematicamente.
Comportando-se segundo a regra das hierarquias de estabilidade de
Lazarsfeld, as intenções de voto experimentaram mudanças pequenas,
embora contínuas, durante os quinze meses seguintes. A diferença entre o
percentual maior ou menor de intenção de voto da União Democrática Cristã
nunca superou os seis pontos e o caso do Partido Social Democrata nunca
superou 4%.
Figura 3. Quem irá ganhar as eleições?Há décadas se utilizava essa
pergunta para medir o clima de opinião. Outro indicador era a pergunta: “a
maioria prefere CDU/CSU?”, com a qual buscava-se medir com maior
precisão, isto é, com maiores oscilações de opinião. Fonte: Arquivos
deAUensbach, entrevistas: 3023, 3025, 3030, 3031, 3032, 3035.

No entanto, o clima de opinião sofreu grandes perturbações, segundo a


percepção dos nossos entrevistados neste mesmo período. Estas variações,
que chegavam a ser de até 24%, não eram arbitrárias. Pelo contrário,
observamos que isso se devia a pequenas mudanças que ocorriam às vezes
na orientação real dos votantes (figuras 4 e 5).

A questão intrigante era: como o conjunto da população percebia estas


ligeiras variações nas intenções de voto? Prosseguimos nossas observações.
O que acontecia nos estados federais, em Niedersachsen e em Rheinland-
Pfalz, foi incorporado ao nosso mapa de tendências (figura 6). O Instituto
Gallup da Grã-Bretanha estava querendo comprovar a capacidade dos
britânicos em perceber o clima político. As intenções de voto britânicas não
pareciam absolutamente tão consolidadas como as da Alemanha, mas os
britânicos também pareciam ca-\
Figura 5. O clima de opinião se fez visível. As perguntas tradicionais sobre
a intenção de voto não demonstram a instabilidade das intenções. Fonte:
Arquivos Allensbach, entrevistas: 3010, 3017, 3019, 3022, 3023, 3025.

Quantos assuntos diferentes poderíam ser englobados por esta capacidade de


reconhecer o clima de opinião? Deve-se considerar que as observações feitas
pelas pessoas incluem constantemente uma considerável gama de assuntos.
Desde março de 1971, tínhamos dados comparativos sobre as opiniões
acerca da pena de morte e sobre a percepção do clima de opinião sobre este
assunto. Mas como entre 1972 e 1975 haveriamos de realizar outros estudos
empíricos mais urgentes que a comprovação da espiral do silêncio, ficaram
faltando dados sobre este período. Entretanto, as outras seis pesquisas
realizadas entre 1971 e 1979 confirmaram que as mudanças reais de opinião
se refletiram fielmente na percepção do clima (figuras 8 e 9).
Figura 6. Um furacão repentino acometeu as eleições estatais da Renania.
Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevistas: 3114, 3141, 3153-1, 3156, 3158.

Essa percepção às vezes se equivoca e, como geralmente funciona bem,


ficamos intrigados quando isso acontece. Nesses casos, os sinais, nos quais
as pessoas baseiam a sua percepção do clima de opinião, devem estar de
alguma forma distorcidos. Enquanto ainda soubermos tão pouco sobre essas
distorções, não será fácil explicá-las. Tratamos desse tema no capítulo 22.
Figura 7. A capacidade semi-estatística de perceber o clima de opinião
também se dá na Inglaterra. Perguntas: “Em que partido votaria se a
eleição fosse amanhã?”. Independente de sua própria opinião, você acredita
que a maioria dos britânicos prefere os conservadores ou não? Fonte:
índice Político Gallup.

O teste do trem
Arrisquemos uma explicação sobre a distorção que foi observada em 1965,
quando a expectativa sobre o partido ganhador havia ido muito além da real
evolução na intenção de votos. Segundo nossa hipótese da espiral do
silêncio, isso se deve à diferença de disposição - ou entusiasmo - dos grupos
em expressar as suas opiniões em público ou a mostrar abertamente os seus
pontos de vista onde pudessem ser percebidos. Essa hipótese só se
comprovará se provados empiricamente dois pressupostos.
O primeiro é o de que as pessoas captam intuitivamente o grau relativo de
aceitação de opiniões diferentes (no capítulo anterior, mostramos a evidência
que apoia esse pressuposto). A segunda questão, embora não investigada
empiricamente, é se as pessoas realmente adaptam a sua conduta à força ou à
fraqueza aparente das diferentes opiniões.

Em janeiro de 1972, apareceu pela primeira vez uma pergunta em uma das
pesquisas da Allensbach, uma pergunta que, até onde sabemos, nunca havia
aparecido em algum questionário tanto na Alemanha como em outro lugar.
Era sobre educação de crianças. A pergunta havia sido feita no contexto de
uma pesquisa realizada com donas de casa. O pesquisador começava
mostrando-lhes uma espécie de tira com dois desenhos, na qual ocorria uma
conversa entre duas donas de casa, sendo uma no quadro superior e outra no
inferior. Elas discutiam sobre a necessidade ou não de bater em seus filhos
quando se portavam mal. No desenho havia a pergunta: “com qual das duas
você concorda? Com a de baixo ou com a de cima?” (Figura 10).
Figura 10. Teste da disposição de falar ou tendência em ficar quieto em uma
conversa sobre educação dos filhos.

Uma das mulheres do desenho declarava: “Bater nos filhos é errado. Pode-se
educar qualquer criança sem bater”. No outro desenho, a dona de casa
vizinha respondia: “Bater nas crianças faz parte de sua educação e isso
nunca fez mal a ninguém”. Naquele mês de janeiro de 1972, cerca de 40%
das donas de casa pesquisadas concordaram com a primeira opinião e 47%
com a segunda. Indecisas somaram 13*%.

Mas a pergunta crucial veio a seguir: “suponha que está numa viagem de
trem de cinco horas e em seu compartimento há uma mulher que pensa da
seguinte maneira...”. A partir daí, o texto da pergunta se dividia. Para as
mulheres que haviam opinado contrariamente a bater nos filhos era dada a
continuação da pergunta dizendo que em seu compartimento havia uma
mulher dizendo que “bater nos filhos faz parte de sua educação”. E às
partidárias do castigo físico, completavamos a história dizendo se tratar de
alguém que pensava: "bater nos filhos é um erro”. Em ambos os casos, a
pergunta era feita de modo que as donas de casa fossem defrontadas com
uma companheira de viagem com um ponto de vista diametralmente oposto
ao seu. Assim, para ambas, a pergunta terminava da seguinte maneira:
“gostaria de conversar com essa mulher para conhecer melhor o seu ponto de
vista ou acha que não valeria a pena?”.

O teste do trem foi repetido com temas diversos. Em outra ocasião foi
apresentada uma conversa na qual se expunha opiniões sobre os democratas
cristãos e os socialdemocratas da Alemanha. Outras vezes, falou-se sobre a
discriminação racial na África do Sul, a coabitação entre jovens não casados,
as centrais nucleares, a mão de obra estrangeira, o aborto, o perigo das
drogas e o acesso ao serviço público de pessoas com idéias radicais.

A hipótese que se tentava comprovar era se os diferentes grupos de opinião


diferiam em sua disposição em defender publicamente seus pontos de vista e
convicções. O grupo mais disposto a proclamar sua posição terá um maior
impacto e influenciará mais a opinião do restante das pessoas, que poderíam,
portanto, acabar incorporando-se ao grupo aparentemente maior e mais
crescente. Algo parecido se observa em alguns casos particulares. Mas como
se podería medir esse processo cumprindo os requisitos científicos de um
experimento? As medições deveríam ser repetíveis, comprovadas quantas
vezes fosse necessário e serem independentes das impressões subjetivas do
observador. Deveriamos, para isso, tentar simular a realidade nas condições
que permitiríam confirmar as medições. Essas condições poderíam ser
alcançadas, por exemplo, em uma pesquisa de opinião realizada de modo
uniforme, na qual as perguntas seriam lidas em voz alta, com forma e ordem
determinadas. Deveríam participar da pesquisa centenas de questionadores
perguntando em amostras de 500,1.000 ou 2.000 pesquisados, de modo que
nenhum questionador particular pudesse influenciar decisivamente os
resultados. Entretanto, notamos como é insuficiente a situação oferecida por
uma entrevista desse tipo!

Como é diferente e única a vida diante da experiência, diante da percepção e


apreensão da realidade!

Simulando uma situação pública


Nossa primeira tarefa consistia em simular, por meio de uma entrevista, uma
situação pública que nos permitisse investigar a inclinação reprimida que faz
uma pessoa comportar-se publicamente diferente. Parece evidente que as
pessoas percebem a força ou debilidade de suas opiniões de várias maneiras,
não somente a partir de conversas familiares. Por este motivo, tivemos que
simular outros círculos, além do familiar, para obter uma conduta pública
geral. Até mesmo pessoas solitárias, com poucos conhecidos, conseguem
perceber esses sinais, como mostrava nossa análise da “reviravolta no último
minuto”1’. Além disso, quando se produz uma mudança no clima de opinião
a favor ou contra um partido, uma pessoa ou uma ideia determinada, esta
mudança é percebida imediatamente em toda parte, por todos os grupos da
população, seja de faixa etária ou de profissionais diversos (figuras 11-13).
Isso só é possível se os sinais são abertos e públicos.

A conduta em família, o círculo primário, pode ser a mesma ou diversa dos


lugares públicos. Mas para a espiral do silêncio este é um assunto
secundário. Isso foi descoberto rapidamente na pesquisa de opinião quando
produzimos uma situação na qual os entrevistados tiveram que responder
qual seria a sua tendência, de se expressar ou de permanecer em silêncio.
Propusemos aos entrevistados que se imaginassem convidados para uma
reunião pública, onde estariam na presença de conhecidos e desconhecidos.
Nesta reunião, a conversa chegaria a um tema polêmico. Neste momento, no
texto da pergunta introduziriamos a questão concreta, que seria: “o
entrevistado gostaria de participar da conversa sobre esse assunto ou
preferiría não participar?”.

Mas a pergunta não funcionou. A situação não era suficientemente pública e


as relações dos entrevistados se viam muito influenciadas por considerações
de cortesia a respeito das opiniões expressadas pelos anfitriões e por outros
convidados. Depois, criamos o teste do trem. Apresentávamos uma situação
pública em alguma coisa semelhante a uma conversa de rua, numa praça ou
avenida: qualquer um podia entrar no assunto e o entrevistado não conhecia
os nomes ou atitudes das pessoas que encontrava.
expressão de seu caráter público.

Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevistas 2044 e 2065/2068/A.

Ao mesmo tempo, era uma situação de pouca exposição, de modo que até
uma pessoa tímida se sentiría à vontade para participar. Mas será que esta
situação serviría para conhecer a conduta natural das pessoas em situações
públicas reais, como na rua, na frutaria, ou como expectador de um fato
público? A entrevista deveria ser feita na intimidade, no máximo na presença
de outros membros da família. Expressariam, dessa forma, suas verdadeiras
reações ou será que o impulso para fazê-lo seria insuficiente diante de uma
situação meramente imaginária?

Confirma-se a segunda suposição: os que confiam


na vitória se pronunciam e os perdedores tendem a
calar-se
Ao efetuar um teste do trem após o outro, nas pesquisas realizadas em 1972,
1973 e 1974, tornava-se evidente a possibilidade de medirmos a disposição
das pessoas em ocultar ou revelar suas diferentes opiniões. O ano eleitoral de
1972 ofereceu condições e temas ideais para esse teste. O entusiasmo pelo
chanceler Willy Brandt, vencedor do Prêmio Nobel, chegou ao seu máximo.
No entanto, as opiniões ainda se encontravam agudamente divididas sobre a
questão da Ostpoli-tik, que Brandt simbolizava. Não havia dificuldade em
perceber qual opinião era a mais forte publicamente, fosse a favor ou contra
Brandt. “Que opinião você considera evidente na maior parte dos cidadãos
alemães: a favor ou contra os tratados firmados com o Leste?”. Esta era a
pergunta de maio de 1972. “A maioria está a favor”, diziam 51%. Ao que
discordavam outros 8%. Já a concordância com a frase: “aproximadamente,
metade contra e metade a favor”, teve 27%. Outros 14% se esquivavam da
questão com a resposta: “não há como saber”.
Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevistas: 2095, 3001.

Em outubro de 1972, com a campanha eleitoral em marcha, incluiu--se, no


teste do trem, a hipótese de uma pessoa que começava a falar muito
favoravelmente sobre o chanceler Brandt. Então, perguntava-se ao
entrevistado: “você gostaria de conversar com essa pessoa para conhecer
melhor o seu ponto de vista ou acharia que não vale a pena?”. Cerca de 50%
dos que já apoiavam Brandt (o dobro dos que não apoiavam) disseram que
gostariam de entrar na conversa. Daqueles que não o apoiavam, porém,
apenas 35% puderam dizer o mesmo. “Não vale a pena”, foi a resposta de
42% dos partidários de Brandt e de 56% dos que estavam contra ele. Assim,
os defensores de Brandt eram muito superiores em número aos seus
detratores e, mesmo assim, sua força se multiplicava por sua maior
disposição a expressar o seu ponto de vista.
Um botton de campanha também é uma maneira de
falar
A respeito desta hipótese, é preciso entender o que significa falar e calar em
um sentido mais amplo. Usar um botton na lapela do casaco, uma camiseta
ou um adesivo no carro, são modos de expressar opinião. Do mesmo modo,
não fazer nada disso, ainda que com firmes convicções, é uma forma de ficar
calado. Assim, carregar ostensivamente consigo jornais ou revistas de
orientação política conhecida é uma maneira de se expressar naquela
direção, assim como manter a mesma revista oculta em uma gaveta ou se
deixar ver levando uma publicação menos partidária, são formas de manter-
se calado. E claro que aquele que expressa sua opinião também poderia
manter a revista guardada, mas não no intuito de escondê-la. Distribuir
folhetos é uma maneira de falar assim como colocar cartazes ou arrancar os
do adversário. Na década de 1960, homens de cabelos compridos estavam
expressando algo. Do mesmo modo, atualmente os que usam calças de
vaqueiro, nos países do Leste Europeu.
Figura 13. Mudanças no clima de opinião aumentam abrangência. Fonte:
Arquivos de AUensbach, entrevistas: 3020/3023, 3046.

Sem levar em conta o teste do trem, o ano eleitoral de 1972 nos forneceu
provas empíricas mais do que suficientes de que uma das duas partes da
controvérsia se expressaria ativa e abertamente enquanto a outra parte,
embora não necessariamente menos numerosa (talvez até mais), manter-se-ia
em silêncio. Um protesto do antigo vice-presidente Agnew, sobre a “maioria
silenciosa”, tornou-se popular justamente por apontar uma realidade
amplamente percebida. Era uma realidade na qual o povo tomou parte,
apesar de não estar suficientemente consciente disso, por não ter havido uma
classificação explícita.

Uma pergunta da pesquisa realizada após as eleições federais de 1972,


porém, demonstrou com clareza as diferenças entre as percepções nos dois
partidos, embora permanecessem praticamente equilibrados quanto à
quantidade de seus adeptos. A pergunta feita em dezembro era: “todos os
partidos possuíam cartazes, bottons de campanha e adesivos para carros. De
acordo com a sua impressão, qual dos partidos utiliza-se mais desses
recursos?”. Afirmaram tratar-se dos socialdemocratas 53%, enquanto que
apenas 9% viam, neste aspecto, os democratas cristãos. Uma segunda
pergunta corroborava a mesma questão, em outro ângulo, por meio da
seguinte pergunta, sempre iniciada com uma afirmação de base: “os
resultados de um partido nas eleições dependem em grande parte de sua
capacidade de fazer seus partidários participarem da campanha eleitoral. A
respeito dos votantes, de ambos os partidos, nestas eleições, qual deles você
acredita que demonstrou mais idealismo e compromisso pessoal neste
quesito?”. Dos pesquisados, 44% apontaram os social democratas e apenas
8%> opinaram que apoiariam dos democratas cristãos.

Esses resultados nos parecem indicar que, naquele momento (outono de


1972), quem quer que estivesse a favor dos democratas cristãos não teria
êxito em identificar apoiadores de suas idéias entre aqueles que usavam
bottons de campanha ou adesivos. Todos eles pareciam ter desaparecido no
silêncio. Tal situação contribuía para que aqueles que compartilhavam
convicções do partido e buscassem algum sinal, se sentissem realmente
isolados e sozinhos. A espiral do silêncio estava funcionando com uma
eficácia aparentemente insuperável.
A princípio, estes pequenos indícios, reunidos em um esforço de

perceber o clima de opinião, configuravam um quadro bastante incerto.


Afinal, levar um botton de campanha ou adesivo no carro não seria uma
mera questão de preferência? Algumas pessoas tendem a tomar essas
atitudes e outras não. Seria possível que os votantes mais conservadores
seriam também os mais discretos, menos propensos a exibir suas
convicções? Ou ainda, a respeito do teste do trem, parece que algumas
pessoas tendem a apreciar mais as conversas em viagens do que outros.
Começávamos a nos perguntar: o teste do trem seria mesmo eficaz para
indicar um processo de influência de opinião como a espiral do silêncio?

A vantagem de ter pessoas expressivas do nosso lado


Os resultados das nossas pesquisas sustentam a afirmação de que,
independente do assunto ou da intensidade da convicção, algumas pessoas
são mais propensas a falar e outras a ficar caladas. Isso também ocorre em
grandes grupos populacionais. Os homens mostram-se mais dispostos a
participar de uma conversa sobre temas polêmicos do que as mulheres. Os
jovens mais do que os adultos. Os de maior renda ou nível social, mais do
que os de nível inferior. Evidentemente, tudo isso tem grande influência na
visibilidade pública de temas e diversidade de pontos de vista. Portanto, se
um dos grupos políticos atrai mais os jovens ou pessoas de maior nível
educacional, certamente terá maior possibilidade de alcançar a aceitação
geral. Mas essa é apenas uma parte da história. Há um segundo fator que
influencia na disposição individual em manifestar opiniões: o acordo ou
disputa entre as próprias convicções e a avaliação feita sobre as tendências
vigentes, o espírito do seu tempo, o assédio dos que parecem mais
modernos, mais sensatos, ou simplesmente a sensação de que os “melhores”
estão do nosso lado (tabela 6).
1

’ [N.T.] A autora se refere à análise da reviravolta observada nas eleições


federais de 1965, descrita no capítulo anterior.
Solta-se o verbo quando se sente que está em
harmonia com o espírito do seu tempo
No outono de 1972, os que apoiavam Willy Brandt estavam mais motivados
do que os seus oponentes a participar de um debate público sobre Brandt,
tanto jovens quanto adultos, homens ou mulheres, de menor ou maior nível
social ou escolaridade. Naquele momento, o teste do trem demonstrou a sua
validade. Este instrumento possibilitou que se realizasse uma série contínua
de pesquisas, durante os anos seguintes, para revelar qual dos setores da
sociedade se pronunciaria, e qual se manteria em silêncio, diante de uma
controvérsia.

Entre os apoiadores do partido socialdemocrata (esquerda), 54% deles se


mostraram satisfeitos em participar de uma conversa sobre suas próprias
idéias em uma hipotética viagem de trem. Já entre os democratas cristãos,
somente 44% deles gostariam de falar sobre a União Cristã Democrata
(1974), naquelas condições hipotéticas. Após a troca do chanceler federal,
estavam dispostos a falar sobre Helmut Schmidt: 47% dos que apoiavam, e
somente 28% dos que estavam contra queriam falar sobre ele (1974).
Quando o tema foi a alimentação forçada de presos que fizessem greve de
fome, 46% dos que estavam a favor estiveram dispostos a falar, enquanto,
dos contrários, apenas 33% aceitariam expressar-se publicamente.
As mudanças de opinião favorecem a investigação
Havia sido produzido aquilo que na Alemanha se chama Tendenzwende, um
ponto de inflexão na força relativa das atitudes políticas. Até esse momento,
não sabíamos por que aqueles que apoiavam as posições e os líderes
políticos de esquerda estavam mais dispostos a participar dos debates.
Poderia ser devido ao clima político favorável ou simplesmente porque
esquerdistas tendem a gostar mais de discutir. Mas, na etapa seguinte,
surgiram duas observações que refutavam esta segunda hipótese.

Tabela 6. A disposição a conversar como termômetro do clima social e


da confiança em si mesmos nos grupos da população

A comparação dos resultados obtidos entre 1972 e 1978 mostra um aumento


geral da inclinação de falar das pessoas. Isso foi particularmente observado
entre os votantes conservadores da União Cristã Democrata. A tabela mostra
a porcentagem daqueles que aceitariam falar sobre temas polêmicos com
companheiros de uma viagem de trem em diferentes épocas pesquisadas.
Fontes: 1972-1973: Arquivos de Allensbach (entre agosto de 1972 e
fevereiro de 1973). Os assuntos em debate no compartimento do trem eram:
a expansão do socialismo na Alemanha Ocidental; a ilegalidade do Partido
Comunista Alemão; o chanceler Brandt; e a coabitação de adultos jovens
não casados. 0 número total de entrevistas foi de 9.966. 1975-1976:
Arquivos Allensbach (entre fevereiro de 1975 e dezembro de 1976). Os temas
em debate no compartimento do trem eram: a alimentação forçada de
presos que fazem greve de fome; a pena de morte; o grau de influência
política de Franz Josef Strauss; a forma como a Espanha estava sendo
governada; aceitação do SPD; aceitação do CDU-CSU; a coabitação sem
estar casados; e fumar na presença de não fumantes. O número total de
entrevistas foi de 14.504.

1977-1978: Arquivos Allensbach (entre agosto de 1977 e outubro de 1978).


Os temas das conversas no compartimento do trem eram: a pena de morte; a
construção de novas usinas nucleares; pena de morte para terroristas;
simpatia pelos terroristas; e a proposta de uma União Européia sem a
Rússia e nem os países do Leste. O número total de entrevistas foi de 10.133.
Em primeiro lugar, os simpatizantes socialdemocratas começaram a mostrar
menor inclinação a participar das discussões sobre seu partido, no período
entre 1974 e 1976, ou seja, durante o que se chamou de “ponto de inflexão
política”. Isso foi demonstrado pela queda dos 54% dispostos a falar, em
1974, para 48%, em 1976. A mudança geral, porém, nos surpreendia menos
do que a repentina sensibilidade demonstrada diante da pergunta do trem:
tudo dependería se o companheiro de viagem, que iniciasse a conversa,
falasse favorável ou desfavoravelmente do Partido Social Democrata/ Em
1974, os que apoiavam o partido de esquerda pareciam quase imunes à
influência das opiniões do companheiro de viagem. Quando o partido era
elogiado, 56% das pessoas expressavam-se e 52% falavam quando o partido
era criticado. Dois anos depois, 60% dos pesquisados aceitariam debater
com quem visse a política como eles. Mas quando o companheiro de viagem
se expressava contra os socialdemocratas, a inclinação de seus partidários
em participar da conversa diminuía para 32%.

Com os que apoiavam os democratas cristãos, porém, acontecia exatamente


o contrário. Em 1974, os conservadores se mostraram muito mais sensíveis
ao clima de opinião, expressando disposições completamente diferentes de
participar do debate, tanto diante da oposição ao partido quanto do apoio do
companheiro de viagem. E em 1976, as opiniões do viajante já não lhes
importavam1'.

Após as experiências de 1972 e 1973, quisemos simplificar o texto do teste


do trem, de modo a não apresentarmos situações alternativas com indivíduos
partidários ou opostos a uma ideia, corrente ou pessoa em particular. Os
resultados obtidos, até então, mostravam que o aspecto do entorno não
afetava a inclinação do entrevistado a falar ou permanecer em silêncio. Até
1975-76, não percebemos o quanto havia sido prematuro não levar em conta
a possível variação no teste. Como temos dito, é preciso que haja uma
situação de espiral do silêncio ideal, ou seja, quando um lado tem toda a
visibilidade pública e o outro se oculta, estabilizando a tendência de falar ou
calar-se, para que a participação ou não nos confrontos de opinião não
dependam de apoiadores ou opositores explícitos2. No entanto, para além
dessas situações apuradas, há controvérsias abertas, discussões incondusas
ou casos em que o conflito reprimido ainda precisa vir à tona. Em todos
esses casos, como mostraram investigações posteriores, a sensibilidade ao
teor da conversação no trem é considerável e pode ser reveladora.
Refutando a ideia de que esquerdistas são menos
sensíveis ao clima de opinião
Asegunda descoberta, que refutou a hipótese de que os entrevistados de
esquerda tendiam mais a participar de debates, surgiu a partir da
preocupação em torno de um fenômeno que, como o efeito da “aposta no
vencedor”, estava há décadas atraindo a atenção dos investigadores
eleitorais. Se por um lado havia uma tendência pré-eleitoral, reconhecível de
alguns eleitores, a mudarem seu voto na direção do ganhador previsto,
também existia uma inclinação pós-eleitoral de pessoas afirmarem ter votado
no partido vencedor. Isso poderia ser interpretado, assim como na “aposta no
vencedor”, como um esforço para estar entre os vencedores, fazendo com
que se “esqueça”, seletivamente, de ter votado em outro candidato ou
partido.

Para confirmar este fato, buscamos dados dos arquivos do município de


Allensbach desde as primeiras eleições federais de 1949. Os dados não nos
permitem comprovar a simples regra de que depois de qualquer pleito há
mais pessoas que afirmam ter votado no vencedor do que o registrado na
apuração eleitoral. O que as pessoas diziam sobre o seu voto quase sempre
coincidia com os resultados oficiais das eleições (figuras 14 e 15).

Em uma ocasião, em 1965, um número espantosamente grande de pessoas


afirmava não ter votado em um dos dois partidos principais. Era o Partido
Social Democrata, que havia perdido nas eleições, ou o União da
Democracia Cristã, ganhador. Em 1969 e 1972, o número dos que diziam ter
votado nos socialdemocratas rebaixava substancialmente a proporção real de
votantes nesse partido. No entanto, obtivemos duas importantes descobertas
quando nos fixamos nos resultados do chamado método painel, no qual se
pergunta repetidamente às mesmas pessoas durante um período de tempo.

Em primeiro lugar, descobrimos que as mudanças nas declarações de voto,


que ocorriam nas entrevistas seguintes, nem sempre eram na direção do
partido vencedor (o Partido Social Democrata) e sim na direção da opinião
majoritária do grupo ao qual pertenciam. No caso dos jovens votantes, por
exemplo, o movimento de mudança beneficiava o Partido Social Democrata,
enquanto no caso dos adultos, os democratas cristãos. Entre os
trabalhadores, o benefício era aos socialdemocratas, enquanto os autônomos,
o movimento caminhava na direção da União Democrata Cristã. Isso
indicava não se tratar tanto de uma tendência a estar no grupo vencedor, mas
do intuito de evitar o isolamento do próprio meio social. Como em 1972, a
maioria dos grupos declarou-se amplamente favorável ao Partido Social
Democrata, o balanço geral dos resultados da pesquisa pós-eleitoral indicou
claramente um aumento do número de votos para os socialdemocratas.
Fonte (figuras 14 e 15): Resultados eleitorais oficiais procedentes de
Statistis-che Jahrbücher für die Bundesrepublik Deutschland. Os resultados
das entrevistas procedem dos arquivos Allensbach.

Um novo procedimento para medir a pressão da


opinião
A segunda descoberta foi de que a tendência a superestimar o voto no
Partido Social Democrata não permaneceu constante, durante o período
posterior às eleições federais, assim como a tendência a subestimar o voto
nos conservadores da União Democrata Cristã. Ambos os processos
pareceram responder sutilmente às mudanças no clima de opinião. A
princípio, entre 1972 e 1973, havia um grande número de pessoas que
diziam ter votado nos socialdemocratas nas últimas eleições, e muito poucas
nos democratas cristãos. Depois, pouco a pouco, as pessoas começaram a
lembrar-se de terem votado nos socialdemocratas ou nos democratas
cristãos, e suas declarações se aproximaram dos resultados reais das
eleições. A figura 16 recorre a uma parcela desta série de observações.
Mesmo quando as declarações de voto voltaram a aproximar-se dos
resultados reais de 1976, as mudanças não se mantiveram. À medida que se
aproximava o dia das eleições, a anterior falta de disposição dos votantes dos
democratas cristãos para confessar o que haviam votado começou a
manifestar-se novamente (figura 17).

Atualmente, o Instituto Allensbach realiza medições periódicas da força


dessas tendências calculando o grau de polarização e da intensidade das
discussões políticas vigentes por meio da superestimação ou subestimação,
observadas mès-a-mês, dos votos declarados a favor dos principais partidos
nas últimas eleições gerais. Mais adiante voltaremos a tratar do significado
de tal distorção. Por ora, vamos rever alguns momentos do filme, em câmera
lenta, dos anos de 1974 a 1976, quando ocorreu a mudança de direção das
tendências políticas, para mostrar que o entusiasmo pela discussão e a
inclinação ao silêncio não acompanhavam orientações políticas de esquerda
ou de direita, respectivamente.

Desde 1972, podemos interpretar o ganho ou a perda dos votos de um ou de


outro partido como formas de falar ou de permanecer em silêncio. Sem
esforço algum, encontramos um procedimento para medir as alterações na
pressão da opinião, que fazem as pessoas falarem ou silenciarem.
A figura mostra a ascençáo dos votos socialdemocratas declarados sobre o
número oficial de votos entre 1973 e 1976. A linha dupla = mostra o
resultado eleitoral real do SPD (49%). A figura mostra também a queda de
votos conservadores (CDU) declarados sobre o número oficial de votos. A
linha preta representa o resultado eleitoral real de CDU/CSU (45%).

Figura 16. Subestimação ou superestimação do voto a favor de um partido


como indicador do clima de opinião.

Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevistas: 2089-3004, 3006, 3008-3010.


Estamos dispostos a de fender publicamente uma
opinião? Uma batería de perguntas a respeito
Durante aqueles anos, foram desenhando-se novas perguntas e novos
instrumentos de investigação. Em 1975, incluímos, pela primeira vez em
uma entrevista, uma bateria de perguntas destinadas a trazer à luz a
inclinação do indivíduo para apoiar publicamente um partido político. O
texto da pergunta inicial era: “agora, uma pergunta sobre o partido político
que mais se aproxima de seus pontos de vista. Se lhe perguntassem se estaria
disposto a ajudar esse partido, por exemplo, fazendo algumas das coisas
enumeradas nestas fichas, você estaria disposto a fazer uma ou mais dessas
coisas pelo seu partido preferido?”. 0 entrevistador, então, entregava ao
entrevistado onze fichas, nas quais estavam escritas possíveis formas de
apoiar um partido. Nem todas as alternativas requeriam atividade pública, já
que as pessoas que não quisessem participar delas, mas desejassem mostrar a
lealdade ao seu partido, deveríam poder encontrar alguma maneira de fazê-
lo, como por exemplo, mediante uma contribuição financeira. As outras dez
alternativas sugeridas eram:
 
- Usaria um botton de campanha ou adesivo na lapela do casaco;

- Usaria adesivo no carro;

- Iria de porta em porta para explicar o programa do partido a pessoas


desconhecidas;

- Colocaria um cartaz ou símbolo do partido em sua casa ou na janela;

- Distribuiría propaganda do partido em locais públicos;

- Participaria de uma discussão na rua apoiando o partido;

- Participaria de uma marcha em favor do partido;

- Defendería o ponto de vista do partido em marchas de outros partidos;

- Ajudaria a distribuir propaganda eleitoral.


A essas alternativas o entrevistado poderia preferir a seguinte resposta,
simples, mas valiosa para a análise: “não faria nada disso pelo partido que
apoio”. Um instrumento como este é especialmente útil para detectar e medir
mudanças sutis, do mesmo modo como faz uma balança de correios, que
distingue entre 16 e 21 gramas, enquanto a

balança doméstica comum não poderia nem mesmo distinguir entre 10 e 30


gramas. A bateria de questões, que pretendia medir a disposição das pessoas
em apoiar em público o seu partido, demonstrou ser um instrumento
delicado e sensível. As perdas de apoio a um partido ficaram registradas
imediatamente, como por exemplo, nas eleições estatais de Rheinland-Pfalz,
nas quais brigas envolvendo líderes do partido quase lhes custaram as
eleições. Antes de estourar o conflito entre os líderes (em dezembro de
1978), 39% dos partidários da União Democrata-Cristã disseram que “não
faria nada disso”, quando perguntados sobre sua ajuda ao partido que
preferiam. Já pouco antes das eleições (após o conflito), 48% dos votantes
democratas cristãos responderam que “não faria nada disso”. No entanto, a
oposição, o Partido Social Democrata, manteve-se com 30% de partidários
inativos e não dispostos a apoiar seu partido de forma alguma, entre
dezembro de 1978 e entre fevereiro e março de 19793. O estimulo
psicológico relativo havia sofrido uma variação, embora não detectada pelas
estatísticas como uma mudança significativa. Todavia, a variação quase
acabou fazendo os democratas cristãos perderem as eleições.

Esse exemplo particular serve para ilustrar como a investigação social


consegue tornar visível o invisível. É evidente que se poderia perguntar
diretamente às pessoas se elas levariam um botton de campanha ou fixariam
um adesivo no carro. Do ponto de vista da técnica de medição, esse sistema
direto teria a vantagem de observar ou definir circunstâncias reais ao invés
de se basear em manifestações, muitas vezes duvidosas, das intenções do
entrevistado. A desvantagem, porém, reside no fato de o grupo que leva
bottons de campanha na lapela do casaco ou adesivos no carro constitui-se,
principalmente, de um núcleo duro de ativistas, cujas reações, diante da sorte
variável do seu partido, serão comprovadamente menos sensíveis que a dos
partidários mais marginais. Se nos basearmos somente na conduta sensível
do núcleo duro, obteremos facilmente resultados que não alcançarão o limiar
de detecção estatística e nos impedirão, por isso, de observar as perturbações
do clima de opinião4.
Tentando comprovar se as pessoas com opiniões de esquerda tendem mais a
manifestar suas convicções, descobrimos outra questão. E certo que as
pessoas possuem uma extraordinária facilidade em apreender o clima de
opinião. Do mesmo modo, parece haver grupos que sabem apropriar-se
melhor da atenção pública e outros que se deixam silenciar. Mas como
podemos descobrir quais os motivos que influenciam nesta conduta? Este
processo explicaria o medo do isolamento social, como afirma a hipótese da
espiral do silêncio? No capítulo seguinte investigaremos esta questão.
1

27. Noelle-Neumann 1977a, p.152.


2

[C] Ou seja: a tendência de uma pessoa que pertença à parcela da opinião


dominante é a de expressar-se sempre, independente de quem esteja diante
dela. Isso por causa da sua percepção de que o entomo o favorece. Do
mesmo modo, quem esteja no ostracismo opinativo se calará mesmo diante
de suspeitos apoiadores, pois sua percepção indica uma situação de
inferioridade. A espiral do silêncio ocorre quando a percepção do entomo
opinativo tem mais importância que a opinião individual.
3

Noelle-Neumann, 1979,10.
4

determinarem as opiniões políticas (especíalmente em eleições) do que


serem determinados por elas. A chamada teoria two-step-flow (fluxo
comunicacional em duas etapas), buscava respostas para as perplexidades
diante dos resultados das eleições norte-americanas de 1940, passando a
direcionar a pesquisa para a comunicação interpessoal, estudo que foi de
grande importância para a propaganda política. Ver mais em Lazarsfeld,
1962.
 
3. O medo do isolamento como causa
No início dos anos 1950, o psicólogo social Solomon Asch (1951 e 1952)
informou sobre um experimento que havia realizado por mais de cinquenta
vezes nos Estados Unidos. Consistia em apresentar aos indivíduos do
experimento três linhas, sobre as quais deviam dizer qual delas teria o
comprimento mais parecido ao de uma quarta linha (figura 18). Uma das três
era sempre exatamente igual à quarta. À primeira vista, a tarefa parecia fácil.
A correspondência correta era muito evidente e todos os pesquisados
acertavam com facilidade. Em cada sessão, participavam entre oito e dez
pessoas. A linha de referência e as três outras Unhas de comparação eram
colocadas de uma maneira que todos as podiam ver. Em seguida, todos os
indivíduos pesquisados, começando pela esquerda, diziam qual das linhas
lhes parecia mais semelhante à quarta linha. Esse procedimento se repetia
doze vezes em cada sessão.

Porém, depois de duas rodadas de acerto inequívoco de todos os


participantes sobre a linha correta, a situação mudava repentinamente. Todos
os ajudantes do experimentador, de sete a nove pessoas, que participavam do
experimento, passaram a declarar que a linha correta era uma notoriamente
desigual. O último indivíduo do grupo, não avisado, o único que não estava
desde o início, encontrava-se sentando ao final da fila. O que se investigava
era o que ocorrería com a conduta deste indivíduo, sob a pressão de uma
opinião unânime, mas contrária à evidência dos sentidos. Ele vacilaria? Iria
aderir à opinião majoritária, independente do quanto isso contradiría sua
própria percepção? Ou manter-se-ia com seu próprio juízo?

O clássico experimento de laboratório de Solomon


Asch demonstra que poucos indivíduos confiam em
si mesmos
De cada dez indivíduos desavisados, dois mantiveram-se firmes em sua
própria percepção. Dos oito restantes, outros dois mostraram-se de acordo
com o grupo em somente uma ou duas das dez principais rodadas do
experimento. Os outros seis concordaram com a resposta da maioria, mesmo
percebendo ser uma resposta falsa. Isso significa que, mesmo em uma tarefa
inofensiva, a qual não afeta seus interesses reais e cujo resultado lhes deveria
ser completamente indiferente, a maior parte das pessoas se une ao ponto de
vista mais aceito, embora estejam seguros de sua falsidade. Isso foi o que
Tocqueville descreveu da seguinte maneira: “Temendo mais o isolamento do
que o erro, compartilhavam das opiniões da maioria”.

Quando comparamos o método de investigação de Asch com o método de


entrevista com perguntas, como o teste do trem, notamos imediatamente que
o método de Asch possui uma atração e uma classe de força de persuasão
completamente diferente. Asch trabalha na tradição dos chamados
“experimentos de laboratório”, nos quais se pode controlar até o último
detalhe relevante da situação experimental: o lugar das cadeiras, a conduta
dos seus ajudantes durante as sessões, o grau de clareza na diferença e no
tamanho entre as linhas etc. A configuração experimental, o “laboratório”,
permite-lhe criar uma situação inequívoca e mantê-la constante para todos os
indivíduos. O questionário é uma ferramenta de investigação muito mais
“suja”, porque está sujeito a diversas perturbações e contaminações. Não há
como saber quantos entrevistados não entendem corretamente uma pergunta,
quantos entrevistadores não leem as questões na ordem prevista ou atêm-se
fielmente ao texto, ou quantos introduzem, por sua conta, “melhoramentos”
ou improvisos, ou explicam as coisas à sua maneira, quando o entrevistado
parece não estar certo do sentido da pergunta.

O experimento do tamanho das linhas de Asch: comprovação da


conformidade exigida pelo medo do isolamento

A pergunta era a seguinte:

- Qual das três linhas da direita tem o mesmo tamanho da linha modelo da
esquerda?
Figura 18. Comprovação da conformidade exigida pelo medo do
isolamento. Fonte: Solomon E. Asch: “Group Forces in the Modification
andDistotion ofJudg-ments”, Social Psychology, Prentice Hall, New York,
1952,452.

O quanto custa a uma pessoa comum imaginar uma situação que lhe é
exemplificada, como: “suponha que inicie uma viagem de trem de cinco
horas e, no seu compartimento, alguém começa a...?”. No questionário
habitual, o estímulo necessário para imaginar essa situação é relativamente
escasso. Além do mais, tudo depende de como a pergunta é lida, como é
transcrita a resposta e o quão um indivíduo específico pode ou não ser
expressivo e aberto a falar. Todas as variáveis produzem incertezas nos
resultados. Ao contrário, em um laboratório, como o de Asch, é possível
criar uma “situação real”. Pode-se fazer com que influências parecidas com
as da experiência real condicionem uniformemente todos os indivíduos do
experimento; por

exemplo, sentir-se ridículo diante do fato dos demais verem as coisas de


outro modo.

Duas causas da imitação: aprendizagem e medo de


isolamento
“Temendo o isolamento mais do que o erro”, era a explicação de
Tocqueville. No final do século XIX, seu compatriota, o sociólogo Gabriel
Tarde, dedicou uma grande parte de sua obra ao estudo da capacidade e
tendência humana para a imitação. Referiu-se a uma necessidade humana de
mostrar-se de acordo com os demais em público1. Desde então, a imitação
tem sido um tema de investigação nas ciências sociais. A Enciclopédia
Internacional de Ciências Sociais de 1968, por exemplo, dedica um extenso
artigo sobre o tema2. Para eles, a imitação não é um simples resultado do
temor de ser excluído por desaprovação, mas sim um modo de
aprendizagem. As pessoas observam a conduta alheia, aprendem as condutas
possíveis e, quando a ocasião se apresenta, põem-nas em prática eles
mesmos. Nosso interesse por definir o papel desempenhado pelo medo do
isolamento possui uma complicação: se chamamos imitação a repetição por
alguém daquilo que é feito ou dito, esse processo pode ter diferentes razões.
Pode ser devido ao medo do isolamento, mas também pode ser o reflexo de
um desejo de aumentar a reserva de conhecimentos, ainda mais em uma
civilização democrática, que vê a maioria numérica como melhor critério. A
beleza do experimento de laboratório de Asch está na sua capacidade de
eliminar toda essa ambiguidade. As pessoas pesquisadas viram com seus
próprios olhos que a linha escolhida pela maioria não era a correta. Se
mesmo assim aderiram à opinião da maioria, só pode ser por temor de ficar
isolado e não pela esperança de aumentar seu repertório de condutas ou sua
reserva de conhecimentos sociais.

A conotação negativa de rótulos como “conformista" ou “seguidor da


maioria” mostra que a tendência à imitação vai contra o ideal da autonomia
individual. É uma imagem com a qual quase ninguém quer ser associado,
embora muitos concordem facilmente em descrever assim "o outro”.

Também foi levantada a hipótese de o experimento de Asch apenas refletir


uma tendência ao conformismo, específicamente norte-americano. Stanley
Milgram (1961) repetiu a experiência com algumas modificações em dois
países europeus, cujas populações se costumava classificar, em um caso,
como individualista (a francesa) e, em outro caso, como dotada de um forte
sentido de solidariedade e alto nível de coesão social (Noruega). Embora na
versão do estudo de Milgram os indivíduos ouvissem ao invés de ver a
maioria equivocada, isso bastava para causar a impressão de que estavam
sozinhos em sua experiência perceptiva. A maior parte dos europeus - 80%
dos noruegueses e 60% dos franceses - frequentemente, ou quase sempre,
uniam-se à opinião da maioria. Houve variações posteriores da experiência.
Por exemplo, comprovou-se a influência do número de pessoas que se
sentavam antes do indivíduo desavisado, no intuito de compreender sua
capacidade de confrontar a opinião majoritária e dizer aquilo que viam com
seus próprios olhos.

Não foi preciso, porém, considerar tantos detalhes. A versão original do


experimento de Asch sugere uma importante contribuição para a nossa
pergunta de pesquisa. Presumimos, portanto, que o medo do isolamento dos
indivíduos normais desencadeia a espiral do silêncio, e o experimento de
Asch demonstra que este medo pode ser considerável. Isso explicaria, de
fato, os resultados obtidos com o método das entrevistas. Esse imenso medo
de se sentir isolado nos permitiría explicar, portanto, a grande façanha
coletiva demonstrada pela pesquisa ao revelar, com precisão e fidelidade,
quais as opiniões que se fortalecem e quais perdem força. Mais ainda, fazem
isso sem recorrer a qualquer instrumento de sondagem de opinião. Os seres
humanos economizam quando prestam atenção às coisas. O esforço que
dedicam a observar o entorno parece representar um preço menor a pagar em
comparação com o risco de perderem a estima de outros, de serem
rejeitados, desprezados e se sentirem solitários3.

Estamos negando a natureza social dos seres


humanos?
O problema consiste em tornar empiricamente visível e teoricamente
inteligível a atenção que os indivíduos prestam às opiniões do grupo.
Pesquisas anteriores sobre o fenômeno da imitação parecem considerar a
aprendizagem praticamente como único motivo. Esses trabalhos mostram
uma grande tendência a negar, ou ao menos não levar em consideração, a
natureza social dos seres humanos, desacreditando-a por meio do rótulo da
“conformidade”. Nossa natureza social nos faz temer a divisão e o
isolamento dos demais, desejar o respeito e atrair a simpatia dos que nos
rodeiam. É muito provável que essa tendência contribua consideravelmente
para o êxito da vida social. No entanto, não se pode evitar o conflito.
Conscientemente, louvamos e admiramos o pensamento racional e
independente, o firme e imutável juízo que supomos que cada pessoa deve
almejar e alcançar por si mesma.

O psicanalista Erich Fromm4 buscou sistematicamente todos os diferentes


âmbitos nos quais podia encontrar contradições entre os impulsos
conscientes e inconscientes das pessoas. Contradições tão grandes quanto
àquelas que Freud estudara, em sua época, sobre a sexualidade consciente e
inconsciente.

Fromm assinala, entre as contradições modernas5:

Consciência de liberdade / submissão inconsciente

Sinceridade consciente/ falsidade inconsciente

Consciência individualista / disposição inconsciente a deixar-se influenciar

Consciência de poder / sensação inconsciente de impotência Fé consciente /


cinismo e completa falta de fé inconsciente

Liberdade, sinceridade, individualismo... Aceitamos tudo isso


conscientemente como valores que sentimos presentes em nós mesmos. Mas
eles parecem simplesmente não corresponder ao modo como as pessoas se
comportam, segundo mostrou nossa descrição da espiral do silêncio. Por
isso, não é razoável esperar que as pessoas admitam, conscientemente, seu
medo do isolamento se as perguntamos diretamente, em uma entrevista
sobre suas motivações. Mas assim como podemos simular uma situação
pública, em um questionário para mensurar a tendência das pessoas se
expressarem publicamente ou não, também é possível simular a ameaça de
isolamento em uma situação hipotética de questionário e observar se a
reação dos pesquisados confirma a hipótese de uma espiral do silêncio.

Simulando a ameaça de isolamento


O procedimento que descreveremos se chama, em linguagem técnica, um
‘experimento de campo”. Campo, aqui, opõe-se a laboratório. Sendo assim,
os indivíduos pesquisados permanecem no campo, em seu habitat natural e
não encerrados em um laboratório estranho a eles. Um pesquisador aborda-
os para fazê-los algumas perguntas, algo um tanto diferente de seu cotidiano,
mas que se aproxima da experiência comum de uma conversa entre duas
pessoas. Por que os pesquisadores preferem uma ferramenta de investigação
tão imperfeita e perecível como o questionário ou entrevista, um método que
proporciona estímulos relativamente débeis e de difícil controle? A resposta
está na vantagem do termo campo: a naturalidade de todas as circunstâncias;

também porque o método implica a possibilidade de observar uma amostra


representativa da população, não somente os famosos grupos em arranjos de
laboratório nos quais se baseiam tantas investigações sociais experimentais,
como estudantes, militares e pacientes. As mesmas características que dão
força aos métodos de laboratório - sua possibilidade de controle rigoroso e
de introduzir variações nas circunstâncias que possam influenciar nos
resultados - são as que também constituem a debilidade do mesmo método.
O uso do laboratório podería excluir, inadvertidamente, certos aspectos da
vida real e decisivos na conduta que se pretende investigar.

Fumando na presença de não fumantes: o teste da


ameaça
Nossa primeira tentativa de simular os perigos do isolamento social em um
experimento de campo ocorreu em 1976, com o tema “fumar na presença de
não fumantes".6 Este tema parecia apropriado, pois a opinião pública sobre
ele estava equilibrada entre as parcelas principais da população. Em um
diálogo hipotético, que era lido em voz alta durante a entrevista, 44%
escolheram o seguinte ponto de vista: “não se deve fumar na presença de não
fumantes. Fumar seria uma falta de consideração. Para os que não fumam é
muito desagradável ter que respirar um ar cheio de fumaça”. Exatamente a
mesma porcentagem (44%) escolheu a opinião oposta: “não se pode esperar
que as pessoas deixem de fumar só porque há não fumantes diante delas.
Afinal, isso não incomoda tanto assim”. Em um teste de disposição de falar
sobre o tema ou calar-se, 45% dos que eram contrários a fumar na presença
de não fumantes, manifestaram-se dispostos a participar de uma conversa no
trem. Entre os que defendiam os direitos dos fumantes, a porcentagem de
dispostos a falar foi de 43%.
Em seguida, tratamos de simular o perigo de isolamento social. 0 núcleo da
série de perguntas que apresentamos a uma amostragem representativa de 2
mil pessoas, seguia o formato do teste do trem, segundo os objetivos:
 
1.    Obter a opinião pessoal do entrevistado sobre o tema de fumar na
presença de não fumantes, através de duas afirmações apresentadas.

2.    Estimar sobre o que pensa “a maioria das pessoas” sobre o tema,


com a seguinte pergunta: "agora, independentemente de sua própria
opinião, o que acha que pensa a maioria das pessoas sobre isso? A
maioria pensa que os fumantes deveríam abster-se de fumar na presença
de não fumantes ou pensa que eles podem continuar fumando?”.

Os resultados totais das opiniões foram:

"A maioria pensa que os fumantes deveríam abster-se de seu hábito na


presença de não fumantes” (31%);

“A maioria pensa que os fumantes poderíam continuar fumando” (28%);

“Meio a meio” (31%);

“Não sei” (10%).


 
3.       Testar a inclinação do pesquisado a falar ou a permanecer em
silêncio:

“Suponha que está começando uma viagem de trem de cinco horas e alguém
inicia uma conversa em seu compartimento dizendo: ‘As pessoas deveriam
abster-se de fumar na presença de não fumantes.’”

Gostaria de participar desta conversa ou acha que não valería a pena? (Na
metade dos questionários, atribuía-se ao outro viajante a opinião de que “não
se pode pedir a alguém que se abstenha de fumar só porque há não fumantes
diante deles”).
 
4.    Determinar se o entrevistado é fumante ou não.

Para simular a ameaça de isolamento social, dividimos os dois mil


entrevistados em dois grupos representativos: um grupo experimental

- mil pessoas; um grupo controle - mil pessoas.

0 grupo experimental seria submetido a uma situação de ameaça de


isolamento social, através de uma imagem na qual duas pessoas aparecem
conversando. Uma delas diz: “Parece-me que os fumantes não têm
consideração. Obrigam os demais a respirar sua fumaça, que é tão
prejudicial à saúde”. Em resposta, a outra diz: “Bem, eu...”. O modelo desta
pergunta advem do método de finalização de frases usado na psicologia
diagnostica (figura 19). O texto da primeira pergunta, que aparece junto à
imagem, diz: “estes homens estão conversando. O de cima acaba de dizer
algo. Leia-o, por favor. O de baixo começou a responder. O que acha que
haverá respondido o de baixo? Como terminará a frase que começou?”.
Estes questionamentos causam um forte aumento dos estímulos, que são
menores quando se assiste passivamente alguém criticar os que fumam na
presença de não fumantes. Assim, este teste de finalização de frases não
exige muito das pessoas da amostra representativa nem ultrapassa as
possibilidades de um questionário. Percebe-se isto pelo fato de que 88% dos
pesquisados completaram a frase do desenho.

) teste da ameaça

nagem utilizada com um teste de frases abertas em uma entrevista com


fumantes para simular a itimidação produzida por uma opinião contrária
forte. A necessidade de terminar a frase iniciada »va a experimentar mais
intensamente a situação. Depois se comprova se a ameaça verbal modificou
tendência a expressar-se ou a permanecer em silêncio.
O grupo controle, por sua vez, recebeu o mesmo tratamento dado ao grupo
experimental, exceto na aplicação do teste de finalização de frases com a
ameaça de isolamento social. De acordo com a lógica deste experimento
controlado, qualquer diferença encontrada entre os resultados do grupo
experimental e do grupo controle, atribuir-se-ia

ao teste da ameaça, já que todas as outras condições eram idênticas.

Os resultados confirmavam as expectativas. Depois de ameaçados


verbalmente, aqueles fumantes que haviam defendido seu direito de fumar
na presença dos não fumantes mostravam um interesse notoriamente menor
em participar de discussões sobre esse tema em uma viagem de trem (tabela
8).

Os fumantes sentem-se especialmente intimidados diante de uma simulação


dupla de isolamento. Primeiro foi-lhes aplicado o teste da finalização da
frase com uma pessoa radicalmente oposta a que se fume na presença de não
fumantes. Depois, confrontou estes mesmos fumantes com um companheiro
de viagem de trem, que iniciaria a conversa afirmando que “as pessoas
deveríam abster-se de fumar na presença de não fumantes”. Nestas
condições, somente 23% dos fumantes seguiam dispostos a participar da
conversa.

Tabela 8. Teste do trem na hipótese do silêncio: o risco de isolamento


induz ao silêncio_______________________________________

Em uma entrevista, é possível simular um clima de opinião agressivo. Após


o teste da ameaça, os fumantes ficam menos dispostos a falar para se
defender.
Os testes empíricos também podem tornar visível outro aspecto da espiral do
silêncio. Os não fumantes tendem a perder a confiança em si mesmos e, por
consequência, deixam de expressar suas opiniões. Mas quando o teste de
finalização de frases lhes mostra que não estão absolutamente solitários em
seu ponto de vista, sua inclinação a participar do debate cresce
ostensivamente (tabela 9).
Aqueles não fumantes mais tímidos tiveram maior disposição para se
manifestar quando, além de contarem com um aliado agressivo no teste da
ameaça, o companheiro de viagem de trem declarava energicamente que as
pessoas deveriam abster-se de fumar na presença de não fumantes. Nestas
circunstâncias, somente 23% dos fumantes sentem-se inclinados a falar,
diante de 56% dos não fumantes. Assim, percebe-se que, à medida que a
espiral do silêncio se desenvolve,

a opinião de que é ruim fumar na presença de não fumantes pode voltar a ser
dominante, até ser impossível para um fumante defender publicamente a
opinião contrária, ou seja, a de se permitir fumar na presença de não
fumantes. O que parece manifesto neste caso é um evidente efeito
cumulativo: pouco a pouco as respostas hostis do meio acabam se
equilibrando. Os fumantes mais seguros de si mesmos não reagem mais ao
teste da ameaça. Quando os situamos imediatamente depois do teste da
ameaça, no compartimento do trem com alguém que representa seu próprio
ponto de vista, esquecem-se da ameaça anterior. Com a ameaça, 54%
mostram-se dispostos a participar do debate; sem a ameaça, 55%.

Porém, se depois do teste da ameaça, apresenta-se outra experiência


desestabilizadora - o companheiro de viagem também clama contra os que
fumam na presença de não fumantes - os fumantes preferem refugiar-se no
silêncio (tabela 10).
Os fumantes também se sentem intimidados em um debate hostil,
especialmente se foram ameaçados previamente.
Você participaria de uma conversa sobre fumar ou não na presença de não-
fumantes quando um companheiro de viagem ataca os fumantes dizendo:
“Eles deveriam se abster de fumar na presença de não-fumantes”

Aos que têm menos autoconfiança, basta uma ameaça menor de isolamento.
Por exemplo, as mulheres e os que pertencem a classes sociais mais baixas,
podem reagir de forma diferente diante do teste da ameaça e tendem a não
recuperar sua confiança apenas quando um companheiro de viagem defende
seu ponto de vista (tabela 11).
1

Tarde, 1969, 318.


2

Brandura, 1968.
3

optar pelo voto que ela acredita ser majoritário.


4

[N.T.] Erich Fromm foi um psicanalista e sociólogo alemão, pertencente à


Escola de Frankfurt. Segundo ele, o ser humano tem necessidades sociais e
psíquicas básicas que podem ser atendidas ou reprimidas pela sociedade. No
caso da repressão, o indivíduo se toma antissocial e apático, distanciando-se
do convívio. Ao contrário de Freud, Fromm acreditava que a autoridade para
a construção do indivíduo estava na sociedade, no estado, e não na família.
O reforço psicológico da sociedade, do apoio e do pertencimento, atuariam
na compensação do isolamento natural do indivíduo perante a realidade. A
sociedade, para ele, pode, por sua vez, possibilitar ou impedir um tipo de
transcendência que auxilia na formação da personalidade. O indivíduo,
segundo ele, poderia dar a própria vida pelo pertencimento ao grupo de
referência, à sociedade em que está inserido.
5

Fromm, 1980,26.
6

Noelle Neumann (1977a, Esp. p.154-155).

Reações diante de situações de entrevista como se


fossem reais
Os resultados do teste da ameaça não só nos permitem descobrir o processo
da espiral do silêncio, como também nos faz avançar em outro terreno:
apoiam a suposição de que as pessoas possuem uma imaginação tão viva
capaz de levá-las a visualizar uma situação proposta em uma pesquisa e
reagir como se fossem reais. Deste modo, não precisaremos realizar a
investigação em um laboratório secreto com um trem autêntico e cientistas
disfarçados de viajantes, que levam adiante o experimento de expressividade
ou silêncio, com indivíduos que não suspeitam de nada. Além disso, ao
elaborarmos estratégias para usar nas entrevistas, sofremos sucessivas
decepções.

Queríamos dar um passo além e conferir se era possível demonstrar


empiricamente que alguns pontos de vista eram tão estigmatizados, tão
depreciados, que adotá-los significaria automaticamente o isolamento. Com
esse objetivo, em 1976, incluímos, em uma série de entrevistas de
Allensbach, um teste com um desenho, o qual pretendia representar
visualmente o isolamento social: a um extremo de uma mesa há várias
pessoas sentadas amigavelmente. No outro extremo, uma pessoa sentada
sozinha. Recursos gráficos de quadrinhos sugerem que está havendo uma
discussão entre os membros do grupo, amigável entre si, e o personagem
solitário. O teste consistia em pedir aos entrevistados que atribuíssem
determinados pontos de vista ao

solitário. Por exemplo: será que a pessoa isolada estaria a favor de que
membros do Partido Comunista da Alemanha possam ser juizes da Suprema
Corte? Ou ele estaria contra?

O texto da pergunta era o seguinte: "Voltemos à pergunta anterior, se deveria


poder ser juiz um membro do Partido Comunista da Alemanha. Aqui
aparecem várias pessoas falando sobre este tema. Há duas opiniões: uma a
favor de que os nomeiem como juizes e outra se opondo a estas nomeações.
O que você acha que pode estar dizendo o indivíduo que está sozinho de um
lado da mesa? Estaria ele a favor ou contra nomear um comunista como
juiz?” (figuras 20 e 21).

Um teste que não funcionou


O desenho das personagens em volta da mesa foi inútil. Houve um número
elevado de respostas “não sei”, 33%, parecendo-nos indicar que estávamos
exigindo demais da imaginação dos entrevistados. Além disso, a opinião que
se atribuía à pessoa isolada à mesa parecia não ter nada a ver com o caráter
majoritário ou minoritário. Apergunta direta, “deveria poder ser juiz um
membro do Partido Comunista”, obteve uma resposta incrivelmente negativa
- 60% disseram “não” e 18% “sim”, em abril de 1976. A população sabia
perfeitamente qual era o ponto de vista majoritário e qual deles resultaria em
isolamento de quem o defendesse - 80% declararam que a maioria das
pessoas não queria comunistas como juizes, embora só 2% disseram que a
maioria não teria nada contra. Não obstante, entre os entrevistados que
achavam que o solitário do desenho era favorável à nomeação de juizes
comunistas, as suposições se dividiram mais igualitariamente: 33%
pensaram que estaria favorável e 34% que estaria contra.

Pergunta:

"Que opinião vocé acha

Teste proposto para determini^05*™3 3 Pessoa 's°lada no extremo da mesa?"


r se certos pontos de vista tendem a isolar as pessoas.
De acordo com a opinião popular real - e bem comprovada - daquela época,
a maioria das pessoas deveria ter atribuído ao solitário a ideia de que “um
membro do Partido Comunista deveria poder ser juiz”. Isso, é claro, se as
pessoas fossem realmente conscientes de que as idéias impopulares
poderíam reduzir o isolamento e, ainda, se vissem o homem ao extremo da
mesa como alguém isolado. Será que a cena da mesa produzia um efeito
demasiado íntimo às pessoas? Seria a representação insuficientemente
pública? Será que o homem sentado à beira da mesa sozinho poderia ainda
ser visto como parte do grupo do outro extremo da mesa e, portanto, não
parecería aos entrevistados haver uma situação de isolamento?
Segunda versão: ao invés de sentado em tomo de uma mesa, o grupo
está de pé. Em alguns casos o teste não foi compreendido. Pensava-se
que a pessoa isolada era um superior.

O segundo desenho criado para este teste, no qual as pessoas estavam de pé


ao invés de sentadas, acabou sendo mais útil. Na ocasião, somente 21%
permaneceram indecisos e a maior parte do restante (46%) propôs que a
pessoa isolada representava a posição minoritária - ou seja, de que se
permitisse o acesso à Suprema Corte aos membros do Partido Comunista.
Mas, ainda assim, 33% mantinham outra opinião. Aqueles que achavam
mais justo permitir aos comunistas que fossem juizes eram mais conscientes
das possibilidades de isolamento inerentes ao seu ponto de vista. Um total de
65% deles atribuía esta opinião à pessoa isolada, (tabela 12).

No entanto, este teste também se mostrou insatisfatório. Os resultados não


eram claros nem mesmo quando um dos dois pontos de vista recebia um
apoio social inesperado. Por exemplo, em outro teste, no qual se utilizou o
mesmo desenho com um tema menos polarizado, ocorreu um mal entendido
completamente inesperado. A pergunta era: “quem você gostaria que fosse o
próximo chanceler federal?”. Um total de 44% das pessoas responderam
Helmut Schmidt e 35% preferiram Helmut Kohl (abril de 1976). Cada um
desses grupos, porém, tendia a atribuir seu próprio ponto de vista à pessoa
que estava sozinha de pé. Por ora, deixamos de usar o teste. Mais adiante
(veja no final do capítulo 22), voltaremos a ele, embora com uma função
diagnostica diferente. Mas não renunciamos ao objetivo que havíamos
pretendido nestes testes com desenhos: comprovar empiricamente se as
pessoas poderíam saber quais pontos de vista tenderíam a isolar as pessoas.
Evidentemente, para que a espiral do silêncio funcionasse bastaria que esse
conhecimento ocorresse apenas inconscientemente. A tendência observada
na obra de Fromm, de que o indivíduo busca ser consciente de si mesmo,
como cidadão emancipado, e o consequente abandono do esforço de sermos
conscientes de nossa natureza social (o termo sem dúvida mais apropriado
do que pejorativo do “homem massa” de Fromm) - tendência que
dificilmente pode resultar em percepções e reconhecimentos conscientes do
tipo que buscamos. No entanto, apesar de suas limitações, a entrevista pode
proporcionar provas claras de que as pessoas sabem quais as opiniões que
podem provocar isolamento social em um dado momento. Para descobri-las
seria necessário especificar a pergunta do teste, de modo que apresentasse
uma situação tão extrema que até mesmo a pessoa menos sensível
reconhecesse claramente o perigo de isolamento que ela implicava.

Tabela 12. Podería um membro do Partido Comunista ser nomeado


juiz? Um teste de isolamento social ____________________________
Será que a população tem consciência de que algumas opiniões expõe seus
defensores ao risco de isolamento social? Pergunta: "Voltando à questão
anterior, se um membro do Partido Comunista podería chegar a ser juiz na
Alemanha. Vemos várias pessoas falando deste tema. Existem duas opiniões,
uma favorável a que essas pessoas sejam nomeadas juizes, e outra opondo-se
às nomeações delas. O que você acha que disse o indivíduo que aparece em
pé, sozinho? Que é a favor ou contra nomear um comunista como juiz?

Aqueles que sustentam opinião minoritária - de permitir que comunistas


sejam juizes - sabem melhor que a população em geral, que essa opinião
produz isolamento.
Quem furou os pneus do carro?
Pouco antes das eleições do Parlamento Federal de setembro de 1976,
apareceram, nas pesquisas de Allensbach, duas perguntas. Uma delas era a
seguinte: “há aqui um desenho de um carro com o pneu furado. No vidro
traseiro há um adesivo de um partido político, mas você não consegue
distinguir de que partido se trata. Com adesivos de que partido você acha
que ocorrería o risco maior de ter os pneus furados?” (tabela 13). Quase a
metade da amostra, 45%, deixou a pergunta sem resposta. Mas o resultado
foi claro. Os que responderam, distinguiram flagrantemente entre os três
partidos representados no Parlamento: 21% mencionaram a União
Democrata Cristã, 9% ao Partido Social Democrata e 1% ao Partido
Democrata Livre (os liberais). A tabela 13 fornece os resultados completos.

Tabela 13. Outros testes que mensuram o clima de opinião

Quais opiniões terão o poder de isolar uma pessoa? Pergunta: “Aqui há um


desenho de um carro com o pneu furado. No vidro, pode-se ver o adesivo de
um partido político, mas você não consegue identifica-Io. De que partido
você acha que é o adesivo no carro, ao ponto de ter seus pneus furados?
______

Setembro de 1976

Total A favor do A favor do A favor dos


CDU (%) SDP (%) Liberais (%)

União Cristã 21 28 12 21

Democrata

Partido Social 9 7 11 13

Democrata

Partido Democrata 1 2 X 4

Liberal

Partido Nacional 11 10 12 10
Democrata da Alemanha

Partidos comunistas 16 14 22 15

Sem resposta precisa 45 42 46 43


103 106 104 104

N=556 263 238 45

Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevista 2189. X = menos de 5%

Os partidários dos democratas cristãos se sentiram mais em perigo. Os


liberais acreditavam correr pouco perigo diante do risco relativamente maior
que correríam, para eles, os democratas cristãos. Os que apoiavam os
socialdemocratas não se sentiram particularmente

em perigo. Se fosse o caso, eles teriam considerado que o perigo que corriam
era substancialmente maior do que aquele que atribuíam aos seguidores de
outros partidos, e este não era o caso.

A segunda pergunta dessa série era melhor que a primeira, pois encontrou
menor resistência à resposta e se referia a uma conduta mais permissiva que
o dano à propriedade alheia. Portanto, a segunda pergunta indicava de
maneira mais realista o que as pessoas consideravam popular ou impopular.
Simulava melhor os indicadores da rejeição pública. Em qualquer caso,
causava menos inibição aos que apoiavam o Partido Social Democrata e o
Partido Democrata Livre na hora de manifestar o que sentiam sobre seu grau
de aceitação.

A pergunta era a seguinte:

“Apresentamos agora outro caso para saber sua opinião: alguém chega a
uma cidade desconhecida, de carro, não encontra um lugar para estacionar.
Acaba perguntando a alguém: ‘Por favor, poderia dizer-me onde posso
estacionar o meu carro?’. A pessoa desconhecida responde: ‘pergunte a
outro’, e vai embora. Acontece que o motorista carrega em • sua lapela um
botton de um partido político. De qual partido acha que era esse botton?"

Um total de 25% dos votantes socialdemocratas e 28% dos liberais sugeriu


que seria uma logomarca dos democratas cristãos, mais do que o dobro
daqueles que sugeriram que fosse dos socialdemocratas. Já os partidários dos
democratas cristãos resistiram em reconhecer sua própria impopularidade
(tabela 14). Naquele mês de setembro de 1976, como temos indicado, a
tendência a negar ter votado na União Democrata Cristã, nas eleições
anteriores, chegou ao seu máximo, após uma baixa anterior.

Tabela 14. Pergunta do teste sobre o clima de opinião: quais opiniões


podem provocar isolamento?

Texto da pergunta: “alguém chega a uma cidade desconhecida, de carro, não


encontra um lugar para estacionar. Acaba perguntando a alguém: ‘Por favor,
poderia dizer-me onde posso estacionar o meu carro?’. A pessoa
desconhecida responde: ‘pergunte a outro’, e vai embora. Acontece que o
motorista carrega em sua lapela um botton de um partido político. De qual
partido acha que era esse botton?”

Total A favor do A favor do A favor dos


CDU (%) SDP (%) Liberais (%)

União Cristã 23 21 25 28
Democrata

Partido Social 14 19 12 8
Democrata

Partido 2 4 1 X

Democrata

Liberal

Partido 8 7 10 7

Nacional

Democrata da
Alemanha

Partidos 21 21 21 21
comunistas
Sem resposta 35 34 35 40
precisa

103 106 104 104

N=546 223 264 50

Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevista 2189.

No entanto, a situação psicológica dos cristãos democratas era muito menos


ameaçadora neste momento do que havia sido quatro anos antes, por ocasião
das eleições federais de 1972. Deduzimos isso a partir das respostas a uma
pergunta que, simbolicamente, sugeria uma ameaça de isolamento público.

A pergunta foi apresentada em estudos pós-eleitorais, em 1972 e 1976:

“Pelo que você observou, de qual partido eram os cartazes mais


frequentemente destruídos?”

Em 1972, os cartazes democratas cristãos voltaram a ocupar o primeiro


lugar, apesar de somente 23% ao invés de 31% (tabela 15).

Tabela 15. A destruição de cartazes como ameaça de isolamento

Pergunta: “Na campanha eleitoral, voltaram a arrancar cartazes. Pelo que


você viu, de que partido eram os cartazes que mais foram arrancados?”1'.

Fonte: Arquivos de Allensbach.

Pneus furados, cartazes arrancados ou rasgados, ajuda negada a um


forasteiro perdido... Este tipo de situação demonstra que as pessoas podem
enfrentar muitos incômodos, e até perigos, quando o clima de opinião está
contra elas. Quando os indivíduos tentam evitar o isolamento, não estão
sendo hipersensíveis diante de trivialidades. Trata-se de um assunto vital que
pode envolver riscos reais. A sociedade exige uma rápida conformidade em
torno das questões que estão prestes a mudar. Isso deve ser assim para
manter um grau suficiente de unidade, mantendo a integração social. Como
observado pelo jurista alemão Rudolph von Ihering, em seu ensaio Der
Zweck im Recht (A finalidade no direito)2, a desaprovação que pune alguém
por ser contra a opinião majoritária não tem o caráter racional da
desaprovação por motivo de uma "conclusão logicamente incorreta, um erro
na resolução de um problema aritmético ou uma obra de arte falha.
Manifesta-se melhor como reação prática da comunidade, consciente ou
inconsciente, diante da ofensa aos seus interesses, uma defesa para a própria
proteção”.
 

4. O que é a opinião pública?


“No entanto, eu nem sei dizer o que é a opinião pública”, afirmou o
participante de uma conferência sobre opinião pública, durante o intervalo
para o almoço. Isso foi em 1961, em Baden-Baden, em um simpósio de
profissionais e investigadores dos meios de comunicação. Ele não era o
único a sentir-se incomodado. Gerações de filósofos, juristas, historiadores,
cientistas políticos e investigadores de jornalismo já vinham arrancando os
cabelos para formular uma definição clara de opinião pública.

Cinquenta definições
Desde a época daquele simpósio, porém, não houve progressos. Pelo
contrário, o conceito foi se dissolvendo até se tomar completamente inútil
para fins práticos. Em meados da década de 1960, um professor de
Princeton, Harwood Childs3, empreendeu a tediosa tarefa de listar e recolher
as definições existentes e encontrou nada menos que cinquenta conceitos
diferentes na literatura disponível. Nos anos 1950 e 1960, cresceu a
exigência de se abandonar o conceito. Dizia-se que a opinião pública era
uma ficção e que pertencia ao museu da história das idéias. O único interesse
nela seria o interesse histórico. Incrível, porém, foi que esta campanha de
nada serviu. “O conceito simplesmente se nega a morrer”, lamentava o
professor alemão de jornalismo, Emil

Dovifat, em 1962. No mesmo ano, no discurso inaugural sobre “a mudança


estrutural no conceito de público: a investigação de uma categoria na
sociedade burguesa”, Jürgen Habermas comentou: “Não só no uso coloquial,
mas até cientistas e investigadores prendem-se ao conceito, especialmente os
do direito, da política e da sociologia, pois aparentemente não podem
substituir categorias tão tradicionais como a opinião pública por termos mais
precisos4”.

W. Phillips Davison, professor de jornalismo na Universidade de Colúmbia,


em seu artigo Public Opinion, escrito para a edição de 1968 da International
Encyclopedia ofthe Social Sciences, iniciava com a frase: “Não existe uma
definição amplamente aceita de opinião pública. No entanto”, continuava, “o
termo tem sido utilizado com crescente frequência. Os esforços para defini-
lo têm levado a expressões de frustração tais como ‘a opinião pública não é o
nome de alguma coisa, mas uma classificação de um conjunto de coisas5’”.
Em seguida, mencionam uma lista de cinquenta definições de Childs.
Também encontramos essa perplexidade nos textos do historiador alemão
Herman Oncken, que, em um artigo publicado em 1904, expressou da
seguinte maneira:

Quem quer que deseje compreender [o conceito de opinião pública]


imediatamente se dará conta de que está tratando de um Proteu, um ser que
aparece simultaneamente com mil máscaras, tanto visível como
fantasmagórico, impotente e surpreendentemente poderoso, que se apresenta
em inumeráveis formas e nos escapa por entre os dedos sempre que
acreditamos tê-lo agarrado firmemente. Algo que flui e se dissolve não pode
ser encerrado em uma fórmula. Depois de tudo, quando nos perguntamos,
todo mundo sabe exatamente o que é opinião pública6.

E interessante que um intelectual com a sagacidade e força conceituai de


Oncken refugie-se dizendo que “depois de tudo (...) todo mundo

sabe...”, e reduza a busca de definições, requisito fundamental para a


aplicação de um método científico, a um “encerrar em uma fórmula”.

A espiral do silêncio como processo de criação e


propagação da opinião pública
No início da década de 1970, eu estava desenvolvendo a hipótese da espiral
do silêncio para tentar explicar as enigmáticas descobertas de 1965 -
intenções de voto que não mudavam junto com o crescimento da expectativa
de vitória de um dos lados. Naquele momento, comecei a me perguntar se
não teríamos descoberto uma forma de acessar uma parte importante desse
monstro chamado opinião pública. “Apresenta-se em inumeráveis formas e
nos escapa sempre por entre os dedos”, dizia Oncken. A espiral do silêncio
poderia ser uma das formas de aparição da opinião pública. Poderia ser um
processo pelo qual seria gerada uma opinião pública nova, jovem, ou do
modo como se propagam novos significados, modificando-se uma opinião
antiga. Se fosse o caso, ainda assim seria necessário encontrarmos uma
definição de opinião pública para que se evitasse a afirmação de que a
espiral do silêncio seria “algum processo pelo qual se propaga algo
indefinível”.

A controvérsia intelectual girava em torno dos dois termos do conceito, o de


“opinião” e o de “público”.

Meinung e opinião são coisas diferentes


Nossa pesquisa sobre o significado do que em alemão se chama Meinung
(opinião) nos levou à obra A República, de Platão. Sócrates, por ocasião de
um festival na cidade grega portuária de Pireus, em uma conversa sobre o
Estado, com Glauco e outros amigos, expõe um conceito de opinião muito
semelhante ao conceito alemão tradicional:

- Então pensas que a opinião é mais obscura que o conhecimento, ainda que
seja mais clara que a ignorância? - perguntam-no.
 
- Muito mais - respondeu Sócrates.

- Encontra-se, então, entre ambos?

- Sim.

-A opinião está, pois, entre os dois?


 
- Exatamente.
(Platão, A República)

A opinião encontra-se, portanto, em uma situação intermediária. Para Platão,


a opinião não era algo sem valor. Mas muitos outros autores distinguiram-na
apenas negativamente do conhecimento, da crença e da convicção. Kant,
filósofo alemão, conceituou a opinião como “um juízo insuficiente, tanto
subjetiva como objetivamente”. Os anglo-saxões e os franceses, ao contrário,
viam a opinião (ppinion) como algo mais complexo. Evitavam julgar como
valiosa ou inútil e a interpretavam como um simples acordo unificado de
uma população ou de um determinado segmento social. O filósofo social
inglês David Hume chamou-a de common opinion (opinião comum) em uma
obra publicada em 1739. Para os ingleses e franceses, o termo traz um
sentido de acordo e de comunidade.

Acordo que exige reconhecimento


Apartir do que temos visto sobre a espiral do silêncio, a interpretação inglesa
e francesa faz muito mais sentido do que a preocupação alemã com o valor
ou falta de valor da opinião. Assim, os indivíduos observariam o consenso
do seu meio social e o comparariam com a sua própria conduta. Não precisa
tratar-se necessariamente de um consenso de opinião. Podem ser opiniões
manifestadas na conduta: um adesivo colado no carro, ceder o banco a um
idoso ou permanecer sentado no metrô ou ônibus. Para o processo da espiral
do silêncio, não importava que alguém se isolasse por causa de uma opinião
ou de uma conduta. Isso tudo nos fez ver que, na definição que buscávamos,
seria necessário entender a opinião como expressão do que fosse
considerado aceitável, levando em conta o elemento de consenso ou acordo
presente no uso inglês e francês do termo.

Três significados de público


A interpretação do conceito de público se mostrou tão complicada quanto a
de opinião. Muitos estudiosos têm discutido sobre o conceito de público.
Como afirmava Habermas, “o uso de ‘público’ e de ‘o público’ mostra uma
multiplicidade de sentidos distintos”. Para começar, há o sentido legal de
público, um resgate do seu aspecto etimológico referente à “abertura”:
aberto a todos - um lugar público, caminho público, juízo público - como
uma distinção do que pertence à esfera privada (do latim, privare), aquilo
que é separado por ser particular.

Um segundo significado, encontramos dentro dos conceitos de direitos


públicos e poder público. Neste caso, público denota uma competência do
estado. Segundo este uso, público é relacionado com interesse público,
expresso em frases como “a responsabilidade pública dos jornalistas”, ou
seja, assuntos ou problemas que afetam a todos, relacionados com o bem
comum. Os estados se originam no uso legal da força a partir do seguinte
princípio: o indivíduo cede ao estado o poder de aplicar a força. O estado
tem, assim, o monopólio do uso da força. Dessa forma, na expressão opinião
pública, o público deve ter um significado relacionado com os anteriores,
mas em algo diferente. Alguns teóricos do direito, como Ihering e von
Holtzendorff, maravilharam-se com o assombroso poder da opinião pública
sobre o indivíduo, fazendo-o submeter-se aos regulamentos, normas e regras
morais sem a intervenção dos legisladores, governos ou tribunais. O
sociólogo Edward Ross elogia a opinião pública considerando-a uma “opção
mais barata”. A equivalência de significados entre opinião pública e opinião
predominante é um aspecto comum e presente nas suas múltiplas definições.
Isso indica que algum tipo de adesão à opinião pública pode criar condições
que acabam impulsionando os indivíduos a atuarem até mesmo contra a sua
vontade.

O tecido social
O terceiro sentido de público poderia ser chamado de psicossocial. O
indivíduo não vive ou atua somente neste espaço interior no qual pensa e
sente. Sua vida também se expande, não somente em torno das vidas de
outras pessoas, mas para além da coletividade. Em determinadas
circunstâncias, o indivíduo exposto fica protegido por uma intimidade e
familiaridade aparentes, por exemplo, por uma religião compartilhada (penso
especificamente na famosa distinção de Ferdinand Tõnnies entre
Gemeinschaft e Gesellschaft - comunidade e sociedade)7. Mas nas grandes
civilizações, o indivíduo está ainda mais exposto às exigências da sociedade.

Afinal, o que é essa força que expõe continuamente o indivíduo e o obriga a


atender às exigências da dimensão social da sua vida? E o medo do
isolamento, da má fama, da impopularidade; é a necessidade de consenso.
Isso é o que faz com que a pessoa deseje prestar atenção ao entorno e se
torne consciente do “olhar público”.

Em geral, os indivíduos sempre sabem se estão expostos ou ocultos da visão


pública e se se comportam de acordo. E claro que as pessoas parecem diferir
muito quanto à forma que lhes afeta a consciência. Mas o indivíduo sempre
recebe com certa inquietação esse tribunal anônimo que separa popularidade
de impopularidade, respeito de zombaria.

Os intelectuais, fascinados pelo ideal do indivíduo emancipado e


independente, pouco consideram a existência do indivíduo isolado e
temeroso da opinião de seu entorno. Ao contrário, dedicam-se a explorar
outros muitos significados e dimensões possíveis do conceito em seus
estéreis exercícios acadêmicos. Investigam o conteúdo da opinião pública,
partindo do pressuposto de que ele se refere a temas de “relevância pública”.
Tem-se pesquisado de quem é a opinião que se pode considerar opinião
pública. Concretamente, seria a opinião dos membros da comunidade que
deseja ou pode tratar, de maneira responsável, dos temas de relevância
pública, exercendo, assim, uma missão crítica e fiscalizadora do governo,
por parte de quem é governado. Mesmo assim, há reflexões, sobre as formas
da opinião pública, que consideram as opiniões mais claras e acessíveis a
todos, dizendo tratarem-se das opiniões que se tomam públicas,
especialmente através dos meios de comunicação de massa.

A dimensão psicossocial de “público” parece ter sido praticamente


esquecida ou abandonada por todas as definições formuladas no século XX
sobre esse conceito. Mas esta dimensão é o aspecto mais perceptível pelas
pessoas em seu sensível tecido social, em sua natureza social.

Opiniões que podem ser expressas em público sem


causar isolamento
Nos capítulos anteriores, tentamos identificar elementos que parecem estar
relacionados com o processo da opinião pública e são investigáveis
empiricamente: (1) a capacidade humana de perceber o crescimento ou
diminuição das opiniões públicas; (2) as reações diante desta percepção, que
estimulam ou reprimem a livre expressão de opiniões; (3) o medo do
isolamento, que faz com que a maioria das pessoas tenda a aderir à opinião
alheia.

Com base nesses três elementos, podemos chegar a uma definição operativa
da opinião pública: opiniões sobre temas controversos, que podem ser
expressas em público sem causar isolamento. Esta definição pode nos servir
de pauta inicial para nossas investigações posteriores.

E claro que é necessário completar esta interpretação de opinião pública,


pois somente se aplica a situações em que opiniões competem entre si,
quando idéias emergentes passam a encontrar aprovação ou comprometem
concepções vigentes. Ferdinand Tõnnies sustentou -em seu Kritik Der
ôffentlichen Meinung (Crítica da opinião pública), de 1922 - que a opinião
pública existia em diversos graus ou estados de agregação: sólido, líquido e
gasoso.

Utilizando a analogia de Tõnnies, a espiral do silêncio só aparecería em


estado líquido. Por exemplo, quando um grupo fala de Radikalenerlass -
exclusão de extremistas da função pública - e outro grupo se refere ao
Berufsverbot - obstrução do direito individual de exercer uma profissão -
cada grupo tem seu próprio idioma e é possível comprovar o movimento da
espiral do silêncio apenas observando a frequência com que a maioria utiliza
cada termo. Quando opiniões e comportamentos são impostos, quando se
convertem em costumes ou tradições, não podemos continuar vendo neles
um elemento de controvérsia8. O elemento de controvérsia, requisito
essencial para que possa haver isolamento, somente se ativa após uma
subversão do paradigma vigente, quando se viola uma opinião pública, uma
tradição ou uma moral firmemente estabelecida. No fim do século XIX,
Franz von Holtzendorff (1879-1880) escreveu sobre a “censura moral” da
opinião pública e, Von Ihering (1883), considerou-a a “inspetora da moral”,
destituindo-a de qualquer traço intelectual. Isso é o que ele queria dizer
quando se referiu à consciente ou inconsciente “reação prática da
comunidade (...) diante da ofensa a seus interesses. Uma reação de
autodefesa”9. É preciso completar a definição de opinião pública já que, no
terreno das tradições, da moral e das normas consolidadas socialmente, essas
opiniões e comportamentos sociais vão determinar o isolamento ou não do
indivíduo. De um lado, a ordem vigente é mantida pelo medo individual do
isolamento e a necessidade de aceitação. De outro lado, há a atuação das
exigências públicas, com o peso de um autêntico tribunal social, que
empurra o cidadão para que se amolde às opiniões e comportamentos
estabelecidos.

Opinião pública como aprovação e desaprovação


Poderia uma definição correta, ignorar tudo o que já foi dito em centenas de
livros sobre opinião pública? Ou seja, deixar de fora aquilo que diga respeito
a assuntos de relevância política? De acordo

com a nossa definição, opinião pública - referindo-se à mudança ou defesa


de posições já consolidadas - não se restringe a algum tema em particular.
Trata-se tão somente da aprovação ou desaprovação de opiniões e
comportamentos publicamente observáveis, de modo que seja perceptível
pelo indivíduo. A espiral do silêncio, portanto, é a reação diante da
aprovação e desaprovação, patente e visível, em meio ao emaranhado
instável de valores. Do mesmo modo, não há restrição a respeito de quem
seja o portador da opinião que se deva ou não levar em conta. Assim, a
opinião pública não é monopólio dos que acreditam ter vocação para isso, ou
a talentosos críticos, ou do “público politicamente ativo”, de Habermas10.
Estamos todos incluídos.

Uma viagem no tempo: Maquiavel, Shakespeare e


Montaigne
Para comprovar nossa fundamentação do conceito de opinião pública, do
modo como temos desenvolvido a partir da hipótese da espiral do silêncio,
nós poderiamos retroceder duzentos anos, até o país em que se usou, pela
primeira vez, a expressão opinião pública: a França do século XVIII. Em sua
famosa novela Ligações perigosas, publicada pela primeira vez em 1782,
Pierre Choderlos de Laclos utiliza, de passagem, o termo 1’opinion publique
como uma expressão corrente. A passagem de Laclos narra uma relação de
amizade entre uma mulher sofisticada e uma jovem dama. A mulher mais
velha aconselha sua amiga a evitar a companhia de um homem de má
reputação: “Você supõe que será capaz de modifica-lo para melhor. Mas
imaginemos que esse milagre aconteça. Por acaso você acha que deixaria de
existir a opinião pública que pesa contra ele? Você não acha que isso já
bastaria para modificar a sua relação com ele?”.

Na passagem da obra de Laclos, vemos a opinião pública funcionar como


verdadeiro tribunal de justiça nas altas esferas da política e em pessoas
especialmente caracterizadas por suas opiniões políticas. A personagem não
parece ter dúvidas de que um grupo anônimo e de descrição vaga,
denominado opinião pública, terá tanta influência na jovem mulher, que
consequentemente a induzirá a modificar seu comportamento.

Mas, retrocedendo ainda mais no tempo, chegamos a uma época anterior


àquela que viu nascer o termo “opinião pública”. Embora com nome
diferente, encontramos o mesmo tribunal anônimo julgando um conflito
quase idêntico. Shakespeare descreve uma conversa entre o rei Henrique IV
e seu filho, o futuro Henrique V. O rei repreende o filho porque o vê
frequentemente em má companhia. Aconselha levar mais a sério a opinião.
A opinião, para o rei, parece ser da mais alta importância. O rei diz que a
opinião o levou ao trono: “A opinião que me concedeu a coroa”11. Se
Shakespeare empregou tão decididamente em sua cena o termo “opinião”,
em finais do século XVI, não surpreende que a expressão completa “opinião
pública” não tenha sido cunhada na Inglaterra, mas sim na França. Isso
porque o termo inglês opinion parecia já carregar em si um grau suficiente
de “publicidade” - o que concede um papel de “tribunal de justiça”, criador e
destruidor de reputações - ao ponto de dispensar o complemento do adjetivo
“pública”.

A ideia de que um governante ou um futuro rei deva prestar atenção à


opinião do seu meio, do seu público geral, não representava algo estranho ou
novo para Shakespeare. Sua época estava familiarizada com O Príncipe
(1514), de Maquiavel, que aconselhava os governantes a respeito das
melhores formas de tratar o público.

Diz Maquiavel que nunca passam de poucos os que “sentem” um governo,


os que são diretamente afetados por ele. No entanto, todos o veem e seu
poder depende de que pareça poderoso e virtuoso aos olhos de quem o vê.
“O povo é guiado pelas aparências (...). Não é, pois, necessário que o
príncipe tenha todas as qualidades desejáveis, mas sim que a todos pareça tê-
las”. O príncipe, segundo Maquiavel, deve evitar tudo o que possa suscitar
ódio ou fazê-lo parecer desprezível. Deve esforçar-se para que as pessoas
estejam satisfeitas com ele12.

Na advertência do rei Henrique IV a seu filho, insinua-se uma teoria que


Maquiavel expôs, em seus Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio,
da seguinte maneira:

Não há melhor amostra do caráter de um homem que suas companhias. Por


isso, muito apropriadamente aquele que tem companhias respeitáveis
adquire um bom nome e é impossível que não haja qualquer semelhança de
caráter e de costumes sobre ele e suas companhias13.

Estamos falando da primeira metade do século XVI e nos parece um período


em que o povo estava menos sensível do que hoje à importância da boa
reputação ou ao tribunal crítico da opinião pública. Entretanto, Maquiavel e
Shakespeare nos proporcionam uma nova intuição, a de que o “tribunal de
justiça”, chamado opinião pública, não somente faz tremer por sua reputação
a gente simples, mas também os seus governantes. Maquiavel adverte ao
príncipe que, para governar é preciso conhecer plenamente a natureza de
seus súditos14. O poder do povo reside em sua capacidade de rejeitar o
governo do príncipe e retirá-lo do poder se ele falhar em satisfazer os
desejos populares15.

Montaigne, o descobridor da dimensão pública


Na Universidade de Mainz demos início a alguns estudos literários
sistemáticos no qual elaboramos um questionário de 20 perguntas sobre
textos ao invés de pessoas. O conceito de opinião pública contém um texto
determinado ou conceitos relacionados com este? Ele descreve o medo do
isolamento? Descreve conflitos entre o indivíduo e a coletividade, entre a
opinião dominante e a opinião desviada dela? Passamos um pente fino em
tudo o que poderiamos: a Bíblia, mitos, contos de fada, obras de filósofos,
ensaístas, poetas.

Em um texto de Wilhelm Bauer (1920), que descreve várias obras sobre a


opinião pública, Kurt Braatz - um estudante de doutorado - teve notícia de
um comentário indicando que Maquiavel havia se utilizado do conceito
italiano. Mas sem qualquer citação a respeito, não pudemos confirmar a
informação. Embora as traduções inglesas de Maquiavel tenham utilizado a
expressão public opinion, os Discursos empregavam termos como opinione
universale, commune opinione ou pubblica você32.

Pensávamos que para determinar o significado de “opinião pública” teríamos


apenas que saber como se começou a usar o conceito, em qual contexto, a
partir de quais observações. Procedemos, assim, como quem pesquisa uma
planta estudando o seu habitat. Nossas expectativas foram confirmadas.
Michael Raffel (1984) resumiu as descobertas de sua tese de licenciatura, em
um artigo intitulado 0 criador do conceito de opinião pública: Michel de
Montaigne. Na edição de 1588 de seus ensaios, cerca de 70 anos depois da
publicação dos Discursos, de Maquiavel, Montaigne utilizou-se, em duas
ocasiões, do substantivo coletivo 1’opinion publique. Ele explica por que
seus escritos eram recheados de citações de escritores da antiguidade: "Na
verdade, é a opinião pública que me faz apresentar-me com todos estes
ornamentos33”. Na segunda vez em que empregou o termo “opinião pública”
foi em relação à mudança de costumes e valores morais.

Segundo Platão, dizia Montaigne, a pederastia era uma paixão perigosa. Para
combatê-la, aconselhou que a condenassem via opinião pública. Pediu aos
poetas que representassem esse vício como execrável, criando assim uma
opinião pública sobre o tema. Embora a nova opinião negativa pudesse ir
contra a opinião majoritária, ela poderia, se apresentada como predominante,
acabar sendo aceita pelos escravos e homens livres, por mulheres e crianças
e, assim, por todos os cidadãos34.

Não é à toa que Montaigne dera tanta importância à aprovação ou


condenação pública no contexto da natureza social do homem e na força de
sua notoriedade pública. Pelo que sei, todos os intelectuais ou escritores, que
tiveram alguma contribuição importante para o tema da opinião pública,
adquiriram, em primeira mão, alguma experiência sobre ela. A obra de
Maquiavel foi escrita após uma troca de governo em Florença, depois de ter
sido acusado de participar de uma conspiração e preso, torturado e em
seguida liberado. Exilara-se em sua propriedade em São Caciano.

Já a experiência de Montaigne era tripla. Em primeiro lugar, viveu-a em sua


família mais próxima. O sistema corporativo medieval havia começado a
mudar. Um grupo recém-formado de cidadãos ricos, mas não aristocratas,
lutava para que fosse reconhecida sua igualdade de direitos com a nobreza.
Tratava-se de uma guerra de etiqueta e códigos do vestir, dos símbolos de
posição social - que roupas, joias, quais classes se adequavam à categoria -
uma luta pelo modo de vida público e visível. Montaigne foi testemunha
disso em sua própria família. Do lado paterno, sua família enriqueceu com o
comércio de vinhos e tintos, e havia comprado a Château Montaigne, em
1477. Por isso, o pai de Michael acrescentou o “de Montaigne” ao
sobrenome da família. Montaigne adquiriu, em sua casa, a sensibilidade aos
símbolos e às novas formas de comportamento aristocrático. Ainda mais
crucial foi a sua experiência ao vivenciar a mudança de fé religiosa, a guerra
entre católicos e protestantes iniciada quando Lutero expôs suas noventa e
cinco teses, em 1517. Essa luta deu origem, na França, às guerras de religião
(1562-1589). Montaigne lamentava-se por aparentemente não haver meios
de escapar daqueles conflitos em lugar algum da França. Lamentava-se
também pelo fato de, na cidade de Burdeos, onde era membro do
parlamento, haver tanta perturbação devido aos enfrentamentos constantes.
Era necessário observar, cuidadosamente, o meio social e a força real de
cada facção envolvida para, em seguida, adaptar o próprio comportamento.
Ao final daquele conflito, de 3 a 4 mil huguenotes (protestantes) haviam sido
assassinados em Paris, no famoso conflito político-religioso conhecido como
a Noite de São Bartolomeu (23 de agosto de 1572), e outros 12 mil
morreram por toda a França.

Estas foram, sem dúvida, as circunstâncias que impulsionaram Montaigne a


retirar-se da vida pública em seu aniversário de 38 anos, no dia 28 de agosto
de 1571. Ordenou que afixassem um cartaz na entrada de sua biblioteca na
torre do Château Montaigne, no qual dizia que passaria o resto de seus dias
em profunda solidão e paz. Neste lugar, escreveu seus famosos Ensayos.
Acabou voltando à vida pública, sendo nomeado prefeito de Burdeos, em
1583, viajando em diversas missões diplomáticas por toda a Europa. Por
isso, foi sempre muito consciente do contraste entre a vida pública e a
privada, e do modo com que se mantinham convicções diversas em países
distintos, em tantos contextos diferentes. “Que tipo de verdade é esta que se
limita por montanhas e se torna mentira do outro lado delas?”, perguntou-
se16. “Se as montanhas podem limitar a ‘verdade’, a opinião deve conter um
aspecto social e o seu reino terá limites rigorosos17”.
Montaigne vê as opiniões predominantes como vinculadas a um lugar e
tempo determinados, como uma realidade social observável com validade
somente temporal. As opiniões só são legítimas pelo fato de se apresentarem
sem alternativas ou obrigatórias. De modo que, na realidade, não possuímos
conteúdos racionais que vão além de exemplos e idéias, opiniões e hábitos
que vemos todos os dias em nossa volta (Raffel, 1984).

Ao alternar os aspectos essencialmente públicos e privados de sua vida, os


escritos de Montaigne o tornam o descobridor da dimensão pública da
opinião. Ele divide sua vida conscientemente em dois hemisférios.

O homem sábio deve retirar-se internamente da multidão vulgar, e conservar


sua liberdade e poder de julgar livremente todas as coisas; mas, quanto aos
assuntos externos, deve seguir estritamente as modas e formas recebidas do
costume (Montaigne, 1962/1908, p.129).

Para Montaigne, a esfera pública tem suas próprias leis intrínsecas. É uma
esfera dominada pelo consenso inimigo da individualidade. “Nem uma entre
mil de nossas ações habituais nos torna indivíduos”, disse Raffel (1984).
Montaigne cria múltiplos conceitos novos para este novo elemento. Inventa
o termo le publique e, apesar do novo conceito 1’opinion publique, insiste
em falar de 1'opinion commune18,1’approbation publique19 e a référence
publique20.

Por que, então, o conceito de opinião pública não se popularizou até um


século e meio depois? “Talvez uma carta de um amigo de Montaigne,
Etienne Pasquier, a um conhecido, possa nos ajudar neste ponto”, sugere
Michael Raffel. Pasquier queixa-se do costume de Montaigne de se dar a
liberdade de empregar palavras esquisitas “que provavelmente demorarão a
entrar na moda” (Raffel, 1984; Frame, 1965).

John Locke, David Hume e Jean-Jacques Rousseau foram leitores de


Montaigne. Mas este não chegou a se tomar um escritor da moda até a
metade do século XVIII, na década anterior à Revolução Francesa.

Após nossa descrição das investigações empíricas nos capítulos anteriores,


nossa busca pelo passado nos conduziu até a primeira aparição do conceito
de opinião pública no século XVI. Tudo o que foi descrito como opinião
pública, opinião geral, aprovação pública e decoro público nas obras que
temos examinado, nos parece relacionar tão sensivelmente com o trabalho
empírico que é como se estivéssemos vendo reunirem-se os esquemas que
formam uma só realidade. Isso nos anima a continuar procurando evidências
históricas com a esperança de que nos ajudarão a compreender melhor a
opinião pública.
 

5. A lei da opinião: John Locke


Em seu Essay Conceming Human Understanding (Ensaio sobre o
entendimento humano), publicado em 1671, John Locke (1894,1:9) conta
que costumava reunir-se regularmente para conversar com cinco ou seis
amigos em seu apartamento em Londres. Estas reuniões provocavam
fascinantes discussões nas quais, no entanto, não havia qualquer progresso.
Ocorreu a eles que não estavam empregando a correta abordagem e que
alguma outra poderia ser mais proveitosa. Essa ideia pareceu muito
convincente aos amigos de Locke, que o pediram para escrever algumas
notas sobre a conversa antes de se reunirem novamente. Aceitou a sugestão
escrevendo mais e mais notas e, a partir delas, acabou nascendo o livro.

A cidade de Londres de 1670 devia ser uma cidade maravilhosa. Discutia-se


por toda parte: no parlamento, nas redações dos jornais, nos cafés e nos
círculos privados. O que Locke havia posto no papel, pouco antes de
completar seus 40 anos - escritos sem coerência, dizia, e não para homens
grandes e cultos - tinha o frescor das primeiras horas de um dia de verão.
Entretanto, Locke lamentava-se após a publicação do livro: “A acusação de
novidade é uma acusação terrível entre os que julgam as cabeças dos
homens, como fazem com suas perucas, pela moda, e não toleram que se
tenha razão fora das doutrinas recebidas. A verdade nunca teve, em sua
primeira aparição, vozes a seu favor. As novas opiniões, sem maiores razões
do que por serem comuns, são sempre suspeitas e tendem a encontrar
oposição. Mas a verdade é como o ouro que não vale menos pelo fato de ter
sido recém extraído da mina” (1893,1:4).

É preciso distinguir três tipos de leis, dizia Locke. A primeira é a lei divina,
a segunda é a lei civil, e a terceira, a lei da virtude do vício, da opinião ou da
reputação - para a qual Locke emprega o termo indistintamente - a lei da
moda.

Locke expôs, assim, a terceira lei: “Para compreendê-la corretamente é


preciso ter em mente que, quando os homens se unem em sociedades
políticas, ainda que entreguem ao público a disposição sobre toda sua força,
de modo que não possam emprega-la contra nenhum cidadão além do que a
lei de seu país permita, conservam, porém, o poder de pensar bem ou mal, de
aprovar ou censurar as ações dos que os rodeiam (1894, p.1:476).

Reputação e moda: pautas de lugares e momentos


determinados
A medida daquilo que em toda a parte se considera “virtude’ e “vício” é a
aprovação ou desagrado, o que se louva ou se condena, e com isso se
estabelece um consenso secreto e tácito nas distintas sociedades do mundo, e
pela qual distintas ações suscitam crédito ou reprovação de acordo com o
juízo, os princípios ou as modas do lugar. Mas ninguém escapa do castigo da
censura e desagrado se se vai contra a moda e a opinião das companhias.
Não há uma só pessoa entre dez mil que sejam suficientemente firmes e
insensíveis para suportar o desagrado e a censura do seu próprio meio. Quem
quer que possa viver satisfeito em um descrédito e desonra contínuos diante
de sua própria sociedade deve ser de uma condição estranha e insólita.
Muitos homens tem buscado a solidão e acostumam-se a ela. Mas ninguém
que tenha o menor entendimento do sentido humano pode viver em
sociedade com a contínua aversão e má opinião dos familiares e pessoas .do
seu meio. É um peso demasiado grande para poder carregar (Locke,
1894,1:476, 479).

A descrição é completa: o tribunal da opinião pública obriga os homens a se


amoldarem por medo do isolamento. Mas a obra de John Locke não o trouxe
grande felicidade. Perseguido por seus inimigos, modificou o trecho na
terceira edição de seu livro, subtraindo as frases mais gritantes (1:476-477,
n. I).

Foi acusado de relativizar o bem e o mal, e de fazê-lo de um modo


destrutivo. Do mesmo modo, foi dito que sua obra transformava o que
procedia da lei divina em tema de mero consenso entre os indivíduos
privados. Além disso, acusaram-no de degradar as questões morais e de
convertê-las em questões de moda. Inclusive parecia ignorar o que constitui
a lei, que, como todos sabem, é a autoridade, algo sobre o qual, sem dúvida,
os indivíduos privados nada sabem. A autoridade é o fundamento da lei.
Mais concretamente, a lei representa a autoridade e o poder para obrigar o
seu cumprimento. Locke escreve:

Creio ser necessário dizer que aquele que imagina que o louvor e a
ignomínia não são motivos suficientemente fortes para que os homens se
adaptem às opiniões e as regras daqueles com quem tenha trato, demonstra
pouco conhecimento da natureza ou da história da humanidade. Porque
notaremos que a maior parte dela conduz-se principalmente por esta lei da
moda. Por isso, fazem aquilo que mantenha sua boa reputação entre
conhecidos, fazendo menos das leis de Deus ou das do juiz. Alguns, isto é, a
maior parte dos homens, refletem poucas vezes seriamente sobre as
consequências inerentes ao descumprimento da lei de Deus. E muitos do que
o fazem pensam em uma reconciliação mesmo estando infringindo a lei,
permanecendo tranquilos apesar de suas infrações. E quanto às
consequências derivados das leis do Estado, cria-se ilusões com a esperança
da impunidade. Mas ninguém que atente contra a moda e contra a opinião de
suas companhias imediatas, ou das que gostariam de ter, livra-se facilmente
das consequências negativas impostas pela censura, pelo que desagrada a
elas (l:476-477)40.

Locke esboça uma terminologia de três níveis: fala-se em deveres e pecados


a respeito da lei divina; do que é legal e ilegal, a respeito da lei civil; de
virtude e vício, a respeito da lei da opinião e da reputação. 40. Trechos
destacados e subtraídos pela autora.

Demonstra, com o exemplo de um duelo, que estas três normas não


necessariamente conduzem aos mesmos resultados: “Portanto, o desafio ou
combate com outro homem é chamado de duelo. Se consideramos segundo a
lei de Deus, merece o nome de pecado. Segundo a lei da moda, em alguns
países, será valor e virtude. Já para as leis municipais de alguns governos,
um grave delito” (1:481-482).
Os métodos de investigação social do século XX nos permitiram ver como
as pessoas recebem o ambiente de opinião de maneira muito semelhante à
observada por Locke. Ele descreveu a natureza social dos seres humanos
com diversas expressões. “Os homens costumam basear seu assentimento
e... apoiar sua fé principalmente (...) [na] opinião alheia (...). Os homens
estão certos sendo pagãos no Japão, maometanos na Turquia, papistas na
Espanha... Dito de outro modo: o que chamamos nossa opinião não nos
pertence. É um simples reflexo das opiniões dos demais” (2:367-368).

John Locke não põe limites de conteúdo em sua “lei da opinião”. Mas
destaca que o importante é o elemento de avaliação: sempre se expressa
louvor ou censura. Caracteriza o consenso com que se aferram essas
opiniões como um “consenso tácito e secreto” (1:476). A existência de algo
misterioso, em tudo isso, fica confirmada pela investigação do século XX.

Há algo mais que atrai nossa atenção para a descrição de Locke:


enfrentamos, diz ele, a opinião ou a pauta desse lugar (1:477). Esse acordo,
o corpo da opinião que é respeitado e temido pelo indivíduo, existe em um
lugar e momento determinados. Consequentemente, os indivíduos podem
modificar sua relação com a opinião transferindo-se a um lugar
suficientemente longe, onde podem esperar que, com o tempo, as coisas
mudem. As opiniões são transitórias. Ainda que a expressão “opinião
pública” não apareça na obra de Locke, ela está presente de duas maneiras:
primeiro em sua ideia sobre acordo, que só pode ser interpretada como uma
questão de unidade social e, portanto, pública; segundo, em sua insistência a
respeito do lugar, que tem conotação de espaço público por excelência21’. A
lei da opinião ou da moda, de Locke, é mais severa e menos benevolente que
o conceito coisa era essa?

Qüe c aue todas elas se referem a graus de aprovação que o de publique,


desenvolvido na França; mas era sua intenção expressar este conceito com
essa dureza.

Locke não emprega a expressão “lei” frívola, fortuita ou incidentalmente.


Nem a emprega no sentido científico natural quando fala das leis da
natureza. Refere-se à lei no sentido do direito, e o faz explicitamente:
quando uma ação afeta uma lei, deve trazer uma recompensa ou um castigo
não intrínseco ao próprio ato (1:476). Além disso, a denominação de sua lei
é instrutiva. Quando Locke fala “a lei da opinião ou da reputação”, observa-
se que seu conceito de reputação quase abarca completamente o de opinião.
Significam quase a mesma coisa42.

John Locke fala constantemente de "moda” em sua exposição sobre o tema


(1894,1:476,478). Esta peculiaridade do texto, que a princípio nos parece
absurda, mostra na verdade, com especial clareza, o caráter precursor de seu
pensamento. As pessoas julgam as opiniões do mesmo modo que as perucas
masculinas da época. Locke insiste em caracterizar a opinião pública como
“moda”, ressaltando a natureza superficial e fugaz, como algo ligado a um
lugar e a um momento específicos. Mas também assinala o quão pode ser
coercitiva quando é hegemônica. É evidente que ele usa o termo como uma
chave para que não seja mal interpretado. A opinião referenciada em sua “lei
da opinião ou da reputação” não pode ser considerada um sinônimo de
sabedoria política. Seu valor intelectual é questionável e deveriamos
procurar em outros lugares os critérios para avaliá-la.

Locke também insiste em conceitos como “reputação”, ou seja, conceitos


psicossociais que mostram a dependência completa dos seres humanos ao
meio social, à multidão, aos outros. Como, em geral, as pessoas tendem a
desconfiar das novas opiniões e a desdenhá-las precisamente por serem
novas, ou porque não estão na moda, Locke busca as autoridades clássicas
para prover-se da munição necessária. Recorre a uma passagem de Cícero:
“Não há nada melhor no mundo que a integridade, a dignidade e a honra”.
Em seguida, acrescenta que Cícero sabia muito bem que estas palavras eram
nomes diferentes para a mesma coisa (1:478). 

Que coisa era essa?

Entendemos que todas elas se referem a graus de aprovação que o público


outorga ao indivíduo.
 

6. O governo se baseia na opinião:


David Hume e James Madison
David Hume nasceu em 1711, sete anos depois da morte de John Locke. Em
sua Treatise on Human Nature (Tratado da natureza humana), publicado pela
primeira vez em 1739 e 1740, Hume recorre às idéias de Locke convertendo-
as em uma teoria do Estado. Embora as pessoas possam ter renunciado ao
uso da força, a partir da fundação do Estado, não entregou a ele sua
capacidade de aprovar e desaprovar. Como as pessoas tendem naturalmente
a dar atenção às opiniões e a amoldarem-se às idéias do meio, a opinião é
essencial para os assuntos do Estado. O poder da concentração de opiniões
semelhantes, mantidas por indivíduos, produz um consenso que constitui a
base real de qualquer governo. Hume guia-se pelo princípio que afirma: “o
governo só se baseia na opinião” (Hume, 1963, 29)22‘.

Não há nada mais surpreendente aos que observam os assuntos humanos


com visão filosófica, do que a facilidade com que uns poucos governam a
muitos. E a submissão depende de que os homens submetam seus próprios
sentimentos e paixões aos de seus governantes. Se nos indagarmos como
este milagre é possível, descobriremos que os governantes não possuem
nada que os sustente, exceto a opinião. O governo, pois, se funda somente na
opinião. Esta máxima se aplica tanto aos governos mais despóticos e
militares quanto aos mais livres e populares (Ibid).

Com Hume, essa perspectiva, a partir da qual abordamos o tema da opinião,


movimenta-se desde a pressão exercida sobre os indivíduos até a que incide
sobre os governos (exatamente o ponto de vista apresentado por Maquiavel
em O Príncipe). Locke, por sua vez, fixava-se nas pessoas comuns,
submetidas à lei da opinião e da reputação em sua existência cotidiana, e que
temia tanto a desaprovação que nem mesmo um de cada dez mil poderia ser
indiferente ao desprezo de seus vizinhos. Locke investigou a natureza
humana em geral, no seu Essay Concerning Human Understanding. Hume
centrou seu interesse no governo. Seu ambiente era a corte, a diplomacia e a
política. Temia, também ele, os ameaçadores prejuízos da lei da opinião e da
reputação a tudo o que suscitasse reprovação e, prudentemente, publicou sua
primeira obra A treatise o f Human Nature, anonimamente. No entanto, o seu
amor à vida elevada o fez menos sensível aos prejuízos do que às
recompensas que, segundo a lei da opinião, aguardam aqueles que recebem
aprovação e reconhecimento.
O amor à fama: o lado luminoso da opinião pública
Hume intitula Do amor à fama (1896, 316-324), o capítulo que trata da
opinião pública. Após descrever de que forma a virtude, a beleza, a riqueza e
o poder - ou seja, as condições objetivamente vantajosas -mantém os homens
orgulhosos de si, e como a pobreza e a servidão os oprimem, segue ele:
“Mas, além dessas causas originais do orgulho e da humildade, há uma causa
secundária nas opiniões dos demais, que possuem a mesma influência sobre
os afetos. Nossa reputação, nossa fama, nosso nome, são razões de grande
peso e importância. Os outros motivos de orgulho - a virtude, a beleza e a
riqueza - influenciam pouco quando não são seguidos de opiniões e
sentimentos dos demais. [Até mesmo] aos homens de maior discrição e
inteligência (...) lhes é muito difícil seguir sua própria razão ou inclinação se
ela se opõe a de seus amigos e companheiros cotidianos” (1986,316).

Hume, que almejava desfrutar de uma boa vida (e descreve com entusiasmo
as vantagens da riqueza e do poder), expressa-se, nesta passagem, como se
todas as coisas dependessem principalmente da boa opinião do grupo de
referência (usando um conceito da sociologia moderna). Sua formulação
enfatiza menos a publicidade, a aprovação e desaprovação desse “lugar”. No
entanto, vê a magnitude dos efeitos produzidos quando os homens buscam
evitar o enfrentamento em seu próprio meio. “A este princípio”,
acrescentava, “devemos atribuir a grande uniformidade que podemos
observar nos humores e no modo de pensar dos que pertencem à mesma
nação” (ibidem). Hume aprova expressamente esta sensibilidade humana
com o entorno e não a considera, em absoluto, como uma debilidade (ver em
seu Enquiry Conceming the Principies of Morais - uma investigação sobre
os princípios da moral): “O desejo de fama, reputação ou crédito diante dos
demais está tão longe de ser condenável que parece inseparável da virtude, o
gênio, a capacidade ou ânimo generoso ou nobre. A sociedade também
espera e exige que, para agradar, seja essencial prestar atenção inclusive a
assuntos triviais. E a ninguém surpreenda ver uma maior elegância no vestir
e uma conversa mais amena em um homem quando está com outros,
diferente de quando se encontra em sua casa com sua família” (Hume, 1962,
265-266).
Parece-nos bastante óbvio que Hume não está muito preocupado com os
excluídos pela sociedade, aqueles que sofrem os prejuízos da condenação
pública. Ocupa-se, pelo contrário, dos que se instalam no lado feliz, tentando
estabelecer um limite a partir do qual o amor à fama poderia ir longe demais.
“No que consiste a vaidade, tão justamente considerada, senão um defeito ou
imperfeição? Parece ser principalmente um efeito de nossos benefícios,
honras e vitórias, uma exigência insistente e explícita de elogios e
admiração, que acaba sendo ofensivo para os demais” (Ibidem). Hume sabe
que suas reflexões se aplicam às mais altas esferas sociais. Escreve: “Levar
em conta, de maneira conveniente, [...] a posição social que se ocupa pode
estar entre as qualidades mais agradáveis” (Ibidem).

Evidentemente, Hume transita pelo universo geral de Locke, para quem a


relação entre o indivíduo e o público se situa em um lugar específico. No
entanto, seu foco sobre essa relação é essencialmente diferente. A sua ideia
de público se assemelha à que Habermas atribui aos gregos (Habermas,
1962, 15): “A verdade brilha à luz pública e todos a podem ver. Quando
cidadãos se relacionam entre si, as coisas extrapolam a conversa e ganham
forma. Quando essas mesmas pessoas discutem entre si, os melhores se
distinguem e encontram seu próprio ser, a imortalidade conferida pela fama.
Mas todos se esforçam para sobressair. As virtudes catalogadas por
Aristóteles são demonstradas, uma a uma, em público, e é em público que se
as reconhece” (Habermas, 1962,15-16).

Entretanto, o elegante ponto de vista de Hume, de que o espaço público é a


arena na qual se reconhecem os êxitos, não é compartilhado por outros
autores do século XVIII, que escreveram sobre a opinião pública na mesma
época ou depois dele. O princípio básico de David Hume, “o governo só se
baseia na opinião”, chegou a ser a doutrina dos Pais Fundadores dos Estados
Unidos (os Founding Fathers). Atualmente, reconhecemos o peso da opinião
na esfera política. Mas, do mesmo modo, vemos novamente o papel do
indivíduo com os olhos de John Locke.

O homem é tímido e precavido


No estudo The Federalist (O federalista), James Madison investigou
cuidadosamente as implicações do princípio segundo o qual “todo governo
se baseia na opinião”. O dogma desses ensaios tem grande força e constitui o
fundamento da democracia norte-americana. Mas como é frágil e vulnerável
a natureza humana a tal ponto de supor uma ideia dessas! “Embora possa ser
verdade que todo governo se baseia na opinião”, diz Madison, em 1788,
“não é menos verdadeiro que o poder da opinião sobre cada indivíduo e sua
influência prática sobre a sua conduta, dependa, em grande parte, do número
de pessoas que ele acredita compartilharem da mesma opinião. A razão
humana é, como o próprio homem, tímida e precavida quando isolada. E sua
força ou confiança é proporcional ao número de pessoas com as quais está
associada” (Madison 1961, 340; Draper, 1982).

Encontramos, aqui, essa avaliação realista da natureza humana e a sua


aplicação à teoria política para a qual devemos voltar à segunda metade do
século XX. Os métodos de investigação da opinião pública nos obrigam a
buscar explicações para o que emerge obstinadamente em nossas séries de
observações.

Não é a fama, mas a ameaça que produz a espiral do


silêncio
Se compararmos o modo como David Hume trata o tema do individual e do
público, e como Locke e Madison o trataram, vemos uma distinção
semelhante àquela que encontramos em nossa primeira interpretação do
efeito da aposta no favorito. “Estar do lado vitorioso" conduz a uma
interpretação; “não querer ficar isolado” conduz à outra. O que fascina na
primeira delas é o espaço público, como cenário no qual alguém pode se
destacar; na segunda, o espaço público impressiona como ameaça, como um
campo de batalha em que se pode perder a reputação. Por que, afinal,
deveriamos pensar na espiral do silêncio, segundo sua relação com a opinião
pública, mais como ameaça de um tribunal público do que no sentido de
colher os louros? A resposta é que só a ameaça, o temor individual em ver-se
solitário, tão intuitivamente descrito por Madison, explicaria o silêncio tão
significativo que foi descoberto no teste do trem e em outras investigações,
um silêncio que tanto influencia na construção da opinião pública.

Períodos revolucionários facilitam a percepção da


exposição pública como ameaça
É possível que o talento de Locke e Madison para perceber as ameaças do
público tenha sido potencializado devido às revoluções da época em que
viveram? Nos períodos de mudanças sociais drásticas, prestar atenção em
como se deve comportar-se para não ser isolado se toma mais necessário.
Quando vigora a ordem e a estabilidade, a maioria das pessoas não contesta
a opinião pública se ela não parece violar os valores vigentes; sequer alguém
cairá em um redemoinho de silêncio. 0 que fazer, dizer ou deixar de dizer é
tão óbvio que a pressão do consentimento atua como uma pressão
atmosférica sob nossos pés: não nos damos conta dela. Mas em épocas pré-
revolucionárias e revolucionárias, a sociedade experimenta sempre novas
sensações. Os governos vão sendo abandonados do outrora seguro suporte
da opinião até serem finalmente derrubados; e os indivíduos, após perdida a
confiança e segurança daquilo que o abalava ou condenava, procuram se unir
a novas pautas. Nessas épocas tão agitadas e submetidas a essas pressões,
fica mais fácil entender o funcionamento da opinião pública, assim como
encontrar palavras adequadas para descrevê-la.

1661: Glanvill cria o conceito de “clima de opinião”


Em uma época tranquila, não esperamos encontrar alguém criando uma lei
completa da opinião ou da reputação, com suas punições e recompensas.
Parece-nos impensável, portanto, que o filósofo inglês Joseph Glanvill
pudesse ter cunhado, em tempos de paz, o poderoso conceito de “clima de
opinião” em seu tratado sobre a validade do dogmatismo. Escreveu ele:
“Ainda que eles [os dogmáticos], que nunca pensaram além daquelas
crenças nas quais foram doutrinados, fossem absolutamente seguros da
verdade e da excelência comparativa do legado que receberam das almas
mais elevadas, que tivessem trabalhado os diversos climas de opinião,
seriam eles mais cautos em suas decisões e mais parcimoniosos em
sentenciar” (Glanvill, 1661, 226-227).

“Clima de opinião”! Sem dúvida, poder-se-ia supor que se está diante de


uma expressão moderna, nascida em nossa época. Esta suposição se deve a
nossa sensibilidade, que, como a de Joseph Glanvill, está adaptada a
circunstâncias precárias e a convicções que se têm mostrado incertas. Sem
essas circunstâncias vacilantes, o conceito de “clima” não nos diria muita
coisa; mas, à margem das experiências de nosso tempo, podemos perceber
claramente a sua pertinência. O clima envolve totalmente o indivíduo a partir
de fora. O indivíduo não pode escapar dele. Mas, ao mesmo tempo, está
dentro de nós, exercendo a maior influência sobre nossa sensação de bem
estar. A espiral do silêncio é uma reação diante das mudanças no clima de
opinião. A expressão “clima de opinião” representa bem melhor do que
“opinião pública" a ideia de uma distribuição de frequências, uma força
relativa das diversas tendências contraditórias. O termo “clima”, ademais,
traz à mente a imagem do espaço e o tempo, como o conceito de “campo” de
Kurt Lewin; e “clima” também inclui o sentido mais completo de “público”.
Em épocas de revolução, como podemos ver, vale a pena buscar fatos
capazes de revelar a natureza da opinião pública.

Descartes compreendeu intuitivamente a espiral do


silêncio
Descartes, admirado e elogiado por Glanvill, viveu na França em
circunstâncias completamente distintas das que Glanvill viveu na Inglaterra.
A Inglaterra de Glanvill estava dividida pela discórdia, enquanto a França de
Descartes atravessava uma época de valores e hierarquias sociais
universalmente aceitos. O pensamento de Descartes representa a correção
daquela nossa suposição de que, nos períodos revolucionários, o espaço
público é visto mais como uma ameaça; nos períodos de ordem, como mais
livre. Descartes parece compreender intuitivamente a espiral do silêncio
como um processo alimentador da nova opinião pública que se desenvolvia.
Ele sabia muito bem como incrementar sua própria fama. Em 1640, enviou
as Meditações metafísicas aos “mais sábios e ilustres: o decano e os doutores
da sagrada faculdade de teologia de Paris”. Em uma carta, que acompanhava
o manuscrito, Descartes pedia que dessem testemunho público de apoio a
suas idéias, levando em conta o grande respeito público que disfrutavam. Tal
pedido, dizia, era baseado na esperança de que o apoio daqueles sábios
pudesse “fazer mais facilmente com que todos os homens pensantes e de
conhecimento aprovassem o vosso juízo. E vossa autoridade forçaria os
ateus, que tendem a ser mais arrogantes que doutores e juizes, a superar seus
espíritos de contradição; ou poderia, ainda, levá-los a defender os raciocínios
como demonstrações por todas as pessoas respeitáveis, de modo que não
parecesse que não os estavam entendendo” (Descartes, 1964/1931, 1:136).
1

’ A formulação da pergunta de 1972 era ligeiramente diferente: “que partido


teve mais cartazes arrancados?”.
2

Ihering, 1883, p.242, 325.


3

Childs, 1965, p.14-26.


4

Habermas, 1962
5

Davison, 1968, esp. p. 188.


6

Oncken, 1914, esp. 224-225,236.


7

Tõnnies, 1922, p. 69,80.


8

[C]: Gabriel Tarde (2005), ao conceituar opinião, ressalta a característica de


existir apenas onde há controvérsia. Temas tabus não são objeto de opinião,
já que não há divergência ou opções “sim ou não" disponíveis ou
imaginariamente existentes na sociedade. Este é um dos motivos pelos quais
os ativistas ou propagandistas de idéias em longo prazo, muitas vezes
iniciam um tema pelo contrário do que desejam fazer vigorar. Por exemplo:
a pauta internacional da liberação das drogas precisou contar, inicialmente,
com uma campanha contra as drogas, de modo a colocar o tema em pauta,
romper o tabu do assunto e estimular a divergência para, então, ver surgir
opiniões opostas ao simples e óbvio “não”.
9

Ihering, 1883, p. 242.


10

Habermas, 1962, p.117.


11

Henrique VI, Ia parte, terceiro ato.


12

Maquiavel, 1950, p.64-66,56, 67; Rusciano s. f, p.35,40,33, 25, 37.


13

Maquiavel 1971/1950, 509-511; Rusciano s.f., 64.


14

Maquiavel, 1971, p.257.


15

Rusciano s.f., p.49.


16

Montaigne, 1962, p. 563.


17

Ibidem, p.203.
18
Montaigne, 1962, p.174.
19

Ibidem, p.1013.
20

Ibidem, p.9.
21

’ [N.T.] O termo inglês place, que temos traduzido como “lugar”, também
carrega o significado de praça ou rua, espaço público.
22

* Agradeço ao professor Emst Vollrath, da Universidade de Colônia, pela


estimulante correspondência mantida sobre este tema.

7.0 surgimento do termo “opinião


pública”: Jean-Jacques Rousseau
Que tipo de situação teria levado Rousseau a utilizar pela primeira vez o
termo lopíníon publique?

Veneza, 1744: Rousseau, aos seus trinta anos, era secretário do embaixador
da França. Aquele era um ano muito agitado. A França, envolvida nas
guerras de sucessão da Áustria, havia declarado guerra contra Maria Teresa.
Em 2 de maio de 1744, Rousseau escreve uma carta a Amelot, ministro
francês de Assuntos Exteriores, desculpando-se por ter feito uma advertência
demasiado enfática ao nobre veneziano Chevalier Erizzo, de que a “opinião
pública” já o considerava simpatizante da Áustria (Rousseau, 1964a, 1184).
Busca assegurar a Amelot que o seu comentário não produziu grandes
problemas e que não voltaria a cometer tal tipo de erro. Rousseau utiliza aqui
a expressão “opinião pública” no mesmo sentido em que a mulher
sofisticada, de Laclos, utilizaria, mais tarde, para aconselhar a jovem dama
sobre suas ligações perigosas e o perigo que representavam para a sua
reputação: a opinião pública é vista em ambos os casos como um tribunal
cuja desaprovação deve ser evitada.

Quem quer que procure interpretar a opinião pública como um juízo político
crítico ao governo, como se interpretou a partir do século XIX, não
encontrará respaldo no uso dado à expressão por Rousseau. Recorrer às suas
obras na procura de idéias relacionadas ao tema da opinião pública pouco
tem contribuído para o trabalho de historiadores e cientistas políticos.

Erapreciso esperar até queo criador do termo 1’opinion publique tivesse um


sentimento profundo diante do fenômeno. E essa expectativa não se viu
frustrada. Desde 1750, a preocupação com o poder da opinião pública
permeia os escritos de Rousseau. Mas como não possuía um princípio
organizador que orientasse o tratamento dado ao tema, foi necessário
recorrer a alguma técnica específica para oferecer um quadro coerente,
Christine Gerber (1975), estudante de jornalismo em Mainz, foi a primeira a
realizar uma investigação sistemática, Ela jogou uma rede, por assim dizer,
sobre as seis obras principais de Rousseau e investigou todas as passagens
nas quais apareciam as palavras “opinião”, “público”, “publicidade”
(publicity) ou “opinião pública”. Valendo-se da análise de conteúdo, estudou
os escritos rousseaunianos de crítica social (1750-1755), Julia ou a nova
Eloísa, O contrato social, Emílio, As confissões e a Carta a d’Alembert
(1758). A expressão “opinião pública” aparecia 16 vezes; “opinião” unida a
algum adjetivo ou substantivo diferente de “público”, cerca de 100 vezes; e
“público” ou “publicidade”, 106 vezes. Estes últimos termos apareciam com
maior frequência, fora do contexto de opinião pública, em relação a respeito
público. A primeira investigação francesa sobre o tema foi uma tese doutorai
de Colette Ganouchaud (1977-1978).

O público é o que todos podem ver


Esta investigação chegou à conclusão de que Rousseau era muito sensível ao
aspecto ameaçador da publicidade, do público. Sua natureza solitária
ofereceu-lhe a oportunidade de adquirir uma experiência excepcional neste
campo. “Somente via o horror de ser reconhecido e proclamado em público
e, na minha presença, como um ladrão, um mentiroso e um caluniador”
(Rousseau, 1968,1:122). “Tudo isso não impediu à multidão furiosa, incitada
não sei por quem, voltar-se contra mim pouco a pouco, irada, até insultar-me
publicamente à luz do dia, e não somente em pleno campo e nos meios
rurais, mas inclusive no meio das ruas” (2:398).

“À luz do dia”, “não somente no meio rural”, estar à vista de todos, sem
proteção do público, agravava a situação. Já a repetição da expressão
“respeito público” indica claramente que Rousseau relaciona a opinião
pública com a “reputação”, na tradição de Maquiavel, Locke e Hume, mas
discute o conceito de forma mais extensa em suas obras.

Divide-se entre avaliações ambivalentes. Em termos sociais, a opinião


pública mais parece uma bênção, já que fomenta a coesão; mas, como faz os
indivíduos se adaptarem à moral e à tradição, é uma força conservadora e
protege a moral da decadência. O valor da opinião pública está, portanto, em
suas funções morais, não intelectuais.

A opinião pública como guardiã da moralidade e das


tradições
Rousseau acreditava que a vida social era melhor regulada no passado
remoto, quando os selvagens viviam juntos em um Estado natural. Por isso
sustentava que as formas mais estáveis de opinião pública - os costumes e a
tradição - eram os recursos mais importantes que deviam proteger uma
sociedade, já que neles se reuniam as qualidades essenciais do povo.
Segundo Rousseau, o Estado se constitui sobre três tipos de leis: o direito
público, o direito penal e o direito civil. Depois ele explicava: "Além dessas
três classes de leis, há tuna quarta, a mais importante, que não está gravada
no mármore ou no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que forma a
verdadeira constituição do Estado; cuja força se renova a cada dia; que
vivifica ou substitui as outras leis quando envelhecem ou desaparecem; que
mantém no povo o espírito de suas instituições originais e substitui, de modo
imperceptível, a força do hábito pela autoridade. Refiro-me aos modos, à
moral, aos costumes e, sobretudo, à opinião pública, um fator desconhecido
por nossos teóricos da política, mas do qual depende o êxito de todos os
demais” (Rousseau, 1953, 58).

No início do século da Revolução Inglesa, John Locke insistiu em um


relativismo: tudo o que a lei da opinião ou da reputação exige, o que se
aprova ou desaprova, dependerá das opiniões vigentes naquele lugar. Para
Rousseau, deslumbrado pelo poder e esplendor da corte francesa dos meados
do século XVIII, parece prevalecer a estabilidade. A quarta lei está escrita no
coração de todos os cidadãos e deve-se somente protegê-la da corrupção e da
deterioração. Em O contrato social, Rousseau cria um tribunal especial, o
“censor”, um cargo que nunca havia existido antes, criado com o único
intento de fortalecer a opinião pública como guardiã da moralidade. A única
definição de opinião pública que Christine Gerber encontrou em Rousseau
neste contexto é esta: “A opinião pública é um tipo de lei administrada pelo
censor e que ele, como príncipe, aplica somente em casos específicos”
(Rousseau, 1953,140). Rousseau também explica a função do censor. “A
censura conserva os modos e a moral evitando a corrupção das opiniões,
conservando sua retidão com medidas inteligentes e, em alguns casos,
inclusive determinando-as quando são duvidosas” (1953,141).

Um acordo tácito sobre uma norma moral constitui, para Rousseau, a base
sobre a qual se pode erigir-se uma sociedade. E esse consenso moral
coletivamente estável o “público” de Rousseau: esta personalidade pública
costuma chamar-se corpo político, e seus membros o chamam de Estado
(Rousseau, 1964d/1957, 424). Segue-se logicamente que as divisões
partidárias não podem ser benéficas. A sociedade tem um único fundamento
coletivo, que só pode se ver ameaçado pelo egoísmo dos indivíduos
particulares. Esta convicção representa a raiz da hostilidade de Rousseau
com o privado como oposto ao público; uma aversão que, no século XX,
encontra sua expressão mais clara no neomarxismo.

Rousseau é muito cuidadoso na sua explicação de como os censores


influenciam as opiniões: “em alguns casos determinando-as quando são
duvidosas” (1953,141). Ele explica a tarefa do censor pensando nos “casos
especiais”. O censor fortalece o melhor das convicções coletivas do povo.
Expressa, proclama ou “conscientiza”, como diriamos atualmente, a respeito
dessas convicções. Se o censor se toma independente e afirma que há acordo
sobre algo, isto é, que de fato há consenso popular, suas palavras não
produzem efeito algum. Não encontram respostas e serão ignoradas (140).
Neste sentido, o censor é um instrumento, apenas um porta-voz. Rousseau
configura esta operação de opinião pública muito mais cuidadosamente que
os seus seguidores do século XX. Segundo ele, não se pode recorrer a
qualquer coação. Tudo o que se pode fazer é com que o censor enfatize os
princípios morais básicos. O censor divide essa limitação com o príncipe, tal
como o concebe Rousseau. Do mesmo modo, porém, o príncipe não possui
meios de poder nem pode promulgar leis. “Temos visto”, diz Rousseau, “que
o legislativo pertence, e somente pode pertencer, ao povo” (60). A iniciativa
de promulgar leis procede, no entanto, do príncipe. Para realizar esta tarefa
necessita de uma posição vantajosa desde a qual possa sondar o clima de
opinião, tarefa “da qual se ocupa secretamente o grande legislador” (58). As
atividades do censor o ajudam neste trabalho de observação. O príncipe deve
decidir quais convicções do povo são suficientemente permanentes ou fortes
para sustentar uma legislação. A lei só pode basear-se em um acordo prévio,
no sentido de uma comunidade que constitui o fundamento real do Estado.
“Como um arquiteto, antes de levantar um grande edifício, observa e sonda o
terreno para ver se este suportará tamanho peso, o legislador inteligente não
começa por redigir leis boas, em si mesmas, mas primeiro investiga se o
povo, ao qual serão destinadas, é capaz de suportá-las” (Rousseau, 1953,
46).

Rousseau não especifica a relação exata entre a volontégénérale (que se


distingue da volonté de tous, privada e egoísta) e a opinião pública. “Assim
como a lei é o meio pelo qual se expressa a vontade geral, a censura é o meio
de expressão da opinião do povo” (140). A volonté générale pode ser vista
talvez como a consolidação da opinião pública, cuja efetivação se dá a partir
das leis que procedem dela mesma. “As leis não são outra coisa senão
verdadeiros atos da vontade geral” (98). David Hume concedia à opinião
pública um poder legitimador em seu princípio: “o governo só se baseia na
opinião” (Hume, 1963, 29). Rousseau também afirma o mesmo: “a opinião,
rainha do mundo, não está submetida ao poder dos reis; eles mesmos são
seus primeiros escravos” (Rousseau, 1967/60, 73-74).

Rousseau especifica mais a fundo, em sua Carta a DAlembert, sobre quem


podería ocupar o posto de censor na França. Surpreendentemente, para os
que consideravam Rousseau um democrata radical - “o legislativo pertence,
e só pode pertencer, ao povo” -, sugere que o tribunal honorário dos
mariscais da França seria quem melhor desempenharia o papel de censor
(Rousseau, 1962b, 176). Proporciona, assim, maior prestígio ao cargo. Para
ele, o peso do “respeito público” é um claro fator de influência sobre o povo,
não devendo ser permitido o surgimento de dissonâncias a seu respeito, sob
pena de que tal respeito público seja rapidamente destruído.
Exige ele que o governo também esteja submetido ao censor, ao tribunal
honorário dos mariscais da França, sempre que este defina que um assunto
pertence à opinião pública; ou seja, quando o assunto apresente aprovação
ou desaprovação pública. Rousseau apresenta, aqui, a opinião pública como
autoridade moral. É possível que o prêmio Nobel alemão, Heinrich Bõll,
tivesse em mente essa ideia - e também este papel -, quando lamentou o
então estado da opinião pública da Alemanha. O cargo de censor não estava
nas mãos certas.

A ideia de uma concepção coletiva do bem e do mal teria induzido Rousseau


a criar um conceito que não chegaria a se estabelecer até o século XX: “a
religião civil” (Rousseau, 1953,142). A ideia de “religião civil” só começou
a aparecer com a diminuição do número de fiéis nas religiões metafísicas.
Como havia de se esperar, o termo “religião civil” designa uma série de
princípios que não podem apresentar contradições publicamente sem
produzir grupos ou pessoas isoladas. Isto seria um resultado da opinião
pública.

A opinião publica como protetora da sociedade e


inimiga da individualidade
Tal como Rousseau encarava a opinião pública, embora ela não fosse tão
benéfica em seu papel de guardiã da moralidade, sua influência sobre o
indivíduo era desastrosa. Na medida em que o indivíduo respeitasse essa
opinião como guardiã da moralidade - tanto por medo do isolamento quanto
de expor-se ao inconveniente da desaprovação, “não somente no campo, no
meio rural, mas também nas cidades" -, Rousseau não se oporia, apesar da
lembrança do seu próprio sofrimento. “Aquele que julga as modas e a moral,
julga a honra, e o que julga a honra adota a opinião (pública) como sua
própria lei" (1953,140).

A influência mais desastrosa provém da necessidade de se distinguir da


maioria; do “amor à fama”, para citar o título de um capítulo do tratado de
David Hume; ou, ainda, algo como angariar prestígio ou ser comparado
elogiosamente com os outros. A corrupção da sociedade humana teria
começado com esta necessidade, explicou Rousseau, no ensaio que o tornou
famoso, em 1775, o Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens: “Finalmente, a ambição consumidora, o
desejo de aumentar as riquezas - nem tanto por uma necessidade genuína e,
sim, pelo desejo de estar acima dos demais -, suscita nos homens a obscura
inclinação de prejudícarem-se mutuamente” (Rousseau, 1964,175).

“Mostraria quanto domina nossos talentos e capacidades este todo poderoso


estandarte de reputação, honra e distinção, que nos devora a todos; quanto
nos excita e multiplica as paixões; quanto converte a todos os homens em
rivais ou, ainda pior, em inimigos” (Ibidem, 189). O “selvagem” está livre
desse impulso devorador. “O selvagem vive em si mesmo” (Ibidem, 193),
embora desde o princípio o homem se tenha diferenciado dos animais pelo
seu livre arbítrio, pela capacidade de simpatizar e de se conservar. Depois,
começou o processo que deu origem à sociedade. Rousseau nos diz que,
quando “começou a valorizar o respeito público” (Gerber, 1975,88), a
natureza do homem modificou-se. Agora, afirma, devemos aceitar este fato
de nossa natureza como irrefutável: “O homem, como ser social, sempre está
orientado para o exterior. Recebe a primeira sensação básica da vida através
da percepção do que os demais pensam dele” (Rousseau, 1964,193).

Segundo Rousseau, o homem está dividido em dois seres: o primeiro contém


sua natureza real, suas “verdadeiras necessidades”, inclinações e interesses;
o segundo configura-se sob o jugo da opinião. Explica essa diferença com o
exemplo do intelectual. “Sempre deveriamos distinguir as inclinações que
procedem da natureza, das que procedem da opinião. Existe um tipo de
anseio ao conhecimento que se baseia unicamente no desejo de ser
respeitado como aquele que sabe. Mas existe outro, que nasce de um aspecto
natural e humano de conhecimento, para o qual tudo o que esteja perto ou
longe o pode interessar” (1964d, 429).

Rousseau considera a compulsão ao consumo um efeito concomitante da


opinião pública: “Enquanto desejam um quadro por ser caro, os seus
corações caem prisioneiros da luxúria e de todos os caprichos da opinião, já
que este gosto certamente não surge espontaneamente neles” (1964d, 372).

Não há nada melhor que a legalidade, a honra e o respeito. John Locke


citava, assim, Cícero, e atribuía a essas qualidades uma raiz comum: a
opinião favorável da sociedade em que se vive. Rousseau, que se preocupava
com o contraste entre a verdadeira natureza humana e a proveniente da
opinião, tentou construir um conceito de honra que, ao invés de originar-se
da estima alheia, resultasse da estima própria. “Daquilo que chamamos de
honra, é preciso distinguir o que dela resulta da opinião pública e aquilo que
é consequência da estima própria. O primeiro consiste em efeitos vazios,
mais volúveis que as ondas passageiras” (1964c, 2:84).

A esta altura, já não podemos continuar ignorando a contradição de


Rousseau: às vezes chama a opinião pública de um prejuízo vazio e, outras
vezes, ressalta uma função de proteção do que é mais permanente e valioso:
os costumes, a tradição e a moralidade. É fácil descobrir essas contradições
em Rousseau. “Distinguir entre as pessoas malvadas e pessoas honradas é
um assunto de interesse público” (1964b, 222-223). Rousseau admirava a
arte com que os espartanos operavam esta distinção: “Quando um homem de
má fama moral propunha algo que tinha o respaldo da assembléia de
Esparta, alegava-se que um cidadão virtuoso tivera feito a mesma proposta.
Honra para um, censura para o outro, embora nenhum deles houvesse sido,
de fato, censurado ou elogiado!” (1953, 141-142). Aqui não se pode duvidar
da conotação positiva que Rousseau dava ao respeito público. Lemos em
Emílio: “Que fazer se o mundo inteiro nos injuria! Não buscamos a
aprovação pública. Tua felicidade nos basta” (1964d, 758).

A negociação: elementos necessários da relação com


a opinião pública
Nesta aparente contradição, Rousseau capta, como ninguém antes dele, o
aspecto essencial da opinião pública, permitindo-nos finalmente reconhecer
todas as suas manifestações: representa uma negociação entre o consenso
social e as convicções individuais. O indivíduo vê-se obrigado a buscar uma
solução intermediária, obrigado pelo jugo da opinião e por sua natureza
vulnerável, que o faz depender do juízo alheio e resistir à separação e ao
isolamento social. Assim, expressa Rousseau em Emílio: “Como depende
tanto de sua própria consciência como da opinião pública, deve aprender a
conhecer e a conciliar ambas as leis, e somente conceder primazia à
consciência quando as duas se opõem” (1964d/1957, 731/346); em outras
palavras, somente quando a contradição for impossível evitar.
“Tenho que aprender a suportar a censura e o
ridículo”
A negociação pode produzir resultados muito diferentes. Rousseau decidiu
manifestar a sua individualidade na escolha da roupa a ser usada em público,
ou seja, precisamente naquilo que, para Hume, poderia ser adaptado à
opinião pública. Convidado por Luiz XV ao grande palco de apresentação do
teatro real de Fontainebleau, para a estreia de uma opereta que ele havia
escrito, Rousseau apresentou-se “sem adereços”, com uma peruca mal
penteada e sem pó no rosto, com roupa inadequada para a festa e sem jaleco
de brocado. “Vesti-me como sempre; nem melhor, nem pior. Meu exterior é
simples e descuidado, mas não está sujo ou desasseado. Minha barba
tampouco, já que ela nos é concedida pela natureza e porque, segundo a
época e a moda, em ocasiões pode, inclusive, ser um adorno. Talvez alguém
me ache ridículo ou insolente, mas, por que isso me deve afetar? Devo
aprender a suportar o ridículo e a censura quando eu não os mereça” (citado
em Harig, 1978).

Tal atitude implica o perigo da resistência à transgressão, como também


compreendeu Rousseau. Em La Nouvelle Héloise (a Nova Eloisa) lemos:
“Preocupa-me que o intrépido amor da virtude que nos fortalece para
desdenhar da opinião pública, possa levar ao outro extremo e fazer-lhe falar
com desprezo das sagradas leis do decoro e da decência” (Rousseau, 1964c,
623). “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e a
propriedade de cada membro com toda a força da comunidade, e na qual
cada um, apesar de unido aos demais, só obedeça a si mesmo e permaneça
tão livre como antes. Este é o problema fundamental” (Rousseau, 1953,14-
15).
 

8. Â opinião pública como tirania:


Alexis de Tocqueville
Se o objetivo de nossa investigação histórica é descobrir o que significava o
conceito de “opinião pública” para os que o cunharam, já é possível concluir
que existem boas razões históricas para adotar um conceito baseado no medo
do isolamento e no seu resultado, a espiral do silêncio.

É possível que as sociedades se distingam quanto ao grau em que seus


membros temem o isolamento, mas em todas as sociedades há uma pressão
para a conformidade, e o medo do isolamento é o fator que dá eficácia a essa
pressão. Stanley Milgram (1961) descobriu, em suas experiências, que os
noruegueses eram um tanto mais conformistas que os norte-americanos, e os
franceses um pouco menos. Milgram estendeu seus experimentos à Europa
devido à suspeita de que o comportamento conformista, tal como
estabelecera Solomon Asch, fosse uma peculiaridade do povo norte-
americano. De fato, o que Thorstein Veblen descreveu, em meados do século
XX, como o comportamento norte-americano que busca o status1, era o
mesmo tipo de prática condenada por Rousseau em sua crítica ao que Veblen
chamaria depois de típico consumo. Nos EUA, a negociação entre a opinião
pública e a natureza individual, usando os critérios de oposição de Rousseau,
favorecia a opinião pública, exigindo a submissão do indivíduo. Era dessa
forma que Tocqueville, compatriota de Rousseau, descrevia o fenômeno, em
suas notas de viagem intituladas Democracia na América2.

Até onde sabemos, Tocqueville foi o primeiro observador consciente do


funcionamento da espiral do silêncio. Usou como exemplo a decadência da
Igreja francesa diante da Revolução, e destacou, sempre que possível, o
significado de falar ou calar em relação com a opinião pública (1948,1:263).
Além disso, o enfoque que deu à opinião pública se parece muito com o que
vemos na atualidade, a partir dos métodos empíricos de observação.
Percebeu, em seu centro, como vemos hoje, o fantasma do isolamento e a
tendência ao silêncio. Tocqueville não escreveu qualquer livro sobre a
opinião pública nem a mencionou em algum capítulo; mas sua obra está
cheia de descrições, valorações, explicações e análises das consequências da
opinião pública. Não queremos, com isso, dizer que ele a considerou um
fenômeno puramente norte-americano. Observou características universais
da opinião pública e como elas afetavam também a Europa; mas acreditava
que essas características haviam se desenvolvido mais nos Estados Unidos,
onde haviam assumido um papel que poderia aparecer na Europa, no futuro.
Para Tocqueville, a opinião pública era, nos EUA, um fardo pesado, uma
pressão coercitiva que conduz à conformidade ou, nos termos de Rousseau,
um jugo perante o qual o indivíduo de uma sociedade devia se submeter:
Nas aristocracias, frequentemente os homens possuem muita grandeza e
força pessoal. Quando discordam da maioria de seus compatriotas, retiram-
se a seu próprio círculo, onde tenham apoio e consolo. Isto não acontece nos
países democráticos. Nestes, o dever público parece tão necessário quanto o
ar que respiramos, e discordar da multidão é como não viver. A multidão não
necessita de leis para coagir os que não pensam como ela. A desaprovação
pública lhe basta. A sensação de solidão e impotência os sobrecarrega e os
faz despertar (1948, 2:261). Não conheço um país em que haja tão pouca
independência mental e, ao mesmo tempo, verdadeira liberdade de discussão
como na América (1:263). Em qualquer Estado constitucional europeu pode-
se pregar livremente todo tipo de religião ou teoria política (...) não há
qualquer país, na Europa,

que seja tão submetido a uma autoridade única a ponto de que o homem que
eleve sua voz em nome da verdade, não seja protegido das consequências do
seu atrevimento. Se tiveres a desgraça de viver sob um governo absoluto, o
povo estará, na maioria das vezes, unido a esse governo. Se vive em um país
livre, pode, se for necessário, encontrar abrigo atrás do trono. O setor
aristocrático da sociedade o apoia em alguns países, e em outros, a
democracia. Mas nos países em que existem instituições democráticas
organizadas, como nos EUA, somente existe uma autoridade, um fator de
força e de êxito, sem nada por trás (1:263).

Este único poder é, segundo Tocqueville, a opinião pública. Mas como ela
chegou a ser tão poderosa?

A igualdade explica o poder da opinião pública


Na introdução de seu livro sobre os Estados Unidos, Tocqueville escreveu:
“entre as novidades que me chamaram a atenção durante minha estadia nos
Estados Unidos, nada me impressionou tão poderosamente quanto a
igualdade geral de posição entre as pessoas. Imediatamente, percebi a
prodigiosa importância que este fato fundamental exerce sobre todo o
funcionamento da sociedade. Concede uma direção determinada à opinião
pública e uma determinada marca às leis” (1948,1:3).

Tentando compreender as causas dessa tendência irresistível à igualdade,


descobriu um processo de alcance mundial (Tischer, 1979, 18).
Se observarmos o que ocorreu na França a cada meio século, desde o século
XI, não podemos deixar de notar que, ao final de cada um desses períodos,
produziu-se uma dupla revolução na sociedade. Houve uma queda na
posição social do nobre, ao passo que o plebeu subiu um tanto em sua escala
social. Um deles baixa enquanto o outro ascende. A cada meio século ficam,
portanto, mais próximo e em breve se encontrarão. Esse processo não é
exclusividade da França. Para qualquer ponto em que olhemos perceberemos
a mesma revolução acontecendo em todo o mundo cristão (...), 0
desenvolvimento gradual do princípio de igualdade é, pois, um feito
providencial. Reúne todas as características principais deste tipo de coisa: é
universal, é duradouro, integra continuamente todas as atividades humanas e
todos os acontecimentos, enquanto todos os homens contribuem com o seu
progresso (...). Este livro que oferecemos agora ao público foi totalmente
escrito sob a influência de uma espécie de espanto religioso, ocorrido na
mente do autor pela visão dessa revolução irresistível que avançou durante
séculos, apesar de todos os obstáculos, e que segue avançando entre as
ruínas que provocou. Não é necessário que o próprio Deus nos diga para que
possamos descobrir os inquestionáveis sinais da sua vontade (Tocqueville,
1948,1:6-7).

Tocqueville explica porque a igualdade de classe social causa o predomínio


da opinião pública:

Quando as classes sociais são desiguais e os homens distintos uns dos outros
em sua condição, há alguns indivíduos que dispõem do poder de uma maior
inteligência, saber e ilustração, enquanto que a multidão se mantém imersa
na ignorância. Os homens que vivem nessas épocas aristocráticas são
induzidos naturalmente a formar suas opiniões segundo o modelo visto como
superioridade, identificando-se a uma classe mais alta de pessoas, resistindo
a acreditar em uma infalibilidade da massa popular. Nas épocas de igualdade
acontece o contrário. Quanto mais se aproximam os cidadãos ao nível
comum de uma posição igualitária e semelhante, menos disposto estará cada
um para ter uma fé absoluta em uma determinada pessoa ou uma classe de
pessoas. No entanto, cresce a sua inclinação a crer na multidão. A opinião é
mais do que nunca a dona do mundo (...). Em épocas de igualdade, os
homens não possuem fé nos outros homens devido à sua semelhança; mas
essa mesma semelhança lhes dá uma confiança quase ilimitada no juízo
comum do povo. Pois parecería provável que, como todos contam com os
mesmos elementos de juízo, a maior verdade deveria ser a da maioria
(Tocqueville, 1948, 2:9-10).

Como vemos, Tocqueville interpreta a opinião pública como a opinião da


maioria numérica. Ele afirma que se trata da vontade de Deus, a que
ninguém pode resistir. Mas resiste a simpatizar com o destino do indivíduo
dessa sociedade, cai em um profundo pessimismo sobre as consequências
espirituais e se rebela. Isto é o que diz ele sobre o destino do indivíduo:

Quando o habitante de um país democrático se compara individualmente


com os que o rodeiam, orgulha-se de ser igual a todos. Mas quando
considera a totalidade de seus iguais e se compara com um conjunto de
pessoas tão grande, sente-se imediatamente frustrado pela sensação de sua
própria insignificância e impotência. A mesma igualdade que o faz
independente de cada um de seus concidadãos, coletivamente, o deixa só e
inerme à influência da maioria (1948, 2:10).

Sempre que as circunstâncias sociais são igualitárias, a opinião pública


pressiona as mentes dos indivíduos com uma enorme força. Os rodeia, os
dirige e os oprime. Isto se deve muito mais à própria constituição da
sociedade do que às suas leis políticas. Quanto mais se parecem os homens,
mais impotente se torna cada um deles em comparação com os demais.
Como não identifica nada que o eleve consideravelmente acima dos outros
ou o distinga deles, perde a confiança em si mesmo quando o atacam. Não
somente desconfia de sua força, mas duvida inclusive de seu direito. Pode
estar muito perto de reconhecer que está errado se a maioria dos seus
compatriotas disser que ele está (1948, 2:261).

Tocqueville descreve como a pressão da opinião pública afeta não só os


indivíduos, mas também o governo. Cita como exemplo, o comportamento
do presidente norte-americano durante uma campanha eleitoral. Durante a
campanha, o presidente já não governa pelo interesse do Estado e sim de sua
reeleição (Tischer, 1979, 56). “Molda-se a seus gostos [os da opinião
pública] e suas animosidades, prevê seus desejos, antecipa suas queixas,
submete-se a seus anseios mais fúteis” (Tocqueville, 1948,1:138).

O autor francês concorda que a igualdade social pode ter também um efeito
benéfico. Com a autoridade em baixa, a igualdade pode abrir as mentes dos
homens a novas idéias. Mas o indivíduo também pode, por outro lado, deixar
completamente de pensar. O público “não convence de suas crenças, exceto
se as impuser ou fizer com que invadam o pensamento de todos mediante
um tipo de pressão mental de todos sobre a inteligência individual. Nos
Estados Unidos, a maioria se encarrega de fornecer um sem número de
opiniões pré-fabricadas para o uso dos indivíduos, que ficam, assim,
liberados da necessidade de formar uma opinião própria” (1948, 2:10).

Tocqueville reflete com tristeza sobre como, em outros tempos, os povos


democráticos foram capazes de vencer os poderes que “reprimiam ou
obstruíam a energia das mentes individuais”. Mas, agora, se “sob o domínio
de certas leis [Tocqueville refere-se à autoridade da maioria numérica] a
democracia extinguiu essa liberdade mental (...), o mal pode apenas ter
mudado de aspecto. Os homens não haviam ainda encontrado um modo de
viver com independência. Somente haviam criado (...) uma nova fisionomia
da servidão” (1948, 2:11).

“Há aqui um tema para profunda reflexão - nunca será demais repetir”,
escreve Tocqueville, “paraareflexão daqueles que consideravam a liberdade
de pensamento algo sagrado e para aqueles que não só odiavam o déspota,
mas também o despotismo. Eu, de minha parte, quando percebo que a mão
do poder se apoia pesadamente sob meu rosto, não me preocupo tanto em
saber quem é que me oprime. Da mesma forma, não me disponho a arriscar-
me quando me oferecem as mãos de um milhão de pessoas (1958, 2:58).

Alexis de Tocqueville aborda um tema sobre o qual, cinquenta anos depois,


James Bryce, um dos clássicos escritores norte-americanos que pensou sobre
a opinião pública, viria a se concentrar, especialmente na quarta parte de seu
livro The American Commonwealth (A nação americana; 1888-1889), dentro
do que chamou de “tirania da maioria” (2:337-344). Afinal, o seu quarto
capítulo chamava-se, explicitamente, “a opinião pública”. Mas por algum
motivo, o tema nunca é tratado com êxito quando abordado de modo
explícito e com completa racionalidade acadêmica. Parecia mesmo algo
muito irracional, já que todos os livros que tratavam diretamente do tema
pareciam fracassar. Tal imprecisão também vale para as obras clássicas
alemãs da primeira década do século XX: Wilhem Bauer, em Die
ÕffentlicheMeinungundihre geschichtlichen Grundlagen (A opinião pública
e suas bases históricas) (1914), e Kritik ãer õffentlichen Meinung, de
Ferdinand Tõnnies (Crítica da opinião pública) (1922).

“Ninguém pode acusar Bryce de adotar um enfoque sistemático em seu


estudo da opinião pública”, escreveu Francis G. Wilson, cinquenta anos
depois (1938,426), referindo-se ao famoso livro de Bryce. De fato, as mais
de cem páginas que ele dedica ao tema reúnem comentários dos mais
diversos autores aos quais adiciona suas próprias observações, algumas de
considerável interesse. Lembremos, por exemplo, do que disse sobre o
“fatalismo da multidão45”, onde descreve pela primeira vez o que depois se
chamaria de “maioria silenciosa”. 3

9. A criação do conceito de “controle


social” e marginalização do conceito
de “opinião pública”
Chegamos ao século XX com uma definição de opinião pública de 1950:
“compreendamos opinião pública, para efeito desta revisão histórica, como
um conjunto de opiniões sobre os assuntos de interesse nacional, expressas
livre e publicamente por quem não pertence ao governo, por aqueles que se
acreditam no direito de que suas opiniões determinem as ações e a estrutura
do governo” (Speier, 1950,376).

Um conceito de opinião pública sob medida para


investigadores e jornalistas
Como pode a expressão “opinião pública” chegar aoponto designificar algo
tão diferente do que evocou por séculos? Opiniões expressas publicamente,
influência no governo..., estamos familiarizados com essa parte da definição
de Speier. Mas a outra parte nos parece nova: a de que só importam as
opiniões daqueles cujos juízos merecem algum respeito público. Isso
constitui uma restrição radical do conceito, uma mudança qualitativa. Já não
estamos falando de um meio termo entre o conhecimento e a ignorância,
como concebia Sócrates. Trata-se, pelo contrário, da força de uma opinião
consciente de sua influência, situada próximo ao governo e à qual se atribui
uma capacidade de discernimento semelhante a ele.

Uma transformação deste porte requer uma explicação. Afinal, quando a


opinião perdeu o sentido de reputação? Quando me fiz esta pergunta, sentia-
me como se tivesse perdido uma moeda e tivesse que encontrá-la. Isso foi no
início dos anos 1960, quase na mesma época em que me dava conta, sem
poder explicar, da notória discrepância existente entre as curvas das
intenções devoto e as expectativas sobre o vencedor das eleições. Não
obstante, levei sete anos para compreender que as duas questões estavam
relacionadas.

A teoria de Hume, de que “o governo se baseia na opinião”, a relevante


posição que Rousseau dava à opinião pública no Estado e, ainda, a sua força
esmagadora nos Estados Unidos - tudo isso deve ter tentado a classe política
a se apresentar como representante da opinião pública. O trono da opinião
pública pareceu vago para diversos escritores até a metade do século XIX.
Neste momento, entretanto, uma série de grossos volumes começaram a
tratar o tema sistematicamente e a discutir que tipo de opinião pública seria a
mais benéfica para o Estado. Os filósofos, pesquisadores, escritores e
jornalistas buscavam ocupar o lugar de verdadeiros representantes da
opinião pública. Em Jeremy Bentham (1838) ou em James Bryce (1888),
encontramos muitas observações psicossociais agudas; mas elas aparecem
mescladas às exigências normativas a respeito do papel que a opinião
pública devia desempenhar e quem deveria representá-la. Mas essa confusão
ainda estava longe da conceituação de opinião pública por Speier (1950),
Wilhelm Hennis (1950a) ou Jürgen Habermas (1962), considerados não mais
do que mera crítica política.

Opinião pública como modo de comportamento


O ponto de mudança parece ter ocorrido nos últimos anos do século XIX.
Entre 1896 e 1898, Edward A. Ross publicou uma série de artigos
(reimpressos como livro em 1901) na American Journal of Sociology. A
partir de então, parece que o conceito de opinião pública modificou sua
conotação convencional, a de uma pressão que levaria à conformidade e
seguiu existindo apenas com seu sentido reducionista de tribunal que
criticava e fiscalizava o governo (Ross, 1969; Neumann 1966). No entanto,
algo do seu significado anterior se manteve. Por exemplo, quando o
psicólogo Floyd H. Allport (1937) escreveu sobre “uma ciência da opinião
pública”, ensaio introdutório do primeiro número da mais tarde famosa
Public Opinion Quarterly, utilizou como analogia a ação de retirar neve da
calçada para ilustrar a importância da opinião pública. Ele tentou
caracterizar o conceito com as seguintes palavras: “os fenômenos que
precisam ser estudados sob o nome de opinião pública são essencialmente
modos de comportamento (...) [Estes comportamentos] consolidam-se,
frequentemente, a partir da consciência de que outros reagem de modo
semelhante à mesma situação”. Mas, aos estudiosos contemporâneos,
especialmente os da Europa, essas idéias mais irritavam do que intrigavam.

O membro morto que se solta do corpo social


Por que os artigos de Edward A. Ross, no início do século [XX], exerceram
uma influência tão profunda que modificaram o conceito de opinião pública?
Para começar, Ross simplesmente repetiu John Locke. E até surpreende que
ele nunca tenha mencionado esse autor.

O homem comum pode ignorar o estigma social. O homem culto pode safar-
se do desprezo de seus vizinhos refugiando-se em opiniões de outras épocas
ou círculos sociais. Mas para a massa, a condenação e o peso de sua
comunidade são os verdadeiros senhores da vida (...). O que desarma o
americano moderno não é tanto o temor do que pode fazer o povo comum
quando irritado, mas a completa incapacidade de permanecer impassível
diante de um turbilhão de comentários totalmente hostis, de suportar uma
vida totalmente submetida à consciência e sensibilidade dos que o rodeiam.
Somente um criminoso ou um herói moral pode manter-se indiferente ao que
os outros pensam dele. (Ross, 1969).

Essas palavras aparecem no capítulo intitulado “a opinião pública”, da obra


de Ross. Mas o autor percebe a opinião pública como subordinada a um
fenômeno descrito com um termo que ele inaugura

logo no título de seu livro: O controle social. O controle social é exercido


nas sociedades humanas de muitas formas, diz Ross. Ele pode ser
completamente visível e institucionalizado, como a lei, a religião, as festas
nacionais ou a educação das crianças. Mas também atua sob a forma da
opinião pública que, apesar de não institucionalizada, possui seu sistema de
penalidades. Mais de meio século depois, Richard T. LaPierre (1954, 218),
voltou a abordar o controle social, dividindo essas penalidades em três
categorias: as penas físicas, econômicas e, as mais importantes, as
psicológicas. Estas últimas começam quando as pessoas deixam de
cumprimentar alguém e finaliza quando o “membro morto se solta do corpo
social”, usando a frase de Ross (1969, 92).

Ross dá atenção especial às vantagens do controle social por meio da opinião


pública. E “flexível” e “barato” em comparação com a lei (1969, 95). A
descrição de Ross teve grande êxito e o “controle social” se converteu em
um conceito estabelecido. A expressão traz consigo todo o atrativo da
novidade e tudo o que John Locke chamou uma vez de lei da opinião ou da
reputação. Muitos sociólogos tem estudado o tema do controle social, mas
atualmente ninguém identifica os controles sociais com a opinião pública.
Deste modo, desaparece o poder integrador ambivalente que constrange
tanto o governo quanto o indivíduo para que respeitem o consenso social. A
influência sobre o indivíduo se chama agora de controle social; a influência
sobre o governo se denomina opinião pública, que, como construção
intelectual, adota um caráter normativo. Assim, fica destruída a relação entre
ambos os tipos de influências.
 

10. O coro dos lobos aduladores


Por que os caminhos se fecharam? Por que precisamos abrir a trilha entre os
arbustos em busca do verdadeiro significado de opinião pública? Que função
desempenha este fenômeno com um nome aparentemente tão antiquado?
Um “conceito clássico” de nosso “armazém tradicional de conceitos”; “não
se pode abandoná-lo simplesmente nem levar a sério seu significado
original”: iniciava assim o ensaio do sociólogo Niklas Luhmann, intitulado
“A opinião pública”, editado pela primeira vez em 1970 (1971, 9). Como
Walter Lippmann, cujo livro Public Opinion (A opinião pública) apareceu
em 1922, Luhmann descobriu características da opinião pública que nunca
haviam sido descritas (veja mais adiante, no capítulo 18). Ambos os autores,
no entanto, ajudaram a apagar os rastros históricos do tema. Luhmann
escreve: “Um olhar pela história intelectual demonstra que a crença na razão
não podia manter-se, assim como a crença no poder da opinião pública em
exercer controle crítico ao ponto de mudar o governo” (1971,11). Entretanto,
quem despertou essa crença? Nem Locke, nem Hume, nem Rousseau ou
Tocqueville. Nada na literatura moderna sobre opinião pública teria me
conduzido a essas fontes se não fosse pela estranha experiência que tive, em
uma manhã de domingo, em Berlim, em meados do verão de 1964. Naquela
época, passava os fins de semana em Berlim para preparar minhas aulas das
segundas-feiras, sobre os métodos de investigação através de pesquisas de
opinião, na Universidade Livre. Uma sensação de despedida parecia
impregnar-se em tudo, já que no outono fui à Universidade de Mainz como
professora de pesquisa de comunicação. Naquela manhã de domingo - nem
sequer havia tomado café da manhã - algo parecido com um título de livro
surgiu em minha mente. Mas não tinha nada a

ver com os métodos de investigação de opinião, nem com o trabalho que


havia planejado realizar naquele dia, ou com algo que eu pudesse ter
lembrado. Fui correndo à mesa e escrevi em um pedaço de papel: “opinião
Pública e controle social”. Imediatamente, soube de que tipo de título se
tratava. Um ano e meio depois, este foi o título de minha aula inaugural em
Mainz (Neumann, 1966).

Foi o título escrito em um pedaço de papel que me motivou a voltar ao tema


da opinião pública e a buscar seus rastros históricos. Por que havia se
tornado tão ultrapassado falar desse tema se já era compreendido há séculos,
de acordo com a natureza social do homem, a evidente dependência humana
da aprovação e da desaprovação de seu meio? Tal interpretação não
combinaria com a imagem que o homem moderno tem de si mesmo? Será
contrário à imagem da maravilhosa autoconsciência oriunda da emancipação
supostamente alcançada nos últimos tempos? Seria fácil imaginar o mal estar
causado pelas consequentes comparações entre sociedades humanas e
animais.

O medo do isolamento dos seres humanos é evitado como tema de pesquisa.


Não obstante, é estudado em detalhes e sem quaisquer inibições nas
investigações da conduta animal. Especialistas em etologia4 estão tão
preocupados em evitar acusações de antropomoríismo, que frequentemente
evitam comparar a conduta animal com a humana. Erik Zimen, no livro The
Wolf (o lobo) (1981, 43), sustenta que “devemos ser, sem dúvida, muito
cuidadosos ao comparar a conduta humana e animal. Modos de conduta que
parecem similares podem constituir funções completamente diferentes,
enquanto que outras, de aspecto e origem filogenéticas diversas, podem
significar funções equivalentes (...). No entanto, a observação comparativa
dos seres humanos e dos animais pode estimular novas idéias, que depois
demandarão comprovações com experimentos mais precisos, especialmente
quando se pesquisa espécies organizadas de modo tão semelhante como o
lobo e o homem”.

Em qualquer caso, quanto à linguagem, não parece haver a mesma


preocupação, já que não temos qualquer dificuldade em entender expressões
como “uivar com o bando (de lobos)”. "Uivar com o coro” é algo tão comum
entre os cães como entre lobos, e até chimpanzés o fazem em alguns casos5.

Mobilização para ação conjunta


De acordo com Erik Zimen, os lobos uivam principalmente à tarde, antes de
sair à caça, e à primeira hora da manhã, como preparação para as atividades
matutinas. “O uivo de um lobo é um estímulo poderoso para que os outros
lobos se unam (...). Mas isso não acontece sempre. 0 uivo inicial de um
animal de categoria inferior, por exemplo, é um estímulo menos eficaz do
que o de um animal de hierarquia superior” (Zimen, 1981,71). Dos uivos
ficam excluídos todos os lobos oprimidos, os rejeitados pelo bando. A
semelhança entre a situação de oprimidos e rejeitados, como a de lobos de
hierarquia inferior, mostra como é importante não isolar-se e ter participação
naquilo que o pesquisador norte-americano de lobos Adolph Murie (1944)
chama de “a reunião amistosa”, ou seja, o ato de uivar em coro. Ser um lobo
desgarrado tem a desvantagem concreta de ser privado da comida (Zimen,
1981,243).

Qual é a função dos uivos? De acordo com Zimen, “a restrição aos ‘de
dentro’ parece nos indicar que a cerimônia reforça a coesão do rebanho. Os
lobos reafirmam, por assim dizer, seus sentimentos mútuos de amizade e
cooperação. Os momentos em que uivam sugerem também que isso serve
para sincronizar e coordenar a fase imediata de atividade. Os lobos que
acabam de acordar são mobilizados rapidamente para a ação conjunta6”.
A conduta do rebanho
Segundo uma informação de Thure von Uexküll, Konrad Lorenz também
observou a sincronização, capacidade de atuar conjuntamente, nos sinais
acústicos empregados por corvos no intuito de controlar a conduta do bando.

O bando de corvos que voa durante o dia pelos campos em busca de comida
e pela noite vai aos bosques para dormir, utiliza os sons de algumas aves
particulares para decidir um rumo comum. Se as rotas das aves não
coincidem pela manhã ou pela tarde, pode-se observar, por um tempo, o
bando voando para frente e para trás. Se os grasnos de um tipo predominam
sobre os de outro tipo, o bando voa pelo bosque, ou ao contrário. Isso
continua por um tempo, até que todas as aves emitam somente um dos tipos
de grasnos e o bando inteiro voa pelo bosque ou pelo campo. A partir daí, o
bando está disposto a empreender uma ação com acordo coletivo, seja ela
buscar comida ou pôr-se a dormir. Existe um ânimo comum ou algo parecido
a uma emoção comum. O bando de corvos é, pois, uma república regida pelo
voto (Uexküll, 1963-1964,174).

No livro Sobre a agressão, Konrad Lorenz dedica um capítulo ao


comportamento coletivo dos peixes, que intitula: “O anonimato do
agrupamento” (Lorenz, 1966,139-149).

0 modo mais primitivo de sociedade no sentido mais amplo do termo é o


agrupamento anônimo, cujo exemplo mais característico é o de peixes no
oceano. No interior do cardume não há qualquer estrutura. Não há chefe ou
subordinados, mas somente um imenso conjunto de membros iguais. Estes, é
claro, influenciam-se mutuamente e há algumas formas muito simples de
comunicação entre os indivíduos que formam o cardume. Quando um deles
percebe o perigo e foge, transmite sua sensação aos demais, que captam seu
medo (...). A ação puramente quantitativa e, de certo modo, democrática
desse processo chamado pelos sociólogos de “indução social”, significa que
um bando de peixes é menos decidido quanto mais indivíduos contém e
quanto mais forte é o instinto gregário. Um peixe que, por qualquer motivo,
comece a nadar em uma direção inevitavelmente se coloca em uma situação
de isolamento. Cai por terra, então, toda a influência dos estímulos coletivos
que o levaria de volta ao cardume (Ibidem, 144-145).
0 isolamento, a perda de contato com o bando, poderia significar um perigo
imediato para a vida individual. Por essa razão, o comportamento grupai
parece perfeitamente funcional e tão benéfico para a sobrevivência do
indivíduo como para o grupo. O que acontece se um indivíduo não tiver
medo do isolamento? Konrad Lorenz descreve um experimento realizado
por Erich von Holst com um vairão, peixe pertencente ao gênero da carpa.

Erich von Holst removeu a parte traseira do cérebro de um vairão comum, o


que nessa espécie representa todas as reações coletivas. O peixe vê, come e
nada como um peixe normal. Sua única característica comportamental
aberrante é que não se importa em abandonar o bando e ficar sozinho.
Carece da indecisão do peixe normal, que, apesar de querer nadar em uma
direção determinada, volta-se após os primeiros movimentos para olhar seus
companheiros e reagir de maneira diferente se os outros o seguem ou não
(...). Se nosso peixe havia visto comida ou se distanciava por outro motivo,
nadava decididamente em uma direção determinada e o bando inteiro o
seguia.

Lorenz comenta: “O efeito foi a conversão do animal descerebrado em um


ditador” (Lorenz, 1966,146).

Segundo os neurologistas modernos, o cérebro humano também conta com


zonas responsáveis pela relação entre o indivíduo e o mundo exterior
(Pribram, 1979), ou seja, regiões suscetíveis a ataques de um grupo
anônimo. “Somos mais vulneráveis do que pensamos”, disse certa vez o
analista de relações humanas Horst E. Richer (1976, 34). Ele se referia ao
fato de que somos vulneráveis ao modo como somos julgados ou tratados
pelo meio. Deveria o ser humano envergonhar-se de sua natureza social ao
ponto de escondê-la?

“A razão humana é, como o próprio homem, tímida e prudente quando


deixada por si mesma. Adquire força e confiança na mesma proporção do
número de pessoas com quem se sinta associada”, dizia James Madison ao
descrever o fenômeno (Madison, 1961, 340). Do mesmo modo, no livro
Sociétés animales, publicado em 1877, pelo sociólogo francês Alfred
Espinas, expressou«se idéias semelhantes, baseando-se na investigação do
biólogo A. Forel: “O valor da formiga cresce à medida exata do número de
companheiras amigas do mesmo gênero com as quais se encontra, assim
como diminui à medida que se separa delas. Qualquer habitante de um
formigueiro muito povoado é muito mais valente do que o de uma pequena
colônia. A mesma formiga operária que se deixaria matar dez vezes rodeada
por suas companheiras seria extraordinariamente medrosa e evitaria o menor
sinal de perigo, se estivesse sozinha, ainda que estivesse há alguns metros do
formigueiro. O mesmo ocorre com as abelhas” (citado por Reiwald,
1948,59).

Será mesmo que deveriamos criar um conceito ficcional de opinião pública,


baseado rio juízo crítico, somente porque o reconhecimento das forças reais
que mantém a coesão social não é compatível com nosso ideal de indivíduo?
7
 

11. A opinião pública nas tribos da


África e do Pacífico
O livro The Forest People (Os habitantes da selva), do antropólogo Colin M.
Turnbull (1961), descreve a vida dos pigmeus das florestas do Congo. Ele
nos mostra uma vida normal em um acampamento: os homens se reúnem
todas as tardes para cantar em conjunto. Pela manhã, os jovens acordam os
demais com seus cantos e gritos. Antes da caça, o povo frequentemente
dança. Os homens e as mulheres formam um círculo que abarca todo o
acampamento e entoam canções de caça, batem palmas, olham à direita e
esquerda e dão grandes saltos imitando os animais que esperam caçar.

Por trás dessa bucólica cena, sucedem conflitos dramáticos. Cephu, um


chefe de cinco famílias, que, em outros tempos, era muito respeitado, mas
caiu em desgraça devido à má sorte na caça, acaba ficando à margem das
atividades coletivas. Mas insiste em transgredir as regras da solidariedade,
colocando, em segredo, a sua rede de caça na selva, à frente das redes dos
demais caçadores. As crianças e mulheres, que são os observadores,
conduzem, então, os animais primeiro para a rede de Cephu. Todos
percebem a sua transgressão. Naquela tarde, ninguém falou com ele, e
sequer o concederam lugar na reunião noturna dos homens. Quando alguém
pedia a um jovem que se retirasse para dar lugar a ele, o jovem ignorava.
Então alguém começa uma canção zombadora sobre Cephu, aludindo que
ele não é um homem, mas um animal. Desconsolado, Cephu comunica a
todos que renuncia à carne das presas que caçou desonestamente. Sua oferta
é aceita imediatamente e todos vão às choças das famílias de Cephu, a certa
distância do núcleo do acampamento, para saquearem-nas, vasculhando
todos os cantos e levando embora tudo o que era comestível, inclusive a
carne que era preparada no fogo. Mais tarde, no mesmo dia, um dos parentes
distantes devolve para Cephu, e aos seus familiares, um frasco cheio de
carne e salsa de cogumelos. Naquela mesma noite, volta-se a ver Cephu
sentado no círculo dos homens que cantam em torno do fogo: voltou a ser
um deles (Turnbull, 1961, 94-108).

Não se pode viver só


Outro incidente refere-se a um jovem que foi descoberto mantendo relações
incestuosas com sua prima. Ninguém queria protegê-lo em sua oca e outros
jovens de sua idade expulsam-no, com facas e lanças, da aldeia para a selva.
Turnbull transcreve o relato de um membro da tribo do jovem: “Deixaram-
no na selva onde deverá viver sozinho. Ninguém lhe aceitará em seu grupo
depois do que fez. Morrerá, porque não se pode viver sozinho na selva. A
selva o matará". Depois, Turnbull diz que o pigmeu que o informou, de
maneira característica do seu povo, começou a rir incontrolavelmente,
batendo as palmas, e disse: “Levará meses para morrer. Deve ter sido muito
estúpido para se deixar capturar” (Turnbull, 1961,112). Era evidente que sua
estupidez era mais importante do que o próprio incesto.

Nessa mesma noite, um incêndio na choça da família do mesmo jovem


provocou uma luta entre as famílias. Durante a luta, apenas se mencionou a
causa original, o incesto, no tumulto e discussão geral. Na manhã seguinte,
porém, viu-se a mãe da menina desonrada a ajudar no reparo da cabana dos
que haviam se enfrentado. Três dias depois, o jovem entrou silenciosamente
no acampamento pela tarde e se sentou novamente entre os solteiros. A
princípio, ninguém queria falar com ele. Mais tarde, no entanto, uma mulher
o mandou uma moça levando algo para ele comer e o assunto ficou
esquecido (Ibidem, 113-114).

As armas do mundo exterior: o desprezo e o ridículo


Nos casos descritos por Turnbull, solucionaram-se os conflitos, mas não sem
discussões por todo o acampamento. Não houve um juiz, tribunal ou jurados.
Não houve procedimento formal algum, conselho que tomasse decisão ou
chefia. Cada caso foi tratado de modo que não se pusesse em perigo a coesão
do grupo. Uma sociedade que vivia da caça com redes precisava conservar,
diante de qualquer coisa, a sua capacidade de cooperação. Havia duas
maneiras de controlar os membros individuais: deviam ser, sobretudo,
depreciados e expostos ao ridículo. Isso lembra o conceito de opinião
pública de Edward Ross, como controle social: “é mais eficiente do que
juizes e tribunais, pois alcança grandes distâncias e custa muito menos”
(Ross, 1969, 95).

Os três tipos de opinião pública de MargaretMeaã


Nos anos trinta, Margaret Mead (1937) descreveu, sob o título de
Mecanismos da opinião pública entre povos primitivos, três tipos de
processos que ocorrem nos povos primitivos. Ela comprovou que a opinião
pública era eficaz quando alguém violava as leis, quando havia dúvidas entre
a interpretação delas, quando surgia um conflito ou necessidade de decisões
sobre comportamento futuro, questões de procedimento etc. Nesses casos,
era necessário estabelecer passos ou medidas necessárias para se chegar a
um consenso. Mead achava que os mecanismos da opinião pública eram
necessários para manter a capacidade de ação da comunidade.

O primeiro modelo que descreve é semelhante ao dos pigmeus (Mead,


1937,8-9). Somente pode funcionar, diz ela, em comunidades relativamente
pequenas, com cerca de duzentas ou quatrocentas pessoas. Como o exemplo
da tribo arapesh, da Nova Guiné. Nessa tribo, a dependência de regras fixas
é mínima e muitas normas possuem vida curta. Assim como aparecem
voltam ao esquecimento. A comunidade existe quase sem um sistema de
regras. Há apenas posições estáveis de autoridade, sem qualquer instituição
política como juizes, tribunais, sacerdotes, médicos, bruxos ou castas
hereditárias que comandem.

Comer um porco juntos


Mead descreve, como exemplo de resolução de conflitos, o que acontece
quando um arapesh descobre um porco que se solta de um rebanho vizinho e
começa a comer o seu pomar. Não age de maneira que pudéssemos chamar
de espontânea. Pelo contrário, é bastante cuidadoso. De qualquer forma,
matará o porco, porque este é o costume. No entanto, quando o porco está
comendo o pomar, ou logo depois de tê-lo matado ou quando esteja
agonizando, o proprietário do pomar chama uns poucos conhecidos para
pedir conselhos sobre o que fazer: deveria devolver o porco morto ao dono,
oferecendo-lhe a carne do próprio porco para compensar a perda do animal,
ou deveria tomar para si e comer a carne em compensação pelo transtorno e
os prejuízos causados no pomar? Se seus amigos o aconselharem a opção
mais conciliadora, a de devolver o animal ao seu proprietário é isso o que
fará. Se eles defendem a opção mais arriscada, ele procurará outro grupo de
conselheiros mais velhos, como o pai e os tios. Se ainda assim aconselharem
que não devolva a carne, recorrerá a um homem especialmente respeitado na
comunidade. Se este também mostrar-se de acordo com a opinião dos outros,
então todos comerão o porco juntos, significando que estão unidos e que
defenderão, juntos, a decisão tomada se esta causar algum problema. Isso
significa também que todos estariam dispostos a compartilhar, com o
prejudicado pelo porco, das consequências negativas, como o ódio do dono
do porco e de seus familiares, o que pode levar a recorrerem à magia negra.

Regras ambíguas e instáveis exigem maior atenção


A observação do comportamento que se deve adotar nessas circunstâncias
para que não se fique isolado deve ser um processo muito cuidadoso, já que
não há regras claras. Frequentemente, situações novas surgem para que o
indivíduo decida a favor ou contra alguma coisa. Quando se toma uma
decisão, o indivíduo e seus companheiros devem defendê-la com vigor. A
discórdia desaparece imediatamente e, diante de novo conflito, formam-se
novos grupos. Não há dúvidas de que estamos diante de processos de
opinião pública, uma vez que estão presentes todos os seus ingredientes: a
controvérsia, os dois lados conflitantes, o objetivo de agir sem causar
isolamento, a sensação produzida pela consciência de se estar do lado certo -
todos estes fatores desempenham seu próprio papel. Poderiamos objetar à.
alegação de tratar-se de “opinião” verdadeiramente “pública”, alegando
dúvidas quanto à presença do elemento da “publicidade”. Obviamente, esse
elemento não se faz presente no mesmo sentido em que compreendemos o
termo na sociedade moderna de massas. Hoje, o “público” implica
anonimato, igualdade de oportunidades de acesso e a inserção do indivíduo
em uma massa disforme de pessoas cujos nomes, rostos e idiossincrasias, ele
ignora completamente. Os arapesh conhecem os membros de sua pequena
comunidade. Apesar disso, experimentam uma exposição pública que
abrange toda a sua sociedade e da qual ninguém quer estar separado,
excluído ou isolado.

O sistema dualista ou a mentalidade partidária


Mead descreve o segundo modo pelo qual se desenvolvem os processos de
opinião pública a partir do exemplo dos iatmul, uma tribo de caçadores de
cabeças da Nova Guiné (Mead, 1937, 10-12). Ainda que, como no caso dos
arapesh, não tenham chefes ou tuna autoridade central, os iatmul são capazes
de tomar decisões e agir eficientemente. A diferença em relação aos arapesh,
é que não buscam resolver os conflitos induzindo os indivíduos a sondar
cuidadosamente a opinião majoritária. Os iatmul desenvolveram um sistema
dualista: a tribo se divide, segundo critérios formais, em dois grupos ou
facções entre os quais se decide qualquer contenda que possa surgir. Mead
acredita que este procedimento se torna necessário para alcançar o consenso
em unidades sociais maiores (as tribos Iatmul chegam a mil pessoas). Os
indivíduos não adotam um ponto de vista particular devido ao assunto em
questão ou porque tenham refletido sobre ele, mas porque o seu grupo apoia
esse ponto de vista. O modo com que se forma um grupo,

ou o pertencimento de um indivíduo a um ou outro grupo, parece algo


arbitrário. Pessoas nascidas no inverno podem pertencer a uma facção e os
nascidos no verão, à outra. Os grupos podem se formar por aqueles que
vivem ao norte do cemitério contra os que vivem ao sul. Ou por aqueles que,
do lado materno não podem comer frango diante dos que não podem comer
verduras. Os do lado paterno procedem da família A, diante dos do lado B,
que pertencem ao conjunto de idades diferentes. O sistema só funciona
porque esses grupos cruzam-se de múltiplas maneiras. Pessoas que hoje são
adversárias em um tema, serão aliadas em outro na manhã seguinte. Deste
modo, a comunidade nunca se separa, ainda que se mantenha continuamente
em um estado dualista. Ou seja, aplica-se um modelo de divisões fáceis,
correspondendo aos grupos “a favor” e “contra”, o que caracteriza todos os
processos de opinião pública.

As decisões não são tomadas por consenso majoritário. Os indivíduos cujos


interesses parecem mais afetados pelas decisões buscam uma solução. Os
membros de cada grupo formal adotam e repetem informalmente os seus
slogans ou propostas. Mead acredita que nas sociedades modernas muitas
questões são decididas por meio de arranjos dualistas similares: os militantes
de partidos políticos e os membros de grupos de interesses ou condições
regionais, lutam porque o seu grupo já adotou uma posição determinada. A
solução a que se chega ao final depende da força relativa demonstrada pelos
membros de cada grupo. A moderna terminologia política mostra uma
relação direta entre este mecanismo de opinião pública e nossos sistemas
atuais. O termo “polarização” designa a forma dualista gerada quando
precisamos escolher entre opções opostas. A expressão moderna
“mentalidade partidária” descreve a atitude que Margaret Mead
exemplificou com a tribo dos iatmul.

O indivíduo é impotente: o formalismo em Bali


Margaret Mead expõe, com o exemplo dos habitantes da ilha de Bali, a
terceira forma de manter unida uma sociedade (1937,12-14).

A primeira coisa que se percebe é uma rígida ordem cerimonial. As


negociações legais decidem as questões debatidas. Todos os homens adultos
saudáveis pertencem ao conselho e, com o passar dos anos, vão ascendendo
a posições cada vez mais altas nessa instituição. Adquirem a obrigação de se
submeterem a uma interpretação conscienciosa das regras herdadas de seus
antecessores. Suponhamos que lhes fosse apresentado o seguinte caso: um
casal cujo matrimônio começa a gerar dúvidas quanto à legitimidade pela
suspeita de incesto. São primos de sangue, embora com distância de duas
gerações. Genealogicamente, a mulher é “avó” do jovem. Os matrimônios
entre primos de sangue estão proibidos. Qual é a chave para solucionar o
caso: a relação entre primos de sangue ou a diferença de idade entre os dois?
Uma tensão ameaçadora cresce durante um dia inteiro. O conselho se reúne
e os chefes discutem uma série de argumentos, mas não chegam a qualquer
conclusão. Ninguém toma partido e não há advogados das famílias
implicadas. Não se procura determinar a opinião dominante. Finalmente, o
hábil conselho para assuntos relacionados ao calendário toma uma decisão: o
primeiro grau é o primeiro grau; deve-se considerar o referido matrimônio
como uma violação das regras. Deve, pois, aplicar-se o castigo
correspondente à violação das regras: o isolamento. Captura-se os cônjuges
levando-os ao sul, fora dos limites da aldeia, onde ficam depositados em
uma zona de castigo. Toda a população envolve-se na tarefa. O casal foi
expulso: não poderá mais voltar a participar de reunião alguma ou
acontecimento na aldeia, exceto nas cerimônias relacionadas aos ritos
funerários.

Este modo de resolução dos conflitos pode ser considerado também um


mecanismo de opinião pública? A transição a outras formas de controle
social é, sem dúvida, sutil. Edward Ross não reduz absolutamente o controle
social à opinião pública, mas acrescentou explicitamente o sistema jurídico.
O modo de proceder, no caso dos balineses, lembra-nos o funcionamento de
um sistema jurídico, ainda que sem leis escritas ou direito a defesa. Os
mandamentos divinos, os estatutos formais e a lei da opinião - limitando-nos
à tríade proposta por John Locke - convergem e, em algumas circunstâncias,
restringem o indivíduo, deixando-o sem margem de manobra para escapar à
condenação ao isolamento, independente do quanto ele seja cuidadoso ou de
quantos o apoiem.

Margaret Mead justifica a importância de investigar a opinião pública entre


os povos primitivos, pela possibilidade de explicar, de maneira puramente
cultural, o que nas sociedades modernas se considera confuso. Podemos
distinguir os procedimentos dos arapesh, os iatmul e os balineses, pelo grau
de participação do indivíduo na construção e manutenção do consenso. Entre
os arapesh, o indivíduo precisa estar atento porque as regras são fluidas e
instáveis; o correto hoje pode ser o incorreto amanhã e qualquer um pode
ver-se desamparado rapidamente. Já no sistema iatmul, o indivíduo só tem
importância como partidário de um dos grupos. Entre os balineses, para
aqueles em que as regras se tornaram repentinamente rígidas, os indivíduos
podem carecer de poder de influência. A grande sensibilidade social que
desenvolvem os arapesh contrasta com o completo fatalismo dos balineses.
Neste último caso, a capacidade de perceber quase estatisticamente,
permitindo avaliar o entorno, acaba atrofiando-se.
O controle dos vizinhos
O método combinado de opinião pública dos zuni, descrito por Margaret
Mead, é fluido (1937, 15-16). Todos são observados e julgados
continuamente por seus vizinhos. A opinião pública está sempre presente
como uma sanção negativa. Isso afeta todas as profissões e impede que
muitas ações se efetivem. Se buscarmos analogias modernas, veremos que o
controle dos vizinhos não só limita, mas também incita a certas condutas. Na
Europa, por exemplo, a família sacode a roupa de cama na janela, pela
manhã, de uma maneira claramente visível para demonstrar que cumpre as
normas de higiene. Em alguns costumes concretos se vê como são
sofisticados os mecanismos de opinião pública, tal como os dos zuni. Por
exemplo, a prudência de não deixar as cortinas abertas durante a noite para
que os de fora vejam o interior de seus cômodos iluminados. A
desaprovação pública de valas entre os pátios, que são vistas como símbolo
de inimizade entre os vizinhos. Ou o cuidado de fechar as portas interiores
de uma casa ou escritório.
1

The Theory ofthe Leisure Class (Teoria da classe ociosa, 1970; primeira
edição é de 1899)
2

45.1948: primeira edição, 1835-1840.


3

Bryce, 1888-1889, 2:237-364, esp. 327-337


4

[N.T.] Etologia: ramo da zoologia que estuda o comportamento animal,


historicamente ligado à Teoria da Evolução.
5

Alverdes, 1925,108; Lawick-Goodall, 1971; Neumann, 1981.


6

Ibidem, 75.
7

[C.] Trata-se, aqui, do clássico, e sempre presente, embate entre real e ideal.
A presença da ideologia nas ciências sociais encontra, neste caso, o seu mais
acirrado debate.
 

12. A queda da Bastilha: opinião


pública e psicologia das massas
Os relatos sobre os povos da Nova Guiné ou Bali poderíam ser interpretados
facilmente como aventuras exóticas. Por essa razão, Margaret Mead buscou
equivalências no Ocidente na tentativa de mostrar o que é comum entre os
diferentes processos de opimão pública. Escolheu, como procedimento
semelhante ao dos arapesh, um exemplo familiar para seus leitores norte-
americanos: o linchamento (Mead, 1937,7). Acreditava que, em ambos os
casos, os indivíduos reagiam espontaneamente diante da situação proposta.
Agiam como se lhes parecia correto e conseguiam, assim, um resultado
político, ainda que sem qualquer esforço para se chegar a um acordo
coletivo.

É difícil que Margaret Mead não tenha percebido a enorme diferença entre a
situação do cuidadoso povo arapesh, que dá cabo do porco alheio, e o
indivíduo participante de um linchamento. O arapesh nunca se deixa levar
por uma ação espontânea “guiada pelo seu próprio sentir sobre a questão”
(Ibidem). Ele afronta a situação com grande cautela, segundo a descrição da
própria Mead, já que se encontra submetido ao controle social e busca
assegurar-se cuidadosamente do apoio dos indivíduos mais influentes. Isso
ele consegue, entre outras maneiras, deixando que tomem parte na comida
ou insistindo que o façam em troca do apoio.

A multidão libera o indivíduo da atenção ao meio


No caso dos que participam de um linchamento, ocorre exatamente o
contrário. Eles abandonam toda a precaução. Deixam de ser indivíduos
singulares, escrutinados pelos que aprovam ou rejeitam a sua conduta, para
serem absorvidos completamente pela massa anônima. Assim, liberam-se
dos controles sociais que, de outra forma, observariam todos os seus passos
públicos. O exemplo moderno de Mead é um fenômeno que pode ser
dominado mais adequadamente como uma multidão espontânea. Leopold
von Wiese (1955, 424) chamou-a de konkrete masse, isto é, uma massa de
pessoas em contato físico ou visual que, por um lapso de tempo, emergem e
agem juntas como um grupo, como se fossem um único ser.
Indubitavelmente, não era isso que ocorria com os arapesh. 0 problema do
porco invasor era solucionado por meio da busca do consenso entre pessoas
suficientemente respeitáveis. Mas cada membro deste consenso era uma
pessoa completamente separada e distinta, com um papel específico a ser
desempenhado.

O tipo de conduta que leva ao linchamento, ou nos comportamentos


coletivos em geral, tem fascinado os cientistas e intelectuais desde a
Revolução Francesa e a Queda da Bastilha. Nos séculos XIX e XX, houve
uma verdadeira avalanche de livros sobre a psicologia das massas em tomo
dessa surpreendente manifestação da natureza humana.

De fato, infelizmente essa literatura pode ter dificultado mais do que


contribuído para o desenvolvimento da compreensão dos processos de
opinião pública. No século XX, observou-se uma relação difusa entre os
distúrbios de massa e a opinião pública quando não puderam ser plenamente
identificados, como feito por Margaret Mead. Essa relação conduziu, no
entanto, aos elementos característicos do fenômeno psico-sociológico da
opinião pública que haviam sido delineados tão claramente pelos intelectuais
dos séculos XVII e XVIII.

Qual é a relação entre as explosões psicológicas das massas e a opinião


pública? Parece útil iniciar essa indagação recordando a Queda da Bastilha,
tal como foi descrita pelo historiador francês Taine.

Cada distrito torna-se centro, e o Palácio Real é o maior de todos. De um a


outro circula um rio de propostas, queixas, discussões e, simultaneamente,
um rio de humanidade que abre caminho e avança aos trancos e barrancos,
sem outro guia além da sua própria força e dos acidentes que encontra no
caminho. Uma multidão amontoa-se aqui, depois ali. Sua estratégia limita-se
a empurrar e ser empurrada. 0 gentio só consegue entrar nos lugares em que
o permitem. Apenas se faz entrar nos proibidos com a ajuda dos soldados.
Disparam contra os muros da Bastilha desde as dez da manhã até as cinco da
tarde e só acidentalmente um disparo fere algum dos inválidos que se
encontram nas torres... Desculpa-se as massas como se desculpam as
crianças, tentando a todo custo que causem os menores danos possíveis. À
primeira petição, o prefeito retira os canhões das vigias e convida a primeira
delegação para tomar café da manhã com ele. Jura aos homens da guarnição
que não abrirão fogo se não os atacarem. Acaba deixando-os disparar como
último recurso para defender a segunda ponte, depois de ter advertido aos
atacantes que permitiría abrir fogo às tropas. Em resumo, sua clemência,
paciência e tolerância são extraordinárias e refletem plenamente a concepção
do humano desta era. As sensações repentinas do ataque e a resistência, o
cheiro de pólvora, a violência do ataque volta louca contra todos. A única
coisa que sabem, nos parece, é que se deve mergulhar contra essa montanha
de pedra. Suas soluções são do mesmo nível de suas táticas: alguns creem ter
capturado a filha do prefeito e querem queimá-la para obrigar seu pai a se
render. Outros incendiara uma parte saliente do edifício que está cheia de
palha, obstruindo, assim, seu próprio caminho. "A Bastilha não foi tomada à
força”, disse o valoroso Elie, um dos combatentes. “Rendeu-se antes mesmo
de que pudessem atacá-la”. A capitulação deu-se com a condição de que não
se faça dano a ninguém. A guarnição não é capaz de disparar contra tantos
seres vivos em uma situação tão segura como a sua, e, ademais, os soldados
sentem-se confusos diante da enorme multidão diante de seus olhos. Os
atacantes são apenas oitocentos ou novecentos, mas o terreno que se estende
para além da Bastilha e das ruas próximas encontram-se cheios de curiosos
que vieram para ver o espetáculo. Como relata uma testemunha ocular, entre
eles há “muitas mulheres elegantes que parecem ter deixado suas carruagens
bem próximas”. Da altura dos parapeitos da fortaleza, deve parecer aos cento
e vinte homens da guarnição, que Paris inteira se lançava contra eles. São
eles que baixaram a ponte levadiça e deixaram entrar o inimigo. Todos
perderam a cabeça, sitiados e os sitiadores, embora estes últimos em maior
medida, já que o triunfo os embriagava. Somente entraram quando tudo
começou a romper-se. Os que chegaram depois disparam contra os que já
haviam chegado, atirando completamente a esmo. A onipotência repentina e
a liberdade para matar são um vinho demasiado forte para a natureza
humana. A vertigem apoderou-se deles, enfureceram-se e tudo acabou-se em
um selvagem delírio.

...A guarda francesa, que conhece as leis da guerra, tenta manter sua palavra,
mas as massas que a seguem não sabem de que lado elas estão e golpeiam
violentamente sem ordem ou ritmo. Os suíços se dispersam ao serem
atacados por terem sido confundidos com presos, devido à cor de seus
uniformes. Ao invés deles, caem sobre os inválidos que abriram a Bastilha.
Isso impediu que o prefeito chegasse à fortaleza, cortam-no a mão pelo pulso
de um só golpe e mais duas punhaladas. Sua mão, que resgatou um bairro de
Paris, é levada como troféu pelas ruas (Taine, 1916, 66-69).

Esta cena de histeria das massas é muito diferente do que temos definido
aqui como opinião pública, a partir da análise empírica e histórica. A opinião
pública reside nas atitudes e nos modos de comportamento que recebem uma
forte adesão em uma situação ou época determinada. Essas atitudes devem
ficar evidentes para evitar o isolamento social em qualquer meio de opiniões
estabelecidas e, em um meio de opiniões instáveis, ou em uma nova área de
tensão emergente, podem expressar-se sem medo de isolamento.

A convulsão social narrada tem algo a ver com a opinião pública? Há uma
forma simples de responder esta pergunta. Todos os fenômenos de opinião
pública implicam ameaça de isolamento. Estamos diante de uma
manifestação da opinião pública toda vez que os indivíduos necessitam de
liberdade para falar ou agir segundo suas próprias inclinações, mas precisam
levar em conta as opiniões do seu meio social para evitarem o isolamento.
Não há dúvidas de que é isso o que acontece nas situações de massa concreta
ou multidão excitada. Tanto aqueles que participaram da tomada da Bastilha
quanto os que somente se amontoaram nas ruas buscando fortes emoções,
sabiam perfeitamente como deviam comportar-se para evitar o isolamento:
teriam que demonstrar aprovação. Sabiam também qual o tipo de conduta os
exporia ao isolamento perigoso para a sua sobrevivência, a saber, a rejeição
e crítica das ações das massas. O caráter inequívoco e a intensidade da
ameaça de isolamento contra qualquer desviado da multidão nestas situações
agudas nos mostra que, em sua raiz, a histeria das massas é uma
manifestação da opinião pública. Poderiamos facilmente substituir a tomada
da Bastilha por cenas atuais de ações de massas, como o clamor unânime de
um estádio de futebol contra a decisão de um árbitro ou contra um time que
decepcionou seus torcedores. Ou ainda, no lugar de um acidente: um grande
Cadillac, com condutor sem carteira, atropela uma criança. Não importa se a
criança jogou-se na frente do carro ou se a culpa é do condutor: todas as
pessoas da multidão sabem que ninguém ousará defender o condutor neste
caso. Em uma manifestação, por exemplo, para protestar contra a morte de
uma vítima da brutalidade policial, é impossível defender a polícia.

Enquanto em algumas situações é preciso informar-se com maior ou menor


dificuldade sobre os tipos de comportamentos aceitáveis, em um contexto de
sublevação das massas, tudo fica claro como a luz do dia. 0 entendimento
que une os participantes e vincula-os à multidão pode conter, é claro,
múltiplas origens. A partir dessas origens, é possível caracterizar diferentes
fenômenos de massas. Uma turba ativa pode tirar sua força de elementos
atemporais ou pertencentes ao Zeitgeist (espírito da época). A circunstância
atemporal está relacionada com o que Tõnnies chamou de estados “sólidos”
de agressão e as temporais com os estados “líquidos”. As mobilizações
baseadas em elementos atemporais tendem a proceder de reações instintivas:
motins por fome; proteção a uma criança atropelada; rejeição a um
desconhecido ou estrangeiro; o apoio ao próprio país. Goebbels, o ministro
nazista de propaganda, baseou-se neste tipo de reações para enervar um
estádio cheio com o seu chamado: “querem uma guerra total?”.

Atemporal, ou ao menos não dependente de circunstâncias locais, seria a


cólera coletiva contra a transgressão das tradições morais compartilhadas.
Em contraste, poderiamos dizer que as manifestações de massas causadas
por circunstâncias fluídas, ou líquidas, valores instáveis ou novas
concepções valorativas, estão determinadas por questões históricas
particulares.

A massa concreta pode utilizar-se de recursos estratégicos para a difusão de


novas idéias. No curso normal dos acontecimentos, não há tempo para que
os indivíduos independentes de uma massa dispersa aceitem uma ideia nova.
Se for possível organizar os indivíduos em uma massa concreta que favoreça
a nova ideia, o processo de mudança de valores se acelera, porque a própria
massa demonstra que a ideia pode receber apoio público sem risco de
isolamento. A massa temporal é um fenômeno típico dos períodos
revolucionários. Portanto, a massa concreta pode servir como um tipo
enormemente intensificado de opinião pública. A situação do indivíduo em
uma massa concreta é completamente distinta da experimentada por um
indivíduo em uma massa latente. Em uma multidão ativa não é necessário
comprovar cuidadosamente o que pode ou deve ser expresso em público.
Nela, o motivo principal, o medo do isolamento, desaparece. O indivíduo
sente-se parte de uma unidade e não teme qualquer tribunal de justiça.

A opinião pública irritada pode gerar tumultos


espontâneos
Uma multidão (ou massa concreta) também pode surgir da descarga de uma
tensão existente entre o consenso e um indivíduo ou uma minoria que se
oponha a certas normas inflexíveis, reações instintivas ou à adoção de um
novo sistema de valores. A massa espontânea reflete, assim, a nobre natureza
da opinião pública: seus efeitos podem pressionar para cima ou para baixo.
Ela pode atacar instituições ou governos cujos princípios ou
comportamentos contradigam o consenso ou contra os que não aceitam uma
exigência de mudança. Os pesquisadores sociais têm mensurado essas
tensões por meio de questionários representativos que podem servir para
prever a explosão de movimentos revolucionários. Utilizam os questionários
para compreender a situação e como ela é entendida pelas pessoas ou como
as pessoas pensam que as coisas devem ser. Quando a distância entre as duas
coisas passa dos limites habituais, surge o perigo1. Em uma massa abstrata
ou latente, diferente da massa concreta, há uma reciprocidade de pensamento
e sentimentos que não se reduzem a um lugar, mas que produzem condições
favoráveis ao surgimento de uma massa concreta ou do que Theodor Geiger
chamou de massa “efetiva”. Esta se aproxima à ideia de “comunidade
clandestina”, de Leopold von Wiese, tal como a descreve abaixo:

Em agosto de 1926, em Paris, ocorreram vários ataques violentos contra


estrangeiros. Após um período de calma, ocorreu outro grave incidente: a
polícia deteve um ônibus cheio de estrangeiros próximo a um incêndio, para
recomendar ao motorista que fosse por outro caminho devido o perigo do
fogo alastrar-se. Mas parece que a multidão acreditou que aqueles
estrangeiros haviam se aproximado para ver o fogo e, imediatamente,
atacou-os... Antes que a polícia pudesse impedi-los, uma chuva de pedras
deu as boas vindas aos passageiros do ônibus, deixando muitos feridos. Só
diante da enérgica intervenção dos guardas foi possível liberar os
estrangeiros. Entre os populares detidos, estava um conhecido pintor francês
que dizia ter participado ativamente do apedrejamento do ônibus... Havia
uma massa abstrata antes do incidente? Certamente, a comunidade
clandestina de todos os que se sentiam ultrajados com a exploração
estrangeira da inflação do país. Era a massa desorganizada e incerta de todos
os que odiavam os estrangeiros (Wiese, 1955,424).

As multidões instáveis não refletem a opinião


publica
0 papel das multidões emocionais no processo de opinião pública -um
processo que sempre procura definir um valor - é tanto mais claro quanto
mais próximo ao “grupo organizado” (McDougall, 1920-21, 48). Um grupo
organizado é um grupo que realiza um longo percurso em direção a uma
meta determinada e que é dirigido por pessoas ou por outro grupo originador
ou modificador de uma massa concreta

“efetiva". Por outro lado, é possível imaginar massas primitivas, espontâneas


e desorganizadas, que surgem em determinadas circunstâncias sem qualquer
objetivo claro de opinião pública. Essas nascem com a única meta de
alcançar o clímax emocional que é gerado quando participa de uma multidão
espontânea; a sensação de reciprocidade, a intensa excitação, impaciência,
sensação de força e poder irresistível, orgulho, permissão para a intolerância
e, de certa forma, sensível, à medida do sentido de realidade. Aos membros
desses grupos, nada parece impossível. Podem acreditar em qualquer coisa
sem ponderação. Fica fácil atual sem responsabilidade ou exigência de
continuidade. É típico deste tipo de multidão que seja completamente
imprevisível em suas mudanças de um objetivo a outro e na dificuldade ou
impossibilidade de ser orientada ou guiada, como no caso bíblico do grito de
“crucifica-o”, na Paixão de Cristo.

Os relatos de multidões instáveis ao longo dos séculos são tão


impressionantes que ficaram gravadas na mente como um modo natural pelo
qual as opiniões se organizam em grandes grupos. Chegamos a esperar
súbitas mudanças de opinião. Mas nem as pesquisas mensuradas em
questionários, ou estimativas individuais sobre o clima de opinião,
demonstram a instabilidade das histórias atribuídas ao “homem massa”. As
massas abstratas, latentes, e massas concretas, efetivas, seguem leis
diferentes. No primeiro caso, compõem-se de pessoas com medo do
isolamento. No segundo, carecem desse temor. A sensação de reciprocidade
é tão intensa, na massa concreta, que os indivíduos já não precisam prevenir-
se de como falar ou agir. Quando se concentra essa intensidade, as mudanças
mais dramáticas se tornam possíveis.
1

Leo Crespi, em um informe na XXIV Conferência anual da American


Association for Public Opinion Research (Sociedade americana de pesquisa
de opinião pública), em Lake George, 1969.

13. A moda é opinião pública


As pessoas ficam diante de situações emocionantes e frequentemente
estimulantes quando fazem parte de uma multidão. Os métodos de
investigação por meio de pesquisa com questionários nos permitem,
atualmente, observar o entusiasmo gerado na celebração de uma Olimpíada
ou campeonato de futebol, ou quando uma série policial de TV de três
capítulos faz esvaziar as ruas. Ou quando uma população inteira toma
conhecimento das façanhas de um herói nacional. Até uma campanha
eleitoral pode produzir entusiasmo.

Será que poderiamos afirmar que essa sensação vem de fatores filogenéticos,
de estados de segurança e força específicos, fazendo com que o indivíduo
liberte-se por instantes do medo do isolamento?

A intuição estatística unindo indivíduo e coletividade


“Ninguém foi capaz de esclarecer como se dá a relação entre a consciência
individual e a consciência coletiva”, escreveu o psicólogo social britânico
William McDougall, em seu livro The Group Mind (A mente grupai; 1929-
21, 30). Sigmund Freud pensava que as estruturas coletivas como a “mente
grupai" e a confluência entre indivíduo e sociedade eram construções
desnecessárias. Para Freud, colocar o indivíduo de um lado e a sociedade em
outro parecia a “ruptura de uma relação natural”. Segundo ele, as coisas não
dependem de que um grande número de pessoas queira influenciar o
indivíduo desde fora. Os indivíduos não têm relação alguma com os grupos
de pessoas. Seu mundo consiste em poucas decisões e relações decisivas que
mantêm com algumas pessoas concretas. Essas relações determinam as
atitudes afetivas dos indivíduos e sua relação com a totalidade. Para Freud,
portanto, até mesmo a especialidade científica da “psicologia social” era
uma ficção.

Os métodos de investigação da opinião pública nos permitem atualmente


conhecer a capacidade sensível do homem de perceber -sem recorrer a
técnicas estatísticas - por meio de um órgão sensorial quase estatístico, as
frequências e oscilações de opinião no meio, uma capacidade que as idéias
de Freud não foram capazes de explicar. 0 que chama atenção nessas
percepções do entorno, das estimativas do que pensa a maioria, é que se
modificam simultaneamente em quase todos os grupos de população (veja as
figuras 11-13 e o capítulo 4). Deve haver algo para além das relações
pessoais do indivíduo, uma faculdade intuitiva que o permita vigiar
continuamente uma multidão de pessoas, assim como há uma esfera bem
denominada como "o público”. McDougall concordou explicitamente com a
existência dessa consciência da sensibilidade pública, e hoje encontramos
cada vez mais provas disso. Como escreveu McDougall, os indivíduos agem
publicamente a partir do conhecimento que têm da opinião pública (1920-21,
39-40). Podemos considerar esse aparato sensorial estatístico como um nexo
conectivo entre a pessoa e a coletividade. Não é necessário supor a
existência de uma misteriosa consciência coletiva, mas simplesmente a
capacidade individual de perceber as reações de aprovação ou desaprovação
do meio pelas pessoas, quanto aos comportamentos e as idéias. A habilidade
de perceber mudanças e deslocamentos, reagindo de acordo para evitar, na
medida do possível, o isolamento. McDougall explica o motivo desta
conclusão da seguinte maneira: durante “a formação de uma multidão (...),
esse isolamento do indivíduo, que oprime a todos embora possa não ser
formulado explicitamente na consciência, fica abolido temporariamente”
(1920-21,24).

Nos séculos XIX e XX, foram confrontados repetidas vezes os seguintes


pontos de vista: o que exclui o comportamento instintivo e considera o
homem determinado por instintos coletivos e aquele que supõe a reação
racional do homem diante da realidade, mas na linha dos ideais humanistas.
Historicamente, podemos dizer que o behaviorismo dividiu-se em duas
teorias distintas sobre o instinto humano, a do biólogo britânico Wilfred
Trotter (1916) e a de McDougall. A confusão aumenta se levarmos em conta
que uma parte importante e visível do comportamento humano, a imitação,
possui duas origens diferentes, duas causas diversas, as quais não podem ser
distinguidas pelas suas meras aparências externas. Voltemos aqui à distinção
entre os dois tipos de imitação: de um lado, a imitação como aprendizado
visando adquirir conhecimento, a imitação de modos aprovados de conduta
para aproveitar a experiência e os conhecimentos dos demais. A escolha de
argumentos, justificada pela crença que procede de um juízo correto, do que
nos parece de bom gosto. De outro lado, a imitação proveniente do esforço
de se assemelhar aos outros, devido o medo do isolamento. As escolas de
pensamento que enfatizam a racionalidade do homem consideravam a
imitação como uma estratégia eficiente de aprendizagem. Como estas
escolas claramente prevaleceram sobre as teorias do instinto, o tema da
imitação por medo do isolamento caiu no esquecimento.

Por que os homens devem deixar barba?


Fenômenos surpreendentes acabaram orientando a nossa atenção para a
direção correta. Mas, assim como tudo o que é recorrente e comum, isso não
nos surpreendeu. Em uma conversa com de Gaulle, mantida no último ano
da visita do general André Malraux, teria dito: “nunca soube exatamente o
que penso sobre as modas (...), quanto às épocas nas quais homens devem ter
barba ou devem manter-se bem barbeados” (1972,101). O aprendizado ou a
aquisição de conhecimento pode motivar a imitação e motivar os homens a
barbear-se ou não? A resposta a Malraux seria esta: as modas são formas de
comportamento que, quando são novas, podem ser exibidas em público sem
gerar isolamento social, mas que, na época seguinte, devem ser mostradas
em público para evitar o isolamento. Dessa forma, a sociedade salvaguarda
sua coesão e garante que os indivíduos estejam suficientemente dispostos a
comprometer-se. Podemos garantir que o estilo das barbas nunca mudará
sem uma razão mais profunda, sem que sirva para preparar as pessoas de
uma época para alguma mudança mais decisiva.
Para Platão, “os penteados, a roupa, os calçados que usam as pessoas, todo o
aspecto exterior”, assim como o tipo de música, formam parte das leis não
escritas sobre as quais se funda um Estado (A República, livro 4). “Deve-se
ser especialmente cuidadoso ao aderir a um novo tipo de música, já que esta
poderá por tudo em perigo. Porque nunca se alteram os modos musicais sem
que sejam afetadas as mais importantes leis do Estado”. A novidade se
infiltra disfarçada de diversão e aparentando insignificância ou futilidade.
Adimanto, que dialoga com Sócrates, desenvolve o assunto: “Insinuando-se
pouco a pouco, vai penetrando imperceptivelmente no seu comportamento e
em suas atividades. Depois, abre-se caminho com maior força até a maneira
de se entenderem as pessoas. E a partir do entendimento, entra com grande
ousadia nas leis e nas instituições políticas (...) até que finalmente transforma
tudo, tanto o privado como o público” (Platão, 1900,108).

O aspecto lúdico da moda faz com que passe a despercebido sua grande
seriedade, sua importância como mecanismo de integração social. A esse
respeito, não importa se uma sociedade mantém a coesão por meio de
hierarquias elaboradas ou sem elas, se a visibilidade pública dos estilos de
roupa, dos calçados, do cabelo e da barba, utilizados para mostrar as
diferenças de posição ou se - como acontece, por exemplo, na sociedade
norte-americana - procura fazer o contrário, para causar a impressão de que
as diferenças não existem. Costuma-se acreditar, em geral, que os métodos
lúdicos da moda são adequados para indicar diferenças hierárquicas. Isso se
deve ao fato de que a moda tem recebido mais atenção como expressão da
busca de prestígio social - o “amor à fama”, de Hume, a "teoria da classe
ociosa”, de Veblen - do que como forma de pressão à conformidade, o que
afeta mais universalmente as pessoas e sobre a qual John Locke insistiu
quando falava de modo semelhante sobre opinião, reputação e moda.

Atenção à moda exercita capacidade de


comprometer-se
O descontentamento com o poder disciplinador da moda se demonstra em
muitas expressões pejorativas: “extravagâncias da moda”, “caprichos”,
"almofadinha”. Expressões que indicam frivolidade, superficialidade,
fugacidade e imitação simiesca.
E sempre comovente ler nas análises de mercado como os consumidores
respondem ansiosamente àpergunta sobre o que buscam acima de tudo
quando buscam uma roupa nova: “não precisa estar na moda”. Mais do que
nunca, percebemos um verdadeiro ressentimento contra a “coação do
consumo”, uma raiva por ter que sacrificar as inclinações pessoais às
exigências da moda para não ser ridicularizado ou rejeitado pelo gosto
contemporâneo, por um vestido ultrapassado ou uma roupa da temporada
anterior. Mas as razões dessa “coação de consumo” não são bem
compreendidas. Os comerciantes não são os que controlam os elos desse
processo, como podem crer os irados consumidores. Eles não criam a
situação, não orientam as tendências da moda para uma ou outra direção. Se
eles têm êxito é porque sabem, como bons marinheiros, ajustar as velas ao
vento. O vestuário é um meio eficiente de expressar os sinais dos tempos,
um meio magnífico para que o indivíduo demonstre sua obediência à
sociedade.

Na famosa antologia de Bendix e Lipset, Classe, estado e poder, um artigo


critica o uso generalizado do termo “moda” nas ciências sociais, alegando
ser um termo de uso “supergenetalizado” (Barber e Lobel, 1953, 323). Como
exemplo disso, ele menciona um autor que aplica o uso do termo “moda”
para a pintura, arquitetura, filosofia, religião, comportamento ético, o
vestuário e as ciências físicas, biológicas e sociais. Mais do que isso,
também se usa o termo “moda” em referência à linguagem, a alimentação,
música de bailes, estendendo-se a “todo o leque de elementos sociais e
culturais”. Basicamente, o termo “moda” aplicava-se a todos esses
elementos para expressar o seu caráter volúvel. E os autores insistem: “mas é
improvável que as estruturas do comportamento nessas diferentes áreas
sociais e as consequentes dinâmicas de suas mudanças sejam sempre iguais.
‘Moda’ possui diferentes sentidos. Abrange formas significativamente
diversas de comportamento social” (Ibidem, 323-324).

Um modelo rigoroso
Seriam estas pautas de conduta social, de fato, completamente distintas?
Qualquer um que observar com atenção, perceberá, subjacente a todas elas, o
aspecto a que Locke chamava de lei não escrita da opinião, reputação ou
moda. Em todos os lugares encontramos o modelo rigoroso que, para Locke,
justifica o uso do termo “lei”: as recompensas e castigos não procedem
propriamente do ato - assim como comer demais provoca a indigestão -, mas
vêm da aprovação ou desaprovação pelo meio social em um lugar ou
momento determinados. Aprofundando a análise, o uso geral do termo
“moda" parece-nos adequado para sublinhar características comuns. Em
todos esses aspectos, que parecem não possuir nada em comum, o indivíduo
pode estar in ou out, precisa estar atento às mudanças sob pena de arriscar-se
ao isolamento. A ameaça de isolamento ocorre sempre que as opiniões
individuais conseguem se converter em uma opinião predominante. A moda
é um meio excelente de integração. De fato, só mesmo essa função de
integração social poderia explicar como é que algo tão pequeno como a
altura das calças ou a forma das golas das camisas pode constituir um
conteúdo da opinião pública ou possa ser um sinal de que se esteja in ou out.
Os aspectos que parecem heterogêneos nos quais se dá o fenômeno da moda
não estão absolutamente desconectados. Evidentemente, foram investigadas
somente a sua sincronização. Mas pode-se suspeitar, de acordo com
Sócrates, de que há uma relação entre os gostos musicais e os gostos sobre
penteados, já que este tipo de coisa pode chegar a destruir as leis. 

14. O castigo do açoite


Os sistemas de castigo desenvolvidos por diversas culturas aproveitaram-se
impiedosamente da delicada natureza social do homem. Assim ocorre nos
castigos difíceis de esconder do olhar público, como cortar a mão esquerda,
pena corânica para os ladrões, ou cortar o pé esquerdo, no caso de
reincidência, marcar com ferros quentes etc. Mas é ainda mais claro nos
casos das chamadas “penas de honra”, que são dirigidas contra a autoestima,
sem, pelo menos em tese, tocar-se num fio de cabelo sequer. Podemos
compreender sem grande dificuldade o sentido do castigo do açoite ou do
tronco1. O fato desse castigo ter existido em todas as épocas e culturas - na
nossa desde o século XII (Bader-Weiss e Bader, 1935, 2) - dá testemunho de
uma constante na natureza humana. Os pigmeus conheciam a maior
vulnerabilidade do homem: o ridículo, o desprezo diante dos demais, expor a
público o que produza vergonha (ver capítulo 11).
Castigar a honra é aproveitar-se da delicada
natureza social do homem
John Locke citava a frase de Cícero: Nihil habetnatura praes tantius, quam
honestatem, quam laudem, quam dignitatem, quam decus (Não há nada
melhor no mundo do que a honradez, o apreço, a dignidade e a honra).
Acrescentava ainda que Cícero tinha consciência de que essas virtudes
sintetizavam uma mesma coisa (Locke, 1894, 1:478).

Privar as pessoas do que é mais valioso para elas, a sua honra, está na
essência das penas de desonra. O pelourinho de açoite “destrói a honra do
homem”2, dizia-se na Idade Média. A todos era considerada uma experiência
de grande angústia, a ponto de que a partir das primeiras tendências
humanizadoras, decretou-se a proibição do açoite público aos menores de
dezoito anos e - como em uma lei turca - aos maiores de setenta. O
pelourinho era engenhosamente pensado para atrair ao máximo a atenção do
público. Era fixado em uma praça ou no centro de ruas movimentadas.
Amarrava-se o prisioneiro a um tronco pelo pescoço com uma corrente de
ferro e o expunham como numa exposição ao público em horários de
movimento: pela manhã nos dias de mercado, aos domingos ou feriados.
Levavam-no acorrentado à porta da Igreja, como em um “açoite eclesial”.
Tocavam-se tambores e gritos e o prisioneiro era pintado com tintas
coloridas, roxo ou laranja, para que fosse bem visto. O tronco era decorado
com desenhos de animais peçonhentos, assim como o nome do açoitado e
seus delitos eram escritos em uma placa pendurada em seu pescoço. A
população anônima passava, ridicularizava-o, jogavam lixo (muitos até
pedras, o que não era próprio do espírito dessa penalidade). Estas práticas
estavam fora das regras ordinárias do controle social. Fora do anonimato da
multidão, somente o delinquente açoitado era identificado. No pelourinho,
não eram castigados os delitos graves. Eram os menos visíveis, sobre os
quais devia pesar o farto da atenção pública. Aplicava-se, em casos de fraude
(troco dado errado por um padeiro, por exemplo), ou de prostituição, falta de
reverência à autoridade estabelecida ou, mais especialmente, a difamação ou
maledicência, a partir da ideia corrente de que quem rouba a honra de
alguém deve ser privado da sua própria (Bader-Weiss e Bader, 1935, 122).
A fofoca pode revelar regras de honra de uma
sociedade
A linha entre a fofoca e difamação é tênue. Afinal, a partir de que momento
pode-se considerar uma mera opinião falar com desaprovação de alguém que
não esteja presente? Quando assassina-se a reputação, toda honra cai em
descrédito. A partir daí, ser visto com a pessoa difamada converte-se em um
tabu. A mundana marquesa de Ligações Perigosas referia-se a isso quando
tentava convencer a jovem dama a deixar de ver o seu malvisto amante: "A
opinião pública se esquecerá dele? Não bastaria isso para modificar
consequentemente vossa relação com ele?” (Choderlos de Laclos,
1926,1:89).

Vilipendio, descrédito, discriminado, pária, perdedor... no âmbito da


psicologia social, surgem palavras que refletem a sensação de insegurança e
abandono do indivíduo. “Quem disse isso?”, perguntam as pessoas quando
ouvem uma fofoca maldosa sobre si mesmas, procurando defender-se. Mas
os rumores são anônimos. O antropólogo norte-americano John Beard
Haviland tomou a fofoca um objeto de investigação. Ele descreve os
rumores na tribo dos zinacanteco, procurando compreender as regras de
honra daquela sociedade em uma análise científica. Observou que os
rumores persistem até que a má conduta de um indivíduo seja exposta a
todos. Quando é reconhecida publicamente uma infração da regra que proíbe
o adultério, por exemplo, ao casal adúltero é imposta uma pena semelhante
ao açoite. Eles devem trabalhar pesadamente durante um dia de festa pública
(Haviland, 1977, 63). É uma forma muito engenhosa de provocar o
isolamento social, porque o trabalho duro, embora em si não seja desonroso,
produz uma evidente separação daqueles que estão celebrando o dia de festa.

Foram criados muitos sistemas para tornar pública a desonra: "exibir”


alguém com um alto chapéu na cabeça, fazer circular sobre o povo uma
mulher com o cabelo raspado etc. Lembremos do desafortunado pigmeu
Cephu e como o humilharam: “não é um ser humano. É um animal”. Até
mesmo contra um imperador era permitida a humilhação, denunciando-o e
expondo-o ao desprezo de todos. Quando o imperador Rudolph II vivia em
Praga, em 1609, os artesãos e os funcionários aguardavam em vão o
pagamento de seus salários, o que o monarca não podia fazer devido a Dieta
Bohemia e o bloqueio do dinheiro que vinha dos impostos. Os trabalhadores
decidiram tornar público e seus protestos alcançaram muito longe de Praga,
a partir do que pode ter sido o primeiro jornal do mundo, o Aviso. O Aviso
informava que na noite do dia 27 de junho de 1609, quando o imperador
jantava em sua casa, ocorreu uma grande gritaria e um protesto em frente à
sua residência. A multidão uivava como cães, lobos e gatos. Dizia-se que o
imperador sentia-se bastante sobressaltado com a situação (Schõne, 1939, 2-
3).

O castigo do açoite ou pelourinho pode ser encontrado até mesmo no quarto


das crianças ou em uma escola, no castigo de ser deixado em um canto. O
detalhe da tinta vermelha ou laranja com que é pintado o demérito alheio, em
praça pública ou no mercado, pode nos parecer tão distante quanto a máscara
de ferro da câmara de tortura medieval. No entanto, vivemos isso todos os
dias. Indivíduos de nossas últimas décadas do século XX foram e são
açoitados, diariamente, em rádios e programas de TV. O Aviso, de 1609, era
um precursor dos meios de comunicação de massa.

Até mesmo no século XX, quando cinquenta definições diversas de opinião


pública fazem vacilar o seu conceito, conserva-se o seu sentido original no
código penal alemão. As sessões 186 e 187 estabelecem que, diante de
acusações de calúnia ou difamação, o fato mais insignificante pode servir de
prova contra o acusado quando a acusação “prejudica a reputação do
indivíduo diante da opinião pública”. Assim como funcionavam as regras de
honra e fofoca, também podem seguir-se os processos atuais por difamação.
Um processo de 23 de novembro de 1978, ocorrido no tribunal regional
alemão de Mannheim, pode servir de exemplo. Baseamo-nos em um trecho
do periódico Neue Juristische Wochenschrift 10 (1979): 504. “Se uma
mulher se queixa de ter sido chamada de ‘bruxa’, não se justifica uma
suspensão do caso pela insignificância da acusação, já que a pessoa
implicada no caso é estrangeira (turca, no caso), e no Oriente Médio há
crenças em bruxaria. E necessário, para a proteção da parte demandante, um
forte castigo de compensação judicial pela dita ação”. Ao explicar as razões
de sua fala, o tribunal argumentou:

Sem dúvida, a crença na bruxaria é hoje muito recorrente no Oriente


Médio... Mas não é muito diferente neste país. De acordo com a última
pesquisa realizada sobre o tema (1973), cerca de 2% da população alemã crê
firmemente nas ‘bruxas’ e ainda 9% acredita na legitimidade da bruxaria. De
acordo com especialistas mais gabaritados, praticamente não há no sul da
Alemanha um povo sequer em que não existam mulheres suspeitas de
bruxaria. Portanto, não há razão para julgar idéias supersticiosas semelhantes
à “distante Turquia” de modo diferente. Como explicou corretamente o
advogado da demandante, a suspeita de que alguém possa ser uma “bruxa”
afeta grave e negativamente à reputação dessa pessoa, embora se trate de
uma trabalhadora estrangeira turca, que para o seu meio social supersticioso
ela possa se tomar discriminada, submetida a hostilidade e perseguição
permanente, o que poderia acabar convertendo-a em vítima de graves maus
tratos. E poderia até mesmo ter ocasionado a sua morte, se este tribunal não
tivesse agido de modo firme contra a difamação.

15. A lei e a opinião pública


Na notícia sobre o veredicto do caso de um roubo, ocorrido à noite, em
Zurique, o jornal Neue Zürcher Zeitung, do dia 6 de maio de 1978, publicou
o seguinte comentário: “O tribunal superior deveria rever suas conclusões, a
fim de confirmar se as suas medidas punitivas, relativamente indulgentes
para esses delitos, estão de acordo com os sentimentos e a opinião pública
nacionais”. Afinal, leis e sentenças dos tribunais deveríam estar de acordo
com a opinião pública? Que tipos de relações existem entre a opinião pública
e o mundo das leis?

A pergunta central é em que medida as três leis de John Locke - a lei divina,
a lei civil e a lei da opinião - podem contradizer-se. Locke tratou a questão,
para o seu país e sua época, com o exemplo do duelo. Na Alemanha dos
anos 1970 e 1980, a questão surge em tomo do tema do aborto. Um alto
cargo da Igreja disse que o aborto era um assassinato e aproximou-se do
comentário de um médico que havia comparado o grande número de abortos
aos assassinatos em massa do campo de concentração de Auschwitz. A lei
civil permite o aborto, disse o cardeal, mas ele segue chamando-o de
assassinato (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 26 de setembro, 6 de outubro
de 1979). Não se trata de um conflito terminológico. Os dois pontos de vista
são irreconciliáveis. A opinião do prelado é muito mais do que uma mera
fachada para conciliar concepções modernas diferentes. As duas concepções
a respeito do aborto são virulentas. A crença cristã, na proteção da vida,
inclusive da não nascida, choca-se contra uma crença emocional e
igualmente forte, aquela que Rousseau chamou pela primeira vez de
‘religião civil” (1962a, 327), uma religião secular, civil, na qual a
emancipação, o direito da mulher a decidir sobre seu próprio corpo, possui
mais valor que qualquer outra. Trata-se de um daqueles conflitos que movem
as pessoas a organizar sua vida evitando encontrar-se com pessoas com uma
opinião distinta da sua.

Polarização como divisão da opinião pública


Na tentativa de evitar os que não pensam como elas, as pessoas perdem sua
capacidade quase estatística de avaliar corretamente as opiniões do meio. O
termo "ignorância pluralista”, cunhado na sociologia norte-americana,
poderia aplicar-se a essa ignorância de como pensam "os outros”. É a
chamada polarização. A sociedade divide-se em duas. Pode-se falar em
opinião pública dividida. Sua especificidade é o fato de cada facção
supervaloriza-se enormemente naquilo que denomina uma "percepção por
especulo” (looking glass perceptiori). Podemos medir este fenômeno
estatisticamente da seguinte maneira: quanto mais distantes estejam as
estimativas sobre o que pensa a maioria, mais polarizada estará a questão. Os
partidários das opiniões contrárias simplesmente não se falam entre si e por
isso julgam incorretamente a situação. As tabelas 16 e 19 mostram alguns
exemplos da década de 1970. Em alguns casos essa ignorância é unilateral:
um grupo percebe corretamente o meio enquanto outro se superestima. Este
modelo parece indicar que a integração social acaba favorecendo aos que se
supervalorizam.

Tabela 16. Polarização da opinião sobre o chanceler Brandt, janeiro de


1971___________

As estimativas sobre a opinião majoritária são muito diferentes em ambos os


grupos, partidários e opositores. Isso se deve a um processo de separação dos
grupos. Não mais se comunicam e, por isso, descrevem o clima de opinião
de maneira tão diferente. Pergunta: “Você acha que a maioria das pessoas
quer que Willy Brandt permaneça como chanceler ou crê que a maioria
prefere outro chanceler?”._____
Usemos como exemplo a situação da diferença de opinião sobre a nova
Ostpolitik alemã nos meados dos anos 1970 (tabela 17). Os vencedores - os
que estavam a favor da Ostpolitik - percebem-se como um bloco monolítico
que representa cerca de 70% da população. “A maioria pensa como nós”. Já
na oposição, há certas dúvidas. Não pensam ser a maioria favorável aos
acordos com o Leste Europeu e nem atribuem a si mesmos essa maioria. Não
se comprometem, dando uma resposta tímida de “meio a meio”. Para quem
faz o prognóstico e analisa o estado da opinião pública, a simetria e
assimetria das estimativas sobre o meio são elementos importantes. Se há
predomínio de uma simetria - maior polarização, cada grupo considerando-
se mais forte que o outro - o resultado é um conflito grave. Se existe uma
assimetria, isso indica que uma das facções duvida muito - respostas
indecisas, que mostram opiniões divididas ou dificuldades em saber a

opinião do meio - e sua capacidade de defender-se é menor. A medida de


discrepância, utilizada nas tabelas seguintes, foi elaborada nos anos de 1950
por três psicólogos sociais norte-americanos, Osgood, Suei e Tannenbaum
(1964). Emprega-se a seguinte fórmula:

Sendo d(i) a diferença entre os dois grupos que se comparam.

Tabela 17. Polarização da opinião sobre os acordos com o Leste, maio de


1972__

No caso dos acordos com o Leste, houve também um abismo entre as


percepções de quem era favorável e de quem era contra os acordos.
Pergunta: “Sem levar em conta sua própria opinião, você acha que a maioria
da Alemanha Ocidental é favorável ou contra os acordos com o Leste
(Alemanha
Oriental)?”.___________:________________________________________
_________________________
Barreiras contra mudanças ou conformismo com as
tendências: dois extremos
A sociologia moderna substituiu a ultrapassada terminologia das três leis de
Locke por descrições mais precisas. Ao invés do que Locke chamava de “lei
divina”, falamos agora de “ideais éticos”, “tradição”, “valores básicos”.
Insistimos no conceito de “ideal”. A disparidade entre este e aquele
comportamento real é frequentemente considerável. A lei lockiana da
opinião, a reputação e a moda, a qual determina o comportamento real mais
interessante, aparece em termos sociológicos como “costume” e “moralidade
pública”. A lei que emana do Estado divide-se em duas partes. Rene Kõnig
(1967) descreveu-as em seu ensaio The Law in the Context f System of Social
Norms (A lei no contexto dos sistemas de normas sociais). Os guardiões da
moralidade pública esperam que o Estado utilize a lei como barreira contra
as mudanças na concepção do mundo. Os porta-vozes da opinião pública ou
da moralidade pública, por sua vez, pedem que a lei e o direito, sigam
evoluindo com o espírito dos tempos. Estes dispõem de bons argumentos a
seu favor. Se o processo da opinião pública, recorrente em todas as culturas
como meio de integração, é entendido como uma condição para a viabilidade
social, isso significa que a lei e o direito não poderíam se opor à opinião
pública por um instante sequer. Não há dúvidas de que o tempo representa
um papel importante em ambos os casos. O sistema legal não pode
acompanhar algo tão rápido como as tendências da moda se deseja gozar de
algum respeito ou confiança pública. Reinhold Zippelius discute este tema
em seu ensaio intitulado Have ive lost our security of orientation?
(Perdemos nossa segurança de orientação?):

Do ponto de vista específico da lei, a necessidade de uma estrutura


normativa para o comportamento, e digna de confiança, manifesta-se como
necessidade de segurança jurídica (...) a necessidade de segurança jurídica
significa algo além do interesse por estabelecer quais são as principais
normas de conduta interpessoal (...) A esse interesse acrescenta-se, em
segundo lugar, o interesse pela manutenção da própria lei. Essa manutenção
cria uma segurança de orientação para o futuro e estabelece as bases para o
planejamento e previsão. A exigência de uma estabilidade no sistema
normativo e de coerência com o desenvolvimento das leis é válida ainda pelo
seguinte motivo: a lei tradicional demonstrou sua capacidade operativa. Por
isso, como diz Radbruch, a lei não deve modificar-se muito facilmente, não
deve ser vítima de legislações baseadas nas necessidades do momento, o que
permitiría que cada caso particular se convertesse em uma lei sem qualquer
limite (Zippelius, 1978, 778-779).

Obviamente, o objetivo das campanhas eleitorais é precisamente não dar


tempo suficiente para a reflexão até o momento da decisão. Buscam sacudir
a opinião pública de modo que a excitação não se enfraqueça até que o
objetivo seja alcançado e consolidado; até que a regulação pretendida tenha
sido incorporada à ordem vigente da lei. Niklas Luhmann descreve o
processo em seu ensaio Public opinion. Um determinado tema político
“chega ao ponto culminante de sua carreira. Os que estão contra devem
recorrer, então, a táticas conciliadoras, a uma aprovação parcial, com
reservas destinadas a ganhar tempo. Os partidários favoráveis devem
procurar inserir a ideia no pressuposto do programa de governo. O tempo
que dispõem é curto. Logo surgem os primeiros sintomas de aborrecimento,
desconfianças, de experiências negativas... Se pouco ou nada resulta das
decisões, todos pensam que pode haver dificuldades futuras e perde-se a
confiança. Pouco depois, perde-se o interesse pelo tema” (Luhmann,
1971,19).

Tabela 18. Sem polarização sobre a questão dos juizes membros do


Partido Comunista____

Ambas as posições, a favor ou contra, coincidem em grande medida na sua


percepção sobre qual é a opinião majoritária. Pergunta: “Independente da sua
opinião, qual opinião acha que é majoritária? A maior parte dos alemães
concorda ou não com a permissão de que membros do Partido Comunista
sejam nomeados juizes?”,_________________
Essa descrição é apropriada apenas para alguns processos breves ou para
algumas modas específicas. Outros processos chegam a levar anos para se
desenvolver, décadas ou até séculos, como por exemplo, o movimento a
favor da igualdade, investigado por Tocqueville a partir de um recorte
temporal de um milênio. Mas as etapas da evolução de um grande tema
podem dar-se segundo o modelo de Luhmann.

Um exemplo de como os juizes e a administração reagem de modo


precipitado diante da pressão da opinião pública que é manifestada como
concepções ou tendências sociais, a respeito de determinadas atitudes, é a
campanha contra fumar na presença de não fumantes. Este assunto teve altos
e baixos, como já pesquisamos e descrevemos com o apoio de entrevistas, no
capítulo 3. Por volta de 1975, porém, a campanha havia crescido tanto que
algumas medidas administrativas já aconselhavam ou exigiam a proibição de
fumar na presença de não fumantes. Um ano antes, 1974, o tribunal regional
de Stuttgart, discordando de sentenças anteriores, concluiu que fumar no
interior de um taxi era uma demonstração de falta de respeito com o taxista.

A situação culminou com a afirmação do Tribunal Superior Administrativo


de Berlim de que os fumantes eram "perturbadores, do ponto de vista legal”.
Joseph Kaiser, jurista de Friburgo, fez o seguinte comentário: "De repente,
sem mais nem menos, o fumante foi relegado a uma categoria definida para
efeitos policiais, ou seja, daqueles que se tornaram caso de polícia por
representarem um perigo social bem definido. Fica submetido, portanto, às
piores consequências legais. A única condição necessária para fundamentar
essa afirmação seria uma prova de que fumantes constituem uma ameaça
clara aos não fumantes. Mas isso é precisamente o que não possuímos”
(Kaiser, 1975, 2236).

Como esta resolução legal foi produzida, neste caso, sem basear-se no uso de
provas empíricas, podemos considerá-la um processo exclusivo de opinião
pública. O comentarista emprega, acertadamente, uma expressão relacionada
à moda quando diz que a proteção dos não fumantes está “em voga”.

A lei deve basear-se no costume


Se olharmos pela perspectiva oposta, vemos que a situação ficou crítica
quando a "opinião majoritária”, a opinião pública, distanciou-se demais da
norma legal e a legislação não se adaptou como consequência. Isso ocorre,
especialmente, quando as normas legais estão de acordo com os valores
morais tradicionais, mas os costumes e a moralidade pública distanciam-se
claramente dos dois. Na atualidade, as pesquisas de opinião produzem o
efeito inegável de acelerar esse processo. Em 1971, uma revista publicou
resultados de Allensbach, confirmando que 46% da população maior de 16
anos reivindicavam maiores facilidades para o aborto. Apenas cinco meses
depois, repetida a enquete de opinião, a porcentagem cresceu de 46 para
56% (Stern, 4 de novembro de 1971, 260). Esta era uma das situações que
Tocqueville tinha em mente quando falava da existência de uma mera
“fachada” quando a opinião pública continua apoiando ponto de vista
mesmo muito tempo depois da derrocada dos valores que a sustentam
(Tocqueville, 1948, 2:262). Enquanto essa perda de valores não se expresse
publicamente, a fachada segue intacta. Mas se a crença nela é derrubada -
como ocorre hoje com os estudos de opinião pública - a sua validade é
exposta imediatamente. Isso pode causar manifestações legalmente
intoleráveis. Neste caso concreto, por exemplo, muitas mulheres acabaram
confessando publicamente que violaram a lei: “sim, eu abortei” (Stern, 3 de
junho, 1971, 16-24). Em última análise, a lei não pode se manter sem o
apoio do costume. A influência no comportamento social humano se dá de
modo mais eficaz por meio do medo do isolamento, o medo da desaprovação
do meio ou algum outro sinal implícito, do que pela formalidade da lei
explícita. O que John Locke chamou de “lei da opinião” e, 200 anos depois,
Edward Ross denominou “controle social”, tem sido objeto de pesquisas
empíricas por cientistas sociais de nosso século. Um desses experimentos era
relacionado aos semáforos. Observou-se o número de pedestres que
atravessava a rua com o sinal vermelho em três diferentes circunstâncias: 1.
Sem qualquer pessoa que estivesse dando mau exemplo; 2. Quando um
homem que parecesse ser de uma classe econômica inferior atravessasse a
rua no sinal vermelho;
 
3. Quando quem atravessava vestia-se como alguém de alto poder
aquisitivo (classe alta). Atores figurantes representavam papéis de
homens de classe baixa e alta, cruzando a rua com o sinal vermelho.
Observou-se um total de 2.100 pedestres. Resultado: sem o exemplo de
um transgressor, somente 1% atravessava a rua no sinal vermelho.
Quando o exemplo de transgressor era de classe baixa, 4% o seguiam.
Já quando o modelo parecia ser de alguém abastado, 14% seguiam seu
exemplo (Blake e Mouton, 1954).

Mudar de opinião de acordo com as leis


A relação entre a lei e a opinião pública também pode descambar na direção
oposta. As leis podem tanto ser mantidas quanto alteradas para influenciar a
opinião pública na direção desejada. Em Discursos sobre a relação entre a
lei e a opinião pública na Inglaterra do século XIX (1905), um estudo
clássico sobre o tema, Albert V. Dicey observou algo que confirmou estudos
posteriores de opinião: a aprovação de uma lei faz aumentar a sua aceitação.
Isso parece, à primeira vista, um fato surpreendente. Ainda mais pelo fato de
Dicey ter chegado a essa percepção sem qualquer estudo empírico. Parecia-o
difícil de explicar. Em nossos dias, partindo de nosso entendimento sobre a
espiral do silêncio, argumentaríamos que o medo do isolamento,
experimentado por quem sustente um ponto de vista, acaba diminuindo
quando a opinião passa a ser respaldada pela lei. A conexão delicada que
existe entre a opinião pública e a legitimação legal é manifestada nessa
tendência'. Dicey formula a seguinte teoria: a lei mantém e cria a opinião
(Dicey, 1962, 4; Lazarsfeld, 1957).

Parece-nos alarmante que leis orientadas na direção desejada possam gerar


opinião pública. Isso pode ser considerado um convite à manipulação, uma
exploração do mandato político da classe governante. Pode-se questionar,
ainda, se diante de um assunto tornado lei, a consequente aceitação pública
terá força suficiente para manter-se ou se a integração que torna viável uma
sociedade pode ser contrária à própria sociedade.

Mas as regulações legais podem ir muito além dos desejos da opinião


pública. E o caso, por exemplo, da reforma penal alemã, de 1975, e da Nova
Lei do Divórcio, de 1977. Da mesma maneira, somente uma minoria - que
incluía jovens de 17 a 23 anos - mostrava-se favorável às novas leis para
regular os problemas de custódia paterna, destinadas a fortalecer os direitos
da criança como a parte mais frágil em uma relação entre adultos. Nossa
pesquisa fez a segunte pergunta: “você acha que o Estado deveria garantir
aos jovens mais direitos diante de seus pais ou isso não é necessário?’*. Os
favoráveis às garantias
somaram 22% e 64% não acreditavam nessa necessidade. O impacto da
Nova Lei do Divórcio, na população, provocou um conflito muito maior
entre lei e moralidade pública. Em julho de 1979, uma enquete de
Allensbach descobriu uma opinião moral muito ativa sobre a realidade da
culpa e o dever das pessoas de serem conscientes de sua própria culpa. A
“Nova Lei do Divórcio” pedia às pessoas, ao contrário, que aceitassem a
opinião de que, em um divórcio, a questão da culpa não é tão importante e
por isso não deveria ter consequências econômicas. Para a maior parte da
população isso era inaceitável.

Das quatro reformas legais avaliadas, a Nova Lei do Divórcio foi a menos
favorecida (tabela 20).

Tabela 20. A relação entre a opinião pública e a lei________________

Exemplo: A reforma da lei do


divórcio._________________________________

Pergunta: “Você acha que a lei deve considerar e incluir o julgamento da


culpa moral pela separação, para permitir, ou não, o divórcio, ou seja, que há
algo a ser culpável nesta matéria, ou esta lei é
ultrapassada?”._______________

«
Isso nos faz lembrar como a relação entre lei e opinião pública era vista por
Rousseau. “Assim como um arquiteto que, antes de levantar um grande
edifício, observa e sonda o terreno para ver se suportará o peso do prédio, o
legislador inteligente não redige leis supostamente boas em si mesmas sem,
primeiro, investigar se o povo ao qual serão destinadas as leis é capaz de
suportá-las” (1953, 46).

Para Rousseau, as leis são “verdadeiros atos de vontade geral” (1953, 98).
Sobre a afirmação de David Hume, de que “o governo só se baseia na
opinião”, Rousseau adverte: “a opinião, rainha do mundo, não está
submetida ao poder dos reis. Eles mesmos são seus primeiros escravos”
(Rousseau, 1976/1960, 73-74).
1

Mais detalhes sobre o tipo de castigo do pelourinho, ver Nagler, 1970;


Bader--Weiss e Bater, 1935; e Hentig, 1954-1955.
2

Fehr, Folter und Strafe im alten Bern, 198; citado por Bader-Weiss e Bader,
1935, 83.

16. A opinião pública integradora


Acabamos de abordar o tema da integração social ao elucidar em que
consiste a opinião pública e qual deve ser a relação entre ela e a lei. Mas será
mesmo que este conceito está assim tão claro para que o possamos utilizar
sem nos preocuparmos com a sua clareza?

A investigação empírica perdura


Em 1950, nos EUA, foi publicada uma avaliação equilibrada sobre a
integração social. Essa avaliação não foi até hoje superada.

Desde o tempo de Comte e de Spencer, os sociólogos têm se interessado pela


integração das unidades menores dentro das totalidades sociais (...). Qual a
diferença existente entre um grupo e uma mera soma de indivíduos? Em que
sentido essa soma pode ser considerada uma entidade única? (...). Como é
possível mensurar a integração social? Em que condições ela diminui? Quais
as consequências de um alto grau de integração? A sociologia necessita de
mais investigação básica sobre este tipo de questões (Landecker, 1950, 332).

A doutrina sobre a integração de RudolfSmend


Werner S. Landecker, cuja obra acabamos de citar, selecionou, dos principais
teóricos da tradição de Talcott Parsons, aqueles que se interessaram pelo
tema da integração e seu papel nos sistemas sociais humanos. Diferente da
escola que dominou o século XX, Landecker procurou procedimentos de
investigação empírica e medição. Ofereceu uma variedade de métodos de
medição. Para ele, sabe-se tão pouco sobre a integração social que não
podemos nem mesmo propor uma medida simples ou geral. "Saber”
significava, para Landecker, possuir um conhecimento empiricamente. Ele
distinguiu quatro tipos de integração e quatro métodos para mensurá-las.
 
1.     Integração cultural: Em que medida o sistema de valores de uma
sociedade permite um comportamento coerente? Ou quantas
contradições - não lógicas, mas práticas - têm suas exigências
apresentadas claramente aos membros da sociedade? Landecker
menciona, como exemplo de exigências contraditórias na sociedade
ocidental, o altruísmo e a tendência da competitividade (1950, 333-335)

2.     Integração normativa: Quais as diferenças estabelecidas entre as


regras de comportamento prescritas em uma sociedade e o
comportamento efetivo dos seus membros? (335-336)

3.     Integração comunicativa: Até que ponto os grupos ou subgrupos


protegem uns dos outros se valendo da ignorância, a avaliação negativa
ou prejuízos sociais, e em que medida os diferentes grupos se
comunicam entre si? (336-338)

4.   Integração funcional: Como os indivíduos são estimulados a atuar


juntos por meio da divisão do trabalho, especialização de papéis e ajuda
mútua, em uma sociedade? (338-339)

Esta lista não menciona a integração que causa a experiência compartilhada:


campeonatos mundiais de beisebol ou futebol, uma série de televisão de três
capítulos que reúna mais da metade da população diante da TV, ou (para usar
um exemplo de 1965) uma viagem da rainha da Inglaterra à Alemanha,
geradora de uma sensação compartilhada de alegria e orgulho nacional.
Além disso, não foi mencionada a moda como meio de integração.

De modo completamente diferente, o jurista Rudolf Smend (1928), abordou


o tema da integração, tentando adaptar sua “doutrina” desde o fim da década
de 1920.

O processo de integração não é totalmente consciente, mas pode ocorrer com


uma regularidade não intencional ou pela mera “astúcia da razão”. Em sua
grande parte, não é regulável de maneira consciente (...) e só é assunto de
reflexão teórica em casos excepcionais (...). Parece-nos que a integração
pessoal é proporcionada pelos lideres, governantes, monarcas e todo tipo de
funcionários públicos (...). A integração funcional ocorre por meio de
diferentes modos de vida coletiva: desde o ritmo primitivo e sensível da
atividade ou movimento comum (...), às formas complicadas e indiretas,
como as eleições (...), cujo significado consciente, à primeira vista, reside na
sequência de determinadas decisões, menos consciente do que urgente, na
criação de uma sociedade política por meio do desenvolvimento da opinião,
dos grupos, dos partidos, das maiorias (...). A integração substantiva refere-
se a todos os aspectos da vida estatal compreendidos como funções do
Estado, mas que, por outro lado, promovem a integração da comunidade.
Este seria o lugar lógico, por exemplo, de uma teoria dos símbolos políticos,
como as bandeiras, os escudos de armas, os chefes de Estado, o cerimonial
político, as festas nacionais (...), os fatores de legitimação política (Smend,
1956, 299-300).

As arbitrariedades do significado de “integração”


Desde que Smend esboçou sua “doutrina da integração” e Landecker
escreveu seu apelo em favor de uma maior investigação empírica a respeito
da integração, não houve progressos neste âmbito. Sem dúvida, isto não é
uma casualidade, mas se deve à falta de pesquisas sobre o medo que o
indivíduo tem do isolamento. No ensaio de Edward Ross sobre o controle
social (1969), há uma observação indicando que o conceito de integração era
rejeitado no final do século XIX, como hoje é rejeitado o de
“conformidade”. Os cientistas sociais do século XX tentaram construir
estruturas teóricas compreensíveis de modo a esclarecer a maneira pela qual
a integração estabilizava a sociedade humana, investigando exaustivamente
as estruturas e as funções de modo abstrato. Mas as pesquisas empíricas lhes
pareciam inteiramente secundárias. De qualquer forma, a reflexão científico-
social orientada empiricamente sobre o tema da integração que encontramos
- e um tratamento suficientemente amplo deveria fixar-se especialmente na
obra de Emile Durkheim - confirma a ideia de que a opinião pública possui
uma função integradora.

Na terminologia de Landecker, a relação é particularmente clara entre a


integração normativa e o papel da opinião pública como “guardiã da
moralidade pública”, tal como foi entendida durante séculos. Portanto,
normas e comportamento real concordam entre si. E o desvio é punido com
o isolamento.

Zeitgeist: o resultado da integração


O termo “integração comunicativa” lembra-nos Tocqueville, para quem a
opinião pública apareceu pela primeira vez na crise da sociedade feudal
segmentada. Dizia ele que, enquanto durou a segmentação, não houve
registro de comunicação global. A capacidade semiestatística observada na
sociedade moderna - a de registrar fielmente o grau de aprovação e
desaprovação das idéias e pessoas-poderia ser considerado

um sintoma de uma maior integração comunicativa. Do mesmo modo, a


sensação de euforia generalizada passível de comprovação empírica antes
das eleições gerais, pode ter algo a ver com as afirmações de Smend: apesar
da função nominal da tomada de decisões, as eleições carregam a função
latente da integração. Landecker questionava: “quais as consequências do
alto grau de integração?”. Aparentemente, a integração gera na maior parte
das pessoas uma sensação de bem-estar. Mas não a todos. Quem ficaria de
fora disso? A pergunta nos remete aos membros de uma vanguarda.
Estivemos muito próximos deste tema anteriormente, quando nos referimos
à discussão de Sócrates sobre as mudanças na música e a forma como este
tipo de mudança nos pode antecipar que novos tempos virão. Esta expressão
-novos tempos ■ * refere-se a algo mais do que aquilo que nos indicam os
dias e horas, relógios ou calendários. A opinião pública está repleta de
sentidos de tempo, diante daquilo que consideramos o espírito de cada época
ou espírito dos tempos, o que bem pode ter relação com grandes avanços no
campo da integração social. Goethe via claramente um processo bem
sucedido de integração como uma espécie de espiral do silêncio, em sua
famosa descrição: “quando um dos lados se levanta, se apodera da multidão
e se emancipa ao ponto de opor-se a ela, deve retirar-se a um canto e, ao
menos por algum tempo, refugiar-se no silêncio, daquilo que é chamado de
espírito dos tempos (Zeitgeist), que, durante um tempo, impõe a sua moda”
(Goethe, 1964, 705).

O primeiro tipo de integração identificado por Landecker, a integração


cultural, podería ser pesquisada com base na origem dos sistemas de valores,
quando as pessoas eram colocadas diante de velhas e novas exigências
mescladas de modo inconciliável. Naquelas condições, os processos de
opinião pública não funcionavam?

Em períodos de risco à sociedade, a pressão social


da opinião pública é mais forte
A pesquisa de opinião por meio de entrevistas, quando usada para
compreender o processo de opinião pública, é pouco eficiente para responder
à pergunta que fizemos. Há um sintoma, porém, que aponta para a seguinte
relação: quando a sociedade está em crise, ocorre um aumento da pressão
para a conformidade social. Recordamos novamente a descrição de
Tocqueville sobre a democracia norte-americana e sua queixa a respeito da
tirania implacável da opinião pública. Isto se deve, explica ele, ao
predomínio da crença na igualdade juntamente com o baixo reconhecimento
da autoridade. Autoridade proporciona, ao menos, alguma orientação. Nestas
circunstâncias, pensava Tocqueville, as pessoas não encontram outra solução
a não ser confiar na opinião da maioria. Por outro lado, essa situação
delicada que advém da fusão de várias culturas diferentes em uma mesma
sociedade, poderia explicar o rigor dos mecanismos de opinião pública
observados por Tocqueville nos Estados Unidos. Com um menor grau de
integração cultural, como o que poderiamos supor existir em sociedades
ideais, aumentaria a necessidade por essa integração. Aplicando essa tese a
situação atual, poderiamos supor que, dadas as transformações nos sistemas
de valores, há um nível menor de integração cultural e, portanto, uma
necessidade iminente de integração. Essa necessidade vem acompanhada de
uma maior tensão social, resultando em uma ameaça maior de isolamento
para o indivíduo. Dessa forma, existem circunstâncias nas quais a ação da
opinião pública pode tomar-se visível. Como já demonstramos
anteriormente, todas as contribuições importantes à noção de opinião pública
foram possíveis a partir de períodos revolucionários. No entanto,
continuamos refletindo sobre a relação entre opinião pública e integração em
um território pouco investigado. No capítulo 3, dissemos que Stanley
Milgram, ao tentar identificar em outros povos a existência de índices de
conformidade comparáveis aos observados nos EUA por Asch, escolheu
para a sua investigação dois países cujas sociedades o pareceram bastante
diferentes: a França, onde se valorizava o individualismo, e a Noruega, onde
pareceu haver um nível de coesão social particularmente alto (Eckstein,
1966). Apesar de em ambos os países prevalecer o medo do isolamento nos
indivíduos investigados, a conformidade pareceu maior na amostragem
norueguesa. Isso confirmava aquilo que Tocqueville não se cansava de dizer:
quanto mais igualdade existe, mais pressão se espera da opinião pública. Em
circunstâncias mais igualitárias parece necessário aderir-se à opinião da
maioria, diante da falta de outras pistas sobre qual o juízo correto. Não há
princípio hierárquico ao qual se pode recorrer. Com os meios atuais de
pesquisa empírica, observamos que a pressão social não advém
necessariamente de uma maioria matemática, mas da oposição entre a firme
convicção que um grupo possui sobre suas próprias crenças e o forte medo
do isolamento existente em outro grupo.

Não podemos esperar uma relação simples entre o grau de integração e a


pressão da opinião pública. Assim, nos perguntamos: seria a “igualdade” da
sociedade norueguesa a causa de uma pressão tão poderosa para a
conformidade ou, pelo contrário, há outro motivo para tal pressão que, por si
mesma, acaba causando essa igualdade? Afinal, um meio ambiente
contraditório pode ameaçar a integração de uma sociedade, assim como as
ameaças naturais a que estão habituados os membros de uma tribo que viva
da incerteza da caça? Talvez o grau de perigo a que uma sociedade está
exposta, seja interno ou externo, seja a chave para compreendermos: um
maior perigo exige maior integração, e a integração de fortalece por meio da
exaltação da opinião pública.

17. Revolucionários, hereges e


contestadores: os desafiadores da
opinião pública
A opinião pública, como a temos descrito - um fenômeno psicossociológico
baseado no medo do isolamento do indivíduo - pode ser chamado apenas de
uma pressão para a conformidade social? A teoria da espiral do silêncio
podería explicar somente a origem e desenvolvimento da opinião pública e
não as suas possíveis transformações?

Aqueles que não temem o isolamento podem


transformar a opinião pública
Até agora nos concentramos nos indivíduos que agem por cautela, devido o
medo do isolamento social. Vamos agora lançar um olhar em outra direção,
para um grupo mais complexo: o grupo dos que não temem o isolamento ou
estão dispostos a pagar esse preço. São os fundadores da nova música,
pintores como Chagall, cujo quadro O estábulo retratava uma vaca gordinha
atravessando o telhado de uma casa e espreitando sua volta. Ou pensadores
com John Locke, que afirmava que os homens apenas observavam os
Mandamentos de Deus ou as leis do Estado, mas que fariam o que estivesse
ao seu alcance para cumprir à risca a lei da opinião. Poucos séculos antes,
porém, esta ideia os condenaria à fogueira. Entre esses personagens estão os
hereges, aqueles que tentaram responder às necessidades de sua época, mas
que acabaram sendo anacrônicos e constituem uma forma de opinião pública
compacta. Os desviados. Lembremo-nos do título de um ensaio: “Heróis,
vilões e loucos como agentes do controle social” (Klapp, 1954); em termos
modernos, “o louco”. No entanto, não é o caso de interpretar a relação entre
conformistas e discordantes simplesmente como uma acentuação do sistema
de valores e regras válidas da sociedade por aqueles que são expostos à
execração pública. O conceito da espiral do silêncio reserva a possibilidade
de transformar a sociedade aos que não têm medo do isolamento ou de
alguma forma o superaram. “Tenho que aprender a suportar a censura e a
humilhação”, escreveu Rousseau (citado em Harig, 1978). O alto nível de
consenso é visto como uma fonte de felicidade, um lugar de refúgio e
segurança para a maioria da humanidade, horrorizada com artistas,
pensadores e reformadores que buscam transformar o futuro. Em 1799,
Friedrich Schlegel descreveu-nos um possível monstro:

Parecia cheio de veneno. Em sua pele transparente brilhavam cores, e se


viam suas entranhas que se retorciam como vermes. Era suficientemente
grande para inspirar o temor, abria e fechava garras como as de um
caranguejo que cobriam seu corpo. Ora saltava como uma rã, ora deslocava-
se com espantosa agilidade usando um enxame de inumeráveis patas. Dei a
volta, aterrorizado; mas, como me seguia, arrisquei acertá-lo com um
poderoso golpe com o qual foi convertido a uma mera rã. Assombrou-me
imensamente e ainda tomou a crescer atrás de mim, quando ouvi alguém
dizer: “É a opinião pública...” (Schlegel, 1799, 40-41).

Por outro lado, o cidadão honesto possuía razões para ficar estremecido
quando, na década de 1970, por exemplo, começou a aparecer jovens de
cabelos compridos. O cidadão geral parecia saber que quem não tem medo
do isolamento social terá fatalmente o poder de destruir a ordem das coisas.

Pioneiros preocupam-se com a esfera pública tanto


quanto os sonâmbulos
Umatipologiadeinovadoresdevecuidardedistinguirosvanguardistas segundo
as suas relações com o público. Há muitos artistas e cientistas que abrem
caminho para a novidade. A compreensão ou hostilidade com que são
socialmente recebidos busca exercer influência nas suas ações. Os
reformadores são diferentes. Se quiserem transformar o modo de pensar ou
comportar-se na sociedade, precisam saber enfrentar um público hostil, já
que necessitam do público para fazer a sua campanha. De qualquer forma, as
hostilidades os fazem sofrer. Parece haver um segundo tipo de reformador -
com pretensões mais ou menos ambiciosas - para o qual a provocação do
público converte-se quase em um objetivo em si mesmo, em um modo mais
intenso de existência. A violência do público parece ser melhor do que a
indiferença, porque ao menos assim receberão atenção. A extraordinária
difusão da opinião pública pelos meios de comunicação no século XX
proporciona uma infinidade de exemplos contemporâneos. O serviço secreto
israelense descreveu o líder terrorista Wadi Hada referindo-se à sua
satisfação quase mística diante do isolamento do resto do mundo, fazendo
com que considerasse como válidos e irrefutáveis apenas os seus próprios
preceitos e leis1. O diretor de cinema Rainer Wemer Fassbiinder, por sua
vez, fez a seguinte afirmação sobre um de seus filmes: “Devo ter, sem
dúvida, o direito de me realizar de maneira adequada as minhas próprias
enfermidades e o meu desespero. Necessito da liberdade de reflexão pública
sobre mim mesmo” (Limmer, 1976, 237). Já não é mais a questão de
aprovação ou desaprovação. Estamos falando do estímulo e voracidade
proveniente do contato com o público, de arrancar-se da mediocridade da
existência individual. Diante de tal embriaguez com a exposição pública,
tomada uma verdadeira droga viciante, o que poderia provocar tal excitação?
Possivelmente, uma adrenalina provocada pela consciência do perigo do
jogo da opinião pública. Um perigo invariavelmente mortal que culmina
com a expulsão da sociedade.

Dor ou prazer: dois modos de levar a vida pública


Com a mesma facilidade, encontramos exemplos no século XVI, se
compararmos Martin Lutero com Thomas Müntzer55. Lutero encontra
evidente sofrimento com a sua exposição pública, mas não vê outro caminho
senão o de expor-se à condenação pública. Enfrenta aquilo que não é capaz
de evitar: “embora alguns me desprezem imediatamente, (...) outros nada
dizem”, escreveu. “Mas precisamente por que se calam, eu devo falar”56. Ele
descreve a velocidade com que a sua mensagem se difundiu no país. “Em 14
escassos dias, atravessou toda a Alemanha”, escreveu, embora com pouca
esperança sobre tal proeza de publicidade. Considerava-o uma “tormenta
passageira”. Mais tarde, em uma descrição mais otimista, insinuou sua
própria incapacidade e crença no poder da publicidade: “Eu não queria a
fama, já que, como mencionei, eu mesmo não sabia qual seria o preço dela.
A canção era aguda demais para a minha voz”.

Thomas Müntzer representa o outro lado da questão. Ele também foi um


atento observador do fenômeno da opinião pública. “Em todo o país, a
agitação toma também os pensamentos (...), é preciso pôr ordem o quanto
antes (...). Mas por onde começar? Por onde o interior converte-se em
exterior: nos modos. Afinal, se é comum mudar a opinião como se muda de
roupa, simplesmente há que se proibir que se troque de roupa e, quem sabe,
sejam reprimidas, assim, as mudanças indesejadas de opinião57”.

Assim como sabemos que a ninguém é dado controlar as inovações musicais


da cultura, vemos também, quando ouvimos essas notas de Thomas Müntzer,
a sua certeza de que os modos e roupas usadas irão mudar, queiramos ou
não. Em contraste com Lutero, o olhar fiscalizador do público não o faz
sofrer. Pelo contrário, fascinado, embora perceba claramente o seu perigo - e
talvez precisamente por isso. “O temor de Deus deve ser, na verdade, puro,
sem o temor dos homens ou de qualquer criatura, pois os tempos atuais são
perigosos e os dias malignos” (Streller, 1978,186). Será um traço
característico de uma relação um tanto libidinosa com a esfera pública, o
fato de dar voz ao espírito do tempo sem ser capaz de expressar qualquer
programa construtivo a seu respeito? Os historiadores acabam concluindo
que uma música de Thomas Müntzer poderia ter efeitos sociais destrutivos
(Dülmen, 19772).

Não foi ainda elaborada uma tipologia das formas de relação entre o
indivíduo e a esfera pública. A falta de pesquisas empíricas deixa-nos em
uma situação incerta sobre o aguerrido grupo dos que não têm ou venceram
o medo do isolamento social. Sabemos apenas que esse grupo empurra a
sociedade para a transformação e que a espiral do silêncio é mais sutil para
eles. A opinião pública, que para muitos significa a pressão para a
conformidade, é para os destemidos o palco da mudança.

Por que e quando a música se transforma?


Como uma corrente de vento invencível, a opinião pública parece
independente da direção dos ventos, como algo que tem o “volume e a
extensão de uma maré” (Ross, 1969,104). Esta linguagem nos remete a
movimentos fatais, de fato tão poderosos quanto forças da natureza. Mas não
saberiamos compreender como surgem as novidades. Podemos sustentar,
como Niklas Luhmann, em seu ensaio sobre a opinião pública, a existência
de crises ou sintomas de crise (Luhmann, 1971, 9), como quando, por
exemplo, um rio que sempre fora cristalino que, em dada manhã, aparece
turvo. A princípio, provoca um simples estranhamento individual de quem o
percebe. Em seguida, a percepção de uma crise acha-se expressa em um
livro, inclusive em seu título, Silent Spring3. Ou, ainda segundo Luhmann
(1971, 17), pode constituir-se de uma ameaça ou agressão contra valores
mais transcendentes. A explosão radical da opinião pública de agosto de
1961 contra o governo de Konrad Adenauer [chanceler alemão democrata-
cristão], imediatamente após a construção do Muro de Berlim, não poderia
ser prevista porque havia sido ignorado o objetivo final da “nação”. O que
aconteceu depois foi, por isso, inesperado: “A novidade implica
importância”. A dor, ou tudo o que a possa substituir para a civilização, pode
ser destruidora. Luhmann menciona “os prejuízos econômicos, situações de
incerteza, especialmente as mensuráveis e comparáveis” (Luhmann,
1971,17).

Mas nenhuma crise ou ameaça explicaria o motivo pelo qual o tema da


liberação da mulher adquiriu tamanha força na opinião pública durante as
décadas de 1960 e 70.

Por que e quando a música se transforma?


 

18. O estereótipo como meio de


difusão da opinião pública: Walter
Lippmann
Avançando ao século XX, quando o significado da opinião pública havia
sido completamente esquecido, apareceram duas obras que levavam em seus
títulos as palavras “opinião pública”. Uma delas era o ensaio de Luhmann
(1971) que citou o conceito frequentemente. A outra foi o livro publicado
em 1922 por Walter Lippmann. Ambas as obras revelaram aspectos
desconhecidos da dinâmica desse fenômeno e ambas insistiam na relação
entre opinião pública e o jornalismo. O livro de Lippmann não tinha
precedente. Embora se intitule Opinião pública, tem pouco a ver diretamente
com o tema. Na verdade, a definição de opinião pública representa uma das
poucas passagens soltas do livro. “As imagens em nossas mentes, as
imagens de nós mesmos, dos demais, de suas necessidades, intenções e
relações, são suas opiniões públicas. As imagens com relação à forma como
agem os grupos de pessoas ou indivíduos que agem em nome de grupos na
sociedade, são a opinião pública em maiúsculas” (Lippmann, 1965, 18). É
bem possível dizer-se, após a leitura desse livro: “continuo sem saber o que é
opinião pública”.

Um livro revelador
O que tem de tão especial este livro ao ponto de, cinquenta anos após a
publicação original, ter sido reimpresso em capa dura nos Estados Unidos
(1965) e, quase simultaneamente, na Alemanha (1964)? De fato, é um livro
revelador. Apresentando-se contrariamente ao modo como, em geral, as
pessoas gostariam de ver as coisas, o livro permanece, hoje, tanto tempo
depois da sua primeira publicação, um livro atual. No entanto, por algum
motivo, ele não foi incorporado ao pensamento do meio intelectual.
Lippmann desmascarou nosso autoengano racionalista sobre como
supostamente nos informamos e formamos juízos responsáveis pelo
guiamento de suas ações no mundo moderno. Afinal, diriamos de nós
mesmos: o fazemos com maturidade e tolerância, observando, pensando e
julgando como cientistas no esforço incessante de examinar objetivamente a
realidade, auxiliados, em nosso esforço, pelos meios de comunicação. A essa
formidável ilusão, contrapõe-nos uma realidade completamente diferente,
mostrando como as pessoas realmente formam suas concepções, como
seleciona partes das mensagens que o chegam, como as processa e as
retransmite. Lippmann descreve, de passagem, fenômenos que a psicologia
social empírica e a investigação da comunicação levaram décadas para
confirmar. Em todo o livro de Lippmann, não é encontrada uma única ideia
sobre o funcionamento da comunicação que não tenha sido, algum dia,
verificada em esforços de laboratório e de campo.

Depois da tempestade
Ao mesmo tempo, Lippmann não trata daquilo que aqui entendemos como
opinião pública em relação com a espiral do silêncio. Ele nada disse a
respeito do papel da pressão para a conformidade ou o estabelecimento do
consenso, tampouco sobre o medo do isolamento das pessoas e a vigilância
atemorizante do meio. Ainda assim, a tremenda influência da Primeira
Guerra Mundial permitiu a Lippmann identificar a pedra angular da opinião
pública: a cristalização das concepções e as opiniões baseadas em 4
estereótipos”, com sua carga emocional (1965, 85). Lippmann era jornalista
e conhecia essa expressão, que remetia para ele ao familiar mundo
tecnológico da impressão de tipos gráficos no jornalismo, na qual o texto é
escrito com um molde rígido - na impressão por offset ou de tipos - que
permite ser reproduzido indefinidamente. Assim, também os estereótipos
favorecem a eficácia dos processos de opinião pública. Compreende-se
rapidamente as conversas e se transmite imediatamente associações
negativas ou, em alguns casos, positivas. Orientam a percepção, atraindo a
atenção para alguns elementos - normalmente negativos - e produzindo uma
percepção negativa. Os estereótipos também podem provocar o fracasso
político de candidatos a cargos importantes. O candidato à presidência dos
EUA, George Romney utilizou a expressão “lavagem cerebral” para
descrever sua própria aceitação de certas afirmações sobre a guerra do
Vietnã. A partir de então, aplicavam-no o estereótipo de que era facilmente
manipulável. Na corrida presidencial de 1980, o candidato Brown, então
governador da Califórnia, deixou de ser o favorito quando a imprensa
começou a chama-lo de “govemor Moonbeam” (governador raio da Lua),
devido suas opiniões futuristas e seu interesse na exploração espacial.
Lippmann escreveu: “Aquilo que se faz com os símbolos que, em dado
momento, carregam a sensibilidade pública, controlará os caminhos da
política pública” (1965,133).

Os estereótipos pairam, como nuvens de uma tempestade, sobre a paisagem


da opinião pública durante um tempo e, em seguida, podem desaparecer para
sempre. O comportamento das pessoas, inclusive dos políticos, que vivem
abaixo das nuvens da tempestade será incompreensível para aqueles que
vierem depois. Mesmo alguém que um dia tenha estado sob elas, será
incapaz de descrever o que houve, passada a tempestade. Assim, terá que
buscar uma explicação alternativa.

O livro de Walter Lippmann mostra que, por meio dos estereótipos, a


opinião pública penetra em tudo “como o ar que nos rodeia, desde o quarto
mais oculto da casa até os terraços do trono”, segundo a descrição de Ihering
(1883, 180). A opinião pública, diz Lippmann, pode dissolver-se totalmente
com o passar do tempo, algo que descrevia para seus leitores a partir da
própria experiência após a Primeira Guerra Mundial. Conta como se
formaram os estereótipos positivos e negativos: “Juntamente do culto ao
herói nós encontramos o exorcismo dos demônios. O mesmo mecanismo que
faz de homens heróis, cria também os demônios. Se todo o bem viria de
Joffre, Foch, Wilson ou Roosevelt, todo o mal espera-se do Kaiser Wilhem,
Lênin e Trotsky” (Lippmann, 1965, 7). Mas, mais adiante, acrescenta:
“Recordemos, com que rapidez desapareceu, depois do armistício, o símbolo
precariamente consolidado dos aliados da Primeira Guerra, e como, depois
deste, ruía a imagem simbólica que cada nação tinha das demais: o Reino
Unido, o defensor da Lei Pública; França, vigilante da liberdade; os Estados
Unidos, os cruzados. Recordemos como acabou desgastada, depois, a
imagem simbólica que as nações tinham de si mesmas no avançar dos
conflitos internos de classe e partidários, a ambição pessoal começava a
remexer todos os temas internos. Como foram apagando-se as imagens
simbólicas dos líderes quando, um por um, Wilson, Clemenceau, Lloyd
George, deixaram de encarnar a esperança humana e converteram-se em
meros negociadores, administradores da desilusão global” (Lippmann, 1965,
8).

As imagens em nossas cabeças, um pseudoambiente


cuja realidade cremos plenamente
A grande superioridade de Lippmann sobre outros autores que trataram da
opinião pública, ao longo do século XX, foi o seu realismo, sua concepção
bem fundamentada sobre o entendimento e as emoções humanas. Auxiliou-o
muito o fato de ser jornalista. Captou de modo agudo a diferença entre as
percepções obtidas em primeira mão pelas pessoas e aquelas que procedem
de outras fontes, especialmente dos meios de comunicação. Ele percebeu
como não nos damos conta dessa diferença, porque as pessoas não são, em
geral, conscientes dessa diferença. Notou a tendência a adotarmos a
experiência indireta e adaptarmos nossas concepções a ela, em detrimento
das experiências diretas. Diretas e indiretas tornam-se, assim, inseparáveis.
Conclui daí que a influência dos meios de comunicação seja em grande parte
inconsciente.

O mundo que temos que considerar está politicamente fora de nosso alcance,
fora de nossa visão de compreensão. Tem que ser explorado, relatado e
imaginado. O homem não é um Deus aristotélico contemplando o mundo
numa olhadela. É uma criatura da evolução que pode abarcar somente uma
porção suficiente da realidade que administra para a sua sobrevivência, e
agarra o que na escala do tempo são alguns momentos de discernimento e
felicidade. E ainda assim esta mesma criatura inventou formas de ver o que
nenhum olho nu poderia ver, de ouvir o que ouvido algum poderia ouvir, de
considerar massas imensas assim como infinítesimais, de contar e separar
mais itens que ele pode individualmente recordar. Está aprendendo a ver
com sua mente vastas porções do mundo que ele não podia nunca ver, tocar,
cheirar, ouvir ou recordar. Gradualmente ele cria para si próprio uma
imagem credível em sua cabeça do mundo que está além do seu alcance
(Lippmann, 2008, 40)4.

"Como é pequena a proporção de nossas observações diretas em comparação


com as observações que nos são transmitidas pelos meios”, reflete
Lippmann. Mas este é somente o começo de uma cadeia de circunstâncias,
cada uma delas, capaz, de um modo ou outro, de distorcer a imagem do
mundo que as pessoas têm na cabeça. Fazer uma imagem da realidade é uma
tarefa impossível “porque o real é grande demais, complexo demais e
demasiado fugaz para que possa ser conhecido diretamente. Não estamos
preparados para nos deparar com tamanha sutileza, variedade, relações e
combinações. E ainda que tenhamos que atuar nesse meio, nós devemos
reconstruí-lo, a partir de um modelo mais simples, antes de poder confrontá-
lo” (Lippmann, 2008, 34). Cinquenta anos depois, Luhmann tratou deste
tema sob o título “A redução da complexidade”.

A uniformidade das regras de seleção do jornalista


Como acontece esta reconstrução da realidade? Existe uma seleção rigorosa:
ao que se refere e o que se percebe ordena-se em passos sucessivos, como
represas de um rio, segundo propõe em finais dos anos 1940 o psicólogo
social Kurt Levin (1947), que cunhou a expressão gatekeeper (guardião ou
guarda de portal). Os guardiões decidem o que será levado ao público e o
que o será negado. Como diz Lippmann “Qualquer periódico que chega a
um leitor é o resultado de uma série de seleções”. As próprias circunstâncias
- a estrita limitação de tempo e de atenção - impõem a necessidade de uma
seleção. Lippmann descreveu, a partir dos primeiros estudos realizados sobre
a leitura, que o leitor dedica cerca de quinze minutos diários ao jornal diário.
Com sua aguda percepção do futuro, como jornalista, foi além do alcance
das pesquisas e antecipou previsões mais de uma década antes da fundação
do Instituto Gallup, dos EUA. Adiantando-se sobre um campo de estudo das
ciências da comunicação que foi muito importante durante as décadas de
1950, 60 e 70, Lippmann explicou o que os jornalistas consideram “valores
de noticiabilidade” em sua seleção (veja também Schulz, 1976): um tema
claro que possa ser comunicado sem gerar imprecisões, conflitos,
superlativos. O que for surpreendente, algo que gere identificação no leitor
por falar a ele de modo próximo física ou psicologicamente; aquilo que afeta
pessoalmente; o que evoca consequências para o leitor (Lippmann, 2008).

Como todos os jornalistas aplicam quase as mesmas regras de seleção, eles


criam certo consenso em suas informações, o que gera uma suposição de
confirmação no público. Assim, forma-se aquilo que Lippmann chama de
pseudoambiente.

Lippmann não repreende o público, não culpa os jornalistas. Limita-se a


possibilitar evidências do surgimento de uma pseudorealidade. Arnold
Gehlen (1965,190,191) referiu-se, mais tarde, ao Zwischenwelt,  o 'mundo
intermediário”.

As pessoas com diferentes atitudes veem os mesmos


fatos de maneira diversa
A psicologia social e a pesquisa de comunicação, que começaram em
meados da década de 1940, descobriram o conceito de percepção seletiva5.
As pessoas buscam ativamente evitar a dissonância cognitiva e manter uma
imagem harmônica do mundo. A percepção seletiva, junto da necessidade de
reduzir a complexidade cognitiva, se toma a segunda fonte inevitável de
distorção da percepção da realidade e de sua comunicação.

Estou argumentando que o padrão dos estereótipos no centro de nossos


códigos determina largamente que grupo dos fatos nós veremos, e sob que
luz nós os enxergaremos. Por causa disso, com a melhor boa vontade do
mundo, a política noticiosa de um jornal tende a apoiar sua política editorial,
porque um capitalista vê um conjunto de fatos e certos aspectos da natureza
humana, literalmente os vê; seu oponente socialista vê outro conjunto e
outros aspectos, motivo pelo qual cada um considera o outro irracional ou
perverso, quando a diferença real entre eles é a diferença de percepção
(Lippmann, 2008, 120).

Lippman baseia todas as suas observações na observação da imprensa.


Imaginemos o quanto seriam válidas as suas idéias na era da televisão6*!
Atualmente, a proporção de realidade que é transmitida aos indivíduos
através dos meios de comunicação, se comparados com as observações
originais, multiplicaram-se por um fator considerável (Roegele, 1979, 187),
e o mundo distante e complexo, cada vez mais visível e audível, flui com
ainda mais força unido às observações pessoais de primeira mão. Captamos
diretamente os conteúdos emocionais - bons e maus - por meio de imagens e
sons. Essas impressões emocionais são duradouras e conservam-se para além
dos argumentos racionais, como podemos ler em Lippmann7.

Após as eleições federais alemãs de 1976, iniciou-se um debate um tanto


anacrônico sobre a possibilidade de a televisão influenciar no clima de
opinião prévio nas eleições. Não se tratava de manipulação, já que os
jornalistas só informavam aquilo que realmente viam. 0 aparente consenso
vindo de uma realidade midiática unilateral só pode ser evitado quando
jornalistas com diversas perspectivas políticas apresentam ao público seus
pontos de vista. Considero o debate de 1976 anacrônico, pois poderia ter se
desenvolvido antes da aparição do livro de Lippmann. Mas ocorreu mais de
50 anos depois somente porque Lippmann e todas as confirmações
posteriores realizadas por pesquisas de comunicação foram ignoradas.
“Limitamo-nos a dizer as coisas como são”. Esta frase, utilizada
repetidamente por jornalistas, continua sendo usada para descrever sua
atividade. Ela é inadmissível tanto tempo após a publicação do livro de
Lippmann. Por este motivo, o famoso slogan do New York Times “Todas as
notícias que podem ser impressas”8, deve ser estimado somente por suas
associações históricas. Poderia ser uma boa ideia, de tempos em tempos,
obrigar os jornalistas a reorganizarem os fatos e opiniões publicados
colocando em primeiro plano aquilo que se publica, como naqueles famosos
desenhos usados na psicologia da percepção que buscam ilustrar a relação
entre a figura e o fundo. Essa mudança de perspectiva deveria ser possível

ao menos ocasionalmente e seria necessária de ser praticada. Assim, os


jornalistas não se encanariam sobre os efeitos de sua profissão com os
argumentos de que "o que escrevi é a verdade” ou “o público achou
interessante”. Afinal, o que é que geralmente fica de fora das notícias?
Lippmann conclui que as consequências das notícias mudam de acordo com
o aspecto da complexidade do real ressaltado para o público. Longe de
emitir um juízo moral adverso sobre essa situação, considera positivos os
estereótipos - um detalhe esquecido imediatamente pelos que repetiram suas
idéias -, já que só uma simplificação substancial permitiría às pessoas
dividirem sua atenção com os muitos temas para não precisar contentar-se
com um horizonte restrito.

Aquilo que não foi contado não existe


Lippmann busca, obstinadamente, esclarecer as consequências desse
processo de seleção. Aquilo que procede das imagens simplificadas da
realidade é a realidade experimentada, de fato, pelas pessoas. As "imagens
em nossas mentes” são a realidade (2008, 21). Não importa qual seja,
verdadeiramente, a realidade, porque somente valem as nossas suposições
acerca dela. Somente elas determinam as expectativas, esperanças, esforços,
sentimentos; só elas determinam o que fazemos. Nossas ações, por sua vez,
são ainda mais reais, de modo que, gerando consequências reais, criam
também novas realidades. Uma possibilidade é que a profecia se autorealize,
que nossas expectativas sobre a realidade se realizem por causa da nossa
própria ação. Outra possibilidade é um choque: ações geradas por suposições
falsas produzem efeitos completamente inesperados, mas inegavelmente
reais. A realidade acaba se reafirmando; mas quanto mais demora a ocorrer,
maiores serão os riscos: no fim, acabamos nos vendo obrigados a corrigir "as
imagens em nossas mentes”.

Do que é feito o "pseudoambiente” referido por Lippmann? Qual é o


pavimento utilizado no poderoso processo de cristalização da realidade?
Estereótipos, símbolos, imagens, ficções, versões estereotipadas, "o modo
corrente de pensar as coisas”... Lippmann sobrecarrega o leitor com palavras
cunhadas para tornar inteligível o material de que são feitos os
pseudoambientes. “Por ficções não quero dizer mentiras”, escreve (2008,
30). Com entusiasmo, adota o conceito marxista de “consciência”. Os
jornalistas só podem se referir ao que são capazes de perceber desde suas
consciências. O leitor só pode completar e explicar o mundo através de uma
consciência que tenha sido criada em grande parte pelos meios de
comunicação. Algumas pessoas, ao saberem que a televisão havia
influenciado o clima de opinião na campanha eleitoral de 1976, concluíram
que os informadores da TV os haviam enganado, “manipulando-os”; essas
pessoas foram além do seu próprio tempo em sua compreensão sobre os
efeitos dos meios de comunicação de massa. É preciso reconhecer, ainda
assim, que as conclusões a que Lippmann chegou tão facilmente, têm sido
abordadas, pouco a pouco, com certa dificuldade pelos investigadores atuais
da comunicação.

Uma quadrinha de jornal, publicada no Saturday Review, mostra pai e filho


dialogando. O pai está sentado em sua poltrona, o filho o importuna com
perguntas fúteis: “papai, se uma árvore cai no bosque e os meios de
comunicação não estão lá para contá-lo, será que a árvore caiu de verdade?”.
O cartoon, de autoria de Robert Mankoff, parece nos indicar que a
investigação da comunicação e o público geral estão chegando ao nível
referido por Walter Lippmann. O que não é contado não existe; pelo menos
suas possibilidades de fazer parte da realidade percebida são mínimas. Um
pesquisador alemão de comunicação, Hans Mathias Kepplinger, empregou a
realidade objetiva, que existe fora de nossa consciência, e a
“pseudorealidade” percebida, imaginada, de Lippmann, como conceitos
complementares no título de seu livro de 1975, Realkultur und Medienkultur
(A cultura real e a cultura midiática). A cultura midiática consiste no que foi
selecionado do mundo e oferecido a nós pelos meios de comunicação. Como
o mundo real não está ao nosso alcance, a nossa vista, a realidade midiática
seria a única perspectiva sobre o mundo.

Os estereótipos transmitem a opinião pública


Por que Lippamnn teria usado o título de sua obra como Opinião Pública?
Talvez ele estivesse inconscientemente convencido - sem dizê-lo
explicitamente como seus colegas jornalistas, de que opinião publicada e
opinião pública são basicamente a mesma coisa. Pelo menos as suas
descrições de ambas confundem-se frequentemente. Em um ponto já
avançado de seu livro, a lembrança do significado original da opinião
pública surge e acrescenta uma segunda definição à do primeiro capítulo: “a
teoria mais ortodoxa sustenta que a opinião pública é um juízo moral sobre
um conjunto de fatos”. O caráter moral da opinião pública - a aprovação e a
desaprovação - conservou seu lugar central. Mas Lippmann modificou a
perspectiva tradicional à qual aplica o descobrimento que tanto o fascina: a
observação dos fatos é filtrada, inclusive moralmente, por pontos de vista
seletivos, pontos de vista guiados por estereótipos ou códigos. Vemos o que
esperamos ver e as avaliações morais são canalizadas pelos estereótipos,
ficções e símbolos carregados de emoção. O panorama limitado sob o qual
vivem as pessoas constitui o tema central para Lippmann. Para nós, ainda
assim, seu maior êxito foi em mostrar como é transmitida e como é imposta
a opinião pública. O estereótipo, seja ele negativo ou positivo, é tão conciso
e pouco ambíguo que permite a todos saber quando falar e quando calar. Os
estereótipos são indispensáveis para pôr em prática o processo de
consentimento.
 

19. A opinião pública seleciona os


temas: Niklas Luhmann
Parece quase inacreditável que os apontamentos de Luhmann passaram
despercebidos por Lippmann, já que ambos trabalharam e refletiram
praticamente sobre os mesmos temas. Ambos descreveram como ocorre o
consenso social, a simplificação que torna possível a ação e a comunicação.
Suas obras são muito semelhantes, diferindo-se apenas pelo vocabulário
empregado: em lugar de “estereótipo”, Luhmann fala da necessidade de
encontrar “fórmulas verbais” para dar início ao processo de opinião pública
(1971, 9). Ele afirma que a atenção é efêmera (15), e que pessoas e assuntos
devem definir-se na consciência pública de modo eficiente. Os meios de
comunicação criam “pseudocrises” e “pseudonovidades” (25) de modo a
expulsar temas concorrentes do campo de batalha. Estes estímulos precisam
ser oportunos de modo mais pertinente possível àquele momento. A
coerência ou proximidade com a moda se evidencia de muitas formas (18):
um tema é criado como a última moda de mangas e, em seguida, quando
tudo já foi dito sobre ela, sai de moda. O tema fica obsoleto, assim como
ficam obsoletos os modelos de manga. Os que permanecem usando o estilo
demonstram não estar na moda. O vocabulário da moda dissimula e distorce
a relèvância do que realmente acontece.

Tornar temas dignos de discussão


Luhmann mantém-se distante dos que escreveram sobre opinião pública
antes dele: Maquiavel, Montagne, Locke, Hume, Rousseau e até Lippmann.
O seu tema não é a moralidade baseada na aprovação ou desaprovação. As
“fórmulas” não são utilizadas para classificar claramente o que é bom ou
mau. Pelo contrário, são artifícios necessários para saber quando um tema é
digno de discussão ou negociado (Luhmann, 1971, 9). Para Luhmann, a
opinião pública cumpre sua função quando leva um tema à mesa de
negociação. O sistema social não pode confrontar-se com muitos temas de
uma só vez, mas pode ser como uma questão de vida ou morte tratar dos
temas que se tornam urgentes. Processos de opinião pública, pois, são
responsáveis por regular o foco da atenção pública. A atenção geral orienta-
se durante um curto período sobre uma questão premente e, nesse curto
tempo, deve-se encontrar uma solução, já que no campo da comunicação de
massa são esperadas mudanças rápidas de interesse (12).

Para Luhmann, a grande conquista da opinião pública consiste na seleção


das questões, o que se desenvolve de acordo com “regras de atenção”
suscetíveis a análises. Em primeiro lugar, coloca-se a questão, encontram-se
fórmulas que o façam de acordo com a discussão. Só então se adota posturas
a favor ou contra as diversas “opções” ~ termo muito usado pelos
engenheiros sociais modernos - e, se o processo avança sem grandes
tropeços, poderá ser considerado pronto para ser tomada uma decisão a
respeito (12). Luhmann supõe “que o sistema político, na medida em que se
apoia na opinião pública, não permanece integrado pelas regras que regem as
decisões, mas pelas regras que regem a atenção” (16); ou seja, as regras que
decidem o que será pauta ou não.

Esta versão da opinião pública aplica-se somente a acontecimentos breves,


situações de fácil agregação, na expressão de Tõnnies. Os processos
históricos de longo prazo, desenvolvidos por décadas ou, de acordo com
Tocqueville, por séculos — como a luta pela igualdade ou contra a pena de
morte - são pouco afetados, sem que sejam levadas em conta as suas
“condições meteorológicas gerais”. Escreve Luhmann: “Quando tudo já foi
dito sobre a questão, estará obsoleta” (24). Os jornalistas diriam que está
morto. A frase “quando tudo já foi dito” expressa um ponto de vista muito
jornalístico, mas apropriado à falta de participação de uma população já
saturada pelo processo de opinião pública.

Luhmann prevê uma ordem regular de acontecimentos: primeiro, apresenta-


se a questão à atenção geral, sendo um tema urgente; depois, se expõe
posições a favor ou contra. As pesquisas de opinião pública mostram que
esta ordem de acontecimentos é bastante rara. O que geralmente ocorre é que
um dos lados lança a questão no jogo social, um processo que Luhmann
denomina pejorativamente como “manipulação”, considerando-o o resultado
de uma comunicação unilateral, em especial a comunicação determinada
tecnicamente pelos meios de massa (13-14). Quando é apresentada uma
única opinião sobre uma questão específica, quando o tema e a opinião
particular fundem-se, por assim dizer, teríamos o que Luhmann chama de
“moralidade pública” (14). A “moralidade pública” compreende as opiniões
que precisam ser defendidas publicamente para não cair no isolamento.
Luhmann, a partir da teoria sistêmica, deu um novo sentido ao termo
“opinião pública”.

Os meios de comunicação estabelecem a ordem do


dia
Assim como não tivemos dificuldades para reconhecer os estereótipos de
Walter Lippmann como veículos da opinião pública no sentido em que a
entendemos, também será fácil aceitar a abordagem de Luhmann à
compreensão da opinião pública sem necessariamente aceitarmos sua
concepção das funções dela no sistema social. O autor ressalta a importância
da estruturação da atenção, da seleção de temas, como uma fase do processo
de opinião pública, e não deixa dúvidas sobre a relevância dos meios de
comunicação, que assumem a tarefa de selecionar os temas muito mais do
que qualquer tribunal.

Os pesquisadores de comunicação norte-americanos chegaram a resultados


semelhantes aos de Luhmann de modo independente e por um caminho
completamente diferente9. Seu objetivo era investigar os efeitos dos meios
de comunicação. Em período determinado, uma comparação entre as
questões que foram destacadas pela mídia e os processos sociais refletidos
nas estatísticas e ainda a opinião da população sobre as demandas políticas
mais urgentes, demonstrou que a mídia tendia a vir antes dos outros dois
fenômenos. Parece-nos, pois, que são os meios de comunicação que
determinam os temas e os põem sobre a mesa de discussão. Para descrever
esse processo, os pesquisadores norte-americanos criaram a expressão
agenda-setting function (função de agendamento).
 
20. Atrair a atenção pública é
privilégio do jornalista
“Experimentei usar a espiral do silêncio no meu clube”. “Vi funcionar em
meu time de vôlei”. “As coisas são exatamente assim em minha empresa”. É
dessa forma que as pessoas têm confirmado o conceito de espiral do silêncio.
Isso era esperado, porque de fato há múltiplas situações em que se pode
observar esse comportamento tão humano da conformidade. As nossas
experiências mais comuns nos grupos pequenos fazem parte do processo.
Quando está sendo formada a opinião pública, a comprovação feita por
indivíduos observadores que possuem as mesmas experiências em distintos
grupos os leva a supor que “todo o mundo” pensa igual. Porém, quando a
espiral do silêncio começa a se desenvolver em público, acontece algo único,
concedendo uma força irresistível ao processo público. O aspecto da atenção
pública se introduz com a máxima eficácia através dos meios de
comunicação de massa. De fato, a mídia encarna a exposição pública, uma
“publicidade” amorfa e anônima, inalcançável e inflexível.

A sensação de impotência diante dos meios de


comunicação
A comunicação pode se dividir em unilateral (uma conversa, por exemplo, é
bilateral), direta e indireta (uma conversa é direta), pública e privada (uma
conversa tende a ser privada). Os meios de comunicação de massa são
formas de comunicação unilaterais, indiretas e públicas. Contrastam,
portanto, de maneira tripla com a forma de comunicação humana mais
natural, a conversação. Por isso, os indivíduos se sentem tão impotentes
diante dos meios de comunicação. Em todas as pesquisas de opinião nas
quais se pergunta sobre quem tem mais poder na sociedade atual, os meios
de comunicação aparecem nos primeiros lugares10. Tal impotência se
expressa de duas formas. A primeira ocorre quando uma pessoa busca
atenção pública (no sentido de Luhmann), e a mídia, com seus processos de
seleção, decidem não dar atenção. 0 mesmo ocorre diante de esforços
infrutíferos para obter a atenção pública sobre uma ideia, uma informação ou
ponto de vista. Isso pode causar certo desespero diante da presença de
guardiões a barrarem o acesso à atenção pública: um joga tinta contra uma
pintura de Rubens no museu de arte de Munique; outro lança uma garrafa de
ácido em um Rembrandt no museu de Amsterdã; outro sequestra um avião
para que a atenção pública se fixe em sua mensagem ou causa.

O segundo aspecto da impotência entra em jogo quando se utiliza a mídia


como pelourinho; quando dirigem a atenção pública anônima contra um
indivíduo como bode expiatório a ser “exposto”. O indivíduo não tem como
se defender. Não pode desviar-se das pedras e flechas que o atingem. As
formas de defesa possíveis são ridículas por sua debilidade se comparadas
com a sutil objetividade da mídia. Aqueles que aceitam voluntariamente
expor-se em um debate ou entrevista de TV sem pertencer ao círculo interno
dos porteiros da mídia, estão colocando suas cabeças na boca do leão.

Um novo ponto de partida para a pesquisa dos


efeitos dos meios de comunicação
A atenção pública pode ser experimentada a partir de dois pontos de vista
distintos: o do sujeito exposto por ela ou ignorado - sobre o qual acabamos
de tratar e a partir da perspectiva do acontecimento coletivo, quando
milhares de pessoas observam o seu próprio meio social, dizendo o que
pensam ou ficando caladas, dando origem à opinião pública. A observação
do entorno provém de duas fontes que abastecem a opinião pública: de um
lado, o indivíduo observa diretamente seu meio; de outro, recebe informação
sobre o entorno social, através dos meios de comunicação. Atualmente, a
televisão cria, em cores e sons, uma grande confusão entre a própria
observação e a observação mediada. “Boa tarde”, dizia o homem do tempo,
iniciando as suas informações meteorológicas. “Boa tarde”, responderam os
clientes parados diante da TV de um hotel em que passei minhas férias.

As pessoas gastam muito tempo questionando os efeitos dos meios de


comunicação, acreditando numa relação simples e direta entre causa e efeito.
Supõem que as afirmações transmitidas por qualquer mídia produzem
imediatas mudanças de opinião ou, o que também seria um efeito, reforçam
a opinião da audiência. Em geral, a relação entre os meios de comunicação e
a audiência tem sido comparada a uma conversa privada entre duas pessoas,
na qual uma diz algo e a outra termina reforçada ou convertida. A influência
real da mídia é muito mais complexa e muito diferente do modelo de
conversa privada e individual. Walter Lippmann nos mostrou que os meios
gravam os estereótipos em nossas mentes, mediante inumeráveis repetições e
isso serve de pavimento do “mundo intermediário” ou do pseudoambiente
que surge entre o público e o mundo objetivo exterior. Esta é a consequência
da “função de agepda-setting”, de Luhmann, a seleção do que deve ser
atendido pelo público, do que deve ser considerado urgente, dos assuntos
que devem importar a todo o mundo. Tudo isso é decidido pela mídia. Além
disso, os meios

influenciam na percepção individual daquilo que pode ser dito ou feito sem o
risco do isolamento. E por último, nos deparamos com algo que pode ser
chamado de função de articulação dos meios de comunicação. Isto nos faz
retornar ao ponto de partida de nossa análise da espiral do silêncio, o teste do
trem com situação paradigmática de um pequeno grupo no qual se atribui a
opinião pública por meio da fala e da resistência em falar. Mas, por
enquanto, seguiremos com o tema de como as pessoas percebem a
experiência do clima de opinião através dos meios de comunicação.

O conhecimento público toma legítimo


Todos os que leram as reimpressões do “memoriaT que tomou público um
grupo de estudantes pela ocasião da morte de Buback, um fiscal federal
assassinado por terroristas em 1977, sabiam que a reimpressão não tinha
somente a função de documentar. O texto, assinado por um pseudônimo,
voltou a ser publicado, obviamente para que o máximo de pessoas pudesse
ler e formar sua opinião sobre ele. A publicidade ativa que acompanhou a
sua reimpressão deu incremento ao impacto do texto. Apesar de alguns
comentários jornalísticos timidamente condenadores, que só ocultavam uma
aprovação subjacente, a publicidade do texto deu uma impressão de que era
possível estar secretamente satisfeito com o assassinato de um fiscal federal,
e que isso poderia ser expresso publicamente sem o risco de isolamento
social. Algo semelhante acontece sempre quando uma conduta tabu se torna
pública - pelo motivo que seja - sem que a qualifiquem de má conduta ou
algo a ser evitado. É muito fácil saber se estamos expostos a uma
notoriedade que nos estigmatiza ou nos perdoa por um determinado
comportamento. Tomar pública uma conduta que viola normas sociais sem
censurá-la energicamente a fará socialmente mais aceitável. Assim, todos
percebem que essa conduta já não torna o indivíduo isolado. Os que rompem
normas sociais anseiam com frequência por receber as mesmas mostras de
simpatia pública. E sua avidez é compensada, pois, desse modo a regra, a
norma, fica debilitada.
 

21. A opinião pública tem duas


fontes: uma delas é a mídia
No início de 1976, seis meses antes das eleições federais alemãs, organizou-
se pela primeira vez um plano de investigação de opinião para acompanhar o
desenvolvimento do clima de opinião e seu consequente reflexo nas
intenções de voto a partir da teoria da espiral do silêncio. 0 principal método
empregado foi o da entrevista repetida de uma mostra representativa de
votantes, o que chamamos tecnicamente de estudo painel. Empregou-se,
além disso, entrevistas representativas normais para não perder de vista o
que vinha ocorrendo. Foram realizadas duas entrevistas com jornalistas e
coletados em vídeo os programas políticos dos dois canais nacionais de
televisão11. Somente exporemos aqui uma pequena parte do esforço total
realizado, para mostrar como a teoria da espiral do silêncio orientou a
pesquisa empírica12. Havíamos pensado perguntas pertinentes desde as
eleições federais de 1965. Referiam-se às intenções de voto dos
entrevistados, suas crenças sobre o possível ganhador, sua disposição a
demonstrar publicamente suas referências políticas, seus interesses pela
política em geral e seu grau de utilização dos meios de comunicação (jornais
e revistas lidos e TVs assistidas), com uma atenção especial aos programas
políticos de televisão.

Mudança súbita do clima de opinião antes do pleito


de 1976
Em julho, em plena temporada de férias, chegou ao Instituto Allensbach uma
remessa de questionários respondidos. Era a segunda onda de um painel de
aproximadamente 1.000 votantes representativos de toda a população da
Alemanha Ocidental. Naquela época, eu estava em Tessin (Suíça),
desfrutando dos ensolarados dias de verão, e lembro-me vivamente do
contraste entre as grandes folhas verdes dos vinhedos e a mesa de granito
sobre a qual repousava a pilha de resultados das entrevistas. Faltavam
poucos meses para as eleições e não era o momento de nos esquecermos
completamente do trabalho. Das folhas impressas, algo se tornava muito
claro: a medição mais importante, a pergunta sobre a percepção das pessoas
sobre o clima de opinião mostrava uma dramática queda dos democratas
cristãos. A pergunta era a seguinte: “E claro que ninguém poderia ter
certeza, mas quem você acredita que vai ganhar as próximas eleições? Quem
receberá mais votos, a União Democrata Cristã ou o Partido Social
Democrata - Partido Democrata Livre?” Em março de 1976, os entrevistados
do painel haviam dado uma vantagem de 20% à União Democrata Cristã,
esperando que vencesse as eleições; mas agora a sensação havia mudado e
somente uma diferença de 7 pontos percentuais separava as estimativas da
União Democrata Cristã (CDU) e do Partido Social Democrata-Partido
Democrata Livre (SPD). Pouco depois, o partido alcançou a CDU (Tabela
21).

Tabela 21. No início de 1976, houve uma deterioração do clikna de


opinião favorável à União Democrata Cristã___

Pergunta: “Não há dúvidas de que ninguém podería estar seguro disso, mas,
se você pudesse arriscar um palpite, quem você acha que vencerá as
próximas eleições? Quem receberá mais votos? A União Democrata Cristã
ou o Partido Social Democrata?”._____
Minha primeira suposição foi de que os apoiadores dos democratas cristãos
se comportaram como nas eleições de 1972, permanecendo publicamente em
silêncio e não demonstrando suas convicções, mesmo tendo iniciada a
campanha eleitoral. Eu sabia que a chefia de campanha de todos os partidos,
incluindo a CDU, haviam buscado conscientizar seus votantes sobre a
importância de divulgar publicamente a sua posição; mas, como sabemos, as
pessoas são prudentes e medrosas. Telefonei a Allensbach e perguntei pelos
resultados das perguntas sobre a disposição popular em apoiar publicamente
um partido qualquer. 0 resultado foi surpreendente: não fechava com a
teoria. Na comparação com os resultados de março, os seguidores do Partido
Social Democrata tendiam a ser mais negligentes que os da União
Democrata Cristã. Em resposta à pergunta sobre o que estavam dispostos a
fazer por seu partido, e diante de uma lista de atividades possíveis, inclusive
com a resposta “nenhuma dessas coisas”, o número de votantes do Partido
Social Democrata que disse que não faria nada aumentou entre março e
julho, de 34% a 43%, enquanto que os cristãos da CDU permaneceram quase
constantes (38% disseram que não fariam nada, em março, e

39%, em julho). Uma crescente disposição dos partidários democratas


cristãos a apoiar publicamente o seu partido, não podería explicar tal
mudança no clima de opinião (tabela 22).
Tabela 22. Cidadãos conservadores (CDU) pareceram dispostos a
manifestar apoio ao seu partido entre a primavera e o verão de 1976.
Por isso, a baixa expectativa de vitória da União Democrata Cristã não
pode ser explicada pela escassa presença pública dos seus
simpatizantes.__

Pergunta: “Agora faremos uma pergunta sobre o partido que você mais se
identifica. Se lhe perguntassem o que estaria disposto a fazer pelo partido
que considera o melhor, como, por exemplo, algumas das alternativas
escritas nesta ficha, haveria algo que faria pelo partido?” (Entregam-se as
fichas ao entrevistado).__
___________________________________
1

Die Welt, n.189 [1976]:8.


2

Veja também a revisão de Martin Brecht sobre a obra de Dülmen, em


Frankfurter Allgemeine Zeitung, de 3 de agosto de 1977, 21.
3

59. [N.T.]: Silent Spring (Primavera silenciosa, no Brasil), de Rachel


Carson, foi um influente livro publicado em 1962, que deu início às
denúncias de ecologistas sobre a poluição dos rios e de plantações causada
pelos agrotóxicos usados na agricultura, o DDT. Inicialmente, o livro e a
autora foram combatidos pela indústria, mas a comoção pública gerada pelas
denúncias levou, nos anos seguintes, à proibição mundial do uso do DDT. O
livro se tomou um clássico da ecologia e considerado o seu marco inicial.
4

[C.]: A edição de 2008 de Opinião Pública, de Lippmann, foi a primeira


edição brasileira do livro escrito em 1922. Assim como A Espiral do
Silêncio, o livro tardou tanto para ser publicado em terras brasileiras, que as
suas teorias, além de desconhecidas, se tomaram, para muitos, até
inverossímeis, de modo que o Brasil se converteu em um lugar onde é mais
fácil a percepção dos fenômenos descritos, já que permanecemos décadas no
silêncio e no desconhecimento acerca deles.
5

Lazarsfeld, et al. 1968; Heider, 1946; Festinger, 1957


6

representa. Muitos trabalhos têm se debruçado sobre possibilidade de


aplicação da espiral do silêncio na Internet.
7

Uma correção dessa observação foi confirmada por Stum et dl (1972,42-44).


8

[N.T.] Traduzido livremente do original: All The News Thats Fit To Print.
Slogam criado para dar ideia de imparcialidade e elevar o status do veículo
em relação aos concorrentes. Há outras interepretações sobre o significado
de tal slogan. Até em língua inglesa, o significado e objetivo dessa expressão
continua sendo, até hoje, tema de debates e discussões.
9

Os pesquisadores são: McCombs e Shaw, 1972; Funkhouser, 1973; McLeod


e outros, 1974; Beniger, 1978; Kepplinger e Roth, 1979; Kepplinger e
Hachenberg, 1979; Kepplinger, 1980b.
10
Arquivos de Allensbach, duas entrevistas: 2173 (janeiro de 1976) e 2196
(fevereiro de 1977): Questões: “Por favor, veja esta lista. Quais os pontos
mencionados acredita que exercem influência excessiva na vida pública da
Alemanha?” A resposta “A televisão” ficou em terceiro lugar em ambas as
pesquisas, mencionadas por 31 e 29% respectivamente. “Os jornais” ficaram
em nono e décimo lugar, com 21 e 22% respectivamente. A lista contava
com 18 alternativas.
11

O projeto de pesquisa foi realizado graças à cooperação entre o Institut für


De-moskopie Allensbach (Instituto de Pesquisa de Opinião de Allensbach) e
o Instituto de publicidade da Johannes Gutenberg-Universitãt Mainz
(Universidade de Mainz).
12

Noelle-Neumann, 1977b; Kepplinger, 1979; 1980a.

Com os olhos da TV
Pensei bas duas fontes das quais dispomos para obter informações sobre a
distribuição das opiniões em nosso meto: a observação em primeira mãoda
realidade e a observação da realidade através dos olhos da mídia. Pedi que
em Allensbach os dados fossem tabulados de acordo com a quantidade de
imprensa lida ou de televisão assistida pelos entrevistados. Quando tive os
resultados sobre a mesa, tudo era simples como uma cartilha escolar.
Somente os que observaram o entorno com maior frequência através da
televisão perceberam a mudança no clima de opinião; os que observaram o
entorno sem os olhos da TV não notaram qualquer mudança no clima (tabela
23).

Tabela 23. Sobre a televisão como segunda fonte da opinião pública, os


telespectadores habituais perceberam uma queda de prestígio dos
conservadores (democratas cristãos) no clima de opinião, diferente dos
que viram pouca televisão entre a primavera e o verão de 1976 _
Pergunta: “Se você pudesse arriscar um palpite, quem você acha que
vencería as próximas eleições? Qual das duas grandes coligações receberá
mais votos? CPU ou SPD-Liberais?".____.
As diversas comprovações que realizamos para confirmar se o filtro da
realidade pela TV mudou o clima de opinião no ano eleitoral de 1976,

foram descritos detalhadamente (Noelle-Neumann, 1977b; 1978). De


qualquer forma, nào podemos evitar a curiosidade sobre o modo pelo qual se
deu essa impressão de mudança no clima de opinião. Entramos novamente
em territórios pouco explorados pelas pesquisas.

Os jornalistas não manipulam, mas reportam o que


veem
Buscando nos aproximar da solução deste enigma, analisamos as entrevistas
dadas a jornalistas e os vídeos de programas eleitorais de televisão daquele
ano eleitoral. De acordo com a tese de Walter Lippmann, não surpreende o
fato dos telespectadores não veem grande possibilidade para a União
Democrata Cristã vencer. Os próprios jornalistas não acreditavam que os
cristãos democratas pudessem vencer as eleições de 1976. Na verdade, os
dois grupos políticos tinham praticamente a mesma força. A União Cristã
Democrata (conservadores) teria vencido no dia das eleições, caso os 350
mil eleitores (0,9%) do total de 38 milhões tivessem mudado seu voto da
coligação esquerdista do SPD e Partido Democrata Livre, para a União
Democrata Cristã. Uma estimativa objetiva da situação anterior às eleições
teria conduzido os jornalistas a responder a pergunta “quem acredita que
vencerá as eleições?” com a resposta: “está totalmente no ar”. Mas ao
contrário disso, cerca de 70% disse confiar na vitória da coalizão
socialdemocrata-liberal, enquanto que só 10% disse apostar nos
conservadores da CDU. Os jornalistas viam o mundo de uma maneira
diferente do eleitorado. E, se Lippmann estiver certo, eles só poderíam
mostrar o mundo tal como eles mesmos o veem. Em outras palavras, a
audiência teria duas visões da realidade, duas impressões distintas sobre o
clima de opinião: a impressão própria, baseada em observações de primeira
mão, e a midiática, baseada no olhar televisivo. Assim, gerava-se um
fenômeno interessante: um “clima duplo de opinião” (tabela 24). Por que
motivo o povo e os jornalistas viam de maneira tão diferente a situação
política? Mesmo assim, o eleitorado acreditava (no verão de 1976) que uma
vitória dos cristãos democratas era um pouco mais provável do que o êxito
dos socialdemocratas e liberais.
Uma razão para isso era o fato de que a população e os jornalistas diferiam
consideravelmente em suas convicções políticas e preferências partidárias. É
claro que, como evidencia Lippmann, as convicções guiaram os pontos de
vista. Os partidários do Partido Social Democrata (esquerda) e do Partido
Democrata Liberal (os liberais) viam mais indícios de vitória para seus
partidos, enquanto os partidários da União Cristã Democrata consideravam
mais provável a vitória de seu próprio partido. Em geral é assim, e foi o que
houve no caso da população e dos jornalistas em 1976. Como a população,
em geral, estava dividida em grupos quase iguais entre os socialdemocratas-
liberais de um lado, e os democratas cristãos de outro, e os jornalistas
dividíam-se na proporção de dois terços favoráveis ao Partido Social
Democrata e aos liberais, era natural que percebessem a realidade de
maneira diferente.

Tabela 24. Os jornalistas de TV veem a situação política de maneira


distinta do eleitorado. O seu modo de ver é transmitido aos
telespectadores?______________________________________________

Pergunta: “Se você pudesse arriscar um palpite, quem você acha que
venceria as próximas eleições federais? Quem receberá mais votos? A União
Democrata Cristã ou o Partido Social Democrata-
Liberais?”.______________
Fonte: Arquivos de Allensbach. Parte superior da tabela, entrevistas 2185,
2187 Em uma pesquisa de opinião feita em jornalistas realizada
paralelamente a esta pelo Instituto de Publicística de Mainz, 73% dos
jornalistas esperava uma vitória socialdemocrata-liberal, 15% uma vitória
democrata cristã e 12% respondeu: “não é possível saber”. N=81. Parte
inferior da tabela: entrevistas 3032,2187. Apresenta as respostas com
preferência já definida em um partido. X = menos de 0,5%.

A decodificação da linguagem e sinais visuais


Começava assim a expedição pelo território inexplorado da investigação
sobre como os jornalistas de televisão transmitem suas percepções aos
telespectadores por meio de imagens e sons. Primeiro, direcionamos nosso
olhar para os Estados Unidos, Grã-Bretanha, Suécia e França, na esperança
de que os pesquisadores de comunicação desses países já tivessem resolvido
esse problema. Mas nada foi encontrado. Em seguida, organizamos um
seminário - de estudantes, monitores e professores - e examinamos a nós
mesmos. Pesquisamos, sem prévia discussão, gravações em vídeo de
congressos políticos ou de entrevistas com políticos. Imediatamente,
respondemos questionários sobre o modo como fomos influenciados ou não
pelas pessoas que vimos nos vídeos. Nos pontos em que compartilhávamos
da mesma decodificaçâo da mensagem visual, tentávamos indagar as chaves
de interpretação que haviam sido empregadas para obter determinada
impressão particular. Por último, convidamos conhecidos pesquisadores de
comunicação - como Percy Tannenbaum, da Universidade da Califórnia
(Berkeley), Kurt e Gladys Engel Lang, da Universidade Stony Brook, de
Nova York - ao Instituto de Publicidade de Mainz. Mostramos a eles os
vídeos dos programas políticos e pedimos seus conselhos. Percy
Tannenbaum sugeriu que fizéssemos uma pesquisa de opinião com os
câmeras cinegrafistas perguntando quais técnicas visuais eram empregadas
por eles quando queriam obter um efeito determinado.

Ou poderiamos perguntá-lo como avaliam as diversas técnicas a serem


usadas nos telespectadores. Colocamos em prática esta sugestão em 19791.
A maioria dos profissionais das câmeras, representada por 51%, aceitou
responder às perguntas do questionário. Recebemos 151 questionários.
Destes, 78% dos cinegrafistas disse acreditar ser "muito provável” e 22%
"bastante possível” que "um cinegrafista, por meio de métodos puramente
visuais, pudesse fazer com que pessoas fossem vistas de forma mais positiva
ou negativa”. Mas com que técnicas esses efeitos seriam possíveis?
A maioria dos cinegrafistas concordou quanto ao ângulo das câmeras. Dois
terços deles recomendaria usar imagens emplano frontal, à altura dos olhos,
já que, em sua opinião, isso tendería a despertar simpatia e causar uma
impressão de calma e de espontaneidade. Nenhum deles utilizaria um plano
de cima ou de baixo, já que estes ângulos tenderíam a provocar antipatia e
causar impressão de fraqueza ou de insuficiência.

O professor Hans Mathias Kepplinger e seu grupo de trabalho estudaram, em


seguida, as gravações em vídeo da campanha eleitoral do modo como foram
cobertas pelos dois canais de televisão alemães, a ARD e a ZDV, entre os
dias 1 de abril e as eleições do dia 3 de outubro de 1976. Entre muitas outras
coisas, descobriram que o candidato da esquerda Helmut Schmidt apareceu
somente 31 vezes em planos superiores, ângulos de cima, ou vistos de baixo,
enquanto o conservador Kohl apareceu quase 55 vezes. No entanto, a
pesquisa acabou tendo que ser interrompida em meio a protestos tanto de
jornalistas quando de cinegrafistas, que se opunham às análises de efeitos
baseada nos ângulos das câmeras.

Hoje, mais de uma década depois, continuamos pesquisando como os


jornalistas da televisão transmitem as suas próprias percepções aos
telespectadores através de imagens e sons. Porém, neste meio tempo, foi
dissipada a indignação contra o estudo científico sobre cinegrafistas e
editores. Estudos experimentais publicados depois confirmaram
definitivamente a influência exercida pelas técnicas de filmagem e edição
sobre as concepções da realidade nos telespectadores. No entanto, esses
estudos foram descritos de modo tão desestimulado que dificilmente servirão
de estímulo a futuras pesquisas semelhantes (Kepplinger, 1987,1989b).

Além disso, não houve eleições federais na Alemanha com resultados como
os daquele ano de 1976. Evidentemente, não haverá protestos virulentos
contra a influência da mídia no clima de opinião se essa influência não for
decisiva, já que um resultado pode depender de não mais que mil e poucos
votos. A ausência de interesse público sobre este assunto pode ser, na
verdade, favorável à pesquisa da comunicação que busca determinar o nível
de influência das imagens televisivas sobre os telespectadores. Michael
Ostertag dedicou sua tese (1992), elaborada no Instituto de Publicidade de
Mainz, ao tema da influência das preferências políticas dos jornalistas sobre
os políticos entrevistados na TV, e como esse efeito, por sua vez, influencia
nas impressões do público sobre esses políticos. Analisando 40 entrevistas
televisionadas com os principais candidatos - Schmidt, Kohl, Straus e
Genscher - realizadas durante a campanha eleitoral de 1980, Ostertag e seus
colaboradores trabalharam somente com imagens com som desligado. Eles
buscavam evitar ser influenciados pelos argumentos e a linguagem utilizada,
assim como pelos elementos relacionados com a fala, como timbre de voz,
entonação e pausas deliberadas; em outras palavras, pelo que é chamado de
“modos de expressão pré-verbais” ou “pré-linguísticos”. Seu único interesse
estava nos conteúdos visuais.

A pesquisa de Ostertag incluía uma comparação entre as expressões faciais e


os gestos dos quatro principais políticos alemães, de acordo com o modo
como fossem entrevistados por um jornalista com opiniões semelhantes ou
por outro, de inclinação oposta. 0 resultado foi que as expressões faciais e os
gestos típicos dos quatro políticos eram essencialmente os mesmos em todas
as entrevistas. Havia, ainda assim, uma mudança de grau. Quando falavam
com um jornalista de outra tendência política, o assentimento rítmico com a
cabeça dos políticos se tornava mais intenso ao falar; e o costume de afastar
o olhar ou manter olhar fixo em outra pessoa prolongava-se. Essa
intensidade parecia gerar um efeito desfavorável no telespectador. Quando
entrevistados por jornalistas que comungavam com suas idéias, os quatro
políticos eram avaliados positivamente pelos telespectadores, enquanto os
que discutiam com o entrevistador obtinham avaliação negativa (Ostertag,
1992,191).

Contudo, embora já possamos identificar alguns sinais visuais que


influenciam na opinião sobre os políticos que aparecem na televisão, a
pesquisa ainda precisaria avançar muito antes de poder determinar de fato
como a televisão transmite o clima de opinião.

22.0 clima duplo de opinião


No livro Germany at the Polis: the Bundestag Election of 1976 (Alemanha
nas eleições: as eleições parlamentares de 1976), o cientista político norte-
americano David P. Conradt informou a seus compatriotas interessados pela
política que:
As estratégias da União [CDU] (...) buscaram fazer funcionar a espiral do
silêncio a favor da União em 1976. Na convenção do partido, em dezembro
de 1973, em Hamburg, demonstraram-se as descobertas aos líderes do
partido. Em 1974, foram distribuídos entre os ativistas resumos
simplificados do conceito da espiral do silêncio (...). Por último, a decisão de
começar a campanha de anúncios e cartazes da União por todo o país antes
que o Partido Social Democrata o fizesse, foi também resultado da teses [da
espiral do silêncio], que, em termos operativos, significava que o partido
tinha que se fazer visível antes que a campanha dos socialdemocratas
estivesse em peno funcionamento (Conradt, 1978,41).

A luta contra a espiral do silêncio


De fato, em 1976 as bases não atuaram como em 1972. Não houve espiral do
silêncio. Os partidários democratas cristãos demonstraram suas convicções
em público, levando bottons, adesivos em seus carros, tanto quanto os
socialdemocratas. Discutiam onde poderíam ir e percorriam os distritos em
busca de votos a favor de sua causa. Cinco ou seis semanas depois das
eleições, quando foi perguntado às pessoas sobre os seguidores do partido
que se mostraram mais ativos na campanha, 30% do povo mencionaram os
democratas cristãos e somente 18% apontou os socialdemocratas.

Em 1976, o “clima duplo de opinião” - ou seja, a diferença entre o clima


percebido pelo povo e o clima representado pela mídia - foi forte o bastante
para impedir um “efeito da aposta no ganhador” em direção ao vencedor
previsto. Esta foi, provavelmente, a primeira vez que um grupo lutou
conscientemente contra o efeito da “aposta” em uma campanha eleitoral
moderna. Os dois grupos políticos levaram meses competindo com forças
praticamente iguais (figura 22). Seguiram empatados durante a apuração
eleitoral na noite de 3 de outubro de 1976, até que a coalizão do Partido
Social Democrata com os liberais conseguiu uma minúscula vantagem ao
final. Porém, não temos experiência suficiente para poder dizer se a União
Cristã Democrata poderia ter sido vencedora se o clima dos meios de
comunicação não tivesse se posicionado contra ela. O clima duplo de
opinião é um fenômeno fascinante! É tão interessante quanto uma situação
meteorológica incomum ou quando surge um vento frio na primavera, um
arco-íris duplo ou uma aurora boreal, coisas que ocorrem somente em
circunstâncias muito especiais. Só acontece quando o clima de opinião entre
as pessoas e aquele predominante entre os jornalistas da mídia são
diferentes. Este fenômeno, porém, permite elaborar um instrumento útil.
Sempre que há uma discrepância entre as opiniões expressas e as estimativas
sobre o resultado das eleições, vale a pena pensar na possibilidade de que o
erro de juízo, sobre o clima de opinião, possa ter sido provocado pelos meios
de comunicação.
Figura 22:1976:0 clima duplo de opinião. Luta consciente contra a espiral
do silêncio: diferente de 1965 e 1972, não ocorreu um uefeito da aposta no
vencedor", a favor do vencedor esperado da eleição.

Fonte: Arquivos de Allensbach, entrevistas 3030, 3031, 3032, 3033, 3033-1,


3033-11, 3034-1.3035-1.
1

Kepplinger, 1983; Kepplinger e Donsbach, 1982.

A ignorância pluralista: o povo se engana sobre o


povo
Quanto mais se estuda a questão, mais difícil parece ser avaliar os efeitos
dos meios de comunicação. Estes efeitos não vêm de um único estímulo.
Tendem a ser cumulativos, segundo o princípio do “tanto bate até que fura”.
A contínua comunicação na sociedade expande as mensagens da mídia e, em
seguida, já não se nota diferença alguma entre o ponto de recepção dos
meios e os pontos mais distantes deles. A influência dos meios é
predominantemente inconsciente. As pessoas não podem informar
objetivamente sobre o que acontece. No máximo, mescla suas próprias
percepções diretas e as percepções filtradas pelo olhar da mídia em um todo
invisível e incerto que parece ser oriundo de seus próprios pensamentos e
experiências, como previu Walter Lippmann. A maior parte dos efeitos da
mídia, ocorre indiretamente, como colaterais, na medida em que o indivíduo
adota os olhos da mídia e constrói ou reconstrói a partir disso. Todas essas
circunstâncias fazem com que pareça particularmente necessário encontrar
processos sistemáticos para investigar os efeitos dos meios de comunicação.
Servirá de guia para rastrear a influência da mídia, aquilo que os sociólogos
norte-americanos chamaram de “ignorância pluralista”1.

Recordemos uma observação exposta no capítulo 3 deste livro. Referia-se a


um teste que fracassou: o de um desenho de várias pessoas sentadas juntas
amistosamente e uma sentada mais distante, separada, isolada. Nós
tentávamos descobrir se os entrevistados eram conscientes da relação
existente entre a opinião majoritária e o isolamento, de modo que
atribuíssem, sem hesitar, uma opinião claramente minoritária à pessoa que
aparecia isolada.

A opinião minoritária que utilizamos naquele teste se referia à possibilidade


de serem nomeados juizes do Partido Comunista Alemão. Quando
realizamos o teste, em abril de 1976, somente 18% da população foram
favoráveis à ideia, enquanto que 60% opunham-se às referidas nomeações.
Só 2% imaginava que a maioria da população seria a favor da medida,
enquanto 80% supunha que a maioria estaria contra. Como já foi dito, o teste
não funcionou. Quase a mesma proporção de entrevistados viu a pessoa
isolada tanto favorável como contrária à nomeação de juizes comunistas.
Seria isto um indicativo da presença de um clima duplo de opinião? Os
pesquisados teriam atribuído opinião minoritária ao homem isolado
enquanto outros, vendo com olhar midiático, atribuíram à figura isolada a
opinião majoritária, devido suposição de que a mídia consideraria a on-
conservadora ou antiliberal demais?                             0

23. A função articuladora: quem não tem a opinião


representada pelos meios de comunicação está
realmente mudo
Os cientistas têm a tendência a serem muito vulneráveis. Quando vi pela
primeira vez os resultados do teste do trem com a pergunta sobre a
permissão da nomeação de juizes do Partido Comunista, não acreditei no que
estava vendo. Parecia uma clara refutação da espiral do silêncio. Isso porque
aqueles que apoiavam a opinião majoritária, mesmo que plenamente
conscientes de representarem a maioria, preferiam ficar em silêncio. E mais
de 50% dos partidários da opinião minoritária estavam dispostos a participar
de debates (tabela 25).

Tabela 25. Quando a maioria, sabendo-se maioria, permanece em


silêncio; a minoria, sabendo-se minoria, está disposta a falar. Faltariam
argumentos à maioria porque a mídia não os forneceu suficientemente?

A maioria: aqueles que são contra a nomeação de juizes do Partido


Comunista e se encontram com alguém em um compartimento de trem que:
1

Merton, 1968; Fields e Schumann, 1976; O’Gorman e Garry, 1976; Taylor,


1982; Katz, 1981.

0 núcleo duro
As primeiras comprovações da espiral do silêncio, realizadas em 1972, já
demonstravam que a teoria tinha suas exceções. Um aspecto importante do
exame empírico das teorias consiste em determinar os seus limites, encontrar
as condições nas quais uma teoria não se confirma e deva ser alterada. Desde
os primeiros testes, tínhamos descoberto que a menor parte da população que
apoiava Franz Josef Strauss, no início da década de 1970, estava muito mais
disposta

a entrar em debates no teste do trem do que a imensa maioria dos oponentes


de Strauss (tabela 26)71.

Naquele momento, nos deparamos pela primeira vez com o núcleo duro, o
grupo minoritário que, ao final de um processo de espiral do silêncio, ainda
desafia a ameaça de isolamento. O núcleo duro está, em certo sentido,
relacionado com a vanguarda, a inovação, já que considera o isolamento
como um preço que deve ser pago. Diferente dos membros da vanguarda,
porém, um núcleo duro pode dar as costas ao público, fechar-se
completamente quando está em público com desconhecidos, isolar-se como
uma seita e se orientar pelo passado ou pelo futuro mais distante e
hipotético. A outra possibilidade era que o núcleo duro acreditasse ser, ao
mesmo tempo, uma vanguarda. Isso explicaria sua disposição a se expressar,
disposição bastante intensa que se assemelha à da vanguarda. Os núcleos
duros que confiam no futuro encorajam-se devido um processo demonstrado
empiricamente pelo psicólogo social norte-americano Gary I. Schulman
(1968): os partidários de uma opinião majoritária que alcança uma
determinada abrangência chegarão, com o tempo, a ser incapazes de
argumentar adequadamente a seu favor, já que nunca encontram alguém que
tenha opinião diferente. Em suas pesquisas, Schulman encontrou pessoas
que defendiam a obrigação de escovar os dentes uma vez por dia e que
ficavam confusos e inseguros quando eram confrontadas com quem não
compartilhava dessa opinião.
Tabela 26. Após um longo processo de espiral do silêndo, surge um
núcleo duro falante e disposto ao isolamento sodal_______________

Pergunta: “Suponha que está iniciando uma viagem de trem de cinco horas
de duração, e que alguém em seu compartimento começa a falar a favor (na
metade dos entrevistados dissemos contra) que Franz Josef Strauss tenha
maior influência política. Gostaria de manter uma conversa com essa pessoa
ou acharia que não vale a
pena?”.______________________________________

De qualquer forma, os seguidores de Strauss não tendiam a dar as costas ao


público. Não se escondiam em um buraco ou tornavam-se uma seita.
Certamente, não excluiríam a possibilidade de recuperar espaço em um
futuro próximo. Eram um núcleo duro que se via a si mesmo como uma
vanguarda e, por esta razão, apesar de representarem uma opinião
minoritária, estavam dispostos a participar em debates diretos.
Não há palavras se os meios de comunicação não as
fornecem
Mas havia algo mais em torno da questão de permitir que se nomeassem
juizes do Partido Comunista. Os que estavam a favor dessas nomeações não
constituíam um núcleo duro, e a grande maioria dos que eram contra não
deixaram de se opor ativamente. De fato, o temor de que o comunismo
ganhasse terreno era grande como sempre foi. Sobre essa questão, havia um
número surpreendente de pessoas que se calavam no teste do trem, tanto
diante de discordantes quanto concordantes. O motivo disso nos era
desconhecido. Seria porque não dispunham de palavras para isso, já que a
oposição aos juizes comunistas teve pouca articulação nos meios de
comunicação, especialmente na televisão?

Se nós aceitamos essa hipótese, teremos que acrescentar outra função às já


conhecidas funções da mídia: a função de articulação ou argumentação. Os
meios de comunicação fornecem às pessoas as palavras e as frases que
podem ser utilizadas para defender um ponto de vista. Se as pessoas não
encontram expressões habituais, repetidas com frequência suficiente, em
favor de seu ponto de vista, caem no silêncio e se tornam mudas.

Gabriel Tarde escreveu, em 1898, um ensaio intitulado L'Opinion et la Foule


(A opinião e a multidão). Encerramos nossa discussão sobre opinião pública
e os efeitos dos meios de comunicação com as reflexões finais de Tarde:

De um telegrama privado ao redator chefe o jornal faz uma notícia


sensacional e de intensa atualidade, que instantaneamente, em todas as
grandes cidades de um continente, irá agitar as multidões; e dessas multidões
dispersas, tocando-se a distância intimamente por meio da consciência que
ele lhes dá de sua simultaneidade, de sua mútua ação nascida dele, o jornal
irá fazer uma única e imensa multidão, abstrata e soberana, que batizará com
o nome de opinião. Deste modo ele completa o longo trabalho secular que a
conversação havia começado, que a correspondência havia prolongado, mas
que permanecia sempre no estado de esboço disperso e disjunto, trabalho de
fusão das opiniões pessoais em opiniões locais, destas em opinião nacional e
em opinião mundial, unificação grandiosa do espírito público (...). Poder
enorme, apesar de tudo, e que irá crescendo necessariamente. Pois a
necessidade de harmonizar-se com o público de que faz parte, de pensar e
agir no sentido da opinião, torna-se tanto mais forte e irresistível quanto
mais numeroso o público, quanto mais grandiosa a opinião e quanto mais
frequentemente essa própria necessidade for satisfeita. Não devemos pois
surpreender-nos de ver nossos contemporâneos curvarem-se tanto ao vento
da opinião que passa, nem concluir daí, necessariamente, que seu caráter
debilitou- se. Quando os álamos e os carvalhos são derrubados pela
tempestade, não é que tenham se tomado mais fracos, e sim que o vento
tornou-se mais forte (Tarde, 2005,139).

O que Tarde teria escrito na era da televisão?


 

24. Vox Populi, vox Dei


— Agora, Elisabeth - disse minha amiga zombeteiramente a seus outros
convidados - irá de porta em porta perguntando: “você concorda ou discorda
com Adenauer1*?”

Era inverno de 1952, em Munich, e casualmente eu havia ido parar naquela


festa de intelectuais. Minha amiga havia me convidado por telefone para
comparecer. Havíamos sido colegas de colégio. Quando eu a havia visto pela
última vez? Em 1943 ou 44, na avenida principal de Berlim-Daldem, junto
ao jardim botânico, a sudoeste da cidade, no trajeto pelo qual haviam
chegado os bombardeiros do oeste. A casa estava em ruinas, as paredes
rachadas, a habitação meio vazia. Haviam retirado os móveis, os tapetes e os
quadros.

Sua pergunta me fez voltar ao tema da investigação sobre opinião pública.


Qual o valor dessas opiniões? Eu não poderia explicar isso àquele círculo de
literatos, artistas e acadêmicos, embora não fosse tarde demais, ainda não
tinham bebido suficiente e a casa não estava tão escura e cheia de fumaça de
cigarro.

“Você é contra, em geral, à política de Adenauer ou não?” Esta foi a


pergunta com a qual deparei-me pela primeira vez, em 1951, sobre uma
força que eu iria compreender muito depois, pouco a pouco, assim como os
conceitos de público e de opinião pública. Naquela época, analisava os
questionários em Allensbach antes de enviá-los a centenas de pesquisadores
em toda a Alemanha, em uma série de testes. Eu havia entrevistado
sucessivamente uma jovem, esposa de um guarda de trânsito, com perguntas
que se repetiam de modo que eu já conhecia suas respostas. Eu havia ouvido
ao menos oito vezes sua mesma opinião contrária a Adenauer; mas, agindo
conscíencíosamente e estritamente de acordo com as regras - precisava testar
o questionário e decidir sobre seu alcance -, li, então, mais uma vez a
pergunta: "você concorda, em geral, com a política de Adenauer ou não?”
Até que ela respondeu "concordo”. Tentei esconder minha surpresa, pois os
pesquisadores não devem mostrar surpresa. Cerca de quatro semanas depois
eu tinha em minha mesa, diante de mim, os resultados de nossa nova
pesquisa. Comprovei que em um mês, de novembro a dezembro, o nível de
concordância com Adenauer na Alemanha havia dado um salto de oito
pontos percentuais até chegar a 31%, após ter estado durante muito tempo
estacionado entre os 24 e 23%. Desde então, continuou a aumentar até
chegar a 57% de pessoas dizendo-se “de acordo” no ano das eleições
parlamentares de 19532, mostrando “o volume e a extensão de uma maré”,
como diria Ross (1969,104). Como aquela onda de pressão que varria o país
teria alcançado a esposa do guarda de trânsito?

Destino, não razão


Vox Populi, vox Dei? Se rastrearmos a história dessa máxima, a
encontraremos já em 13293. Em 798, mencionou-a Alcuino de York, um
monge anglo-saxão, em uma carta a Carlos Magno, empregando a frase
como se fosse uma expressão comum, conhecida. O testemunho mais remoto
é do século VIII a. C., quando o profeta Isaías proclamou: Vox Populi de
civitate vox de templo. Vox domini reddentis retributionem inimicis suis.
"Escutai esse tumulto que se levanta da cidade, esse barulho que vem do
templo. Escutai, é o Senhor que trata seus inimigos como o merecem (Isaías
66, 6).4*

Ao longo dos séculos, o pêndulo oscilou entre o desdém e algo parecido com
uma reverência por parte dos que evocavam essa fórmula. Hofstatten, em
seu Psychologie der ôffentlichen Meimrng (Psicologia da opinião pública),
dizia que “confundir a voz do povo com a voz de Deus é uma blasfêmia”
(1949, 96). O chanceler alemão do Reich von Bethmann Hollweg (1856-
1921) acreditava ser mais correta a formulação “voz do povo, voz do gado”,
e com isso apenas repetia a versão que o discípulo de Montaigne, Pierre
Charron, propôs em 1601 como mais adequada: vox Populi, vox stultorum
(voz do povo, voz da estupidez). A inspiração de Charron vinha do Ensaio
sobre a fama, de Montaigne, no qual ele discute a incapacidade da multidão
em apreciar o caráter dos grandes homens e seus feitos.

É razoável fazer com que a vida do sábio dependa do juízo dos idiotas? (...)
Há algo mais estúpido do que pensar que todos juntos somos mais valiosos
do que cada um de nós, em separado? Quem tenta satisfazê-los não
conseguirá jamais (...). Nenhuma arte ou espírito benevolente poderia
direcionar nossos passos para que seguíssemos um guia tão louco e
desequilibrado. Neste arquejada confusão de estupidez, neste caos frívolo de
informações e opiniões vulgares, que, no entanto, nos impulsiona, não
poderá estabelecer-se um rumo correto. Não sejamos tão volúveis e tão
titubeantes e voltemos a nós mesmos. Sigamos constantemente a razão e que
a aprovação popular venha atrás de nós, se quiser (citado em Boas, 1969,31-
32).

Alcuino escreve no mesmo espírito em sua nota de 798 a Carlos Magno: “...e
não há que se escutar aos que se habituaram a dizer a voz do povo é a voz de
Deus". Porque o clamor popular está muito próximo da loucura” (Ibidem, 9).
Assim expressaram-se todos os que, ao longo de séculos e milênios,
traduziram vox Dei como “voz da razão” e buscavam em vão essa razão na
voz do povo, da opinião pública.

Mas há outra interpretação, completamente diferente, que acompanha esta.


“Escutai esse tumulto que se levanta da cidade, esse barulho que vem do
templo. Escutai, é o Senhor que trata seus inimigos como o merecem”, disse
o profeta Isaías. Por volta do ano 700 a.C., Hesíodo descreveu - ainda que
sem empregar esses termos - a “opinião pública” como um tribunal moral,
um controle social, e acrescentou que podia refletir-se em um destino: “faz
isso e evita a fala dos homens. Porque a fala é embusteira, frívola e se
desperta facilmente, mas é difícil suportá-la e livrar-se dela. A fala nunca
morre totalmente quando muitos a murmuram. A fala é inclusive, de certo
modo, divina” (Hesíodo, 1959, 59).
A atitude do filósofo romano Séneca era de reverência: "Acreditem, a língua
do povo é divina” (Controversae, 1.1.10). Por volta de um milênio depois,
Maquiavel acrescenta: “Não é sem razão que se diz a voz do povo é a voz de
Deus, já que uma certa opinione universale prevê os acontecimentos de
forma tão maravilhosa que se poderia chamar de um oculto poder profético”
(citado em Bucher, 1887, 77). Não é a razão que faz a opinião pública ser
digna de ser levada em conta, mas exatamente o contrário: o elemento
irracional, o elemento de futuro, de destino. Novamente, Maquiavel: Quale
fama, o voce, o opinione fa, che il popolo comincia a favorire um cittadino?
(Qual fama, qual voz, que movimento de opinião faz com que o povo
comece a favorecer um cidadão?) (Ibidem).

“Voz do povo, voz do destino”: esta foi a interpretação de Karl Steinbuch ao


comparar os resultados de uma pergunta de Allensbach feita todos os anos,
ao final do ano, sobre o Produto Nacional Bruto do ano seguinte. A pergunta
era a seguinte: “Você vê o ano que vem com esperança ou temor?” Os níveis
altos ou baixos de esperança ao final do ano não correspondiam ao maior ou
menor crescimento econômico durante aquele ano, mas sim ao do ano
seguinte (figura 23).

Hegel situa-se entre as duas tendências - “voz do povo, voz do gado” e “a


língua do povo é divina” - em suas reflexões sobre a opinião pública.

A opinião pública, pois, merece tanto o respeito quanto o desdém. Desdém


por causa de sua consciência e expressão concretas, e respeito devido sua
base essencial, que brilha pouco na sua expressão concreta. Como a opinião
pública em si mesma não possui critérios de discernimento nem capacidade
para converter o aspecto substantivo em conhecimento estrito, ser
independente dela é a primeira condição formal para obter qualquer êxito
racional, tanto na vida quanto na ciência. Pode-se garantir que o grande êxito
acabará sendo aceito pela opinião pública, reconhecido e convertido em um
de seus próprios prejuízos. Corolário: a opinião pública contém tudo o que é
falso e tudo o que é certo, mas somente o grande homem pode encontrar a
verdade nela. Aquele que é capaz de expressar o qUe diz o seu tempo e de
realizar o que deseja é o grande homem de seu tempo. Assim, ele realiza o
que há de intrínseco e essencial em seu tempo, encamando-o em si. Por
outro lado, aquele que não souber desprezar a opiAião pública, na forma em
que se apresenta em toda parte, nunca se elevará a grandeza (Hegel, 1970,
485-486).

Figura 23. As expectativas diante de um novo ano precedem às mudanças


econômicas. A: taxa de crescimento do PNB (produto nacional bruto) real.
B: porcentagem daqueles que, perguntados, em dezembro, se estavam
esperançosos ou temerosos com o ano seguinte, responderam
“esperançosos”. (Arquivos de Allensbach) Fonte: Karl Steinbuch, “Sobre a
credibilidade das previsões”, discurso proferido na Conferência Anual da
Deutsche Verkehrswissenschaftliche Gesellschaft, em 14 de julho de 1979.

Em finais do século XVIII, Wieland tornou popular na Alemanha a


expressão “opinião pública”. Na novela de suas “conversas confidenciais”,
“sobre a opinião pública” (1794), os dois personagens concluem seu diálogo
da seguinte forma:

Egbert: Qualquer declaração da razão tem força de lei e não precisa se tornar
lei perante a opinião pública.

Sinibald: Por favor, esclareça melhor o que deve ter força de lei e certamente
será aceito pela maioria.

Egbert: Sobre isso terá que decidir o século XIX, Lothar Bucher, que faz a
citação deste diálogo de Wieland, termina seu ensaio com as seguintes
palavras: “Sinibald e Egbert discutem longamente sobre como se relacionam
razão e opinião pública, deixando a decisão para o século XIX. Deixemos
também nós que seja o século XX a concluir este diálogo” (Bucher, 1887,
80). E nós? Deixaremos a conclusão ao século XXI?

Definições operacionais para pesquisas empíricas


sobre opinião pública
Quando se reflete sobre o grande esforço dedicado portanto tempo para
definir a opinião pública, faz-se necessário uma explicação sobre a
deliberada escassez de definições apresentada neste livro. Harwood Childs
recorreu a mais de 50 definições diferentes, incluindo entre elas algumas
confusas descrições de características, formas, origens, funções e incontáveis
categorias de conteúdo. A superabundânda e densidade de suas definições
me inspirou a buscar um novo começo, uma definição mais simples que,
diferente do cansativo e desanimador arsenal de definições de Childs,
possibilitaria a análise empírica. Busquei, assim, uma definição operadonal.
Uma definição que permitisse estabelecer pesquisas para chegar a
proposições comprováveis. Esse objetivo me levou a sugerir a seguinte
definição: “as opiniões públicas são atitudes ou comportamentos que possam
ser públicos sem causar isolamento social. No que diz respeito às
controvérsias públicas ou debates, as opiniões públicas são posições a serem
tomadas sem oferecerem riscos de isolamento”. Esta definição pode ser
verificada facilmente por métodos de investigação mediante perguntas e
respostas e com observações por amostragens representativas. Estariam os
preceitos morais e tradicionais tão alterados e relativizados de modo que
qualquer coisa possa ser dita sem risco de isolamento social? Esta pergunta
foi debatida em um congresso sediado na Universidade de Mainz. Um dos
participantes sugeriu que basta alguém comparecer a um funeral com uma
roupa roxa ou vermelha para perceber que a opinião pública continua
existindo ainda hoje. Da mesma forma, é possível que existam opiniões ou
modos comportamentais que, se perguntados em entrevistas, revelariam
imensa rejeição ou perturbação no entrevistado ao ponto dele não tolerar
viver próximo a alguém, encontrar-se em uma festa ou trabalhar no mesmo
recinto que a pessoa. Assim, como mostraram muitos testes, ainda existem
infindáveis condutas que podem isolar uma pessoa.

Outra definição que constitui um ponto de partida para encontrar definições


comprováveis é a seguinte: “A opinião pública é todo acordo entre os
membros de uma sociedade ativa sobre um tema carregado de valor afetivo,
que deve ser respeitado tanto por indivíduos quanto por governos, ao menos
em seu comportamento público, baseado na constante e permanente ameaça
de exclusão ou perda de reputação ou apreço social”. Esta segunda definição
realça o correlato do medo do isolamento: o acordo social. Dessas duas
definições, podemos deduzir proposições sobre a importância de falar ou
permanecer em silêncio, sobre a capacidade intuitiva e estatística das
pessoas de observarem-se umas às outras e sobre a linguagem na qual se
expressa essa capacidade, cuja decodificação conta apenas com
entendimento intuitivo. É possível teorizar sobre como este órgão quase
estatístico e inconsciente de registro de frequências se atrofia em períodos de
estabilidade e põe-se em alerta quando aparecem instabilidades e
transformações na sociedade. Ou sobre o aumento de intensidade na ameaça
de isolamento diante do risco de desintegração social. É possível deduzir
proposições sobre a influência dos meios de comunicação, sobre como a
publicidade de um fato, tema ou comportamento é oferecida ou negada por
eles, sobre como são formulados os argumentos em palavras ou são deixados
inexpressáveis, fora do vocabulário com o qual o tema possa ser difundido
ou introduzido na agenda da discussão pública. É possível deduzir
proposições sobre as duas fontes da opinião pública e sobre como pode ser
formada a partir delas um duplo clima de opinião. A partir destas definições
podemos criar instrumentos - especialmente questionários de pesquisas -
destinados a medir a quantidade de isolamento inerente a uma opinião ou um
comportamento determinado, o grau de afeto, o grau de concordância ou
discordância; medir os sinais de disposição do público para manifestar ou
não os pontos de vista; medir os signos de polarização.

A roupa nova do rei: a opinião pública está


vinculada a um lugar e uma época determinados
Na primeira metade do século XX, quando a grossa camada de definições de
opinião pública parecia impenetrável, muitas vozes levantaram-se pedindo o
abandono total do conceito por ter perdido toda a sua utilidade. Diante
dessas exigências, porém, nada mudou. Apesar da sua falta de clareza, o uso
desse conceito aumentou ao invés de diminuir. Esta foi a conclusão de W.
Phillips Davison em seu artigo sobre a opinião pública na International
Encyclopedia ofthe Social Sciences, de 1968. Eu estava presente quando, em
dezembro de 1965, ele iniciava sua aula inaugural na Universidade de Mainz
com as seguintes palavras:

A opinião pública: de alguma forma misteriosa, este conceito conservou seu


interesse. Ao mesmo tempo, os escritores e estudiosos que se atreveram a
tratar do tema não conseguiram evitar enganar os seus leitores. Quando eles
demonstram que a “opinião pública” não existe, que se trata de uma ficção,
acabam não sendo convincentes. “O conceito simplesmente se nega a
morrer”, lamentava Dovifat... O que significa esta resistência do conceito em
morrer? Por que essa sensação de frustração quando se busca analisar suas
definições? Isso significa que o conceito de opinião pública reflete uma
realidade que os esforços intelectuais não conseguiram captar (Noelle, 1966,
3).

Reflete uma realidade... Isso não nos serve de nada. É preciso definir essa
realidade. Depois, de repente, veremos as pegadas dessa realidade a
emergirem pela linguagem, entre palavras simples, palavras que não
compreenderemos se não formos cada vez mais conscientes da sensibilidade
de nosso tecido social, se não reprimirmos nosso eu ideal, aquela pessoa
razoável que acreditamos ser. Quais são algumas dessas palavras? Perder a
reputação; o público como a esfera na qual se pode perder a reputação,
passar vergonha e ridículo; causar constrangimento; caluniar alguém;
estigmatizar alguém, discriminar. Se não enfrentamos essa realidade, não
poderemos compreender o que o poeta Max Frisch queria dizer com a
fórmula que empregou no discurso inaugural da Feira do Livro de Frankfurt:
“a esfera pública: solidão exposta?” (Frisch, 1969, 56). Assim está o
indivíduo e também a multidão que o julga sob o manto do anonimato: é isso
o que Rousseau descreve como opinião pública.

Precisamos definir essa realidade da opinião pública, essa criação ligada a


um espaço e um tempo. Senão, estaríamos supondo erroneamente que nós
não nos manteríamos imóveis, como todos os outros, diante da entrada do rei
com sua nova roupa. O conto de Andersen trata da dominação da opinião
pública sobre uma cena, onde ela reina em um espaço determinado. Se um
estrangeiro chegasse naquele momento, não podería conter sua surpresa
diante da cena. Assim, também está presente a questão do tempo. Como
quem vem depois, hoje pensamos de modo tão injusto ou ignorante quanto
pensavam as pessoas da Idade Média sobre as causas das enfermidades.
Julgamos as palavras e as ações do passado como se tivessem sido
pronunciadas ou realizadas em nossos tempos; mas, ao fazê-lo, nos tomamos
ignorantes que não percebem nada sobre o fervor de uma época. Disse um
agente de imprensa do Ministério da Cultura da Suécia: “queremos que o
sistema escolar pareça uma grama bem aparada” (Die Wélt, 1 de outubro de
1979, 6). Isso é o Zeitgeist (espírito da época) comprimido em uma fórmula
como descreveu Lippmann, que descrevería mais tarde como as fórmulas se
desmoronam e se convertem em juízos incompreensíveis para as gerações
seguintes. Até mesmo uma frase como esta, sobre a grama bem aparada
podería um dia deixar de ser compreendida. Aguçar a sensibilidade da
própria época e, ao mesmo tempo, melhorar a capacidade de compreender a
opinião pública seria algo digno de ser aprendido. O que significa, afinal, ser
um “contemporâneo”? O que significa a “atemporalidade”?

Por que Hegel insistia tanto no elemento temporal (“quem for capaz de
expressar o que diz a sua época e de realizar o que ela deseja é o grande
homem do seu tempo”)? Deveriamos compreender o que foi descrito pelo
escritor alemão Kurt Tucholsky quando disse: “Nada é tão difícil ou requer
mais caráter do que estar em conflito aberto com a própria época e dizer um
forte ‘não’” (1975, 67). Também a caricatura feita por Jonathan Swift, em
1706, quando escreveu: “Refletimos sobre o passado, as guerras,
negociações, facções e outras. Estamos tão distantes daqueles interesses que
nos maravilhamos como as pessoas puderam estar preocupadas e inquietas
com assuntos tão transitórios. Olhamos o presente e encontramos a mesma
atitude, mas não nos surpreende... Não se ouve alguém pregando nada,
exceto o tempo, que nos traz sempre os mesmos pensamentos, aquilo que os
maiores pensadores tentaram em vão nos avisar” (Swift, 1965, 241).

Em outubro de 1979, diante de uma afirmação de Madre Teresa, ecoada


imediatamente em todo o mundo, perguntei-me se nossa época estava
começando a perceber e respeitar a sutil natureza social da humanidade. A
frase dizia: “A pior enfermidade não é a lepra ou a tuberculose, mas a
sensação de não ser respeitado por ninguém, de não ser querido, de ser
abandonado por todos”. Talvez na época as pessoas não pudessem entender
como que uma afirmação tão evidente poderia ter suscitado tanta atenção.

Dois sentidos do tecido social


Ser desprezado ou excluído: esta é a maldição do leproso. Pode-se ser
leproso de muitas formas: fisicamente, nas relações emocionais com outras
pessoas e socialmente. Quanto melhor entendamos a opinião pública, melhor
entenderemos a natureza social dos seres humanos. Não podemos exigir
daqueles que temem ser considerados leprosos sociais que resistam a todas
as pressões da conformidade social, a todas as convocações de unirem-se à
multidão. Talvez devamos nos perguntar, como a psicóloga Marie Jahoda
(1959), o quão independente uma pessoa deve ser? Quão independentes
gostaríamos que fossem os bons cidadãos? Seria melhor para a sociedade
que as pessoas não se

importassem absolutamente com a opinião alheia? Jahoda questiona se um


inconformado radical completamente independente possa ser considerado
normal. Deveriamos supor que esse indivíduo esteja mentalmente doente?
Ela chega a dizer que a inconformidade ou a independência só poderão ser
consideradas virtudes cívicas, em uma pessoa, quando demonstra sua
capacidade de amoldar-se ao entorno. Tampouco deveria uma sociedade ser
condenada como intolerante ou liberal quando ameaçasse com o isolamento
o indivíduo desviado, para proteger o valor de suas convicções mantidas
socialmente.

“A opinião pública, nosso tecido social” caracteriza esses dois aspectos. Por
um lado refere-se a nossa sociedade, protegida e unificada pela opinião
pública como um tecido que cobre toda a sociedade. Em outro sentido,
refere-se também aos indivíduos, já que os que sofrem pela opinião pública
sofrem pela sensibilidade de sua pele social. Afinal, não teria sido Rousseau,
o introdutor do conceito de opinião pública na linguagem moderna, quem a
descreveu ao mesmo tempo como a inimiga do indivíduo e protetora da
sociedade?
 

25. Novas descobertas


Teria Erasmo de Rotterdam conhecido Maquiavel? O nome de Erasmo não
apareceu no índice da primeira edição alemã de A Espiral do Silêncio, de
1980. Mas na primavera de 1989, preparando as aulas da Universidade de
Chicago, comecei a me perguntar se Erasmo teria conhecido Maquiavel.

Perspectivas históricas
Para descobrir coisas novas, além de inteligência o estudioso necessita de
sorte. Eu certamente tive sorte durante o trabalho inicial sobre a espiral do
silêncio. Foi por pura sorte que encontrei em Tõnnies uma citação de
Tocqueville na qual descrevia a espiral do silêncio quase com a exatidão de
um botânico ao descrever uma planta (Tõnnies, 1922, 394). Tive sorte
quando Kurt Reumann, na época estudante pesquisador em Allensbach,
chamou-me a atenção para o capítulo 28, “Sobre outras relações”, do livro II
do Ensaio sobre o entendimento humano, de John Locke. Esse capítulo, que
havia passado despercebido em círculos profissionais, contém uma descrição
da lei da opinião, a reputação e a moda. Depois decidimos sistematizar a
busca de textos importantes, ao invés de depender do azar ou dos astros. No
Instituto de Publicística da Universidade de Mainz esquematizamos o
questionário sobre livros ao invés de pessoas (ver mais acima, no quarto
capítulo). Durante anos havíamos utilizado este questionário em seminários
realizados em Mainz para estudar cerca de 400 autores, objetivando
descobrir tudo o que podíamos sobre a opinião pública76, Foi assim que, por
exemplo, descobrimos que em um discurso inaugural da Feira do Livro de
Frankfurt de 1958, Max Fisch havia afirmado:
ÕffentlichkeitistEinsamkeitaussen (A esfera pública é solidão exposta,
Frisch, 1979, 63). Estas palavras serviram de chave sobre o medo do
isolamento com que as pessoas se deparam em público. Muitos anos depois,
quando Michael Hallemann começou a estudar o constrangimento ou
embaraço e demonstrou que este sentimento aumenta na proporção do
tamanho do público (Hallemann, 1990, 133), lembrei da formulação de
Frisch e me dei conta de como os escritores se adiantam aos acadêmicos.

Voltando a Erasmo, Ursula Kiermeier analisou três textos de Erasmo durante


o verão de 1988, utilizando o questionário sobre a opinião pública. Entre
esses textos estava Die Erziehung eines christlichen Fürsten (A educação de
um príncipe cristão), escrito em 1516 para aconselhar Carlos de Borgonha,
que na época tinha 17 anos, mas em breve se tornaria o imperador Carlos V.
Ao ler os comentários de Ursula Kiermeier sobre os textos de Erasmo,
surpreendeu-me a semelhança com os escritos de Maquiavel. Werner Eckert
(1985) havia analisado obras de Maquiavel com o mesmo questionário para
sua tese de licenciatura. Tanto Maquiavel quanto Erasmo advertiam seus
príncipes sobre a impossibilidade de se governar contra a opinião pública.
No capítulo 4 citei uma frase de Henrique IV, de Shakespeare que dizia: “Foi
a opinião pública que me deu a coroa”. Comecei a supor que Erasmo só
podia ter levado tão a sério a opinião pública devido a influência de
Maquiavel. Mas comecei a encontrar, em Erasmo, que o poder do
governante baseava-se essencialmente no consensus populi. O que um rei é a
aprovação do povo: “Acredite em mim: quem perde o favor do povo perde
um importante aliado” (Erasmo [1516] 1968, 149). Havia semelhanças entre
os textos de Erasmo e os de Maquiavel, inclusive nos detalhes. Na relação
das ameaças ao governante assemelha-se até mesmo na ordem: em primeiro
lugar aparece o ódio de seus súditos e depois o desprezo. Ambos os
escritores ressaltaram a suma importância de que o governante parecesse
grande e virtuoso. Discordam, no entanto, em um pònto crucial: Maquiavel
acreditava não ser necessário que o príncipe possuísse de fato virtudes;
bastava aparentá-las. Erasmo, como cristão devoto, tinha a ideia contrária: o
príncipe devia possuir todas as virtudes que aparentasse e não ser culpado de
crime algum; mas a realidade não era suficiente por si: era preciso que
também parecesse virtuoso diante de seus súditos, caso não o fosse5. Teriam
os dois se conhecido pessoalmente ou conheceram os escritos um do outro?
Percebi que os dois nasceram aproximadamente na mesma época: Erasmo
em 1466 ou 1469 em Rotterdam e Maquiavel, em 1469, próximo a Florença.
Mas as circunstâncias de suas vidas foram completamente diferentes.
Erasmo era filho de um sacerdote com a filha de um médico e sofreu toda a
sua vida a condição de filho bastardo. Após a morte prematura de seus pais,
ainda jovem ingressou em um monastério. Rapidamente, fez carreira como
secretário de um bispo e, em seguida, como estudioso em Sorbonne. Mas a
sua condição de bastardo o impediu de receber o doutorado em muitas
universidades. Somente foi autorizado na Universidade de Turim, no norte
da Itália, não muito longe da Florença de Maquiavel.

Todo estudioso que tenha tratado do tema da ameaça da opinião pública


experimentou, de alguma forma, o isolamento social. Talvez seja necessário
passar por este tipo de experiência para ter consciência real da pressão da
opinião pública. Até Erasmo, o "rei dos humanistas”, bem recebido em
qualquer lugar da Europa, teve a oportunidade de suportar o isolamento
social. Foi atacado em um panfleto por ser um homo pro se (homem à parte),
uma pessoa arrogante que não precisava de ninguém. Maquiavel havia sido
deposto de seu poderoso cargo de conselheiro em Florença, acusado de
traição e torturado, e enfim desterrado da cidade em sua pequena
propriedade rural.

O príncipe, de Maquiavel, e A educação de um príncipe cristão, de Erasmo,


foram obras escritas com poucos anos de diferença. Maquiavel escreveu
primeiro, em 1513 ou 1514, mas não foi publicado até 1532. Erasmo
escreveu sua principal obra em 1516 e publicou-a imediatamente após
mostrá-la a Carlos de Borgonha (mais tarde imperador Carlos V), para quem
o havia escrito. Maquiavel e Erasmo tiveram uma fonte comum: ambos
basearam seus escritos na Política, de Aristóteles. No entanto,
provavelmente nunca se conheceram pessoalmente, segundo outros autores
que já haviam notado a curiosa semelhança entre ambos, sobre os quais fui
descobrindo ao longo de minha pesquisa, assim como um viajante que
encontra, em um lugar aparentemente inexplorado, pegadas deixadas por
visitantes anteriores6.

Não me surpreendeu, por isso, descobrir John de Salisbury, escolástico


inglês que utilizou as expressões publica opinio e opiniopuhlica duas vezes,
em latim, em seu livro Policraticus, de 1159 ([1927], 1963, 39,130). Apesar
de parecer notável, ao editor inglês de Policraticus, o uso dessas expressões
em um escritor do século XII (Ibidem, 39,130), não é surpreendente, já que
John de Salisbury também havia lido os clássicos da antiguidade durante o
primeiro período humanista e havia encontrado neles a ideia do poder da
opinião pública.
O bom estadista é um expert em opinião pública
O termo “opinião pública” não aparece no Antigo Testamento. Mas o rei
Davi tinha certa habilidade para lidar com ela. Ele rasgou as próprias roupas
e jejuou debaixo do sol para mostrar a sua tristeza diante da morte de um
poderoso adversário, quando poderia parecer que havia instigado o crime.
Estas ações simbólicas eram mais eficazes que qualquer palavra para ganhar
a opinião pública.

O grande espetáculo organizado pelo rei David para acompanhar o traslado


da Arca da Aliança até Jerusalém “soltando gritos de alegria e tocando a
trombeta” com objetivo de valorizar o centro sagrado comum de Israel e de
Judá, os dois reinos sobre os quais reinava, foi uma obra prima de
integração. Mas o que demonstra que o seu modo de apresentar-se e
conduzir a opinião pública era muito mais que um ritual elaborado, foi o
papel que desempenhou ele mesmo, a maneira com a qual participou
pessoalmente na procissão, diante de todos, vestindo-se pobremente, de
modo a humilhar-se diante do Senhor. Sua esposa Micol, filha do rei,
zombou dele: “Como se distinguiu hoje o rei de Israel, dando-se em
espetáculo às servas de seus servos, e descobrindo-se sem pudor, como
qualquer um do povo”! E a resposta do rei David à filha de Saul foi: “Foi
diante do Senhor que dancei; diante do Senhor que me escolheu e me
preferiu a teu pai e a toda a tua família, para fazer-me o chefe de seu povo de
Israel, Foi diante do Senhor que dancei. E me abaixarei ainda mais, e me
aviltarei aos teus olhos, mas serei honrado pelas escravas de que falaste” (2
Samuel 6.15, 20, 22). É claro que os procedimentos atuais são muito
diferentes. Os líderes políticos de nossa época também tomam “banhos de
povo”.

A resposta de Davi a sua esposa mostra claramente que ele sabia o que
estava fazendo e o que desejava com isso. A história dos dois emissários que
Davi enviou a Hanon para expressar a sua dor pela morte do rei dos
amonitas também deve ser estudada a partir do ponto de vista da opinião
pública. Hanon, o novo rei, suspeitou que os dois emissários eram espiões
quando “raspou-lhes metade da barba, cortou-lhes as vestes bem curtas e
despediu-os”. O relato prossegue: “Davi, tendo conhecimento disso, mandou
mensageiros ao seu encontro - pois estavam profundamente humilhados -
para dizer-lhes: Ficai em Jerico até que vossa barba tenha de novo crescido,
e então voltareis” (2 Samuel 10.4, 5). David sabia que o objetivo era fazer
com que seus emissários voltassem e fossem expostos ao ridículo, à
zombaria, ficando isolados do público por parecerem idiotas; sabia, ademais,
que não somente seus mensageiros seriam prejudicados, mas a reputação do
rei que os enviou.

Erich Lamp, que analisou os fenômenos do ambiente público e da opinião


pública no Antigo Testamento, afirma que a literatura não é unânime quanto
ao significado de certos acontecimentos narrados na Bíblia (Lamp, 1988).
Ainda assim, uma clara teoria da opinião pública pode ser útil para lançar
nova luz a alguns pontos, contribuindo assim para uma melhor compreensão.
É surpreendente como Davi mostrava-se disposto em sua relação com a
opinião pública, muito mais do que seu predecessor, o rei Saul, ou seu
sucessor, o rei Salomão, para não falar desafortunado sucessor de Salomão,
Roboão, em cujo reinado Israel separou-se da Judeia. Será que não valeria a
pena estudar a precisão e acurácia com a qual os estadistas e políticos de
sucesso julgam a opinião pública?

John de Salisbury fez um comentário interessante sobre Alexandre Magno:


nada podia ser mais convincente quanto ao tamanho de Alexandre como
estadista do que o seu comportamento diante de um tribunal militar quando
foi comunicado o veredito contrário a seus interesses. Agradeceu aos juizes
porque suas convicções legais haviam sido mais importantes para eles do
que o poder do demandante (John de Salisbury [1927] 1963,130). John de
Salisbury também explicou o motivo de considerar Trajano o maior dos
imperadores pagãos do Império Romano: dizia-se que quando foi acusado de
não manter uma distância suficiente do povo, respondeu que queria ser o
tipo de rei que ele gostaria de ter quando era súdito (ibidem, 38). A relação
de um grande governante com a opinião pública inclui, portanto, dois
elementos antitéticos: carisma e proximidade.

O historiador israelense Zvi Yavetz, em seu estudo sobre Júlio Cesar e a


opinião pública, descreve o quão à vontade se sentia o imperador em sua
relação com as massas, enquanto que sua relação com os senadores era bem
mais problemática. Yavetz constata que a investigação histórica esqueceu-se
de um conceito chamado existimatio. Segundo Yavetz, existimatio - que o
dicionário traduz como “reputação”, “estimação” - era o principal conceito
usado pelos romanos para referir-se ao que hoje chamamos de opinião
pública (Yavetz, 1979, 186). Existimatio também parece sugerir uma estima
estatística, estabelecendo relação sutil com aquele sentido “quase estatístico”
da teoria da espiral do silêncio.

Minha experiência profissional me induz a crer que os políticos de sucesso


possuem uma notável capacidade para julgar a opinião pública sem recorrer
às pesquisas de opinião. No seminário de Mainz, começamos a aplicar o
questionário aos livros para analisar as obras escritas por homens de estado.
Pesquisamos, por exemplo, Richelieu. Eu seu Testament politique
(Testamento político) para o rei Luiz XIII, Richelieu (1585-1642) compara o
poder de um governante a uma árvore com quatro galhos: o exército, os
funcionários públicos, os fundos de capital e a reputação. O quarto galho, a
reputação, é o mais importante deles, já que o governante que disfruta de
uma boa reputação consegue mais apenas com o seu nome do que outros
com exércitos que não o respeitam. Richelieu demonstra que preocupa é a
boa opinião do povo. A fonte do poder do governante, a raiz da árvore, é “o
tesouro dos corações” (le tresorde coeurs) dos súditos. Mas Richelieu
também adverte sobre “os risos do mundo” (la risée du monde), que se
deveria evitar. Enquanto nas decisões políticas * como a proibição do duelo
ou abolição de nomeações injustas - pesam os prós e contras a essas medidas
levando em conta a opinião pública. Richelieu mostra que as considerações
racionais têm menos importância do que o “riso do mundo” quando se trata
de assuntos morais7. Richelieu utilizou-se imediatamente da mais nova
arma, os jornais, que tiveram sua primeira aparição em 1609. Com bateu
seus adversários no Mercure Français e, mais tarde, fundou seu próprio
jornal La Gazette de France.

Bernd Niedermann concluiu sua exposição sobre Richelieu no seminário de


Mainz com a seguinte exortação: “Devemos utilizar nosso questionário para
estudar Napoleão, Mettemich e Bismarck”!

O rei que perde o apoio do povo deixará de ser rei


(Aristóteles)
A sensibilidade para a opinião pública podería ter salvado César, quem sabe,
de ser assassinado. Zvi Yavetz pergunta-se: por que, afinal, deixou seus
guardas espanhóis marcharem? Se eles o estivessem protegendo, seus
assassinos provavelmente não teriam se atrevido a atacá-lo. Julio Cesar teria
passado tempo demais no exterior? Fizera com que se perdesse toda a sua
sensibilidade para a opinião pública? De fato, tinha planejado que iria
declarar guerra contra os nascimentos três dias depois de seu assassinato, no
início de março. Isso nos lembra de Erasmo, que advertiu ao príncipe a não
passar tempo demais no exterior, se não quisesse perder o contato com a
opinião pública. Também o alertou que as longas ausências poderíam tomá-
lo diferente de seu próprio povo. O êxito de um governante depende de uma
sensação de semelhança de família entre ele e seu povo. Erasmo advertia
inclusive contra a política dinástica matrimonial da época: o matrimônio
com uma mulher de outra casa real alheia ao próprio povo. Será que tudo
não teria sido diferente na Revolução Francesa se Luís XVI não tivesse
casado com a austríaca Maria Antonieta? Embora o povo a tenha recebido
com certa tolerância nas ruas, acabou dando as costas a ela quando aparecia
em sua carruagem.

Risada homérica
Recorremos agora a textos ainda mais antigos, à Ilíada e a Odisséia,
considerados os escritos literários mais antigos do Ocidente. Eles foram
mitos transmitidos oralmente durante muitas gerações antes que Homero os
pudesse ter escrito, no século VIII a. C. A seguinte análise se baseia na tese
de literatura de Tassilo Zimmermann, que examinou a Ilíada utilizando o
questionário criado em Mainz.

Homero começa a sua epopeia com a descrição de uma cena em uma praia
próxima da cidade de Tróia. No segundo livro da Ilíada, Agamenon convoca
uma reunião do exército aqueu na tentativa de pôr à prova a sua moral.
Nessa convocação, enumera os argumentos em favor do fim da guerra, que
já durava nove anos, e voltar finalmente para casa. Os soldados, então,
comportam-se como o bando de gralhas descritas por Konrad Lorenz, que
por meio de granidos de “para a floresta!”, “para o campo!”, vão e vêm até
que um grupo acaba impondo-se e todos voam na mesma direção (Uexküll,
1964, 174). Os soldados reagem. Alguns gritam: “aos barcos! Vamos
embora!”. Outros, porém, especialmenteos de áltapatente, gritam: “Alto!
Quietos! Sentados!”. Forma-se uma cena caótica, com os primeiros soldados
pegando os barcos, colocando-os na água. Ulisses enfrenta os soldados que
gritam mais forte e detém-nos aos golpes. Consegue isolar Tersites, um dos
chefes que estava a favor da debandada, e faz com que toda a ira se
concentre nele. Tersites é o bode expiatório perfeito: “Era ele o mais feio dos
homens... aleijado, torto de um pé, de ombros curvados e contraídos sobre o
peito e o crânio pontiagudo coberto por um cabelo ralo”8. A maioria pensa a
mesma coisa que Tersites; mas, como Ulisses começa a zombar dele, o riso
homérico vai se estendendo soldado por soldado até que Tersites se vê
sozinho. O exército aqueu volta a sentar-se e decide continuar a guerra.

Embora Homero não diga uma palavra sobre opinião pública, descreve o
papel dos risos quando trata de criar uma ameaça de isolamento que
determina o processo da opinião pública, O medievalista francês Jacques Le
Goff assinala que tanto os hebreus quanto os gregos possuem palavras
distintas para designar as diversas formas de risos públicos. Uma é positiva,
amistosa e integradora; a outra é negativa, zombadora e desintegradora. Os
romanos, com um idioma menos rico, tinham apenas uma única palavra para
as risadas (Le Goff, 1989, n3). Consequentemente, começamos a pesquisar
os meios pelos quais são percebidas as ameaças de isolamento. Como um
indivíduo descobre que está afastado do consenso da opinião pública? E o
que ele deve fazer se não quiser ser isolado e exilado da comunidade de
amigos? Existem muitos sinais diferentes, mas as risadas têm um papel
especialmente importante. Voltaremos a este ponto no capítulo 26.

As leis não escritas


Evidentemente, os gregos davam por certa a eficácia da opinião pública,
como demonstra sua atitude aberta a respeito das “leis não escritas”. O
estudo a seguir é baseado no capítulo 2 da tese de licenciatura de Anne
Jãckel, intitulada “As leis não escritas à luz da teoria psico-sociológica da
opinião pública”.

Até agora, a passagem mais antiga que menciona as leis não escritas está em
A guerra do Peloponeso, de Tucídides (460-400 a. C.). Trata-se de um
discurso de Péricles durante o primeiro ano da guerra (431-430 a. C.) que
acabaria com a completa derrota de Atenas. Para mostrar a grandeza de
Atenas no auge de seu poder, Tucídides dizia a Péricles:
Apesar de não nos sentirmos constrangidos em nossas relações privadas, um
espírito de reverência enche nossos atos públicos. O respeito à autoridade e
às leis nos impede de agir mal e nos fazem ter uma consideração especial
pelas leis destinadas a proteger os prejudicados, assim como pelas leis não
escritas que pesam sobre o transgressor com a reprovação do sentimento
geral (Tucídides, 1881,118).

Muitos outros autores gregos referiram-se às “leis não escritas9”, mas as


palavras de Péricles dizem tudo o que há para dizer: as leis não escritas não
obrigam menos que as escritas, mas, ao contrário, tendem a ser mais fortes
que estas, como afirmou Locke, quando classificou os três tipos de leis
(Locke [1690] 1894,476). As leis não escritas não são apenas leis do
costume. O costume por si só não tem força ativa. Como disse Locke, o
efeito depende do conhecimento de que a transgressão leva a uma punição
dolorosa. De acordo com Locke, apesar da ameaça de castigo não estar
disposta em forma escrita na lei, quem quer que acredite que esse fato a fará
menos efetiva, não conhece a natureza humana. A ignomínia da qual falava
Péricles, a perda da honra e da reputação, entre os cidadãos que aplicam o
castigo, com toda a força de sua opinião comum, estão entre as piores coisas
que podem acontecer a alguém (Tucídides, 1881).

O desprezo público é o resultado da violação das normas morais contidas nas


leis não escritas. Platão afirma que a relação entre leis escritas e não escritas
é comparável à que existe entre o corpo e a alma. As leis não escritas não
são um mero complemento das escritas, mas a verdadeira base do direito.

A opinião pública na Canção dos Nibelungos


Os estudantes de nosso seminário continuaram crendo que a opinião pública
só havia sido relevante para uma pequena elite nos séculos passados e que,
portanto, só tinha influência sobre as classes superiores. Mesmo assim, já
haviam lido na edição de 1588 dos ensaios de Montaigne que isso não era
bem assim. Como dissemos mais acima, Montaigne citava Platão, que havia
elaborado uma estratégia para modificar a opinião pública sobre a
pederastia. Afirmava que essa estratégia acabaria modificando a opinião de
todos e de cada um, inclusive das mulheres, das crianças e dos escravos.
Em nosso seminário de Mainz, encontramos além da descrição dos
processos da opinião pública dos antigos gregos, mas também na Canção dos
Nibelungos, o antigo poema épico da Alemanha medieval, escrito quase mil
anos depois de Homero. O termo "público” só aparece uma vez no poema
épico, mas é na cena que origina toda a extraordinária tragédia
(Nibelungenlied, 1965, 138). É a "décima quarta aventura”, na qual a rainha
Kriemhild e a rainha Brünhild discutem às portas da igreja quem deve entrar
primeiro. A praça da Igreja está cheia de populares, como também estaria
hoje em dia se houvessem duas rainhas na porta. A rainha Krimhild enfrenta
a rainha Brünhild "diante de todo o povo” por haver dormido com Siegfried
ao invés de seu próprio marido Gunther, na noite de bodas. Quem poderia
dizer que no passado eram apenas as classes altas que estabeleciam a
reputação e a opinião pública?

Uma alegoria de 1641


Quando David Hume afirmou que "o governo só se baseia na opinião
pública”, limitou-se a repetir o que Aristóteles havia dito dois mil anos antes
e o que fora repetido, depois, por quem tivesse lido a Política de Aristóteles,
como Maquiavel e Erasmo. Hume deve ter dado por certa a ideia dessa regra
da opinião pública depois de todos os acontecimentos das revoluções
inglesas do século XVII. Em 1641, surgiu na Inglaterra uma alegoria
ilustrada intitulada "O mundo é regido e governado pela opinião”10, oito
anos antes da decapitação de Charles I (Haller, 1965). Esta alegoria constitui
uma espécie de mapa do que havia sido descoberto sobre a opinião pública
naquela época.

"O que significa esse camaleão que tem nas mãos, que pode adotar todas as
cores exceto o branco?”, pergunta o jovem nobre à opinião pública, que está
na copa da árvore. "Assim, a OPINIÃO pode transformar-se em todas as
formas que ouve, exceto na VERDADE, no que é certo.” “E por que
escorrem esses ramos das raízes da árvore das OPINIÕES, de modo tão
abundante?”, pergunta o jovem nobre. "Porque uma opinião pode discorrer
assim e multiplicar-se até ao infinito”, respondeu. “E, senhora, que fruto é
esse que cai da árvore com cada ventinho? Parecem livros e jornais. E estás
cega, tens os olhos cobertos?”.
A resposta confirmava a ideia de Platão de que a opinião pública inclui
todos: escravos e livres, mulheres e crianças, e todos os cidadãos. Porque os
frutos da opinião pública, livros, jornais, revistas, não alcançam somente as
classes altas. Estão nas ruas, lojas e vitrines. E os dois últimos versos do
diálogo insistem nessa onipresença.

E por que seria chamado de tolo aquele que rega algo tão importante como a
opinião pública? Porque é o tolo é quem concede vida a ela. Isso nos faz
pensar nos aspectos pelos quais os tolos regam a opinião pública em nossos
dias.

Ausência do conceito de opinião pública na


Alemanha apolítica
A cultura política alemã nunca deu muita atenção ao conceito de opinião
pública. Em alemão, o conceito aparece muito tardiamente, após já ter
surgido em inglês, francês ou italiano. E quando isso acontece é como mera
tradução literal do francês opinion publique. Durante um tempo, acreditamos
que o primeiro a ter mencionado havia sido o poeta Klopstock, em sua ode
An die õffentliche Meinung (A opinião pública), de 1798. Quando
terminamos a edição de 1980 de A espiral do silêncio, o exemplo mais
antigo que havíamos encontrado era uma das Gesprãche unter vier Augen
(Conversas confidenciais) de Wieland: Über die õffentliche Meinung (Sobre
a opinião pública), de 1798. Somente depois descobrimos Johannes von
Müller, o suíço que havia empregado a expressão “opinião pública” pela
primeira vez em alemão em 1777 (Müller [1777] 1819, 41). Johannes von
Müller era um historiador profissional - atualmente o denominamos cientista
político e jornalista - que dava conferências por toda a Alemanha e era
chamado a colaborar como conselheiro político. Provavelmente contribuiu
para a difusão do conceito de opinião pública83.
 
83. [C.]: Em 1690, o alemão Tobias Peucer publicou sua tese na
Universidade de Lei-pzig, intitulada De relationibus novellis -
traduzido do latim como “os relatos jornalísti-
Gravura de Wenceslas Hollar, 1641. Catálogo de gravuras

satíricas do Museu Britânico, 272.

d0 uso^s^era<^a ° Primeiro estudo sobre jornalismo» a tese faz um pequeno


histórico bOrn j0 S1n°tícias e ° aparecimento dos primeiros jornais. Procura
ensinar a fazer o Preciso na 1Sm° ép°ca, fazendo referência à opinião pública
sem usar o termo: “é mente ern^ri^Uar Se ^uan<^° um ^ato acontecido
recentemente é anunciado imediata-c°ncordarn°Ca^S ^versos’ ® confirmado
pelo testemunho de muitos. Quando estes nào alerta para’ C°n^erern uma
credibilidade provável às coisas narradas”. Peucer também P°deria ra ° Perig°
da divulgação de coisas vergonhosas dos príncipes, o que lhes causar dano.

Que todos vejam e ouçam


Assim como em 1980, ainda há problemas para traduzir o conceito. Um
exemplo disso é a dificuldade de expressar a dimensão psicossocial do
“público”, uma situação na qual o indivíduo é visto e julgado por todos e por
cada um, de maneira que sua reputação e sua popularidade estejam em jogo.
O significado psicossocial do público só pode ser deduzido indiretamente do
uso linguístico, aquilo que expressamos quando dissemos que algo
aconteceu “à vista de todos” (ín the spotlight), Ninguém diria que um
concerto ocorreu à vista de todos. A expressão latina coram publico, já
possuía as mesmas conotações. 0 humanista e novelista francês François
Rabelais, contemporâneo de Erasmo, não hesitou em empregar os termos
“diante de todos”, “diante de todo o mundo” e publicquement (Rabelais,
1955, 206, 260, 267). Foi uma grande surpresa descobrir que, até o século
XX, era quase impossível traduzir, para inglês, expressões como
Õffentlichteit ou publicquement. Passei semanas procurando encontrar uma
solução, falando com companheiros e estudantes, em Chicago. Foi inútil.
Um dia, encontrava-me em um taxi, em Nova York. O taxista estava ouvindo
notícias no rádio quando ouvi o locutor terminar uma notícia dizendo: “o
olho público tem seu preço”. Encostei-me no assento. Essa era a tradução. In
aller Õffentlichkeit: diante do olho público (public eyé), Isso expressava o
sentido psicossocial do conceito alemão Õffentlichkeit: à vista de todos.
Gunnar Schanno, um de meus alunos no seminário de Mainz, acrescentou
que a expressão tinha origem em Edmund Burke, em 1791 (Burke [1791]
1826,79). Burke não havia se referido somente ao “olho público”, mas
também ao “ouvido público”, que traduzimos para o alemão como vor aller
Ohren. Ambas as expressões estão presentes. O contexto no qual Burke as
empregou é também interessante. Ele discutia, por exemplo, o que fazia um
aristocrata por natureza, acostumado desde muito jovem a estar submetido à
crítica pública e diante do olho público’. Burke acrescentava: “observar a
partir do seu princípio a opinião pública” (Burke, 217). Erasmo e Maquiavel
já haviam ensinado aos seus príncipes que não deviam ocultar-se do público,
mas aprender a ser visíveis11.

Nietzsche, inspirador de Walter Lippmann


Grande parte do que escreveram os autores alemães do século XIX sobre a
opinião pública e a natureza social do homem, parece não ter sido
descoberto ainda. Kurt Braatz encontrou quase por casualidade em uma obra
do norte-americano Harwood Childs uma referência a um autor alemão de
meados do século XIX, que havia ficado completamente esquecido na
Alemanha. Nem mesmo Ferdinand Tõnnies, o principal teórico da opinião
pública da primeira metade do século XX, ou Wilhelm Bauer, o historiador
mais importante, mencionaram o esquecido autor. Childs referia-se a Carl
Ernst August Freiherr von Gersdorff, membro da câmara alta do Parlamento
da Prússia e doutor em filosofia. Seu principal trabalho foi publicado em
1846, inditulado UeberdenBegriff und das Wesen der oeffentlichen Meinung,
Ein Versuch (Sobre o conceito e a essência do conceito de opinião pública.
Um ensaio). Childs teria encontrado esse autor quando estudava na
Alemanha nos anos de 1930, mas não o havia mencionado até que publicou
Public Opinion, na metade da década de 1960. Braatz estava especialmente
interessado por Nietzsche e ficou surpreendido com a semelhança de seu
nome com o nome do amigo e secretário de Nietzsche, Carl von Gersdorff.
Na verdade, em sua investigação, Braatz descobriu que o jovem que havia
ajudado o filósofo alemão, sobretudo quando trabalhava em suas
Unzeitgermãsse Betrachtungen (considerações intempestivas), era filho do
autor do ensaio sobre opinião pública. E apesar de Nietzsche nunca ter
mencionado o referido ensaio e nem o nome do pai de seu funcionário e
amigo, chama a atenção o fato de que teria sido por aqueles mesmos anos o
início do seu interesse pelo tema da opinião pública, quando mencionou
algumas vezes em seus escritos. Para comprovar que Nietzsche se havia
interessado seriamente pelo fenômeno, Braatz escreveu aos Arquivos
Nietzsche de Weimar, onde está a biblioteca privada do filósofo, pedindo aos
bibliotecários que comprovassem se haviam passagens importantes sobre a
opinião pública sublinhados nos livros de determinados autores ou se havia
anotações em suas margens. Braatz estudou sistematicamente os escritos de
von Gersdorff pai e os comparou com as afirmações de Nietzsche sobre a
opinião pública. Demonstrou assim que Nietzsche havia adotado muitas das
idéias de von Gersdorff no campo da psicologia social (Braatz, 1988). Von
Gersdorff descreve a opinião pública do mesmo modo como a vemos
atualmente: “A opinião pública, tal como a vejo, deve existir sempre na vida
intelectual (...), desde que as pessoas tenham uma vida social (...). Não pode,
pois, deixar de existir ou ser destruída. Está em toda parte e o tempo todo”.
Não está sujeita a qualquer limitação temática e ser “melhor chamada: a
comunidade de valores com os quais um povo julga os assuntos sociais de
sua época, baseado nos costumes e na histórica e criada, mantida e
transformada pelos conflitos da vida (...). Ademais, como se sabe, a opinião
pública é propriedade comum de um povo inteiro” (Gersdorff, 1846,10,12,
5).

Gersdorff desconfia que a maior parte do poder da opinião pública procede


do silêncio temeroso de muitos indivíduos. Propõe “pesquisar as razões da
abstenção silenciosa de julgamentos de valor”. Von Gersdorff afirma ainda
explicitamente que os processos de formação de opinião não vêm somente
de considerações racionais, mas possuem uma origem psico-antropológica.
Ele fala de “correntes galvânicas”12. Ao pesquisador moderno da opinião
pública, isso evoca imediatamente o modo pelo qual ocorrem as mudanças
de atitude em todos os grupos sociais em um prazo de poucas semanas, em
todas as zonas geográficas, em todas as faixas etárias e todas as classes
sociais.

Enquanto pesquisava as idéias de Nietzsche sobre a opinião pública, Braatz


descobriu múltiplas conexões que eu não havia percebido quando publiquei
a primeira edição de A Espiral do Silêncio. Descobriu que Spencer havia
sido o primeiro a utilizar o conceito de “controle social”, em 1879 (Spencer
[1879] 1966, 383), termo adotado e popularizado  depois por Edward Ross
nas ciências sociais. Nossa admiração, no entanto, pelo vigor do livro
Opinião Pública, de Lippmann, de 1922, não diminui por causa da
impressão, baseada na comparação dos textos, de que provavelmente
Nietzsche há havia antecipado muitas de suas idéias. Isso se verifica tanto
ao papel dos estereótipos quanto dos veículos da opinião pública, em séu
princípio básico, baseado no ponto de vista de que o observador configura o
observado. Nietzsche escreve: “Somente se vê a partir de uma perspectiva
determinada; somente se entende’ desde uma perspectiva determinada”
(Nietzsche, 1967, 383). Até mesmo a curiosa distinção entre Opinião Pública
(com maiúsculas) e a opinião pública (com minúsculas) parece não ser uma
ideia original de Lippmann, mas algo que remonta à análise de Nietzsche.
 

26. Por uma teoria da opinião


pública
Em meados da década de 1930, havia muitas expectativas no campo de
pesquisa da opinião pública, quando a eficácia do método dos questionários
em amostragens representativas havia sido demonstrada pelo sucesso na
previsão dos resultados das eleições presidenciais americanas de 1936.
Poucos meses depois, apareceu o primeiro número da nova revista Public
Opinion Quarterly. Nele havia um ensaio introdutório de Floyd H. Allport
intitulado “Por uma ciência da opinião pública”. Vinte anos depois, em 1957,
o título do ensaio de Herbert H. Hyman “Por uma teoria da opinião pública”,
publicado também em Public Opinion Quarterly, demonstrava o mesmo
entusiasmo.

Já em uma aparição ulterior desse termo na mesma revista, em 1970, era


possível perceber certa dose de impaciência. As atas da 25° Conferência
Anual da American Association for Public Opinion Research, incluíam
informações sobre uma seção com o título “Por uma teoria da opinião
pública”. Os principais oradores foram o psicólogo Brewster Smith e o
cientista social Sidney Verba, da Universidade de Chicago. O psicólogo
afirmou que a investigação “não abordou o problema do modo como as
opiniões individuais se articulam para formar condições sociais e políticas.
O problema dessa articulação, relevante em qualquer concepção da opinião
pública
como fato social, é prioritário para a ciência política e a sociologia” (Smith,
1970, 454). O cientista social, por sua vez, sustentou: "Grande parte da
pesquisa sobre opinião pública política é irrelevante para a elaboração da
teoria macropolítica sobre a relação entre as atitudes da massa e o
comportamento em resultados políticos significativos. Essa irrelevância
decorre principalmente do fato de que a maioria das pesquisas sobre opinião
pública concentra-se no indivíduo como unidade de análise” (Verba, 1970,
455).

Basicamente, ambos os oradores da Conferência buscavam uma resposta à


mesma pergunta: como a soma das opiniões individuais, tal como são
definidas pelas pesquisas, transforma-se no imenso poder político conhecido
como "opinião pública”?

Indiferença pela opinião pública


A resposta demorou a chegar, porque ninguém buscava um imenso poder
político. Nenhuma das 50 definições de opinião pública, recolhidas por
Harwood Childs no famoso capítulo segundo de seu livro Public Opinion,
dizia respeito explicitamente ao poder da opinião pública (Childs, 1965, 12-
41). Ao invés disso,, com o tempo várias definições acabavam por confundir
o barômetro, por assim dizer, da sua percepção. "A opinião pública refere-se
às reações das pessoas diante de afirmações e perguntas claramente
formuladas e uma situação de entrevista” (Warner, 1939, 377); ou “a opinião
pública não é o nome de uma coisa, mas uma classificação de uma série de
coisas que, distribuídas e ordenadas estatisticamente, apresenta vigências ou
recorrências que chamam a atenção ou provocam interesse” (Beyle,
1931,183).

Como pode uma classificação estatisticamente ordenada derrubar um


governo ou deixar um indivíduo com medo de se expressar em público?

A espiral do silêncio não é compatível com o ideal


democrático
Era previsível que a teoria da espiral do silêncio não fosse recebida como um
progresso na direção de uma nova teoria da opinião pública quando foi
apresentada pela primeira vez no Congresso Internacional de Psicologia de
Tóquio, em 1972. Nem mesmo em 1980 ou 1984, quando meu livro
apareceu em alemão e em inglês respectivamente. Isso porque não havia
lugar, nesta teoria, para o cidadão informado e responsável, o ideal da teoria
democrática. A teoria democrática clássica não leva em conta o medo do
governo, tampouco o da opinião pública pelo indivíduo. A teoria
democrática não trata de temas como a natureza social do homem, a
psicologia social ou a origem da coesão social.

Uma equipe de investigação teuto-americana formada por Wolfgang


Donsbach, da Universidade de Mainz, e Robert L. Stevenson, da
Universidade do Norte (Chapei Hill), colocou à prova a tese da espiral do
silêncio nas pesquisas eleitorais realizadas na Carolina do Norte, pelo
Instituto de Pesquisa da Comunicação daquela universidade. Eles
confirmaram a tendência de um dos grupos a permanecer em silêncio sobre o
tema controverso dalegislação do aborto. Mas ao mesmo tempo, eles se
mostravam pessimistas sobre a possibilidade de defender a teoria da espiral
do silêncio. A teoria consiste, escreveram eles, em uma longa cadeia de
hipóteses, uma cadeia de relações causais. “Em termos micro-sociológicos,
essa cadeia começa com a variável psicossocial do medo do isolamento, a
tendência de se expressar ou ficar quieto e, em termos macrossociais, com a
integração da sociedade” (Donsbach e Stevenson, 1986, 14; ver também 7).
Cada elo da cadeia tinha aspectos questionáveis e passíveis de crítica. A
teoria relacionava teses de diversas ciências sociais que tradicionalmente
eram consideradas separadas, sejam elas: hipóteses de teorias da conduta e
atitudes, de teorias da comunicação e teorias sociais (Ibidem, 8). Talvez
estivessem certos ao sustentar que a incapacidade para respeitar as fronteiras
entre as diferentes disciplinas colocava nossa teoria em desvantagem.
Naquele momento, os acadêmicos não tendiam a estar tão interessados no
diálogo sobre disciplinas relacionadas com as suas.

O que é preciso saber para analisar a opinião


pública
Só é possível avançar na direção de uma teoria da opinião pública de posse
de uma definição clara do conceito, assim como um conhecimento das
condições necessárias para o estudo empírico da opinião pública. Elaborei
uma lista de seis perguntas básicas que podem servir para facilitar esse
empreendimento. As respostas a essas perguntas nos dão a informação
mínima necessária para comprovar a teoria da espiral do silêncio (Noelle-
Neumann, 1989a, 20):
 
1.   É preciso determinar o alcance da opinião pública sobre um dado
tema utilizando métodos pertinentes de pesquisa representativa.

2.  É necessário avaliar o clima de opinião, a opinião individual sobre 4


o que a maioria pensa?”. Isso mostra, de certa forma, um panorama
completamente novo.

3.  Como o público crê que o tema controverso irá evoluir? Que grupo
vai ganhar força e qual perderá terreno?

4.   Medir a disposição de se expressar sobre tema determinado ou


tendência a ficar em silêncio, especialmente em público.

5.   O tema em questão possui um forte componente emocional ou


moral? Sem esse componente não há pressão da opinião pública nem,
portanto, espiral do silêncio.

6.   Qual a posição adotada pelos meios de comunicação diante desse


tema? Que grupo as mídias mais influentes manifestam apoio? Os
meios de comunicação são uma das duas fontes das quais procede a
estima que as pessoas têm

do clima de opinião. A mídia influente fornece palavras e argumentos aos


outros jornalistas e aos que estão de acordo com eles, influenciando assim no
processo de opinião pública e na tendência de expressar ou ficar em silêncio.

A maioria silenciosa não contradiz a espiral do


silêncio
Alguns pesquisadores que quiseram pôr à prova a teoria da espiral do
silêncio, também propuseram que não se levasse em conta a influência dos
meios de comunicação, ao menos inicialmente, de modo a simplificar seus
estudos (ver Glynn e McLeod, 1985,44). Obviamente, isso os levaria a
refutar a teoria da espiral do silêncio quando o tom da mídia fosse muito
diferente ou oposto ao tom da opinião pública. 0 processo da espiral do
silêncio não tem se oposto, nem mesmo em uma única ocasião, à linha
adotada pelos meios.

0 apoio da mídia à opinião de um indivíduo o estimula fortemente a se


expressar. Um exemplo disso, na Alemanha, foi a questão de se os membros
do Partido Comunista poderíam ou não ser juizes (ver páginas anteriores).
Ainda que a minoria favorável fosse certamente muito pequena e ciente da
sua situação minoritária, ela era muito mais disposta a falar do que a maioria
desfavorável aos comunistas. A maioria, que sentia-se carente de apoio dos
meios de comunicação, se converteu em uma maioria silenciosa. O
cartunista inglês de 1641 (do qual falamos no capítulo anterior), tinha boas
razões para representar a árvore da opinião pública com periódicos e livros
pendurados. Como muitos outros assuntos, o tema da objeção dos
comunistas serem juizes da Suprema Corte tornou-se quase incompreensível
após uma ou duas décadas. A pressão exercida pela opinião pública
desapareceu completamente como nuvens de uma tempestade. Até mesmo
averiguando os jornais da época, já amarelados pelo tempo transcorrido,
seria impossível captar a essência do seu tom contra o chamado “decreto
sobre radicais”, que proibia o acesso de comunistas declarados ao serviço
público.

Pressupostos da teoria
Com a ajuda das seis perguntas enumeradas anteriormente, foi possível criar
um esquema de estudos de caso e realizar previsões. Em um tema como a
energia nuclear, em que há uma clara tomada de posição dos meios de
comunicação além de um forte componente moral relativo à segurança das
gerações futuras, esperávamos que os oponentes do uso da energia nuclear
estivessem mais dispostos a se expressar em público e pareçam mais fortes
no clima de opinião do que os favoráveis (Kepplinger, 1988, 1989a). Sabine
Mathes confirmou esta suposição em sua tese de licenciatura na
Universidade de Mainz (Mathes, 1989). Somente quando os partidários são
reduzidos a um núcleo duro será possível esperar que demonstrem uma
maior vontade de falar em público que seus oponentes (ver sobre o “núcleo
duro”, no final deste capítulo).

Qual teoria aparece após a análise deste estudo de caso? A teoria da espiral
do silêncio se apoia no pressuposto de que a sociedade - e não somente os
grupos nos quais as pessoas se conhecem mutuamente -ameaça os indivíduos
com o isolamento e a exclusão social daqueles que se desviam do consenso.
Os indivíduos, por sua vez, têm um medo do isolamento que é em grande
parte subconsciente e provavelmente determinado de modo genérico. Este
medo do isolamento faz com que as pessoas busquem comprovar
constantemente quais são as opiniões e comportamentos aprovados ou
desaprovados no seu meio, e quais deles estão ganhando ou perdendo força.
A teoria postula ainda a existência de um sentido quase estatístico que
permite realizar essas estimativas. Os resultados de suas estimativas
influenciam na inclinação das pessoas a expressarem-se, assim como em seu
comportamento geral. Se as pessoas creem que sua opinião faz parte de um
consenso, expressam-se com confiança em conversas públicas ou privadas,
manifestando suas convicções seja com bottons, adesivos, mas também pela
roupa que vestem e outros símbolos publicamente perceptíveis.
Inversamente, quando as pessoas se sentem em minoria tornam-se prudentes
e silenciosas, reforçando assim a impressão de fraqueza, até que o grupo
aparentemente mais fraco desaparece, sobrando apenas um núcleo duro que
se aferra a seus valores anteriores, ou até que a opinião converta-se em um
tabu.

É difícil verificar a teoria porque se baseia em quatro pressupostos


diferentes. Possui, porém, um quinto pressuposto que diz respeito à relação
entre os quatro primeiros.

Os quatro pressupostos são:


 
1. A sociedade ameaça os indivíduos desviados com o isolamento

2.  Os indivíduos experimentam o medo constante do isolamento

3.   Este medo faz com que os indivíduos busquem avaliar


continuamente o clima de opinião
4.   Os resultados desta avaliação influenciam no comportamento em
público, na expressão pública ou no ocultamento das opiniões.

0 quinto pressuposto afirma que os anteriores estão relacionados entre si, o


que proporciona uma explicação da formação, da manutenção e modificação
da opinião pública.

Qualquer comprovação empírica destes pressupostos exige que sejam feitas


por indicadores observáveis nas situações que podem ser registradas por
meio de entrevistas.

A comprovação da ameaça de isolamento


A opinião pública, afinal, exerce mesmo uma ameaça de isolamento? Essa
ameaça teria a função de defender a opinião pública contra os indivíduos que
sustentam opiniões divergentes? A função da opinião pública obtém maior
aceitação mediante a ameaça de isolamento? Nós nos consideramos uma
sociedade liberal. O termo "liberal” possui uma conotação positiva para 52%
da população alemã e 64% dos pais alemães que procuram incentivar seus
filhos à virtude da “tolerância”.

Ameaçar alguém que discorde da opinião pública é uma atitude certamente


intolerante. Por isso é tão difícil fazer perguntas sobre este tema em uma
entrevista. Mesmo assim, na edição de 1984 de A Espiral do Silêncio, foi
possível descobrir vários tipos diferentes de ameaça de isolamento. Um
exemplo é a pergunta sobre o automóvel com os pneus furados,
deliberadamente, porque levava um adesivo de um partido rejeitado pelo
entrevistado (ver primeiros capítulos).

Como parte de nossas pesquisas de opinião eleitorais, utilizamos também


uma pergunta sobre o condutor forasteiro, cujo pedido de informação é
rejeitado por um transeunte da cidade. A pergunta termina com a frase: “É
preciso acrescentar que o condutor leva um botton de propaganda política
colado em seu casaco. De que partido você acha que é o botton dele?”.
Então, formulamos ainda uma pergunta sobre qual o partido que tinha os
cartazes arrancados e rasgados com maior frequência, o que, acreditamos,
revelaria em alguma medida a ameaça pública de isolamento contra os
simpatizantes daquele partido.
Em Mainz, começamos a aprofundar seriamente sobre como funciona a
ameaça de isolamento. Sabine Holicki (1984) escreveu uma tese de
licenciatura intitulada “A ameaça de isolamento: aspectospsico-sociológicos
de um conceito da teoria da comunicação”. Outra tese, de Angelika Albrecht
(1983), chamava-se: “Rir e sorrir: isolamento ou integração?”. Recordamos
que Stanley Milgram havia utilizado engenhosamente sinais acústicos como
assobios, vaias e risadas depreciativas como sinais de ameaça de isolamento
(ver capítulo 3). Mas até 1989, não me dei conta do teste que estava
procurando a tanto tempo. Só precisava levar em conta os sinais de
comportamento conformistas descritos na literatura sobre o tema e aquilo
que a psicologia social dizia sobre as risadas, ainda que esses estudos não
mencionem a opinião pública (Nosanchuk e Lighstone, 1974; Berlyne,
1969). Aplicamos o novo teste imediatamente ao tema da energia nuclear,
utilizando as vaias e risadas depreciativas como indicadores. O texto da
pergunta dizia: “Gostaria de lhe contar um incidente que ocorreuhápouco
tempo em uma grande reunião pública sobre a energia nuclear. Havia dois
oradores principais. Um falou a favor da energia nuclear e o outro, contra.
Um deles foi vaiado pelo público. Qual deles você acredita que foi vaiado?
O orador que defendia a energia nuclear ou aquele que se opunha a ela?”.
Dos alemães que responderam, 72% deles opinavam que o orador vaiado
havia sido o defensor da energia nuclear; e somente 11% disseram se tratar
do opositor. Os indecisos somente constituíram 17% (ver tabela 27).

Tabela 27. A comprovação do teste do isolamento na Alemanha e Reino


Unido: a energia nuclear___________________________________

Pergunta: “Gostaria de contar um incidente que ocorreu recentemente em


uma audiência pública sobre energia nuclear. Havia dois oradores principais,
um a favor e outro contra a energia nuclear. Um deles foi vaiado pelo
público. Qual dos dois você acha que foi
vaiado?”.___________________________________
Não há dúvidas de que a ameaça de isolamento existe e que as pessoas
sabem quais opiniões implicam em um alto risco de ativação dessa ameaça
quando é expressa publicamente. Poucas semanas depois, o mesmo teste foi
aplicado na Grã-Bretanha. Nosso colega Robert J. Wybrow incluiu a
pergunta na entrevista de seu ônibus de entrevistas, com o qual fizeram
1.000 entrevistas, conseguindo resultados em pouquíssimo tempo. No Reino
Unido, o clima de opinião também estava claramente contra os que
apoiavam a energia nuclear, ainda que não no mesmo grau. É indubitável
que um clima de opinião tão hostil influencie na predisposição individual a
falar ou ficar em silêncio. De qualquer forma, foi importante que os
entrevistados ingleses aceitaram incluir a pergunta em seu teste. Toda a
teoria da opinião pública deve ser aplicável internacionalmente. Embora
possa diferir em aspectos específicos em cada país e cada caso, deve ser
possível confirmar internacionalmente a essência destes estudos.

Assim, o teste deve poder ser aplicado em diferentes culturas. Ocorreu-me o


estilo tão civilizado das relações sociais no Japão e duvidei que o novo teste
de ameaça de isolamento pudesse ser aplicado naquela cultura, já que até os
estudantes norte-americanos se sentiam ofendidos quando se aplicava o
teste, quando se mencionava a ideia de furar os pneus de um carro por causa
dos adesivos de um partido impopular.
Quando discuti sobre a pergunta do teste com Hiroaki Minato, estudante
japonês de um de meus seminários da Universidade de Chicago, ele negou
que fosse possível aplicar o teste da vaia no Japão. Depois de termos
discutido uma ampla variedade de alternativas, ele disse: “Assim seria a
situação no Japão”, mostrou-nos o texto do teste adaptado para a situação do
Japão: “Em uma reunião de bairro se organizou um debate sobre a energia
nuclear. Um dos presentes falou a favor da energia nuclear e outro foi contra.
Um deles criticou o outro pelas costas. Quem você crê que foi o criticado?”.

A comprovação do teste de isolamento


Muitos norte-americanos se sentiram desconcertados pelos experimentos
sobre o medo de isolamento, realizados por Asch e Milgram (ver mais no
capítulo 3). Milgram repetiu os experimentos - modificados - na França e na
Noruega, porque queria saber se o comportamento conformista era tão
predominante na Europa como parecia sê-lo nos Estados Unidos. A ideia de
que os norte-americanos pudessem experimentar o medo do isolamento
ofendeu tanto os estudantes durante uma de minhas conferências na
Universidade de Chicago, que muitos até se retiraram do auditório.
Obviamente, era impossível perguntar em uma entrevista: “você tem medo
do isolamento?”, embora anteriormente já se tivesse feito esta mesma
pergunta nos Estados Unidos para comprovar a espiral do silêncio.

Frequentemente, criticou-se a teoria pelo que parecia uma ênfase excessiva


nos motivos irracionais e emocionais da conformidade social. Dizia-se que
eu subestimava as razões belas e racionais para esse fenômeno. Obviamente,
este é um ponto de discordância tradicional entre os cientistas sociais
europeus e americanos, sendo estes últimos mais favorecidos por
explicações racionais do comportamento humano.

No capítulo 3, temos descrito um método para comprovar o medo do


isolamento. No “teste da ameaça”, os fumantes sentiam-se intimidados
quando apresentávamos a eles um desenho de uma pessoa dizendo
furiosamente: “os fumantes são tremendamente desagradáveis. Obrigam a
todos a respirar sua fumaça, tão prejudicial para a saúde”. Mas estávamos
ainda muito longe de satisfazer a demanda de nossos colegas americanos
para que encontrássemos um método eficiente de medir o medo do
isolamento (ver Glynn e McLeod, 1985,47).
Sentimo-nos impulsionados a estudar uma área de investigação que remonta
a Charles Darwin, no século XIX, e que produziu, nos anos 1940 e 1950,
uma frutífera área de estudos chamada dinâmica de grupos. Esta disciplina
centrava-se em perguntas relacionadas à coesão de grupo, como: Em que se
baseia a estabilidade do grupo? 0 que um grupo faz quando os membros
individuais violam as regras e ameaçam a existência do grupo? Sabine
Holicki (1984) conheceu a pesquisa realizada nesta área quando procurava
informações sobre a ameaça e o medo do isolamento. Descobriu que os
experimentos de dinâmica de grupos haviam registrado um processo de três
etapas. Na primeira, o grupo utiliza a persuasão amistosa para tentar ganhar
o indivíduo desviado. Se isso não funciona, ameaça-se o indivíduo desviado
com a exclusão do grupo. Se isso também fracassa, “o grupo redefine suas
fronteiras” (linguagem da dinâmica de grupos), o que significa que o
indivíduo desviado fica excluído do grupo (Cartwright e Zander
[1953]1965,145).

Isto nos recorda da frase de Edward Ross: “até que o membro morto se
desprende do corpo social” (ver capítulo 10). Mas algo se torna estranho: os
pesquisadores das dinâmicas de grupos estudaram como se mantém a coesão
grupai, mas não passaram daí. Por que não foram adiante e buscaram
responder o que é que mantém unida a sociedade como um todo? Se
houvessem dado este passo, seriam obrigados a confrontar-se com o
fenômeno da opinião pública como instrumento de controle social.

Mas o termo ‘opinião pública” nunca é mencionado no contexto das


dinâmicas de grupo. Tampouco aparece nos escritos de ErvíngGoffman,
cujas pesquisas sistemáticas nas décadas de 1950 e 60, começaram naquilo
em que Montaigne se interessara havia 350 anos. Segundo Goffman, desde
que as pessoas não estejam à sós consigo mesmas -mesmo que só haja uma
pessoa presente - elas se transformam devido a consciência de que os outros
estão formando uma opinião sobre elas. Goffman centrou sua análise nas
situações públicas pelo ponto de vista da psicologia social, lançando luz
sobre uma região até então ignorada. Behaviour in Public Places (O
comportamento nos lugares públicos) era o lacônico título de uma de suas
obras pioneiras (Goffman, 1963a). Todos os livros de Goffman publicados
entre 1955 e 1971 refletem sua preocupação com a natureza social do
homem e com o consequente sofrimento dessa natureza social.
Ao longo de seus estudos sobre a personalidade, Goffman encontrou a
descrição de Darwin sobre as múltiplas características físicas que apontam
para essa natureza social. Podemos também aqui nos referir à obra de
Darwin, The Expression of the Emotions in Man and Animais (A expressão
das emoções no homem e nos animais, 1873), em nossa busca por provas do
medo humano do isolamento social. No capítulo 13 dessa obra, Darwin trata
o tema do constrangimento ao descrever os sintomas físicos associados a ele,
como o rubor, transpiração, palidez, gaguejar, gestos nervosos, mãos
trêmulas, enfraquecimento da voz, sorrisos amarelos e forçados, olhar
disperso... Darwin acrescenta que, em geral, as pessoas procuram evitar a
percepção de que estão sendo observadas, reduzindo o contato visual
(Darwin, 1873,330).

Darwin separa a natureza humana em dois aspectos, um orientado para fora


e outro para dentro. Quando o indivíduo orienta-se para fora ele se submete à
sua natureza social. Isso é evidenciado por sinais muito objetivos como o
rubor, o que não ocorre nos animais. Darwin distingue entre os sentimentos
de culpa, vergonha e o embaraço. É possível alguém estar profundamente
envergonhado de uma pequena mentira sem ruborizar-se e, ainda assim,
ruborizar-se quando acredita que foi descoberta a sua mentira. Darwin diz
que a timidez é a causa do rubor. Mas a timidez é simplesmente
sensibilidade diante do que os demais possam pensar de nós.

Darwin não utiliza nunca o termo “opinião pública”. E embora também


nunca mencione o medo do isolamento, suas observações indicam
claramente que a natureza social do homem o leva a refletir sobre a opinião
alheia, a se perguntar sobre como ele é visto pelo mundo exterior e desejar
dar uma impressão favorável de modo que ninguém possa julgá-lo implícita
ou explicitamente. Até mesmo a atenção pública provocada por boas ações
pode ser embaraçosa para muitas pessoas.

Erving Goffman, pelo contrário, sugeriu que o constrangimento era uma


forma leve de punição, que obriga as pessoas a seguir certas regras de
conduta em público (Goffman, 1956, 265, 270). Esta suposição foi refutada
por Michael Hallemann, em sua tese doutorai apresentada na Universidade
de Mainz. Hallemann demonstrou que o constrangimento era uma reação
drante de uma situação na qud o indivíduo se sente isolado, ainda que todos
o cons.derem um hero. per ter impedido que uma criança se afogasse (veja a
tabe a ).
Van Zuuren (1983) descreve um grupo de jovens cientistas sociais
holandeses que realizaram experimentos neles mesmos em situações
embaraçosas. Expondo-se a falar em meio a uma agitada zona de pedestres,
por exemplo, o grupo pode experimentar o que sentiría ao ser o alvo dos
olhares de desaprovação. Sentaram-se em um café pouco frequentado, junto
à mesa de um casal desconhecido, e observaram as suas reações diante da
infração dessa regra básica e tácita. Foram duas vezes à mesma loja e
compraram o mesmo produto em um curto período de tempo. Outra tarefa
consistia em tomar o elevador até o último piso de um prédio desconhecido e
ficar ali olhando sem fazer nada. Uma das participantes do experimento
disse que temia não saber o que fazer se alguém lhe perguntasse o que estava
fazendo ali. “De repente, me dei conta do quão esquisito devia ser se o
fizesse vestida de roupa rosa da cabeça aos pés”.

Estes autoexperimentos mostraram a existência de um tipo de controle


pessoal interno que filtra o comportamento antes de ser levado ao efeito de
controle social, antecipando a ameaça de isolamento. O mero pensamento do
quão desagradável pode ser uma determinada situação faz com o que o
indivíduo corrija os seus comportamentos divergentes do consenso público
antes que a coletividade exerça o controle social exterior. Antes, inclusive,
de que as pessoas saibam algo sobre a infração social projetada. De fato,
muitos participantes de autoexperimentos holandeses não agiram do modo
esperado. Trata-se da área de * Interação simbólica”, descrita por George
Herbert Mead, da Universidade de Chicago. A “integração simbólica”,
pensamentos sobre o que os outros pensam ou como agem, exerce uma real
influência nos indivíduos. Mas esse mundo de discursos silenciosos em
nossas mentes, como o medo do isolamento proveniente da natureza social
do homem, era ainda tão distante e sutil para as ciências sociais do tempo de
Mead, que seu interesse não fora suficiente para a publicação de um segundo
livro sobre o tema. Um de seus principais livros, Curso de psicologia social,
de 1927 (em Mead, 1982), lido e discutido atualmente nos congressos de
opinião pública, baseou-se em apontamentos feitos por alunos de Mead.

O constrangimento como manifestação ãa natureza


social do homem
Como o indivíduo percebe a ameaça de isolamento social? Quais são os
sinais disso? Como o indivíduo experimenta o medo do isolamento e como
podemos mensurá-lo? Um grupo de estudantes em um seminário workshop,
em Mainz, propôs um experimento para tentar responder a essas perguntas.
Na Alemanha, o carnaval de Mainz é um evento de relevo social que conta
com apoio de consenso público. Em uma rua movimentada, os estudantes
instalaram um estande onde ofereciam inscrição para quem quisesse se
tornar membro de uma suposta organização fundada recentemente para opor-
se aos gastos públicos com o carnaval anual de Mainz. Os folhetos
distribuídos diziam ser melhor gastar esse dinheiro na ajuda ao terceiro
mundo. Os folhetos ficavam empilhados em grandes pilhas no estande
montado e os estudantes distribuíam aos que passavam pedindo assinaturas
em favor de sua causa. Um dos estudantes filmava tudo de uma casa
próxima, possibilitando assim uma análise dos tipos de comportamento que
observavam (Ewen e outros, 1981-1982). Até mesmo lojistas de ruas
adjacentes participaram. Os estudantes cuidaram para que os passantes não
permanecessem por muito tempo no estande quando demonstravam
claramente suas opiniões por meio de gestos de que os estudantes estavam
loucos.

Observando as pessoas que davam as costas aos estudantes que se


aproximavam ou desviavam-se deles, impressionou Michael Hallemann, que
dedicou sua tese de licenciatura e doutorado a este tema (Hallemann,
1984,1989; ver também 1986).

O Instituto Allensbach realizou uma pesquisa de opinião representativa na


qual era mostrado um desenho aos entrevistados. Aos homens era mostrada a
imagem de dois homens e às mulheres a de duas mulheres. Em cada um dos
desenhos, uma pessoa dizia a outra: “Você não imagina o que aconteceu
ontem. Foi muito constrangedor... eu.." A partir daí, o entrevistador dizia ao
entrevistado: “Temos aqui duas pessoas falando. Infelizmente, a frase de um
deles está inacabada. O que você acha que a pessoa iria contar?”. Após ouvir
as respostas de cerca de 2 mil entrevistados, Hallemann criou trinta situações
constrangedoras. Na pesquisa seguinte, as situações foram apresentadas aos
entrevistados, cada uma escrita em uma ficha. Dizia-se então aos
entrevistados: “estas fichas descrevem algumas situações que podem ocorrer.
Por favor, coloque as fichas sobre esta folha, caso a situação lhe pareça
constrangedora ou não”.
As diversas situações embaraçosas são dispostas na tabela 28, junto dos
resultados da pesquisa na Alemanha, Espanha e Coréia. Em junho de 1989,
os pesquisadores repetiram a série de perguntas. Parecia não ter havido
mudanças significativas naquilo que as pessoas achavam constrangedor ou
motivo de embaraço. Os resultados da segunda pesquisa foram praticamente
iguais aos da primeira. Até o teste, havíamos suposto que o constrangimento
dependia em grande parte das tradições culturais e que variava muito de país
para país. Ao menos na Alemanha, Espanha e Coréia, percebemos uma
semelhança surpreendente entre situações entendidas como embaraçosas.

Goffman (1956, 270) escreveu que se quiséssemos compreender melhor a


natureza social do homem deveriamos estudar as situações que provocam o
constrangimento. Como não podemos perguntar diretamente às pessoas
sobre a sua natureza social - amaior parte delas preferiría ignorá-la (a
maioria dos alemães garante que não se importa com o que outros pensem
deles) - teríamos que buscar indicadores, como afirmou Emile Durkheim em
As regras do método sociológico (1895). Os indicadores não são meramente
o que buscamos, mas eles nos permitem espreitar nosso objeto de estudo.

Medição do medo do isolamento


A publicação de A espiral do silêncio levantou múltiplas e difíceis questões.
A pesquisa social concentrava-se no campo da dinâmica de grupos, desde os
anos 1930, e uma das críticas que recebia era que os diversos grupos aos
quais o indivíduo pertence são muito mais influentes do que o público
anônimo referido pela teoria. As pessoas dão muito mais importância para o
que dizem e pensam os seus vizinhos, colegas, companheiros de clube e
membros de seus grupos de referência, do que aquilo que dizem e pensam os
desconhecidos de um público anônimo.

Donsbach e Stevenson procuraram refutar essa objeção (1986,10). Eles


afirmaram que a espiral do silêncio não pretendia ser uma teoria determinista
que só levava em conta um único fator -= ■ por exemplo, o medo do
isolamento - como determinante do comportamento do indivíduo, fator que
afetaria todas as pessoas da mesma maneira. O medo do isolamento público
é um dos diversos fatores que determinam o processo da opinião pública. Os
grupos de referência também desempenham um papel. Os intelectuais citam
um estudo dirigido pelo holandês Harm t’Hart, demonstrando que o fato das
opiniões do grupo primário de referência serem reforçadas ou contraditas
pela pressão da opinião pública, ou o fato dos grupos a que as pessoas
pertencem defendam pontos de vista minoritário, importa para determinar se
uma pessoa vai ou não falar na defesa de sua opinião sobre um tema
controverso (t’Hart, 1981).

Após décadas de investigação social frutífera no campo da dinâmica de


grupos, era evidente a influência dos grupos no processo de formação da
opinião. Mas os pesquisadores de dinâmicas não transcenderam os limites
dos grupos que estudaram. Eles não levaram em conta o elemento público.
Por isso, parecia essencial concentrar a atenção nesse campo, chave para
compreender o termo “opinião pública”. É impossível conseguir isso, porém,
sem ter um claro entendimento do significado do público como um
verdadeiro jurado da natureza social do homem.

Pode-se demonstrar a importância do público anônimo utilizando o


indicador sugerido por Hallemann para medir o nível de constrangimento.
Quando pedimos aos pesquisados que descrevam espontaneamente situações
embaraçosas, são raras as vezes que escolhem situações de grupo reduzido
ou entre pessoas conhecidas por eles. Em 21% das situações descritas, há a
presença de um grupo bastante pequeno de desconhecidos, enquanto 46%
eram diante de um grande grupo anônimo (Hallemann, 1989,135, tabela 14).
Hallemann agrupou suas situações do teste em categorias privadas e
categorias com pequeno ou grande público. Os resultados demonstraram que
quanto maior é o público, maior é a porcentagem de pessoas que veem a
situação como especialmente embaraçosa (ibidem, 137, tabela 15).

Parecería bastante evidente que uma situação desagradável entre conhecidos


possa ser mais embaraçosa do que com desconhecidos, quando não os verá
novamente, isto é, na presença de público anônimo. No entanto, os
resultados refutam essa lógica. O estigma causador do constrangimento entre
pessoas conhecidas não é definitivo. É sempre possível retificar a impressão
causada. Mas quanto se trata de um público anônimo, não há recurso
possível, não é possível explicar ou pedir desculpas pelas ações ou situações.
O estigma é indelével. Até agora, Hallemann é quem mais se aproxima do
objetivo de medir o medo do isolamento. Ele criou uma pontuação baseada
no número de situações que um indivíduo considerava constrangedora. A
sensibilidade da natureza social do entrevistado era classificada como muito
excepcional, excepcional, média, escassa ou muito escassa, com os graus
correspondentes de medo do isolamento social. Em seguida, examinou a
disposição do entrevistado de expressar as suas opiniões ou de permanecer
silencioso. Descobriu que os indivíduos mais sensíveis ao constrangimento -
e poderiamos acrescentar um maior medo de isolamento - também possuíam
uma tendência maior a não opinar sobre temas polêmicos. Isto não se devia,
porém, ao caráter tímido ou recluso, já que estavam tão dispostos como os
demais a participar de debates sobre assuntos polêmicos (ibidem, 178).

A comprovação do sentido semi-estatístico


Existe de fato o sentido semiestatístico, tal como o descreve a teoria da
opinião pública? As pessoas têm o poder de perceber o clima de opinião? Os
entrevistados de todos os países que temos estudado respondem facilmente a
perguntas como: “O que a maioria das pessoas pensa?” ou “a maioria das
pessoas é contra ou a favor de determinado tema?”. Poderia ser que os
entrevistados respondessem: “Por que pergunta isso a mim? Você é o
sociólogo!”. No entanto, não o fazem. A disposição para realizar um tipo de
estimativa é um indício de que as pessoas procuram continuamente avaliar a
força das opiniões contraditórias sobre um determinado tema.
Frequentemente, porém, essas estimativas são incorretas. Também com
frequência, supervaloriza-se as opiniões apoiadas pelos meios de
comunicação mais influentes. Este fenômeno é o que se chama atualmente
de “ignorância pluralista”. “O público julga mal o público”. Em seu livro
Social Psychology (1924), Floyd Allport discutiu este fenômeno, depois que
foi exaustivamente analisado por R. L. Schanck em seu estudo sobre a
comunidade13. Allport afirmou que o indivíduo sozinho tem três maneiras de
fazer deduções sobre as opiniões e pontos de vista predominantes na
população: a imprensa, o rumor e a “projeção social”.

O conceito de “projeção social” é na verdade idêntico ao de “percepção


especular” (glass perception), termo introduzido posteriormente para
explicar a “ignorância pluralista14” e para opor-se á ideia de um sentido
semiestatístico15. É certo que as comprovações têm sido unânimes quando à
percepção em espelho, mas também têm demonstrado que, independente dos
pontos de vista individuais, a população em geral percebe quais as opiniões
estão ganhando ou perdendo terreno, assim como percebemos quando a
temperatura sobe ou cai (Noelle-Neumann, 1985,1991). Afinal, que outra
explicação havería para isso senão a capacidade das pessoas em captar a
distribuição de frequências? É óbvio que do ponto de vista histórico houve
tentativas de influenciar essas percepções, não somente nos últimos anos,
quando a pesquisa social tem lançado luz sobre este fenômeno. A luz dessas
pesquisas, nos parece surpreendente que os meios de comunicação - ou seja,
a imprensa - mencionados por Allport como fonte complefnentar de
orientação sobre a opinião predominante, não era considerada significativa
até meados da década de 1980. Atualmente, sabemos que os meios de
comunicação são a fonte mais importante para a observação da realidade
pelo indivíduo. Sempre que a real forma de distribuição das opiniões sobre
um tema difere muito das estimativas populares a respeito daquelas opiniões,
surge a suspeita de influência dos meios de comunicação. Em outras
palavras, os meios de comunicação informam sobre a distribuição das
opiniões (Noelle-Neumann, 1989).

Comprovação da disposição em dar opinião ou


manter-se em silêncio
É lamentável que tão poucos países tenham uma ampla rede de ferrovias.
Desde a primeira publicação de A espiral do silêncio, o “teste do trem” foi
utilizado para mensurar a disposição em dar opiniões ou manter-se quieto.
Mas à medida que a teoria foi se difundindo internacionalmente, surgiam
dúvidas quanto à possibilidade de aplicar o teste em países onde uma viagem
ferroviária de cinco horas não fosse comum, ainda que eles pudessem
imaginar tal situação. Tivemos que elaborar outra pergunta: “imagine que
está em uma viagem de ônibus de cinco horas e que todos os passageiros
desçam em uma grande parada. Em um grupo de passageiros, alguém
começa a falar sobre ser a favor ou contra... Você gostaria de falar com essa
pessoa para conhecer melhor o seu ponto de vista ou preferia ficar quieto?”
Donsbach e Stevenson planejaram outra pergunta na qual um jornalista da
televisão pergunta às pessoas na rua se poderíam fazer uma entrevista sobre
tema polêmico. Neste caso, porém, a dimensão pública é muito ampla.
Hallemann havia percebido que o medo do isolamento aumenta com o
tamanho do público. A audiência televisiva constitui o público mais amplo
que existe atualmente.
Existem muitas outras maneiras de expressão da inclinação individual para
manifestar ou não as convicções: penteados, barbas, adesivos - utilizados
como símbolos tanto nos EUA como na Europa ou, na Alemanha, lenços
roxos que simbolizam a participação em grandes convenções eclesiásticas.
Tudo isso pode ser interpretado em situações de teste para detectar a
disposição das pessoas em mostrar ou esconder as próprias convicções.

O núcleo duro: uma resposta a partir de Dom


Quixote
Houve alguns mal entendidos quando se tentou por à prova a teoria da
espiral do silêncio diante da primeira edição deste livro. Em parte porque,
naquela edição, os capítulos 17 (sobre os hereges e a vanguardistas) e o 23
(sobre o núcleo duro), eram muito pequenos. Hoje, porém, não sabemos
tanto sobre os vanguardistas quanto sabia Platão, quando procurou valer-se
dos poetas no intuito de uma transformação dos valores, como vimos no
capítulo 25. Vários comentaristas imaginaram que o núcleo estava formado
simplesmente pelas pessoas que estavam convencidas de uma opinião, ou
daquelas que apresentavam comportamento de voto estável. Alguns críticos
afirmaram inclusive que eu criei a ideia de núcleo duro como desculpa para
quando os dados não confirmavam a teoria.

Mas a tese de licenciatura de Maria Elisa Chuliá-Rodrigo, na Universidade


de Mainz, que estudava a opinião pública em Dom Quixote de La Mancha,
de Cervantes, apresentou melhor definição do núcleo duro. Ler Cervantes
levando em conta a teoria da opinião pública pode incrementar a dimensão
trágica da sua obra. Dom Quixote foi saturado com o sistema de valores da
sociedade lendo muitos livros de cavalaria. Por isso, ansiava pela luta e por
ser recompensado por ela com “eterno nome e fama”. Mas tudo o que faz, a
roupa que veste e as curiosas armas que carrega, pertencem a um mundo que
já havia deixado de existir duzentos anos antes de sua época. Encontra-se,
assim, isolado, zombado e derrotado, mas segue fiel os ideais da cavalaria
quase até o final da obra (Chuliá-Rodrigo, 1989).

Os que pertencem à vanguarda estão comprometidos com o futuro e, por


isso, encontram-se necessariamente isolados. Mas sua convicção de que
estarem à frente de sua época os permite suportar tal isolamento. O “núcleo
duro” mantém-se comprometido com o passado, conserva os nobres valores
antigos enquanto sofre o isolamento presente.

Como a soma das opiniões individuais se transforma


em opinião pública
Na conferência de 1970 da Associação Americana para a Investigação da
Opinião Pública, o cientista social Sidney Verba afirmou que a pesquisa
sobre opinião pública não avançaria para uma teoria da opinião pública
porque “tende a centrar-se no indivíduo como unidade de análise” (Verba,
1970,455). Não concordo. O que impedia a elaboração da teoria não era o
fato de que a unidade de análise era o indivíduo, mas de que a pesquisa
empírica ignorava a natureza social do indivíduo. As entrevistas
perguntavam sobre a opinião, o comportamento e os conhecimentos do
indivíduo: “você é a favor de...”, “você se interessa por...”, “está preocupado
com...”, “você prefere...” etc. O que faltava, especialmente nas investigações
eleitorais, eram as perguntas sobre o clima de opinião: “o que você acha que
a maioria pensa?”, “quem está ganhando?”, “o que está na moda ou fora de
moda?”, “sobre o que você discutiría com seu melhor amigo?”, “de quem as
pessoas zombam?”, “quem é desprezado pelos outros?”. Perguntas todas
dirigidas ao aspecto social, coletivo e, portanto, à natureza social do
indivíduo.

Não que a natureza humana do indivíduo tenha sido completamente ignorada


pela pesquisa social. Peter R. Hofstãtter escreveu em 1949, em seu livro
Psychologie der õffentlichen Meinung (Psicologia da opinião pública): “Para
que uma opinião seja pública deve conter aquilo que à primeira vista
parecerá uma estranha característica: sua expressão deve acompanhar uma
compreensão confusa - provavelmente até falsa - das opiniões sustentadas
por outros membros do grupo (...). Nossa definição atual de opinião pública,
como distribuição de frequências das opiniões individuais, é incompleta. Seu
caráter público exige que o ponto de vista próprio esteja localizado em
algum lugar da distribuição de frequências dos pontos de vista expressados”
(Hofstãtter, 1949,53). Mas disso não decorrem conclusões para a
investigação da opinião. Não resolvia o problema essencial de como essa
poderosa estrutura que chamamos de opinião pública, surge a partir da soma
das opiniões individuais expressas em porcentagens pela pesquisa mediante
entrevistas. Ignorava-se a opinião pública, aquela que provoca temor e
tremor nos governos forçando-os a agir politicamente e produzindo
“consequências sociais e políticas”, como afirmou o psicólogo Brewster M.
Smith na conferência de 1970. Também eram ignoradas as forças que
mantinham silenciosos os indivíduos que não compartilhavam da opinião
pública, como nos mostrou James Bryce. Pelo que sabemos, a causa que
converte a soma das opiniões individuais em opinião pública é a continua
interação entre as pessoas, devida a sua natureza social. A ameaça de
isolamento, o medo do isolamento, a contínua observação do clima de
opinião e de avaliação da força ou da debilidade relativas aos diferentes
pontos de vista, determina se as pessoas expressarão suas opiniões ou
permanecerão em silêncio.

27. Resumo: funções manifestas e


latentes da opinião pública
Eis a mata emaranhada e confusa do estudo da teoria da opinião. Uma
floresta cheia de galhos obstruídos com duras particularidades teóricas,
lugares nos quais tem crescido um denso matagal, onde reinam confusas
sarças de disputas teóricas e uma espessura infinita de descrições
psicológicas.

(WilliamAlbig, 1939)

Ao finalizar este livro, quero completar o círculo iniciado e perguntar


novamente: o que é a opinião pública?

Reflitamos sobre o segundo capítulo do livro de Harwood Childs Public


Opinion: Nature, Formation and Role (Opinião Pública: natureza, formação
e função, 1965), no qual Childs apresenta 50 definições da opinião pública.
Ou então a primeira frase do artigo de W. Phillips Davison (1968) sobre a
opinião pública na International Encydopedia of the Social Sciences - “Não
há uma definição aceita genericamente sobre ‘opinião pública’”. Parece que
as 50 definições relacionadas por Childs procedem de apenas dois conceitos
distintos. Ademais, há algumas definições de caráter técnico-instrumental,
nas quais se identifica a opinião pública com os resultados das pesquisas de
opinião,

definindo-a como “a reunião das opiniões individuais realizada pelos


analistas de opinião” (Beniger, 1987, 54; ver Gollin, 1980,448). Quase todas
as definições recolhidas por Childs relacionam-se com os dois conceitos
seguintes:
 
1.   A opinião pública como racionalidade que constitui o processo de
formação da opinião e da tomada de decisão em uma democracia.

2.   A opinião pública como controle social. Seu papel consiste em


promover a integração social e garantir que haja um nível suficiente de
consenso no qual as ações e decisões possam basear-se.

Ao compararmos os dois conceitos, lembramos imediatamente da famosa


distinção feita por Robert Merton em Social Theory and Social Structure
([1949] 1957):

As funções manifestas são as consequências objetivas que contribuem com o


ajuste ou adaptação ao sistema, pretendidas e reconhecidas pelos
participantes do sistema.

As funções latentes são, correlativamente, as que não são pretendidas nem


reconhecidas (ibidem, 51).

O primeiro conceito de opinião pública pode ser interpretado como uma


função manifesta, pretendida e reconhecida, enquanto que o segundo supõe
uma funcionalidade latente, não pretendida nem reconhecida. Dadas as
enormes diferenças entre os diversos conceitos de opinião pública, alguns
estudiosos tem sugerido o abandono do termo ‘opinião pública”, ao menos
em seu uso científico16. Ainda assim, não creio que deveriamos descartar um
termo que existe, como demonstramos, desde a Antiguidade e que vem
sendo utilizado ao longo dos séculos, sobre o qual não foi encontrado outro
igualmente compreensivo ou mais apto para transmitir esse significado, isto
é, uma forma particular de controle social. Se tivéssemos que abandonar o
termo “opinião pública”, perderiamos um conhecimento secular sobre a
função latente da opinião pública, por meio da qual se consagrou um
consenso suficiente no seio de uma sociedade e, possivelmente,

em todas as sociedades17. Não poderiamos perceber as relações que existem


entre fenômenos tão distintos como o clima de opinião, o zeitgeist (espírito
dos tempos), a reputação, a moda e os tabus. Teríamos que retroceder a um
nível de conhecimento anterior à “lei da opinião, da reputação e da moda”,
de John Locke.

Nas páginas seguintes, nos concentraremos inicialmente no conceito de


opinião pública como racionalidade, e a seguir retornaremos até o conceito
de opinião pública como controle social. Por fim, proporemos uma lista de
argumentos a favor da afirmação de que o conceito de opinião pública é
mais eficiente quando interpretado a partir de sua função latente de controle
social, como ocorre no conceito usado na teoria da espiral do silêncio.

A opinião pública como função declarada:


formação da opinião na democracia
Na concepção do final do século XX, ainda predomina o conceito de opinião
pública surgido nos finais do século XVIII. Segundo esse ponto de vista, a
opinião pública se caracteriza pela racionalidade. Como racionalidade,
entende-se aqui a aquisição consciente de conhecimento por meio da razão e
a elaboração de juízos lógicos e racionais, corretos a partir desse
conhecimento.

A aquisição de conhecimento e a formação de juízos supõe o uso de


abstrações ou deduções lógicas. A racionalidade opera com conceitos
definidos inequivocamente, incluídos em um contexto conceituai mais
amplo. A racionalidade apreende assim diferentes aspectos de objeto, dos
quais pode derivar projeções lógicas. O conhecimento desses campos ou
aspectos está configurado, pois, pela lógica, a causalidade e a consistência.
Os produtos do pensamento lógico são convincentes, razoáveis e
compreensíveis de modo intersubjetivo.

Hans Speier define de maneira sucinta o conceito de opinião pública baseado


na racionalidade da seguinte maneira: são “opiniões sobre assuntos de
interesse nacional, dadas livremente e em público por pessoas não
pertencentes ao governo e que reivindicam para si o direito de que estas
opiniões influenciem ou determinem ações, pessoas ou a estrutura de seu
governo” (Speier, 1950, 376). Aqui, a relação entre a opinião pública e a
racionalidade é direta: os dois são exatamente a mesma coisa. Na prática -
supondo que haja liberdade de imprensa -há aí um alto grau de concordância
entre opinião pública e a opinião predominante publicada pelos meios de
comunicação. A definição de Speier incorpora também a função declarada
da opinião pública. Está relacionada com a política: serve de apoio à
formação de opiniões e decisões sobre assuntos políticos por parte do
governo.

Esta concepção da opinião pública como uma espécie de raisonnement


político na esfera pública, um correlato do governo (Habermas, 1962),
parecia especialmente convincente devido a crença predominante de que o
conceito de opinião pública havia aparecido no século XVIII, com o
Iluminismo. Todavia, hoje encontramos essa afirmação em enciclopédias e
dicionários de todo o mundo. Em geral, o termo é atribuído a Jacques
Necker, o ministro francês de economia que tentou manter a estabilidade das
finanças do governo apesar do caos crescente no período que precedeu a
Revolução Francesa18.

As primeiras tentativas de explicar o termo “opinião pública” datam do


século XIX. James Bryce (1888,1889), que abordou os respectivos e
diferentes papéis da opinião pública na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos
na quarta parte de seu The American Commonwealth (A comunidade
americana), reduzindo o conceito à discussão racional dos temas políticos
polêmicos ou controversos no seio de uma democracia. Roberto Ezra Park,
quando estudava na Alemanha no início do século XX, encontrou-se
dividido entre Tõnnies, seuprofessornaUniversidade de Berlim, que se
empenhava em esclarecer teoricamente o conceito, e Oswald Spengler, o
autor de A decadência do Ocidente (1918-1922), que também havia sido seu
professor na Universidade de Berlim e que o introduziu no campo da
psicologia de massas. A psicologia de massas era então um campo
relativamente novo. Havia sido fundado nas últimas décadas do século XIX
pelo criminologista italiano Scipio Sighle, assim como por Gustave Le Bom
e Gabriel Tarde. Em seu ensaio Masse und Publikum (A massa e o público,
1904), publicado em inglês em 1972 como Crowd and the public, Park busca
encontrar uma saída atribuindo sentimentos à massa e razão à opinião
pública. A opinião pública procede do raisonnement, dos debates nos quais
surgem diferentes pontos de vista até que um deles se sobressaia e vença os
opostos, que acabam mais submetidos do que convencidos.

De acordo com uma monografia norte-americana (Frazier e Graziano, 1979),


Park acabou ficando exausto e desenganado após a elaboração do texto
mencionado. Este estado de ânimo o teria feito até mesmo rejeitar uma
oferta para atuar como professor na Universidade de Chicago quando
retornou aos EUA. Provavelmente, seria este o destino esperado hoje por
autores que procuram identificar a opinião pública com a racionalidade.

O artigo Concepts of public opinion, de Francis G. Wilson, publicado na


American Political Science Review de 1933 (Wilson, 1933, 371-379),
exemplifica o método utilizado normalmente para a análise do conceito de
opinião pública. Divide-se o termo em dois componentes, o “público” e
“opinião”. Em seguida, analisa-se “a relação entre a opinião e o público, a
relação entre o público e o governo e a relação entre a opinião e o governo”
(Ibidem, 382). Estas relações caracterizam-se pela ideia de participação. O
significado de “público” restringe-se ao “conjunto de pessoas que têm o
direito a participar do governo” (390). A pressão desta opinião pública é
vista como um fardo ou carga para o governo.

Trinta anos depois, Childs usou um enfoque semelhante em seu Public


opinion, no capítulo sobre as definições citado anteriormente. Childs divide
o capítulo em dois estudos sobre “os públicos”, “as opiniões” e “o grau de
uniformidade”. Após isso, segue-se “o processo de formação da opinião”, “a
qualidade das opiniões”, “quem sustenta as opiniões” e “o tema das
opiniões”. A isso sucede um esboço dos antecedentes históricos que
caracteriza cada década do século XX de acordo com os temas de opinião
pública e as técnicas usadas para influenciá-la. Acaba descrevendo como, a
partir dos anos 1930, a mensuração da opinião pública se tornou mais
factível e frequente, em intervalos regulares por meio de entrevistas de
opinião. E assim termina seu livro.

Cerca da metade daquelas 50 definições de opinião pública recolhidas por


Childs baseiam-se na concepção racional de opinião pública. James T.
Young chama opinião pública de “juízo social de uma comunidade
autoconsciente sobre uma questão de relevância geral, depois de discussões
públicas e racionais” (Young, 1923, 577-578). A. W. Halcombe (1923, 36) a
define como 4 as opiniões que se baseiam em uma parte substancial dos fatos
necessários para uma decisão racional”. E J. A. Saurwein (1933, 29)
comenta:4 e um exagero supor que existe atualmente uma opinião pública,
em sentido intelectual, fora da elite”. Ao mesmo tempo, porém, percebemos
sinais de certa resignação: “talvez soe um tanto cruel, mas a opinião pública
não existe. Não há uma compreensão suficiente da natureza humana para
que percebamos a impossibilidade da existência de uma opinião pública
inteligente” (Jordan, 1930, 339).

Todo o valor que a civilização ocidental cultivou pela racionalidade sem


dúvida explica porque o conceito racional da opinião pública sobreviveu
tanto tempo. Também explica o motivo de alguns acreditarem que bastaria
desmontarmos o conceito como se fosse uma máquina, definir suas partes e
peças, assim como a sua relação mútua, para que fosse possível compreender
a natureza de um fenômeno tão complexo.

Basicamente, o conceito da opinião pública esteve e ainda está submetido a


um tratamento autoritário, como se fosse possível decidir-se arbitrariamente
entre conservar ou descartar o conceito ou o papel que desempenhará em
uma democracia do futuro. Esta tendência já era evidente no primeiro escrito
sistemático sobre o tema, Public opinion anã popular Government (A
opinião pública e o governo popular), de A. Lawrence Lowell (1903).
Lowell explica o que considera a “verdadeira” opinião pública como aquela
que deveria obedecer ao governo: as opiniões formadas após uma discussão
exaustiva. Segundo a sua definição, somente têm peso aquelas opiniões dos
indivíduos que de fato refletiram sobre a questão. Limita ainda mais a
definição aplicando-a somente aos temas que estão sob a jurisdição do
governo. A religião, por exemplo, fica excluída.

No início da década de 1930, quando se iniciava o método das pesquisas de


opinião por amostragens representativas, o termo “opinião pública” se
tornou corrente. Ninguém tinha escrúpulos de falar em “pesquisas de opinião
pública” ou “investigação da opinião pública”, ou em dar o título de Public
Opinion Quarterly à nova revista fundada em 1937. Mas seria a “verdadeira
opinião pública” que era manifestada nos resultados das enquetes de
opinião? Tanto à época quanto hoje, os pesquisadores possuem a tendência
de identificar a opinião pública com os resultados das pesquisas de opinião.
A estratégia consistia em criar uma definição técnica de opinião pública
baseada nas ferramentas e nos resultados brutos das entrevistas, Por
exemplo: “a opinião pública consiste nas reações das pessoas diante de
afirmações formuladas claramente e perguntas realizadas em uma situação
de entrevista” (Warner, 1937, 377). “A opinião pública não é o nome de
alguma coisa, mas uma classificação de uma série de coisas que, em uma
distribuição de frequências estatisticamente ordenadas, apresenta modais ou
frequências que chamam a atenção ou provocam interesse” (Beyle,
1931,183). “Agora que contamos com a indubitável realidade das pesquisas
de opinião pública, seguiremos chamando opinião pública por uma
distribuição bem analisada de atitudes” (Lazarsfeld, 1957, 43). Em um artigo
escrito por ocasião do 50° aniversário da revista Public Opinion Quarterly,
James Beniger refere-se à “definição [de Albert Goblin] atualmente
onipresente da opinião pública como a agregação das atitudes individuais
realizada pelos investigadores de opinião” (Beniger, 1987, 54; Gollin,
1980,448).

Herbert Blumer foi o primeiro pesquisador a adotar uma postura crítica


diante dessa situação. Em seu artigo de 1948 sobre “A opinião pública e as
pesquisas de opinião”, criticou fortemente “a escassez, para não dizer
completa ausência, de generalizações sobre opinião pública, apesar da
volumosa quantidade de estudos feitos por meio de pesquisas sobre a
opinião pública”.

O que me impressiona é a aparente falta de esforço ou de interesse sincero


dos estudiosos das pesquisas de opinião pública pela busca de identificar o
objeto que supõem querer estudar, registrar e mensurar (...). Não se
preocupam em realizar análises independentes sobre a natureza da opinião
pública para julgar se a aplicação de sua técnica é adequada ou não a essa
natureza.

É preciso dizer algo a respeito de um enfoque como esse, que exclui


conscientemente qualquer consideração do problema. Refiro-me à posição
reducionista e operacional de que a opinião pública consiste nos resultados
das enquetes de opinião. Neste caso, curiosamente os resultados de uma
operação, do uso de um instrumento, são considerados como objeto de
estudo ao invés de serem vistos como uma contribuição ao conhecimento do
objeto estudado. A operação deixa de ser um processo guiado pelo objeto de
investigação. Esta passa a ser, pelo contrário, aquilo que determina de modo
intrínseco o seu objetivo (...). Quero dizer apenas que os resultados desse
reducionismo operacional, tal como o temos descrito, não respondem
qualquer coisa a respeito do sentido desses resultados (Blumer [1948] 1953).

Depois dessa forte crítica, Blumer se dedica à análise dos conteúdos, da


formação e função da opinião pública em uma democracia, esboçando,
assim, magistralmente o conceito de uma opinião pública racional com a
função manifesta de informar os políticos de uma democracia a respeito das
atitudes dos grupos funcionais que constituem as organizações da sociedade.
Concentra, sobretudo, nos grupos de interesse: sindicatos, associações de
empresários, de agricultores e grupos étnicos. Blumer não explica porque
poderíam chamar-se “opinião pública” estes grupos de interesse e a pressão
que exercem sobre os políticos. Mas é convincente ao descrever o papel
desses grupos na formação das opiniões dos políticos. Também mostra
porque os políticos devem levar em conta a pressão exercida por eles.
Naturalmente, nem todos os indivíduos de uma sociedade exercem o mesmo
grau de influencia sobre o processo de formação da opinião. Muitos até
gozam de uma elevada posição, de prestigio e alto nível de conhecimento
especializado. Estão muito interessados e envolvidos, de modo que acabam
influenciando consideravelmente outras pessoas. Da mesma forma, existem
indivíduos carentes de todas essas vantagens. Mas em pesquisas
representativas de opinião, pessoas diferentes são tratadas da mesma forma,
apesar de seus juízos e influencia não gozem do mesmo peso social. Está
muito claro que Blumer, pelos argumentos que apresenta, não acredita que as
pesquisas de opinião sejam um método adequado para a investigação da
opinião pública.

Trinta anos depois, Pierre Bourdieu expôs, em essência, os mesmos


argumentos, em seu ensaio A opinião pública não existe (Bourdieu, 1979;
Herbst, 1992). Na conferência de 1991, da American Midwest Association of
Public Opinion Research (MAPOR), ocorrida em Chicago, houve uma
sessão especial sobre concepções europeias da opinião pública, descrita em
uma série de artigos publicados na International Journal of Public Opinion
Research (Beniger, 1992). No evento, foram apresentadas as teorias da
opinião pública de Foucault, Habermas e Bourdieu. As três se baseiam no
pressuposto de que a formação da opinião é um processo racional.
Diante do crescente interesse pelas teorias da eleição racional, no campo da
ciência política, e a fascinação crescente pelos processos cognitivos entre os
psicólogos, a ideia da opinião pública como racionalidade parece contar com
cada vez mais apoiadores acirrados, à medida que se aproxima o final do
século. James Beniger, por exemplo (1987, 58-59), espera que surja um novo
paradigma com as seguintes características: “ainda assim, permite-se que as
atitudes dependam da cognição (conhecimentos e esquemas), apesar do
afeto, e provavelmente também das predisposições contratuais, a
comunicação que apenas mude as condições pode ser tão importante para a
transformação quanto a comunicação baseada em componentes afetivos. De
fato, a investigação da opinião pública conta com uma venerável literatura,
assegurando que a informação credível pode criar um impacto mais
duradouro na opinião pública do que as meras apelações persuasivas. Pode-
se esperar que uma maior elaboração do paradigma orientado para uma
maior compreensão da formação e da mudança deste tipo de opinião pública
desempenhe um papel central nas páginas da Public Opinion Quarterly, no
início do próximo século”.

A opinião pública como função latente: o controle


social
Na 25° conferência anual da American Association for Public Opinion
Research, de 1970, na seção intitulada “Por uma teoria da opinião pública”,
Brewster Smith, psicólogo da Universidade de Chicago, afirmou que a
investigação “no entanto, não havia confrontado o problema de modo que se
articulassem as opiniões individuais para produzir consequências sociais e
políticas” (Smith, 1970, 454).

Não parecia possível resolver o problema porque ninguém procurava uma


opinião pública capaz de exercer pressão. O conceito racional da opinião
pública não explica a pressão que esta deve exercer para alcançar alguma
influencia sobre o governo e os cidadãos. O raisonnement é iluminador,
estimulante e interessante, mas não pode exercer o tipo de pressão diante da
qual - como disse Locke - nem uma pessoa a cada dez mil é invulnerável. Ou
então, como disse Aristóteles, aquele que perde o apoio do povo deixa de ser
rei. Ou, como escreveu Hume, “o governo (...) funda-se apenas na opinião. E
esta máxima se aplica tanto aos governos mais despóticos e militares quanto
aos mais livres e populares” ([1741-1742] 1963, 29). Interpretando a opinião
pública como controle social é fácil explicar o seu poder. Cícero disse a seu
amigo Ático, em uma carta escrita no ano 50 a. C., que havia mantido uma
opinião falsa devido a influencia da opinião pública (publicam opinionem).
Já nesta primeira aparição conhecida do termo, a “opinião pública” não
designa o juízo bom e racional, mas bem ao contrário.

O conceito de uma opinião pública racionalmente configurada é baseado na


ideia de um cidadão informado, capaz de formular argumentos razoáveis e
de realizar juízos corretos. Este conceito diz respeito à vida política e as
controvérsias políticas. A maior parte dos autores que empregam este
conceito reconhece que somente um pequeno grupo de cidadãos informados
e interessados participa realmente dessas discussões e juízos. Mas o conceito
da opinião pública como controle social afeta todos os membros da
sociedade. Não sendo voluntária a participação neste processo, que ameaça
com o isolamento e nutre-se do medo, a pressão do controle social é
exercida, tanto sobre o indivíduo que teme o isolamento, quanto sobre o
governo, que também ficaria isolado e, finalmente, cairia sem o apoio da
opinião pública. O exemplo da África do Sul mostra que atualmente um país
inteiro pode ficar isolado pela opinião pública mundial até o ponto de acabar
cedendo.

O conceito de opinião pública como controle social não leva em conta a


qualidade dos argumentos. O fator decisivo é qual dos dois lados de uma
polêmica tem força suficiente para ameaçar o outro lado com o isolamento, o
desprezo e o ostracismo. A importância do que se pensa sobre a força do
outro grupo foi descrita no começo deste livro, com o exemplo da “virada na
última hora” nas eleições alemãs de 1965 e 1972. O fenômeno semelhante
observado por Lazarsfeld nas eleições presidenciais norte-americanas de
1940, que explica em termos de psicologia individual como o efeito da
“aposta no cavalo vencedor” - todos querem estar no grupo vitorioso
interpreta a teoria da opinião pública em termos psicossociais: ninguém quer
ser isolado. Tanto o mecanismo do cavalo vencedor como a espiral do
silêncio se apoiam no pressuposto comum de que o indivíduo observa os
sinais do meio sobre a força ou fraqueza dos diferentes lados da questão. A
diferença reside no motivo dessas observações. Além disso, a teoria da
espiral do silêncio ressalta as mudanças graduais oriundas de um processo
social em marcha, enquanto o cavalo vencedor se fixa na mudança mais
repentina de uma posição à outra devido nova informação sobre quem esteja
na frente da corrida. Ambos poderíam ocorrer simultaneamente (Davison,
1958).

Muitos escritores têm se dado conta de modo intuitivo que a vitória ou


derrota no processo de opinião pública não depende de quem esteja bem ou
mal nas pesquisas. Por isso, a desaprovação com a qual se pune a conduta
desviada não possui, como afirmou o jurista alemão Ihering, em 1883, um
caráter racional como a desaprovação de uma “conclusão logicamente
incorreta, um erro na resolução de um problema matemático ou uma obra de
arte falida”. Mas melhor se expressa como a “reação prática da comunidade,
consciente ou inconscientemente, diante do dano a seus interesses, uma
defesa para a autoproteção” (Ihering, 1883, 242, ver também 324). Em
outras palavras, isso diz respeito à coesão e consenso de valores em uma
sociedade. Isso só pode se basear em valores morais - bons ou maus - ou em
valores estéticos - belo e feio -, já que somente estes possuem o componente
emocional capaz de pôr em marcha a ameaça de isolamento e o medo do
isolamento social.

Comparação entre os dois conceitos de opinião


pública
Ao compararmos os dois conceitos diferentes de opinião pública, é preciso
insistir que se baseiam em pressupostos diferentes sobre a função da opinião
pública. A opinião pública como processo raciona! fixa-se especialmente na
participação democrática e no intercâmbio de pontos de vista diferentes
sobre os assuntos públicos, assim como na exigência de que o governo leve
em conta estas idéias e a preocupação com a possibilidade de manipulação
da opinião pública pelo poder do estado e do capital, através dos meios de
comunicação e a técnica moderna (Habermas, 1962).

A opinião pública como controle social busca garantir um nível suficiente de


consenso social sobre os valores e os objetivos comuns. Segundo esse
conceito, o poder da opinião pública é tão grande que não pode ser ignorado
pelo governo e tampouco pelos membros individuais da sociedade. Tal poder
procede da ameaça de isolamento que a sociedade dirige contra os
indivíduos e os governos desviados, e do medo do isolamento devido a
natureza social do homem.

A constante observação do meio e das reações alheias ficam claros na


disposição de se expressar ou a tendência a permanecer em silêncio e criam
um nexo causai entre o indivíduo e a sociedade. Esta interação concede
poder à consciência comum, os valores comuns, e as metas comuns, assim
como às ameaças concomitantes dirigidas contra os que se desviam desses
valores e metas. O medo do isolamento, experimentado nos casos de desvio,
procede do estímulo sentido nas experiências compartilhadas em grupo. Os
investigadores supõem que estas reações se formam no curso do
desenvolvimento humano para garantir uma coesão suficiente nas sociedades
humanas. A prova empírica disso constitui o * método de amostragem de
experiências” (experience sampling method ou ESM), que demonstra a
relação entre a solidão, a depressão e o desalento para a maioria das pessoas
(Csikszentmihalyi, 1992).

Uma das principais diferenças entre o conceito racional da opinião pública e


o conceito de opinião pública como controle social está na interpretação do
termo “público”. Segundo o conceito mantido pela teoria democrática da
opinião pública como produto do raisonnement, o “público” se define em
termos do conteúdo dos temas da opinião pública, que são conteúdos
políticos. Já o conceito da opinião pública como controle social interpreta
“público” no sentido do “olhar público” (Burke, 1791): “à vista de todos”,
coram publico. O olho público é o tribunal no qual se julga o governo e a
todos os indivíduos. As duas concepções também diferem na interpretação
do termo “opinião”. Segundo o conceito da teoria democrática, a opinião é,
acima de tudo, uma questão de pontos de vista e discussões individuais,
enquanto o conceito de opinião pública, como controle social, estende-se a
uma área muito maior; na verdade, diz respeito a tudo aquilo que expresse
visivelmente, e em público, uma opinião relacionada a valores, seja
diretamente, sob a forma de convicções expressas, seja indiretamente,
mediante bottons e adesivos, bandeiras ou gestos, penteados ou barbas,
símbolos visíveis e comportamentos com implicações morais publicamente
visíveis. Este conceito de opinião pública pode ser aplicado até mesmo ao
tema da zombaria (Goffman, 1956; Hallemann, 1989). Abarca desde todas
as regras de caráter moral (a “correção política”) até os tabus, terrenos de
graves conflitos que não podem ser discutidos em público sem ameaça na
coesão social.

A partir da perspectiva do conceito de opinião pública da teoria democrática,


é preciso ser criterioso ao empregar o termo “pesquisa da opinião pública”
para designar as entrevistas representativas, como tem sido Herbert Blumer,
Bourdieu e outros muitos defensores do conceito, já que as entrevistas
concedem o mesmo peso às opiniões das pessoas que estão informadas e às
que não estão. E isso não pode refletir a realidade.

Desde a perspectiva da opinião pública como controle social, todos os


membros da sociedade participam no processo da opinião pública, no
conflito de valores e metas destinado em parte a reforçar os valores
tradicionais e, em parte, a acabar com os valores antigos e substituí-los por
novos valores e metas. Este processo pode ser observado com a ferramenta
das entrevistas representativas. Além disso, as perguntas normalmente
necessárias são diferentes das que são incluídas em entrevistas
convencionais de opinião. Além das perguntas sobre a opinião do
entrevistado, são necessárias perguntas sobre o clima de opinião. E preciso
perguntar aos entrevistados como percebem o seu meio: o que a maioria das
pessoas pensa? Qual opinião está aumentando ou diminuindo? Deve-se fazer
perguntas sobre a ameaça de isolamento - que opiniões e comportamentos
são impopulares - e sobre a disposição de se expressar ou ficar em silêncio.

Segundo este conceito de opinião pública, muitas das perguntas incluídas


atualmente nas pesquisas não serviríam para revelar a “opinião pública”.
Seria preciso perguntar sobre as opiniões e os comportamentos que
carreguem valores que isolem o indivíduo do público.

As tentativas realizadas desde meados da década de 1970 para reproduzir o


conceito da opinião pública como controle social, tiveram pouco êxito
(Noelle, 1966). Mary Douglas oferece uma possível explicação em seu livro
How Institutinos Think (Como pensam as instituições, 1986, 76): “Em
primeiro lugar, de acordo com o princípio de coerência cognitiva, uma teoria
que busca obter lugar permanente no repertório público do que se conhece
deverá envolver-se com os procedimentos que garantam outros tipos de
teorias”. Para este ponto de vista, o conceito de opinião pública como
racionalidade não representa qualquer dificuldade: pode ser vinculado às
teorias existentes da democracia, a fascinação a respeito das teorias do
sufrágio universal e da ação coletiva, e aos modelos psicológicos cognitivos.
O conceito psicossocial e dinâmico da opinião pública, por sua vez,
representa alguns inconvenientes. Como ressalta Douglas (ibidem, 82), “os
sociólogos têm aversão profissional aos modelos de controle”.

Os teóricos da filosofia da ciência elaboraram uma série de critérios para


comprovar a qualidade dos conceitos rivais. Por exemplo:
 
1. Aplicabilidade empírica.

2. Que fatos são explicitados pelo conceito? Qual o seu potencial de


clareza?

3. Grau de complexidade, isto é, magnitude dos âmbitos incluídos, ou


número de variáveis incluídas.

4. Compatibilidade com outras teorias.

No mínimo, o conceito de opinião pública como controle social é superior


segundo três desses critérios. Em primeiro lugar, pode ser comprovado
empiricamente. Cumpridos certos requisitos da teoria -atualidade, o
componente moral ou estético e a opinião dos meios de comunicação - é
possível fazer previsões seguras do comportamento individual (por exemplo,
a tendência a expressar-se ou manter-se em silêncio) e sobre a distribuição
das opiniões na sociedade (Noelle-Neumann, 1991).

Em segundo lugar, este conceito tem também um poder explicativo. A teoria


da espiral do silêncio produz previsões. Isto é, relaciona fenômenos
observáveis com outros fenômenos, afirmando e provando

a existência de determinadas regras sociais. Com o conceito racional de


opinião pública seria muito difícil explicar o fenômeno observado pela
primeira vez em 1965, quando a distribuição um tanto estável das opiniões
individuais era acompanhada de um desenvolvimento completamente
independente do clima de opinião e de uma mudança no último minuto das
intenções de voto (ver capítulos anteriores). Também seria difícil explicar,
por meio do conceito racional de opinião, o motivo de as diferenças na
distribuição das opiniões entre os diferentes segmentos da população
(divididos por faixa etária, classe social etc) serem muito maiores que as
estimativas feitas por grupos distintos sobre o clima de opinião percebido
(“o que pensa a maioria das pessoas?”). Por fim, usando o conceito racional
da opinião pública seria especialmente dificultoso explicar por que os
indivíduos mais bem informados sobre determinado assunto - isto é, os
experts - encontram-se um tanto sozinhos em sua opinião, confrontados
pelos representantes da opinião pública, os jornalistas e a população em
geral, que adotam postura conjunta e diametralmente oposta à dos experts.
Stanley Rothman e outros investigadores apresentaram provas empíricas
dessa situação (por exemplo, Snyderman e Rothman, 1988).

Em terceiro lugar, o conceito de opinião pública como controle social possui


um maior grau de complexidade. Estabelece uma conexão entre o nível
individual e o social, e estende-se por outros campos para além da política. 0
conceito apresenta dificuldades de compatibilidade com outras teorias, como
já dissemos. Mas pode relacionar-se facilmente com as descobertas
psicossociais da dinâmica de grupos19, assim como as teorias psicossociais
de Ervin Goffman sobre o constrangimento e o estigma social.

Essa comparação que estamos fazendo das possibilidades de aplicação dos


dois conceitos de opinião pública não significa uma necessidade de escolher
entre uma delas. O intercâmbio racional de argumentos, o raisonnement,
desempenha um papel inquestionável no processo de opinião pública,
embora se tenha empenhado pouco estudo empírico sobre o tema. Afinal, até
mesmo os valores morais precisam de um apoio cognitivo para integrar-se à
opinião pública.

Já que estamos em busca de uma imagem que nos sirva para explicar a
relação existente entre a discussão pública e a opinião pública como controle
social, a discussão pública podería ser vista como algo inerente à dinâmica
do processo psicossocial, guiando-o e articulando-o, mas que muitas vezes
não permanece no nível meramente intelectual e não influencia, portanto,
nas emoções morais, instância na qual se origina a pressão da opinião
pública. Segundo a definição de Merton, a função manifesta do debate
público - chegar a uma decisão através da apresentação de argumentos em
público - é consciente, deliberada e consentida. Entretanto, muitas vezes a
população não está emocionalmente convencida - ou mobilizada - e a função
da tomada de decisões carece da força necessária para criar e defender o
esperado consenso social. A única opinião passível de gerar a função latente
para manter a coesão social é aquela que é aceita e aprovada
emocíonalmente pela população. Assim, as discussões públicas muitas vezes
são uma parte do processo de opinião pública e não a sua totalidade.

A função nominal e declarada também pode ser chamada de função


aparente, enquanto a função latente é a função real. Merton exemplifica com
a famosa história da dança da chuva dos índios, cuja função explícita é a de
provocar a chuva nas épocas de seca, mas cuja função latente - e portanto
real - é a de proporcionar coesão na tribo nas épocas de necessidade.

O fato de a função latente da opinião pública como controle social, com sua
finalidade de integrar a sociedade e garantir o nível suficiente de consenso,
não ser intencional e nem reconhecida conscientemente, explica os mal-
entendidos sobre o conceito. Talvez seja possível algum dia uma
reconciliação entre os intelectuais na ideia de que a opinião pública exerça
uma pressão para a conformidade do indivíduo com o coletivo. Isso
convertería a função latente em uma função manifesta. Em outras palavras,
chegaria a ser considerada uma força necessária na sociedade.

Na primeira edição deste livro, não tratei do conceito racional da opinião


pública nem dos resultados da investigação sobre os grupos de referência e
dinâmicas de grupo. Meu primeiro objetivo era descrever a nova perspectiva
motivada pela redescoberta do papel da opinião pública como controle
social, um papel sobre o qual estávamos apenas começando a nos
conscientizar. Na segunda edição, porém, não só comentamos algumas das
contribuições mais importantes sobre o tema, como a de Robert Park,
Herbert Blumer e Pierre Bourdieu, como também procuramos esclarecer a
relação entre o conceito dinâmico psicossocial da opinião pública como
controle social e o conceito àa teoria democrática da opinião pública como
raisonnement na esfera pública. Resta ainda pela frente a tarefa de estudo da
interação entre os grupos de referência, a dinâmica de grupos, a psicologia
de massas e a opinião pública como controle social.

r
1
72* Konrad Adenauer, co-fundador da União Democrata-Cristã (CDU), foi
um político cristão conservador, ex-prefeito de Colônia e foi chanceler da
Alemanha entre 1949 a 1963.
2

Noelle-Neumann, 1961, 44-45; ver também Institut für demoskopie


Allensbach, Die Stimmung im Bundesgebiet (diagrama), outubro de 1952.
3

Boas, 1969, 21; Gallacher, 1945.


4

* Vulgata latina, Tradução Bíblia Ave Maria.


5

Erasmo [1516] 1968,149; Maquiavel [1532] 1971, capítulos 18,19


6

Ver Geldner, 1930,161. Quanto à dúvida do conhecimento de Erasmo


sobre escritos de Maquiavel ver, por exemplo, Renaudet, 1954,178;
Wieland al. 1988,71.
7

Richelieu [1688] 1947, 220, 236 e segs.


8

Homero, 1951, 2:216; ver Zimmermann, 1988, 72-83.


9

Ver páginas anteriores. Ver também Noelle-Neumann, 1981,833-888.


10
A ilustração está no catálogo de gravuras satíricas do Museu Britânico.
11

Erasmo [1518] 1968, 201; Maquiavel [1532]1971, cap.18.


12

[C.]: Galvanismo refere-se a um processo de transmissão de corrente elétrica


por meios químicos. O uso deste tipo de metáfora para descrever os
fenômenos de comunicação ficou consagrado com a chamada Teoria
Hipodérmica, conjunto de conceitos elaborados pela Escola Norte-
Americana, na década de 1930. Influenciada pelo Beha-viorismo da
psicologia, esta teoria, também chamada de “teoria da bala mágica”, teve
como principais expoentes tanto estudiosos práticos como Walter Lippmann,
quanto acadêmicos como Harold Lasswell, entre outros.
13

86.1932; ver Merton, 1949; Newcomb, 1950


14

87.0’Gorman e Garry, 1976; Fields e Schuman, 1976.


15

Glynn e McLeod, 1985; Salmon e Kline, 1985.


16

Palmer 1950,12; Habermas, 1962,13; Moscovici, 1991, 229


17

B. Niedermann, 1991; Rusciano e Fiske-Rusciano, 1990


18

Ver por exemplo: International Encyclopedia ofthe Social Sciences, 1968,


vol. 13, 192; In terna tional Encyclopedia o f Communications, 1989, vol. 3,
387; Staatslexikon Re-cht, Wirtschaft, Gesellschaft, 1988, vol. 4, 98; ver
também Bucher, 1887, 77; Bauer, 1930, 234.
19

Sherif, 1936,1965; Asch, 1951,1952.

Epílogo em agradecimento
Não gosto de dizer adeus aos meus leitores. Espero que voltemos a nos
encontrar sempre que forem estudadas as relações entre a opinião pública e a
política, a opinião pública e a economia, a opinião pública e a arte, a ciência
e a religião, e quando for demonstrado o sucesso da descrição da opinião
pública feita neste livro em gerar de fato uma compreensão melhor da que
havia antes, possibilitando tanto diagnósticos como previsões.

Grande parte daquilo com que conviví durante tanto tempo já não me
pertence. Eu costumava me imaginar, em relação ao tema, como uma
pensadora solitária em um parque. Mas na verdade eu não estava sozinha.
Quero agradecer os que me ajudaram, sobretudo Helmtrud Seaton, do
Instituto Allensbach, que desempenhou ao mesmo tempo as tarefas de
ajudante científica e secretária. Creio que não conseguiría de pesquisas
contratadas e que incluíam questionários ou tabulações verdadeiramente
peregrinas, como o exemplo do teste do trem. Quero mencionar, como
pessoas especialmente comprometidas com o trabalho, Werner Süsslin,
responsável pelos arquivos do Instituto, e Gertrud Vallon, leitora dos textos
em francês e, ao mesmo tempo, uma estimulante comentadora. Também tive
a ajuda do Instituto de Publicística da Universidade Johannes Guttenberg de
Mainz; das teses de licenciatura de Christine Gerber sobre Rousseau, de
Angelika Tischer sobre Tocqueville e de Dieter Petzolt sobre o “olho publico
como consciência”, com trechos sobre Lutero que foram especialmente
importantes para mim. Também me foi útil a tese sobre Maquiavel
apresentada por Frank Rusciano na Universidade de Chicago.

Gostaria de expressar o meu agradecimento ao professor Jean Stoetzel da


Universidade de Paris V - Renê Descartes, pelo acesso de suas notas inéditas
de uma conferência sobre opinião pública e por me ter colocado em contato
com sua doutoranda em filosofia Colette Ganouchaud, que estava
escrevendo uma tese sobre o conceito de opinião pública em Rousseau.

Agradeço a minha colega de Mainz, Hans Mathias Kepplinger por sua


generosidade em discutir meu tema e pelo modo como sempre me estimulou.
Obrigado também a Imogen Seger-Coulborn, a única que leu o manuscrito
original capítulo a capítulo na medida em que eu ia escrevendo. Espero que
isto demonstre o quanto valorizo seus comentários críticos. Ela considerou
meu interesse sobre a opinião pública durante muitos anos enquanto
desenvolvia sua própria pesquisa científica-social e me enviava mensagens
sobre o tema. Ao agradecê-la, também o faço a todos os amigos e colegas
que me ajudaram indicando fontes. As notas de Imogen eram às vezes muito
breves, mas sempre continham minuciosas referências. Por exemplo: Henry
David Ihoreau em seu diário de 1840, quando tinha 23 anos. E a citação de
Ihoreau: “É sempre fácil infringir a lei, mas até mesmo para os beduínos do
deserto é impossível resistir à opinião pública”.

Fins de 1979 - início de 1980

E.N.N.

Epílogo da segunda edição


Gostaria de agradecer a Maria Marzahl e Patty McGurty, membros do
Departamento de Inglês do Instituto Allensbach, pela tradução para o inglês
das novas partes desta edição. Agradeço pela ajuda na revisão da tradução
feita por Matthew Levie, que, como estudante na Universidade de Harvard,
passou o verão de 1991 acompanhando as práticas do Instituto Allensbach.
Também quero expressar meu agradecimento a Jamie Kalven, que corrigiu o
manuscrito erradicando assim os últimos vestígios de peculiaridades
linguísticas alemãs, assim como, muito especialmente, a Mihaly
Csikszentmihalyi, professor de psicologia da Universidade de Chicago, que
novamente dedicou parte do tempo dedicado ao seu trabalho como
acadêmico e escritor para comparar a tradução com o original alemão, como
havia feito com a primeira edição inglesa. Gostaria de agradecer pelo
trabalho perspicaz e perseverante de Erich Lamp e Anne Nidermann, autores
que o leitor encontrará mencionados nos novos capítulos 25 a 27 e, por
último, Helmtrud Seaton, minha ajudante desde muitos anos; sem a sua
ajuda seria impossível terminar esta edição enquanto cumpria minhas
obrigações no Instituto de Allensbach e na Universidade de Mainz.

Evidentemente, nossa investigação avançou. Relacionamos nossas


descobertas neste livro e nossos progressos mais recentes.

Há pouco tempo, fizemos outra surpreendente descoberta em nosso


seminário da Universidade de Mainz: sir William Temple (1628-1699) disse
algo sobre a opinião pública (Frentiu, 1990). Temple dividiu sua vida de
trabalho: de um lado as missões políticas e diplomáticas e, de outro, o
esforço nos estudos filosóficos e literários cultivados em sua solidão na
biblioteca de sua propriedade rural, como havia feito Montaigne um século
antes. Entusiasmado com o trabalho de Jonathan Swift, quase quarenta anos
mais novo do que ele, Temple contratou-o como seu secretário. O trabalho
dos dois aprofundou-se ao longo de décadas até que Swift publicou as obras
de Temple em quatro volumes.

Nas obras do sir William Temple, que precedeu David Hume em mais de 50
anos, descobrimos o tema principal de Hume: a queda dos governos quando
diante da falta de autoridade ou de confiança do povo, que segundo Templo,
são a mesma coisa. Cem anos antes de Madison, a obra de Temple traz a
ideia central da espiral do silêncio: o homem “dificilmente se arriscará a
introduzir novas opiniões em ambiente no qual haja pouco ou nenhum
compartilhamento das suas idéias, ou onde pense que todos ali defenderão as
idéias já recebidas” (Temple, [1672] 1964).

Um antigo aluno me fez uma crítica construtiva por eu ter dado uma
relevância exagerada às fontes de minhas idéias e menos atenção ao meu
próprio trabalho. A razão de minha consideração por outros autores decorre
de minha posição como cientista. Considero como meus amigos todos
aqueles que fui encontrando no caminho até a descoberta de uma verdade.
Por isso, também sou imensamente agradecida a eles, como a Sabine
Mathes, que pesquisou com grande entusiasmo ao usar o exemplo da energia
nuclear, a relação entre os diversos fatores que interferem na interação entre
os meios de comunicação e a opinião pública, até que finalmente pudemos
compreender o papel dos diferentes elementos do processo da opinião
pública em sua sequência cronológica. A posição dos meios, ou as mudanças
na sua posição, vem antes de uma mudança de avaliação do clima de
opinião. A transformação em avaliação do clima de opinião vem antes de
uma mudança nas atitudes pessoais. A conduta - a disposição de se expressar
- adapta-se à avaliação do clima de opinião, mas, reciprocamente, também
influencia nas avaliações do clima de opinião em um processo de
retroalimentação que dá início a um processo de espiral.

Pareceu a mim que recebia um presente quando Hans Zetterberg me falou do


Pitágoras de Platão. Neste diálogo é discutido o mito no qual Zeus declarou
que precisaria distribuir os talentos entre as pessoas, dando um talento
diferente a cada uma. Uma pessoa, por exemplo, recebeu o dom dos
artesãos, da música ou o da cura das enfermidades. Por fim, Hermes teria
que distribuir os dons políticos, o sentido da justiça (dikè) e o sentido da
vergonha (aidos). Hermes, então, perguntou a Zeus: “Esses dons eu distribuo
da mesma forma que fiz com os outros ou reparto entre todos?”. “Entre
todos”, disse Zeus. “Todos devem participar deles. Porque as cidades não
podem surgir se somente uns poucos os possuam, como ocorre com os
demais dons”.

"Aidos é... uma questão difícil”, dizem os editores de uma edição inglesa do
Pitágoras. "É inútil estar de acordo com um código de conduta se os
membros da comunidade não se regem por ele. Uma forma de obrigar o
cumprimento dessas convenções é a opinião pública. Os membros de uma
comunidade tendem a ter grande preocupação sobre a opinião dos outros
membros da comunidade sobre eles. Aidos representa o medo da
desaprovação pública que garante o cumprimento geral das convenções
sociais (Hubhard e Karnofsky, 1982,96). Esta é a resposta à pergunta de
Protágoras: “Existiría algo a ser compartilhado por todos os cidadãos para
que uma nação exista de fato?”.

Apêndice
Estudos de literatura sobre a opinião pública: um guia de análise de textos

Os estudos com base na literatura precisam levar em conta as seguintes


perguntas:
 
1. A publicação conta com uma ou mais definições da opinião pública?
Não se tratando de uma coletânea de definições diversas, qual a
definição ou definições da opinião pública que toma como ponto de
partida?

2. A publicação dá continuidade ao trabalho de outros autores - sejam


contemporâneos ou antigos - e o faz simplesmente com citações
ocasionais ou estabelece um sentido de continuidade? Quais são esses
autores?

3.   Quais os autores clássicos são citados sobre o tema da opinião


pública, explicita ou ocasionalmente?

4. A obra ou publicação trata inteiramente sobre o conteúdo da opinião


pública (em período determinado, sobre tema concreto, apoiado com
combatido por grupos ou instituições determinadas) ou utiliza-se do
conteúdo da opinião pública somente como exemplo do funcionamento
dela?

5. Alguma parte ou a totalidade da obra trata do funcionamento da


opinião pública? A publicação o faz a partir da perspectiva da
psicologia social ou adota a perspectiva política, cultural ou de algum
outro campo de estudo?

6. A opinião pública é tratada como uma capacidade de juízo crítico,


intelectual, altamente valorizado (o conceito elitista) ou

como um meio de integração, de pressão social para a conformidade, de


controle social (conceito integrador)?
 
7.   O autor apresenta a opinião pública como algo absurdo ou
inteligente, como uma alternativa absurda e inteligente? Que
características são atribuídas à opinião pública? Ou o autor abstêm-se
de juízos de valor?

8.  É mencionada a ideia da conformidade ou consentimento em relação


à opinião pública? O medo do isolamento como causa da
conformidade? O conceito de “medo social” (ou algum sinônimo) em
relação à conformidade?

9.  Há essencial insistência no medo que o indivíduo tem do isolamento


como um fator do processo essencial da opinião pública?

10. Como o indivíduo percebe a aprovação ou desaprovação do meio


segundo o autor da publicação (os sinais do medo)?

11. A publicação menciona o princípio de Hume segundo o qual “o


governo se funda na opinião”, ou adota alguma posição mais geral
sobre a ideia de que o governo deve levar em conta a opinião?

12. Há afirmação explicita, ou ao menos implicitamente, de que a


opinião pública ou o clima de opinião possui uma carga moral ou esteja
relacionado com o juízo moral?

13. O autor faz distinção explícita ou implícita entre as posições


racionais e morais? Como é descrita a relação entre elas? Há distinção
entre etapas de predomínio das posições morais e das racionais?

14. Distingue de modo explícito ou implícito entre a opinião pública


(sobre tema específico de curto prazo) e o clima de opinião (tendência à
difusão a longo prazo)? A obra permite compreender que o conceito de
opinião pública é um tipo de encarnação ou correlato ao do clima de
opinião?

15. A publicação contém uma discussão do termo “público”? Define


“público” legalmente, politicamente ou em termos de psicologia social
(como tribunal ou olho público)?

16. O que é descrito como expressão típica da opinião pública: os


conteúdos da mídia, os resultados eleitorais, os símbolos, os

rituais (celebrações), as instituições, a moda, os boatos e rumores, a


zombaria, as reações das pessoas diante dos comportamentos ou outros?
 
17. Como contempla a relação entre o jornalismo, os meios de
comunicação de massa e a opinião pública?

 
a)  Identifica a opinião publicada com a opinião pública ou faz distinção
entre elas?

b) Considera que os meios de comunicação possuem uma influência


poderosa ou limitada na formação da opinião pública?

c)  Descreve outros fatores que influenciam na opinião pública? Quais?

 
18. A obra trata da influência da opinião pública sobre certos aspectos
como a lei, a religião, a economia, a ciência, a arte ou a estética (cultura
pop)?

19. Faz distinção entre a percepção de um indivíduo sobre a opinião e o


medo do isolamento em sua família, nos círculos mais amplos de
amizades, conhecidos, vizinhos e companheiros de trabalho e, por
último, no público anônimo?

20. É possível chegar a algumas conclusões a respeito das opiniões do


autor sobre o fenômeno da opinião pública e sobre o conceito de
“público” ou do “olho público” buscando entender o Zeitgeist (espírito
dos tempos), as condições sociais e culturais ou as circunstâncias em
que viveu o autor?

21. Sentiu falta de algo neste questionário? Em que parte da publicação


há afirmações explícitas ou implícitas sobre ao opinião pública ou o
termo “público” que não tenha podido incluir nestas perguntas?

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Table of Contents
 
1. A espiral do silêncio
2. Agradecimentos
3. Apresentação
4. Prefácio
5. 1. A hipótese do silêncio
1. O conhecimento está por trás das medições
2. Toda investigação começa com um enigma
3. O clima de opinião depende de quem fala e quem se cala
4. Os que se uniram no último minuto
5. Expondo o fenômeno à luz do dia
6. 2. Comprovação com instrumentos de pesquisa de opinião
1. Como saber?
2. A descoberta de uma nova capacidade humana: a percepção do
clima de opinião
3. O teste do trem
4. Simulando uma situação pública
5. Confirma-se a segunda suposição: os que confiam na vitória se
pronunciam e os perdedores tendem a calar-se
6. Um botton de campanha também é uma maneira de falar
7. A vantagem de ter pessoas expressivas do nosso lado
8. Solta-se o verbo quando se sente que está em harmonia com o
espírito do seu tempo
9. As mudanças de opinião favorecem a investigação
10. Refutando a ideia de que esquerdistas são menos sensíveis ao
clima de opinião
11. Um novo procedimento para medir a pressão da opinião
12. Estamos dispostos a de fender publicamente uma opinião? Uma
batería de perguntas a respeito
7. 3. O medo do isolamento como causa
1. O clássico experimento de laboratório de Solomon Asch
demonstra que poucos indivíduos confiam em si mesmos
2. Duas causas da imitação: aprendizagem e medo de isolamento
3. Estamos negando a natureza social dos seres humanos?
4. Simulando a ameaça de isolamento
5. Fumando na presença de não fumantes: o teste da ameaça
6. Reações diante de situações de entrevista como se fossem reais
7. Um teste que não funcionou
8. Quem furou os pneus do carro?
8. 4. O que é a opinião pública?
1. Cinquenta definições
2. A espiral do silêncio como processo de criação e propagação da
opinião pública
3. Meinung e opinião são coisas diferentes
4. Acordo que exige reconhecimento
5. Três significados de público
6. O tecido social
7. Opiniões que podem ser expressas em público sem causar
isolamento
8. Opinião pública como aprovação e desaprovação
9. Uma viagem no tempo: Maquiavel, Shakespeare e Montaigne
10. Montaigne, o descobridor da dimensão pública
9. 5. A lei da opinião: John Locke
1. Reputação e moda: pautas de lugares e momentos determinados
10. 6. O governo se baseia na opinião: David Hume e James Madison
1. O amor à fama: o lado luminoso da opinião pública
2. O homem é tímido e precavido
3. Não é a fama, mas a ameaça que produz a espiral do silêncio
4. Períodos revolucionários facilitam a percepção da exposição
pública como ameaça
5. 1661: Glanvill cria o conceito de “clima de opinião”
6. Descartes compreendeu intuitivamente a espiral do silêncio
11. 7.0 surgimento do termo “opinião pública”: Jean-Jacques Rousseau
1. O público é o que todos podem ver
2. A opinião pública como guardiã da moralidade e das tradições
3. A opinião publica como protetora da sociedade e inimiga da
individualidade
4. A negociação: elementos necessários da relação com a opinião
pública
5. “Tenho que aprender a suportar a censura e o ridículo”
12. 8. Â opinião pública como tirania: Alexis de Tocqueville
1. A igualdade explica o poder da opinião pública
13. 9. A criação do conceito de “controle social” e marginalização do
conceito de “opinião pública”
1. Um conceito de opinião pública sob medida para investigadores e
jornalistas
2. Opinião pública como modo de comportamento
3. O membro morto que se solta do corpo social
14. 10. O coro dos lobos aduladores
1. Mobilização para ação conjunta
2. A conduta do rebanho
15. 11. A opinião pública nas tribos da África e do Pacífico
1. Não se pode viver só
2. As armas do mundo exterior: o desprezo e o ridículo
3. Os três tipos de opinião pública de MargaretMeaã
4. Comer um porco juntos
5. Regras ambíguas e instáveis exigem maior atenção
6. O sistema dualista ou a mentalidade partidária
7. O indivíduo é impotente: o formalismo em Bali
8. O controle dos vizinhos
16. 12. A queda da Bastilha: opinião pública e psicologia das massas
1. A multidão libera o indivíduo da atenção ao meio
2. A opinião pública irritada pode gerar tumultos espontâneos
3. As multidões instáveis não refletem a opinião publica
17. 13. A moda é opinião pública
1. A intuição estatística unindo indivíduo e coletividade
2. Por que os homens devem deixar barba?
3. Atenção à moda exercita capacidade de comprometer-se
4. Um modelo rigoroso
18. 14. O castigo do açoite
1. Castigar a honra é aproveitar-se da delicada natureza social do
homem
2. A fofoca pode revelar regras de honra de uma sociedade
19. 15. A lei e a opinião pública
1. Polarização como divisão da opinião pública
2. Barreiras contra mudanças ou conformismo com as tendências:
dois extremos
3. A lei deve basear-se no costume
4. Mudar de opinião de acordo com as leis
20. 16. A opinião pública integradora
1. A investigação empírica perdura
2. A doutrina sobre a integração de RudolfSmend
3. As arbitrariedades do significado de “integração”
4. Zeitgeist: o resultado da integração
5. Em períodos de risco à sociedade, a pressão social da opinião
pública é mais forte
21. 17. Revolucionários, hereges e contestadores: os desafiadores da
opinião pública
1. Aqueles que não temem o isolamento podem transformar a opinião
pública
2. Pioneiros preocupam-se com a esfera pública tanto quanto os
sonâmbulos
3. Dor ou prazer: dois modos de levar a vida pública
4. Por que e quando a música se transforma?
22. 18. O estereótipo como meio de difusão da opinião pública: Walter
Lippmann
1. Um livro revelador
2. Depois da tempestade
3. As imagens em nossas cabeças, um pseudoambiente cuja realidade
cremos plenamente
4. A uniformidade das regras de seleção do jornalista
5. As pessoas com diferentes atitudes veem os mesmos fatos de
maneira diversa
6. Aquilo que não foi contado não existe
7. Os estereótipos transmitem a opinião pública
23. 19. A opinião pública seleciona os temas: Niklas Luhmann
1. Tornar temas dignos de discussão
2. Os meios de comunicação estabelecem a ordem do dia
24. 20. Atrair a atenção pública é privilégio do jornalista
1. A sensação de impotência diante dos meios de comunicação
2. Um novo ponto de partida para a pesquisa dos efeitos dos meios de
comunicação
3. O conhecimento público toma legítimo
25. 21. A opinião pública tem duas fontes: uma delas é a mídia
1. Mudança súbita do clima de opinião antes do pleito de 1976
2. Com os olhos da TV
3. Os jornalistas não manipulam, mas reportam o que veem
4. A decodificação da linguagem e sinais visuais
26. 22.0 clima duplo de opinião
1. A luta contra a espiral do silêncio
2. A ignorância pluralista: o povo se engana sobre o povo
3. 23. A função articuladora: quem não tem a opinião representada
pelos meios de comunicação está realmente mudo
4. 0 núcleo duro
5. Não há palavras se os meios de comunicação não as fornecem
27. 24. Vox Populi, vox Dei
1. Destino, não razão
2. Definições operacionais para pesquisas empíricas sobre opinião
pública
3. A roupa nova do rei: a opinião pública está vinculada a um lugar e
uma época determinados
4. Dois sentidos do tecido social
28. 25. Novas descobertas
1. Perspectivas históricas
2. O bom estadista é um expert em opinião pública
3. O rei que perde o apoio do povo deixará de ser rei (Aristóteles)
4. Risada homérica
5. As leis não escritas
6. A opinião pública na Canção dos Nibelungos
7. Uma alegoria de 1641
8. Ausência do conceito de opinião pública na Alemanha apolítica
9. Que todos vejam e ouçam
10. Nietzsche, inspirador de Walter Lippmann
29. 26. Por uma teoria da opinião pública
1. Indiferença pela opinião pública
2. A espiral do silêncio não é compatível com o ideal democrático
3. O que é preciso saber para analisar a opinião pública
4. A maioria silenciosa não contradiz a espiral do silêncio
5. Pressupostos da teoria
6. A comprovação da ameaça de isolamento
7. A comprovação do teste de isolamento
8. O constrangimento como manifestação ãa natureza social do
homem
9. Medição do medo do isolamento
10. A comprovação do sentido semi-estatístico
11. Comprovação da disposição em dar opinião ou manter-se em
silêncio
12. O núcleo duro: uma resposta a partir de Dom Quixote
13. Como a soma das opiniões individuais se transforma em opinião
pública
30. 27. Resumo: funções manifestas e latentes da opinião pública
1. A opinião pública como função declarada: formação da opinião na
democracia
2. A opinião pública como função latente: o controle social
3. Comparação entre os dois conceitos de opinião pública
31. Epílogo em agradecimento
32. Epílogo da segunda edição
33. Apêndice
34. Referências bibliográficas
Table of Contents
A espiral do silêncio
Agradecimentos
Apresentação
Prefácio
1. A hipótese do silêncio
O conhecimento está por trás das medições
Toda investigação começa com um enigma
O clima de opinião depende de quem fala e quem se cala
Os que se uniram no último minuto
Expondo o fenômeno à luz do dia
2. Comprovação com instrumentos de pesquisa de opinião
Como saber?
A descoberta de uma nova capacidade humana: a percepção do
clima de opinião
O teste do trem
Simulando uma situação pública
Confirma-se a segunda suposição: os que confiam na vitória se
pronunciam e os perdedores tendem a calar-se
Um botton de campanha também é uma maneira de falar
A vantagem de ter pessoas expressivas do nosso lado
Solta-se o verbo quando se sente que está em harmonia com o
espírito do seu tempo
As mudanças de opinião favorecem a investigação
Refutando a ideia de que esquerdistas são menos sensíveis ao
clima de opinião
Um novo procedimento para medir a pressão da opinião
Estamos dispostos a de fender publicamente uma opinião? Uma
batería de perguntas a respeito
3. O medo do isolamento como causa
O clássico experimento de laboratório de Solomon Asch
demonstra que poucos indivíduos confiam em si mesmos
Duas causas da imitação: aprendizagem e medo de isolamento
Estamos negando a natureza social dos seres humanos?
Simulando a ameaça de isolamento
Fumando na presença de não fumantes: o teste da ameaça
Reações diante de situações de entrevista como se fossem reais
Um teste que não funcionou
Quem furou os pneus do carro?
4. O que é a opinião pública?
Cinquenta definições
A espiral do silêncio como processo de criação e propagação da
opinião pública
Meinung e opinião são coisas diferentes
Acordo que exige reconhecimento
Três significados de público
O tecido social
Opiniões que podem ser expressas em público sem causar
isolamento
Opinião pública como aprovação e desaprovação
Uma viagem no tempo: Maquiavel, Shakespeare e Montaigne
Montaigne, o descobridor da dimensão pública
5. A lei da opinião: John Locke
Reputação e moda: pautas de lugares e momentos determinados
6. O governo se baseia na opinião: David Hume e James Madison
O amor à fama: o lado luminoso da opinião pública
O homem é tímido e precavido
Não é a fama, mas a ameaça que produz a espiral do silêncio
Períodos revolucionários facilitam a percepção da exposição
pública como ameaça
1661: Glanvill cria o conceito de “clima de opinião”
Descartes compreendeu intuitivamente a espiral do silêncio
7.0 surgimento do termo “opinião pública”: Jean-Jacques Rousseau
O público é o que todos podem ver
A opinião pública como guardiã da moralidade e das tradições
A opinião publica como protetora da sociedade e inimiga da
individualidade
A negociação: elementos necessários da relação com a opinião
pública
“Tenho que aprender a suportar a censura e o ridículo”
8. Â opinião pública como tirania: Alexis de Tocqueville
A igualdade explica o poder da opinião pública
9. A criação do conceito de “controle social” e marginalização do conceito
de “opinião pública”
Um conceito de opinião pública sob medida para investigadores e
jornalistas
Opinião pública como modo de comportamento
O membro morto que se solta do corpo social
10. O coro dos lobos aduladores
Mobilização para ação conjunta
A conduta do rebanho
11. A opinião pública nas tribos da África e do Pacífico
Não se pode viver só
As armas do mundo exterior: o desprezo e o ridículo
Os três tipos de opinião pública de MargaretMeaã
Comer um porco juntos
Regras ambíguas e instáveis exigem maior atenção
O sistema dualista ou a mentalidade partidária
O indivíduo é impotente: o formalismo em Bali
O controle dos vizinhos
12. A queda da Bastilha: opinião pública e psicologia das massas
A multidão libera o indivíduo da atenção ao meio
A opinião pública irritada pode gerar tumultos espontâneos
As multidões instáveis não refletem a opinião publica
13. A moda é opinião pública
A intuição estatística unindo indivíduo e coletividade
Por que os homens devem deixar barba?
Atenção à moda exercita capacidade de comprometer-se
Um modelo rigoroso
14. O castigo do açoite
Castigar a honra é aproveitar-se da delicada natureza social do
homem
A fofoca pode revelar regras de honra de uma sociedade
15. A lei e a opinião pública
Polarização como divisão da opinião pública
Barreiras contra mudanças ou conformismo com as tendências:
dois extremos
A lei deve basear-se no costume
Mudar de opinião de acordo com as leis
16. A opinião pública integradora
A investigação empírica perdura
A doutrina sobre a integração de RudolfSmend
As arbitrariedades do significado de “integração”
Zeitgeist: o resultado da integração
Em períodos de risco à sociedade, a pressão social da opinião
pública é mais forte
17. Revolucionários, hereges e contestadores: os desafiadores da opinião
pública
Aqueles que não temem o isolamento podem transformar a opinião
pública
Pioneiros preocupam-se com a esfera pública tanto quanto os
sonâmbulos
Dor ou prazer: dois modos de levar a vida pública
Por que e quando a música se transforma?
18. O estereótipo como meio de difusão da opinião pública: Walter
Lippmann
Um livro revelador
Depois da tempestade
As imagens em nossas cabeças, um pseudoambiente cuja realidade
cremos plenamente
A uniformidade das regras de seleção do jornalista
As pessoas com diferentes atitudes veem os mesmos fatos de
maneira diversa
Aquilo que não foi contado não existe
Os estereótipos transmitem a opinião pública
19. A opinião pública seleciona os temas: Niklas Luhmann
Tornar temas dignos de discussão
Os meios de comunicação estabelecem a ordem do dia
20. Atrair a atenção pública é privilégio do jornalista
A sensação de impotência diante dos meios de comunicação
Um novo ponto de partida para a pesquisa dos efeitos dos meios de
comunicação
O conhecimento público toma legítimo
21. A opinião pública tem duas fontes: uma delas é a mídia
Mudança súbita do clima de opinião antes do pleito de 1976
Com os olhos da TV
Os jornalistas não manipulam, mas reportam o que veem
A decodificação da linguagem e sinais visuais
22.0 clima duplo de opinião
A luta contra a espiral do silêncio
A ignorância pluralista: o povo se engana sobre o povo
23. A função articuladora: quem não tem a opinião representada
pelos meios de comunicação está realmente mudo
0 núcleo duro
Não há palavras se os meios de comunicação não as fornecem
24. Vox Populi, vox Dei
Destino, não razão
Definições operacionais para pesquisas empíricas sobre opinião
pública
A roupa nova do rei: a opinião pública está vinculada a um lugar e
uma época determinados
Dois sentidos do tecido social
25. Novas descobertas
Perspectivas históricas
O bom estadista é um expert em opinião pública
O rei que perde o apoio do povo deixará de ser rei (Aristóteles)
Risada homérica
As leis não escritas
A opinião pública na Canção dos Nibelungos
Uma alegoria de 1641
Ausência do conceito de opinião pública na Alemanha apolítica
Que todos vejam e ouçam
Nietzsche, inspirador de Walter Lippmann
26. Por uma teoria da opinião pública
Indiferença pela opinião pública
A espiral do silêncio não é compatível com o ideal democrático
O que é preciso saber para analisar a opinião pública
A maioria silenciosa não contradiz a espiral do silêncio
Pressupostos da teoria
A comprovação da ameaça de isolamento
A comprovação do teste de isolamento
O constrangimento como manifestação ãa natureza social do
homem
Medição do medo do isolamento
A comprovação do sentido semi-estatístico
Comprovação da disposição em dar opinião ou manter-se em
silêncio
O núcleo duro: uma resposta a partir de Dom Quixote
Como a soma das opiniões individuais se transforma em opinião
pública
27. Resumo: funções manifestas e latentes da opinião pública
A opinião pública como função declarada: formação da opinião na
democracia
A opinião pública como função latente: o controle social
Comparação entre os dois conceitos de opinião pública
Epílogo em agradecimento
Epílogo da segunda edição
Apêndice
Referências bibliográficas

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