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A espiral do silêncio
Apresentação
Prefácio
1. A hipótese do silêncio
O conhecimento está por trás das medições
2. Comprovação com instrumentos de pesquisa de opinião
O teste do trem
Solta-se o verbo quando se sente que está em harmonia com o
espírito do seu tempo
As mudanças de opinião favorecem a investigação
3. O medo do isolamento como causa
Reações diante de situações de entrevista como se fossem reais
Quem furou os pneus do carro?
7.0 surgimento do termo “opinião pública”: Jean-Jacques
Rousseau
12. A queda da Bastilha: opinião pública e psicologia das
massas
13. A moda é opinião pública
14. O castigo do açoite
16. A opinião pública integradora
17. Revolucionários, hereges e contestadores: os desafiadores
da opinião pública
Com os olhos da TV
A decodificação da linguagem e sinais visuais
A ignorância pluralista: o povo se engana sobre o povo
0 núcleo duro
Não há palavras se os meios de comunicação não as fornecem
Epílogo em agradecimento
Epílogo da segunda edição
A espiral do silêncio
Opinião pública: nosso tecido social
PREFÃCIO
Alexandre Costa
ESTUDOS NACIONAIS
Estudos Nacionais
Rua João Mota Espezim, 1339, Saco dos Limões, Florianópolis, SC CEP
88045-400 www.estudosnacionais.com
FICHA CATALOGRÁFICA
Agradecimentos
A presente edição se tornou realidade graças a uma campanha de
financiamento coletivo, coordenada pela editora Estudos Nacionais, para a
qual colaboraram 119 pessoas. A editora agradece a todos os participantes
dessa campanha e, em especial, aos que colaboraram de maneira
diferenciada, aos quais listamos abaixo:
Anthony Hunhoff
Apresentação
Cumprindo um dos objetivos da editora Estudos Nacionais, de suprir a falta
de subsídios para o estudo da sociedade, especialmente a brasileira,
apresentamos a primeira edição de A espiral do silêncio no Brasil. Lançado
originalmente em 1982, na Alemanha, teve grande impacto no
desenvolvimento das pesquisas em comunicação e psicologia social em todo
o mundo, tornando-se um verdadeiro clássico.
Por incrível que possa parecer, esta obra, tão citada em trabalhos acadêmicos
e discussões sobre mídia, ainda não estava presente em nosso mercado
editorial. Este fato nos faz refletir sobre o nível de percepção dos brasileiros
a respeito dos fatores políticos e midiáticos influentes em nossa classe
pensante, elemento invariavelmente determinante da identidade e
independência política, bem com à formação da consciência de nossos
cidadãos. Esses fatores afetam profundamente o discernimento político e
são, justamente, os requisitos para o exercício daquela liberdade tão
requerida pelo sistema democrático. Esperamos que este livro contribua para
o desenvolvimento do pensamento nacional no que diz respeito à sua
necessária noção de consciência crítica e independência individual.
Cristian Derosa
Prefácio
Alexandre Costa
Basta pensar um pouco para perceber que de nada adianta lutar contra as
iniciativas políticas e econômicas que compõem estes planos sem conhecer a
estratégia insidiosa que se esconde na comunicação de massa. E assim que
eu percebi que esta era a chave para compreender o panorama e prever os
rumos das decisões políticas, passei a procurar pelos estudos sobre o tema. O
que eu não esperava é que a maioria dos estudos mais sérios e documentados
sobre a influência da comunicação na formação das opiniões levava a um
assunto ainda mais específico e profundo, a Espiral do Silêncio.
A autora deste estudo, que serviu a muitos outros sobre ciência política,
opinião pública e mídia é uma professora alemã, Elisabeth No-elle-
Neumann, nascida em Berlim em 1916 e falecida em 2010. Seus estudos,
iniciados ainda na década de 1960, demonstram, de forma objetiva e
indiscutível, que a psicologia humana obedece a certos preceitos para a
formação da opinião, seja pública ou individual.
Olavo de Carvalho, que foi o grande responsável por aprofundar as questões
levantadas por Noelle-Neumann no Brasil, explica a peculiaridade desta
questão eminentemente psicológica, que atinge o imaginário e talvez até o
subconsciente das pessoas. O filósofo sintetiza a Espiral do Silêncio como
um jogo de impressões e de emoções vagas, e não um processo de
doutrinação ideológica. Tal característica exige uma observação muito mais
atenta e um estudo mais apurado, o que torna este livro ainda mais
necessário.
Este livro oferece ainda o mais precioso dos instrumentos para demonstrar
que existe manipulação deliberada na transmissão da informação. E prova
que a aplicação da Espiral do Silêncio não é espontânea e definitivamente
não é um fato isolado. Esta questão é decisiva porque muitas pessoas
intuitivamente desconfiam que existe algum tipo de manipulação das
informações, mas só conseguem enxergar interesses pontuais sobre a
distorção de uma notícia, sem perceber que existem ligações com várias
outras.
Boa leitura!
1. A hipótese do silêncio
Na véspera das eleições de 1965, o segundo canal da televisão alemã, ZDF,
realizava, pela primeira vez, uma festa eleitoral na Beetho-ven Halle, em
Bonn. Haveria um jantar, várias orquestras, muitos convidados em um
grande banquete. A sala estava cheia. À direita, diante e abaixo do palco,
havia sido colocado um pequeno andaime com uma lousa. Ali, uma
celebridade abriría dois envelopes recebidos dois dias antes. Um dos
envelopes vinha do Instituto Allensbach1 e outro da EMNID, as duas
principais empresas de pesquisa de opinião. Depois, os diretores de ambas as
organizações seriam convidados para expor as suas previsões sobre o
resultado das eleições em quadrados desenhados na lousa. Em meio ao ruído
do arrastar das cadeiras, sons de talheres e cálices, eu levantei-me e escrevi
na lousa: “União Democrata Cristã-União Cristã Social, 49,5% das intenções
devoto; Partido Social Democrata, 38,5%”. Naquele momento, entre as
centenas de pessoas que havia atrás de mim, instalou-se uma gritaria que se
converteu em um ruído estrondoso. Ensurdecida, terminei de escrever as
previsões:
Tal inibição fez com que a opinião de maior apoio explícito parecesse ainda
mais forte do que realmente era, enquanto a outra opinião acabava por
parecer mais fraca. Observações feitas em determinados contextos
estenderam-se a outros e estimularam as pessoas a proclamar suas opiniões
ou a “engoli-las” mantendo-se em silêncio até que, em um processo em
espiral, determinado ponto de vista chegasse a dominar o cenário, ao passo
que o outro desaparecia da consciência pública no emudecer de seus
partidários. Este é o processo que podemos qualificar de espiral do silêncio.
A princípio, tudo isso era apenas uma hipótese. Servia para explicar o que
havia ocorrido em 1965. No verão desse ano eleitoral, o apoio ao governo
culminou quando a atenção pública se concentrou nas atividades conjuntas
do chanceler Ludwig Erhard e a rainha da Inglaterra. O popular Erhard
preparava-se para a sua primeira campanha parlamentar como chanceler; e a
rainha percorria a Alemanha, naquele horário de verão maravilhoso,
encontrando-se e sendo saudada por Erhard uma vez ou outra. As notícias
televisivas levavam a todas as partes as imagens dos seus encontros. Embora
as preferências dos eleitores estivessem igualadas entre socialdemocratas e
democratas cristãos, era agradável manifestar adesão à União Democrata
Cristã, o partido do poder, e era fácil fazer isso abertamente. O rápido
crescimento da expectativa de vitória democrata cristã nas eleições
parlamentares refletia esse clima de opinião (Veja a figura 1).
[N.T.] Ostpolitik (em alemão, Política do Leste) foi o nome dado aos
esforços políticos dos chanceleres da Alemanha Ocidental para a
normalização das relações com o Leste Europeu, especialmente na tentativa
de reunificação da Alemanha. Tal como alertavam os conservadores
alemães, o esforço de conciliação acabou por dificultar a aproximação dos
dois blocos e o reconhecimento da parte soviética como legítima, retardando
ainda mais a queda do Muro de Berlim que só foi ocorrer em 1989.
Como saber?
Em janeiro de 1971, as pesquisas de opinião da Allensbach começaram a
investigar a espiral do silêncio. O primeiro questionário era composto de três
perguntas básicas sobre a Alemanha Oriental:
Se você tivesse que tomar a decisão, diria que a República Federal deveria
reconhecer ou não a Alemanha Oriental como segundo estado alemão?
Agora, sem levar em conta a sua própria opinião, como acha que a maioria
dos habitantes da República Federal se posicionaria sobre reconhecer ou não
a Alemanha Oriental?
A maior parte das pessoas pesquisadas poderia muito bem ter respondido:
“Como vou saber o futuro? Não sou profeta”. Mas não foi essa a resposta.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, entre 80% e 90% de uma
amostra representativa da população com mais de dezesseis anos de idade,
deu sua opinião sobre as posições mantidas pelas pessoas que as rodeavam.
Qual a opinião que ganhará apoio e qual perderá? A maior parte das pessoas
arriscaria um juízo sobre qual ponto de vista recebería maior apoio em uma
controvérsia. Escolhemos seis exemplos entre 25 testes baseados em mil a
duas mil entrevistas, com amostra representativa da população, realizadas
entre 1971 e 1979. O texto das perguntas era o seguinte: “do modo como
estão as coisas, como você pensa que serão as opiniões dentro de um ano?
Haverá mais ou menos gente a favor de...?”.
As incríveis variações nas respostas sobre o clima de opinião política nos
despertaram o interesse em saber se aquelas estimativas estavam corretas.
Em dezembro de 1974, começamos a comprová-las sistematicamente.
Comportando-se segundo a regra das hierarquias de estabilidade de
Lazarsfeld, as intenções de voto experimentaram mudanças pequenas,
embora contínuas, durante os quinze meses seguintes. A diferença entre o
percentual maior ou menor de intenção de voto da União Democrática Cristã
nunca superou os seis pontos e o caso do Partido Social Democrata nunca
superou 4%.
Figura 3. Quem irá ganhar as eleições?Há décadas se utilizava essa
pergunta para medir o clima de opinião. Outro indicador era a pergunta: “a
maioria prefere CDU/CSU?”, com a qual buscava-se medir com maior
precisão, isto é, com maiores oscilações de opinião. Fonte: Arquivos
deAUensbach, entrevistas: 3023, 3025, 3030, 3031, 3032, 3035.
O teste do trem
Arrisquemos uma explicação sobre a distorção que foi observada em 1965,
quando a expectativa sobre o partido ganhador havia ido muito além da real
evolução na intenção de votos. Segundo nossa hipótese da espiral do
silêncio, isso se deve à diferença de disposição - ou entusiasmo - dos grupos
em expressar as suas opiniões em público ou a mostrar abertamente os seus
pontos de vista onde pudessem ser percebidos. Essa hipótese só se
comprovará se provados empiricamente dois pressupostos.
O primeiro é o de que as pessoas captam intuitivamente o grau relativo de
aceitação de opiniões diferentes (no capítulo anterior, mostramos a evidência
que apoia esse pressuposto). A segunda questão, embora não investigada
empiricamente, é se as pessoas realmente adaptam a sua conduta à força ou à
fraqueza aparente das diferentes opiniões.
Em janeiro de 1972, apareceu pela primeira vez uma pergunta em uma das
pesquisas da Allensbach, uma pergunta que, até onde sabemos, nunca havia
aparecido em algum questionário tanto na Alemanha como em outro lugar.
Era sobre educação de crianças. A pergunta havia sido feita no contexto de
uma pesquisa realizada com donas de casa. O pesquisador começava
mostrando-lhes uma espécie de tira com dois desenhos, na qual ocorria uma
conversa entre duas donas de casa, sendo uma no quadro superior e outra no
inferior. Elas discutiam sobre a necessidade ou não de bater em seus filhos
quando se portavam mal. No desenho havia a pergunta: “com qual das duas
você concorda? Com a de baixo ou com a de cima?” (Figura 10).
Figura 10. Teste da disposição de falar ou tendência em ficar quieto em uma
conversa sobre educação dos filhos.
Uma das mulheres do desenho declarava: “Bater nos filhos é errado. Pode-se
educar qualquer criança sem bater”. No outro desenho, a dona de casa
vizinha respondia: “Bater nas crianças faz parte de sua educação e isso
nunca fez mal a ninguém”. Naquele mês de janeiro de 1972, cerca de 40%
das donas de casa pesquisadas concordaram com a primeira opinião e 47%
com a segunda. Indecisas somaram 13*%.
Mas a pergunta crucial veio a seguir: “suponha que está numa viagem de
trem de cinco horas e em seu compartimento há uma mulher que pensa da
seguinte maneira...”. A partir daí, o texto da pergunta se dividia. Para as
mulheres que haviam opinado contrariamente a bater nos filhos era dada a
continuação da pergunta dizendo que em seu compartimento havia uma
mulher dizendo que “bater nos filhos faz parte de sua educação”. E às
partidárias do castigo físico, completavamos a história dizendo se tratar de
alguém que pensava: "bater nos filhos é um erro”. Em ambos os casos, a
pergunta era feita de modo que as donas de casa fossem defrontadas com
uma companheira de viagem com um ponto de vista diametralmente oposto
ao seu. Assim, para ambas, a pergunta terminava da seguinte maneira:
“gostaria de conversar com essa mulher para conhecer melhor o seu ponto de
vista ou acha que não valeria a pena?”.
O teste do trem foi repetido com temas diversos. Em outra ocasião foi
apresentada uma conversa na qual se expunha opiniões sobre os democratas
cristãos e os socialdemocratas da Alemanha. Outras vezes, falou-se sobre a
discriminação racial na África do Sul, a coabitação entre jovens não casados,
as centrais nucleares, a mão de obra estrangeira, o aborto, o perigo das
drogas e o acesso ao serviço público de pessoas com idéias radicais.
Ao mesmo tempo, era uma situação de pouca exposição, de modo que até
uma pessoa tímida se sentiría à vontade para participar. Mas será que esta
situação serviría para conhecer a conduta natural das pessoas em situações
públicas reais, como na rua, na frutaria, ou como expectador de um fato
público? A entrevista deveria ser feita na intimidade, no máximo na presença
de outros membros da família. Expressariam, dessa forma, suas verdadeiras
reações ou será que o impulso para fazê-lo seria insuficiente diante de uma
situação meramente imaginária?
Sem levar em conta o teste do trem, o ano eleitoral de 1972 nos forneceu
provas empíricas mais do que suficientes de que uma das duas partes da
controvérsia se expressaria ativa e abertamente enquanto a outra parte,
embora não necessariamente menos numerosa (talvez até mais), manter-se-ia
em silêncio. Um protesto do antigo vice-presidente Agnew, sobre a “maioria
silenciosa”, tornou-se popular justamente por apontar uma realidade
amplamente percebida. Era uma realidade na qual o povo tomou parte,
apesar de não estar suficientemente consciente disso, por não ter havido uma
classificação explícita.
Noelle-Neumann, 1979,10.
4
- Qual das três linhas da direita tem o mesmo tamanho da linha modelo da
esquerda?
Figura 18. Comprovação da conformidade exigida pelo medo do
isolamento. Fonte: Solomon E. Asch: “Group Forces in the Modification
andDistotion ofJudg-ments”, Social Psychology, Prentice Hall, New York,
1952,452.
O quanto custa a uma pessoa comum imaginar uma situação que lhe é
exemplificada, como: “suponha que inicie uma viagem de trem de cinco
horas e, no seu compartimento, alguém começa a...?”. No questionário
habitual, o estímulo necessário para imaginar essa situação é relativamente
escasso. Além do mais, tudo depende de como a pergunta é lida, como é
transcrita a resposta e o quão um indivíduo específico pode ou não ser
expressivo e aberto a falar. Todas as variáveis produzem incertezas nos
resultados. Ao contrário, em um laboratório, como o de Asch, é possível
criar uma “situação real”. Pode-se fazer com que influências parecidas com
as da experiência real condicionem uniformemente todos os indivíduos do
experimento; por
“Suponha que está começando uma viagem de trem de cinco horas e alguém
inicia uma conversa em seu compartimento dizendo: ‘As pessoas deveriam
abster-se de fumar na presença de não fumantes.’”
Gostaria de participar desta conversa ou acha que não valería a pena? (Na
metade dos questionários, atribuía-se ao outro viajante a opinião de que “não
se pode pedir a alguém que se abstenha de fumar só porque há não fumantes
diante deles”).
4. Determinar se o entrevistado é fumante ou não.
) teste da ameaça
a opinião de que é ruim fumar na presença de não fumantes pode voltar a ser
dominante, até ser impossível para um fumante defender publicamente a
opinião contrária, ou seja, a de se permitir fumar na presença de não
fumantes. O que parece manifesto neste caso é um evidente efeito
cumulativo: pouco a pouco as respostas hostis do meio acabam se
equilibrando. Os fumantes mais seguros de si mesmos não reagem mais ao
teste da ameaça. Quando os situamos imediatamente depois do teste da
ameaça, no compartimento do trem com alguém que representa seu próprio
ponto de vista, esquecem-se da ameaça anterior. Com a ameaça, 54%
mostram-se dispostos a participar do debate; sem a ameaça, 55%.
Aos que têm menos autoconfiança, basta uma ameaça menor de isolamento.
Por exemplo, as mulheres e os que pertencem a classes sociais mais baixas,
podem reagir de forma diferente diante do teste da ameaça e tendem a não
recuperar sua confiança apenas quando um companheiro de viagem defende
seu ponto de vista (tabela 11).
1
Brandura, 1968.
3
Fromm, 1980,26.
6
solitário. Por exemplo: será que a pessoa isolada estaria a favor de que
membros do Partido Comunista da Alemanha possam ser juizes da Suprema
Corte? Ou ele estaria contra?
Pergunta:
Setembro de 1976
União Cristã 21 28 12 21
Democrata
Partido Social 9 7 11 13
Democrata
Partido Democrata 1 2 X 4
Liberal
Partido Nacional 11 10 12 10
Democrata da Alemanha
Partidos comunistas 16 14 22 15
em perigo. Se fosse o caso, eles teriam considerado que o perigo que corriam
era substancialmente maior do que aquele que atribuíam aos seguidores de
outros partidos, e este não era o caso.
A segunda pergunta dessa série era melhor que a primeira, pois encontrou
menor resistência à resposta e se referia a uma conduta mais permissiva que
o dano à propriedade alheia. Portanto, a segunda pergunta indicava de
maneira mais realista o que as pessoas consideravam popular ou impopular.
Simulava melhor os indicadores da rejeição pública. Em qualquer caso,
causava menos inibição aos que apoiavam o Partido Social Democrata e o
Partido Democrata Livre na hora de manifestar o que sentiam sobre seu grau
de aceitação.
“Apresentamos agora outro caso para saber sua opinião: alguém chega a
uma cidade desconhecida, de carro, não encontra um lugar para estacionar.
Acaba perguntando a alguém: ‘Por favor, poderia dizer-me onde posso
estacionar o meu carro?’. A pessoa desconhecida responde: ‘pergunte a
outro’, e vai embora. Acontece que o motorista carrega em • sua lapela um
botton de um partido político. De qual partido acha que era esse botton?"
União Cristã 23 21 25 28
Democrata
Partido Social 14 19 12 8
Democrata
Partido 2 4 1 X
Democrata
Liberal
Partido 8 7 10 7
Nacional
Democrata da
Alemanha
Partidos 21 21 21 21
comunistas
Sem resposta 35 34 35 40
precisa
Cinquenta definições
Desde a época daquele simpósio, porém, não houve progressos. Pelo
contrário, o conceito foi se dissolvendo até se tomar completamente inútil
para fins práticos. Em meados da década de 1960, um professor de
Princeton, Harwood Childs3, empreendeu a tediosa tarefa de listar e recolher
as definições existentes e encontrou nada menos que cinquenta conceitos
diferentes na literatura disponível. Nos anos 1950 e 1960, cresceu a
exigência de se abandonar o conceito. Dizia-se que a opinião pública era
uma ficção e que pertencia ao museu da história das idéias. O único interesse
nela seria o interesse histórico. Incrível, porém, foi que esta campanha de
nada serviu. “O conceito simplesmente se nega a morrer”, lamentava o
professor alemão de jornalismo, Emil
- Então pensas que a opinião é mais obscura que o conhecimento, ainda que
seja mais clara que a ignorância? - perguntam-no.
- Muito mais - respondeu Sócrates.
- Sim.
O tecido social
O terceiro sentido de público poderia ser chamado de psicossocial. O
indivíduo não vive ou atua somente neste espaço interior no qual pensa e
sente. Sua vida também se expande, não somente em torno das vidas de
outras pessoas, mas para além da coletividade. Em determinadas
circunstâncias, o indivíduo exposto fica protegido por uma intimidade e
familiaridade aparentes, por exemplo, por uma religião compartilhada (penso
especificamente na famosa distinção de Ferdinand Tõnnies entre
Gemeinschaft e Gesellschaft - comunidade e sociedade)7. Mas nas grandes
civilizações, o indivíduo está ainda mais exposto às exigências da sociedade.
Com base nesses três elementos, podemos chegar a uma definição operativa
da opinião pública: opiniões sobre temas controversos, que podem ser
expressas em público sem causar isolamento. Esta definição pode nos servir
de pauta inicial para nossas investigações posteriores.
Segundo Platão, dizia Montaigne, a pederastia era uma paixão perigosa. Para
combatê-la, aconselhou que a condenassem via opinião pública. Pediu aos
poetas que representassem esse vício como execrável, criando assim uma
opinião pública sobre o tema. Embora a nova opinião negativa pudesse ir
contra a opinião majoritária, ela poderia, se apresentada como predominante,
acabar sendo aceita pelos escravos e homens livres, por mulheres e crianças
e, assim, por todos os cidadãos34.
Para Montaigne, a esfera pública tem suas próprias leis intrínsecas. É uma
esfera dominada pelo consenso inimigo da individualidade. “Nem uma entre
mil de nossas ações habituais nos torna indivíduos”, disse Raffel (1984).
Montaigne cria múltiplos conceitos novos para este novo elemento. Inventa
o termo le publique e, apesar do novo conceito 1’opinion publique, insiste
em falar de 1'opinion commune18,1’approbation publique19 e a référence
publique20.
É preciso distinguir três tipos de leis, dizia Locke. A primeira é a lei divina,
a segunda é a lei civil, e a terceira, a lei da virtude do vício, da opinião ou da
reputação - para a qual Locke emprega o termo indistintamente - a lei da
moda.
Creio ser necessário dizer que aquele que imagina que o louvor e a
ignomínia não são motivos suficientemente fortes para que os homens se
adaptem às opiniões e as regras daqueles com quem tenha trato, demonstra
pouco conhecimento da natureza ou da história da humanidade. Porque
notaremos que a maior parte dela conduz-se principalmente por esta lei da
moda. Por isso, fazem aquilo que mantenha sua boa reputação entre
conhecidos, fazendo menos das leis de Deus ou das do juiz. Alguns, isto é, a
maior parte dos homens, refletem poucas vezes seriamente sobre as
consequências inerentes ao descumprimento da lei de Deus. E muitos do que
o fazem pensam em uma reconciliação mesmo estando infringindo a lei,
permanecendo tranquilos apesar de suas infrações. E quanto às
consequências derivados das leis do Estado, cria-se ilusões com a esperança
da impunidade. Mas ninguém que atente contra a moda e contra a opinião de
suas companhias imediatas, ou das que gostariam de ter, livra-se facilmente
das consequências negativas impostas pela censura, pelo que desagrada a
elas (l:476-477)40.
John Locke não põe limites de conteúdo em sua “lei da opinião”. Mas
destaca que o importante é o elemento de avaliação: sempre se expressa
louvor ou censura. Caracteriza o consenso com que se aferram essas
opiniões como um “consenso tácito e secreto” (1:476). A existência de algo
misterioso, em tudo isso, fica confirmada pela investigação do século XX.
Hume, que almejava desfrutar de uma boa vida (e descreve com entusiasmo
as vantagens da riqueza e do poder), expressa-se, nesta passagem, como se
todas as coisas dependessem principalmente da boa opinião do grupo de
referência (usando um conceito da sociologia moderna). Sua formulação
enfatiza menos a publicidade, a aprovação e desaprovação desse “lugar”. No
entanto, vê a magnitude dos efeitos produzidos quando os homens buscam
evitar o enfrentamento em seu próprio meio. “A este princípio”,
acrescentava, “devemos atribuir a grande uniformidade que podemos
observar nos humores e no modo de pensar dos que pertencem à mesma
nação” (ibidem). Hume aprova expressamente esta sensibilidade humana
com o entorno e não a considera, em absoluto, como uma debilidade (ver em
seu Enquiry Conceming the Principies of Morais - uma investigação sobre
os princípios da moral): “O desejo de fama, reputação ou crédito diante dos
demais está tão longe de ser condenável que parece inseparável da virtude, o
gênio, a capacidade ou ânimo generoso ou nobre. A sociedade também
espera e exige que, para agradar, seja essencial prestar atenção inclusive a
assuntos triviais. E a ninguém surpreenda ver uma maior elegância no vestir
e uma conversa mais amena em um homem quando está com outros,
diferente de quando se encontra em sua casa com sua família” (Hume, 1962,
265-266).
Parece-nos bastante óbvio que Hume não está muito preocupado com os
excluídos pela sociedade, aqueles que sofrem os prejuízos da condenação
pública. Ocupa-se, pelo contrário, dos que se instalam no lado feliz, tentando
estabelecer um limite a partir do qual o amor à fama poderia ir longe demais.
“No que consiste a vaidade, tão justamente considerada, senão um defeito ou
imperfeição? Parece ser principalmente um efeito de nossos benefícios,
honras e vitórias, uma exigência insistente e explícita de elogios e
admiração, que acaba sendo ofensivo para os demais” (Ibidem). Hume sabe
que suas reflexões se aplicam às mais altas esferas sociais. Escreve: “Levar
em conta, de maneira conveniente, [...] a posição social que se ocupa pode
estar entre as qualidades mais agradáveis” (Ibidem).
Habermas, 1962
5
Ibidem, p.203.
18
Montaigne, 1962, p.174.
19
Ibidem, p.1013.
20
Ibidem, p.9.
21
’ [N.T.] O termo inglês place, que temos traduzido como “lugar”, também
carrega o significado de praça ou rua, espaço público.
22
Veneza, 1744: Rousseau, aos seus trinta anos, era secretário do embaixador
da França. Aquele era um ano muito agitado. A França, envolvida nas
guerras de sucessão da Áustria, havia declarado guerra contra Maria Teresa.
Em 2 de maio de 1744, Rousseau escreve uma carta a Amelot, ministro
francês de Assuntos Exteriores, desculpando-se por ter feito uma advertência
demasiado enfática ao nobre veneziano Chevalier Erizzo, de que a “opinião
pública” já o considerava simpatizante da Áustria (Rousseau, 1964a, 1184).
Busca assegurar a Amelot que o seu comentário não produziu grandes
problemas e que não voltaria a cometer tal tipo de erro. Rousseau utiliza aqui
a expressão “opinião pública” no mesmo sentido em que a mulher
sofisticada, de Laclos, utilizaria, mais tarde, para aconselhar a jovem dama
sobre suas ligações perigosas e o perigo que representavam para a sua
reputação: a opinião pública é vista em ambos os casos como um tribunal
cuja desaprovação deve ser evitada.
Quem quer que procure interpretar a opinião pública como um juízo político
crítico ao governo, como se interpretou a partir do século XIX, não
encontrará respaldo no uso dado à expressão por Rousseau. Recorrer às suas
obras na procura de idéias relacionadas ao tema da opinião pública pouco
tem contribuído para o trabalho de historiadores e cientistas políticos.
“À luz do dia”, “não somente no meio rural”, estar à vista de todos, sem
proteção do público, agravava a situação. Já a repetição da expressão
“respeito público” indica claramente que Rousseau relaciona a opinião
pública com a “reputação”, na tradição de Maquiavel, Locke e Hume, mas
discute o conceito de forma mais extensa em suas obras.
Um acordo tácito sobre uma norma moral constitui, para Rousseau, a base
sobre a qual se pode erigir-se uma sociedade. E esse consenso moral
coletivamente estável o “público” de Rousseau: esta personalidade pública
costuma chamar-se corpo político, e seus membros o chamam de Estado
(Rousseau, 1964d/1957, 424). Segue-se logicamente que as divisões
partidárias não podem ser benéficas. A sociedade tem um único fundamento
coletivo, que só pode se ver ameaçado pelo egoísmo dos indivíduos
particulares. Esta convicção representa a raiz da hostilidade de Rousseau
com o privado como oposto ao público; uma aversão que, no século XX,
encontra sua expressão mais clara no neomarxismo.
que seja tão submetido a uma autoridade única a ponto de que o homem que
eleve sua voz em nome da verdade, não seja protegido das consequências do
seu atrevimento. Se tiveres a desgraça de viver sob um governo absoluto, o
povo estará, na maioria das vezes, unido a esse governo. Se vive em um país
livre, pode, se for necessário, encontrar abrigo atrás do trono. O setor
aristocrático da sociedade o apoia em alguns países, e em outros, a
democracia. Mas nos países em que existem instituições democráticas
organizadas, como nos EUA, somente existe uma autoridade, um fator de
força e de êxito, sem nada por trás (1:263).
Este único poder é, segundo Tocqueville, a opinião pública. Mas como ela
chegou a ser tão poderosa?
Quando as classes sociais são desiguais e os homens distintos uns dos outros
em sua condição, há alguns indivíduos que dispõem do poder de uma maior
inteligência, saber e ilustração, enquanto que a multidão se mantém imersa
na ignorância. Os homens que vivem nessas épocas aristocráticas são
induzidos naturalmente a formar suas opiniões segundo o modelo visto como
superioridade, identificando-se a uma classe mais alta de pessoas, resistindo
a acreditar em uma infalibilidade da massa popular. Nas épocas de igualdade
acontece o contrário. Quanto mais se aproximam os cidadãos ao nível
comum de uma posição igualitária e semelhante, menos disposto estará cada
um para ter uma fé absoluta em uma determinada pessoa ou uma classe de
pessoas. No entanto, cresce a sua inclinação a crer na multidão. A opinião é
mais do que nunca a dona do mundo (...). Em épocas de igualdade, os
homens não possuem fé nos outros homens devido à sua semelhança; mas
essa mesma semelhança lhes dá uma confiança quase ilimitada no juízo
comum do povo. Pois parecería provável que, como todos contam com os
mesmos elementos de juízo, a maior verdade deveria ser a da maioria
(Tocqueville, 1948, 2:9-10).
O autor francês concorda que a igualdade social pode ter também um efeito
benéfico. Com a autoridade em baixa, a igualdade pode abrir as mentes dos
homens a novas idéias. Mas o indivíduo também pode, por outro lado, deixar
completamente de pensar. O público “não convence de suas crenças, exceto
se as impuser ou fizer com que invadam o pensamento de todos mediante
um tipo de pressão mental de todos sobre a inteligência individual. Nos
Estados Unidos, a maioria se encarrega de fornecer um sem número de
opiniões pré-fabricadas para o uso dos indivíduos, que ficam, assim,
liberados da necessidade de formar uma opinião própria” (1948, 2:10).
“Há aqui um tema para profunda reflexão - nunca será demais repetir”,
escreve Tocqueville, “paraareflexão daqueles que consideravam a liberdade
de pensamento algo sagrado e para aqueles que não só odiavam o déspota,
mas também o despotismo. Eu, de minha parte, quando percebo que a mão
do poder se apoia pesadamente sob meu rosto, não me preocupo tanto em
saber quem é que me oprime. Da mesma forma, não me disponho a arriscar-
me quando me oferecem as mãos de um milhão de pessoas (1958, 2:58).
O homem comum pode ignorar o estigma social. O homem culto pode safar-
se do desprezo de seus vizinhos refugiando-se em opiniões de outras épocas
ou círculos sociais. Mas para a massa, a condenação e o peso de sua
comunidade são os verdadeiros senhores da vida (...). O que desarma o
americano moderno não é tanto o temor do que pode fazer o povo comum
quando irritado, mas a completa incapacidade de permanecer impassível
diante de um turbilhão de comentários totalmente hostis, de suportar uma
vida totalmente submetida à consciência e sensibilidade dos que o rodeiam.
Somente um criminoso ou um herói moral pode manter-se indiferente ao que
os outros pensam dele. (Ross, 1969).
Qual é a função dos uivos? De acordo com Zimen, “a restrição aos ‘de
dentro’ parece nos indicar que a cerimônia reforça a coesão do rebanho. Os
lobos reafirmam, por assim dizer, seus sentimentos mútuos de amizade e
cooperação. Os momentos em que uivam sugerem também que isso serve
para sincronizar e coordenar a fase imediata de atividade. Os lobos que
acabam de acordar são mobilizados rapidamente para a ação conjunta6”.
A conduta do rebanho
Segundo uma informação de Thure von Uexküll, Konrad Lorenz também
observou a sincronização, capacidade de atuar conjuntamente, nos sinais
acústicos empregados por corvos no intuito de controlar a conduta do bando.
O bando de corvos que voa durante o dia pelos campos em busca de comida
e pela noite vai aos bosques para dormir, utiliza os sons de algumas aves
particulares para decidir um rumo comum. Se as rotas das aves não
coincidem pela manhã ou pela tarde, pode-se observar, por um tempo, o
bando voando para frente e para trás. Se os grasnos de um tipo predominam
sobre os de outro tipo, o bando voa pelo bosque, ou ao contrário. Isso
continua por um tempo, até que todas as aves emitam somente um dos tipos
de grasnos e o bando inteiro voa pelo bosque ou pelo campo. A partir daí, o
bando está disposto a empreender uma ação com acordo coletivo, seja ela
buscar comida ou pôr-se a dormir. Existe um ânimo comum ou algo parecido
a uma emoção comum. O bando de corvos é, pois, uma república regida pelo
voto (Uexküll, 1963-1964,174).
The Theory ofthe Leisure Class (Teoria da classe ociosa, 1970; primeira
edição é de 1899)
2
Ibidem, 75.
7
[C.] Trata-se, aqui, do clássico, e sempre presente, embate entre real e ideal.
A presença da ideologia nas ciências sociais encontra, neste caso, o seu mais
acirrado debate.
É difícil que Margaret Mead não tenha percebido a enorme diferença entre a
situação do cuidadoso povo arapesh, que dá cabo do porco alheio, e o
indivíduo participante de um linchamento. O arapesh nunca se deixa levar
por uma ação espontânea “guiada pelo seu próprio sentir sobre a questão”
(Ibidem). Ele afronta a situação com grande cautela, segundo a descrição da
própria Mead, já que se encontra submetido ao controle social e busca
assegurar-se cuidadosamente do apoio dos indivíduos mais influentes. Isso
ele consegue, entre outras maneiras, deixando que tomem parte na comida
ou insistindo que o façam em troca do apoio.
...A guarda francesa, que conhece as leis da guerra, tenta manter sua palavra,
mas as massas que a seguem não sabem de que lado elas estão e golpeiam
violentamente sem ordem ou ritmo. Os suíços se dispersam ao serem
atacados por terem sido confundidos com presos, devido à cor de seus
uniformes. Ao invés deles, caem sobre os inválidos que abriram a Bastilha.
Isso impediu que o prefeito chegasse à fortaleza, cortam-no a mão pelo pulso
de um só golpe e mais duas punhaladas. Sua mão, que resgatou um bairro de
Paris, é levada como troféu pelas ruas (Taine, 1916, 66-69).
Esta cena de histeria das massas é muito diferente do que temos definido
aqui como opinião pública, a partir da análise empírica e histórica. A opinião
pública reside nas atitudes e nos modos de comportamento que recebem uma
forte adesão em uma situação ou época determinada. Essas atitudes devem
ficar evidentes para evitar o isolamento social em qualquer meio de opiniões
estabelecidas e, em um meio de opiniões instáveis, ou em uma nova área de
tensão emergente, podem expressar-se sem medo de isolamento.
A convulsão social narrada tem algo a ver com a opinião pública? Há uma
forma simples de responder esta pergunta. Todos os fenômenos de opinião
pública implicam ameaça de isolamento. Estamos diante de uma
manifestação da opinião pública toda vez que os indivíduos necessitam de
liberdade para falar ou agir segundo suas próprias inclinações, mas precisam
levar em conta as opiniões do seu meio social para evitarem o isolamento.
Não há dúvidas de que é isso o que acontece nas situações de massa concreta
ou multidão excitada. Tanto aqueles que participaram da tomada da Bastilha
quanto os que somente se amontoaram nas ruas buscando fortes emoções,
sabiam perfeitamente como deviam comportar-se para evitar o isolamento:
teriam que demonstrar aprovação. Sabiam também qual o tipo de conduta os
exporia ao isolamento perigoso para a sua sobrevivência, a saber, a rejeição
e crítica das ações das massas. O caráter inequívoco e a intensidade da
ameaça de isolamento contra qualquer desviado da multidão nestas situações
agudas nos mostra que, em sua raiz, a histeria das massas é uma
manifestação da opinião pública. Poderiamos facilmente substituir a tomada
da Bastilha por cenas atuais de ações de massas, como o clamor unânime de
um estádio de futebol contra a decisão de um árbitro ou contra um time que
decepcionou seus torcedores. Ou ainda, no lugar de um acidente: um grande
Cadillac, com condutor sem carteira, atropela uma criança. Não importa se a
criança jogou-se na frente do carro ou se a culpa é do condutor: todas as
pessoas da multidão sabem que ninguém ousará defender o condutor neste
caso. Em uma manifestação, por exemplo, para protestar contra a morte de
uma vítima da brutalidade policial, é impossível defender a polícia.
Será que poderiamos afirmar que essa sensação vem de fatores filogenéticos,
de estados de segurança e força específicos, fazendo com que o indivíduo
liberte-se por instantes do medo do isolamento?
O aspecto lúdico da moda faz com que passe a despercebido sua grande
seriedade, sua importância como mecanismo de integração social. A esse
respeito, não importa se uma sociedade mantém a coesão por meio de
hierarquias elaboradas ou sem elas, se a visibilidade pública dos estilos de
roupa, dos calçados, do cabelo e da barba, utilizados para mostrar as
diferenças de posição ou se - como acontece, por exemplo, na sociedade
norte-americana - procura fazer o contrário, para causar a impressão de que
as diferenças não existem. Costuma-se acreditar, em geral, que os métodos
lúdicos da moda são adequados para indicar diferenças hierárquicas. Isso se
deve ao fato de que a moda tem recebido mais atenção como expressão da
busca de prestígio social - o “amor à fama”, de Hume, a "teoria da classe
ociosa”, de Veblen - do que como forma de pressão à conformidade, o que
afeta mais universalmente as pessoas e sobre a qual John Locke insistiu
quando falava de modo semelhante sobre opinião, reputação e moda.
Um modelo rigoroso
Seriam estas pautas de conduta social, de fato, completamente distintas?
Qualquer um que observar com atenção, perceberá, subjacente a todas elas, o
aspecto a que Locke chamava de lei não escrita da opinião, reputação ou
moda. Em todos os lugares encontramos o modelo rigoroso que, para Locke,
justifica o uso do termo “lei”: as recompensas e castigos não procedem
propriamente do ato - assim como comer demais provoca a indigestão -, mas
vêm da aprovação ou desaprovação pelo meio social em um lugar ou
momento determinados. Aprofundando a análise, o uso geral do termo
“moda" parece-nos adequado para sublinhar características comuns. Em
todos esses aspectos, que parecem não possuir nada em comum, o indivíduo
pode estar in ou out, precisa estar atento às mudanças sob pena de arriscar-se
ao isolamento. A ameaça de isolamento ocorre sempre que as opiniões
individuais conseguem se converter em uma opinião predominante. A moda
é um meio excelente de integração. De fato, só mesmo essa função de
integração social poderia explicar como é que algo tão pequeno como a
altura das calças ou a forma das golas das camisas pode constituir um
conteúdo da opinião pública ou possa ser um sinal de que se esteja in ou out.
Os aspectos que parecem heterogêneos nos quais se dá o fenômeno da moda
não estão absolutamente desconectados. Evidentemente, foram investigadas
somente a sua sincronização. Mas pode-se suspeitar, de acordo com
Sócrates, de que há uma relação entre os gostos musicais e os gostos sobre
penteados, já que este tipo de coisa pode chegar a destruir as leis.
Privar as pessoas do que é mais valioso para elas, a sua honra, está na
essência das penas de desonra. O pelourinho de açoite “destrói a honra do
homem”2, dizia-se na Idade Média. A todos era considerada uma experiência
de grande angústia, a ponto de que a partir das primeiras tendências
humanizadoras, decretou-se a proibição do açoite público aos menores de
dezoito anos e - como em uma lei turca - aos maiores de setenta. O
pelourinho era engenhosamente pensado para atrair ao máximo a atenção do
público. Era fixado em uma praça ou no centro de ruas movimentadas.
Amarrava-se o prisioneiro a um tronco pelo pescoço com uma corrente de
ferro e o expunham como numa exposição ao público em horários de
movimento: pela manhã nos dias de mercado, aos domingos ou feriados.
Levavam-no acorrentado à porta da Igreja, como em um “açoite eclesial”.
Tocavam-se tambores e gritos e o prisioneiro era pintado com tintas
coloridas, roxo ou laranja, para que fosse bem visto. O tronco era decorado
com desenhos de animais peçonhentos, assim como o nome do açoitado e
seus delitos eram escritos em uma placa pendurada em seu pescoço. A
população anônima passava, ridicularizava-o, jogavam lixo (muitos até
pedras, o que não era próprio do espírito dessa penalidade). Estas práticas
estavam fora das regras ordinárias do controle social. Fora do anonimato da
multidão, somente o delinquente açoitado era identificado. No pelourinho,
não eram castigados os delitos graves. Eram os menos visíveis, sobre os
quais devia pesar o farto da atenção pública. Aplicava-se, em casos de fraude
(troco dado errado por um padeiro, por exemplo), ou de prostituição, falta de
reverência à autoridade estabelecida ou, mais especialmente, a difamação ou
maledicência, a partir da ideia corrente de que quem rouba a honra de
alguém deve ser privado da sua própria (Bader-Weiss e Bader, 1935, 122).
A fofoca pode revelar regras de honra de uma
sociedade
A linha entre a fofoca e difamação é tênue. Afinal, a partir de que momento
pode-se considerar uma mera opinião falar com desaprovação de alguém que
não esteja presente? Quando assassina-se a reputação, toda honra cai em
descrédito. A partir daí, ser visto com a pessoa difamada converte-se em um
tabu. A mundana marquesa de Ligações Perigosas referia-se a isso quando
tentava convencer a jovem dama a deixar de ver o seu malvisto amante: "A
opinião pública se esquecerá dele? Não bastaria isso para modificar
consequentemente vossa relação com ele?” (Choderlos de Laclos,
1926,1:89).
A pergunta central é em que medida as três leis de John Locke - a lei divina,
a lei civil e a lei da opinião - podem contradizer-se. Locke tratou a questão,
para o seu país e sua época, com o exemplo do duelo. Na Alemanha dos
anos 1970 e 1980, a questão surge em tomo do tema do aborto. Um alto
cargo da Igreja disse que o aborto era um assassinato e aproximou-se do
comentário de um médico que havia comparado o grande número de abortos
aos assassinatos em massa do campo de concentração de Auschwitz. A lei
civil permite o aborto, disse o cardeal, mas ele segue chamando-o de
assassinato (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 26 de setembro, 6 de outubro
de 1979). Não se trata de um conflito terminológico. Os dois pontos de vista
são irreconciliáveis. A opinião do prelado é muito mais do que uma mera
fachada para conciliar concepções modernas diferentes. As duas concepções
a respeito do aborto são virulentas. A crença cristã, na proteção da vida,
inclusive da não nascida, choca-se contra uma crença emocional e
igualmente forte, aquela que Rousseau chamou pela primeira vez de
‘religião civil” (1962a, 327), uma religião secular, civil, na qual a
emancipação, o direito da mulher a decidir sobre seu próprio corpo, possui
mais valor que qualquer outra. Trata-se de um daqueles conflitos que movem
as pessoas a organizar sua vida evitando encontrar-se com pessoas com uma
opinião distinta da sua.
Como esta resolução legal foi produzida, neste caso, sem basear-se no uso de
provas empíricas, podemos considerá-la um processo exclusivo de opinião
pública. O comentarista emprega, acertadamente, uma expressão relacionada
à moda quando diz que a proteção dos não fumantes está “em voga”.
Das quatro reformas legais avaliadas, a Nova Lei do Divórcio foi a menos
favorecida (tabela 20).
«
Isso nos faz lembrar como a relação entre lei e opinião pública era vista por
Rousseau. “Assim como um arquiteto que, antes de levantar um grande
edifício, observa e sonda o terreno para ver se suportará o peso do prédio, o
legislador inteligente não redige leis supostamente boas em si mesmas sem,
primeiro, investigar se o povo ao qual serão destinadas as leis é capaz de
suportá-las” (1953, 46).
Para Rousseau, as leis são “verdadeiros atos de vontade geral” (1953, 98).
Sobre a afirmação de David Hume, de que “o governo só se baseia na
opinião”, Rousseau adverte: “a opinião, rainha do mundo, não está
submetida ao poder dos reis. Eles mesmos são seus primeiros escravos”
(Rousseau, 1976/1960, 73-74).
1
Fehr, Folter und Strafe im alten Bern, 198; citado por Bader-Weiss e Bader,
1935, 83.
Por outro lado, o cidadão honesto possuía razões para ficar estremecido
quando, na década de 1970, por exemplo, começou a aparecer jovens de
cabelos compridos. O cidadão geral parecia saber que quem não tem medo
do isolamento social terá fatalmente o poder de destruir a ordem das coisas.
Não foi ainda elaborada uma tipologia das formas de relação entre o
indivíduo e a esfera pública. A falta de pesquisas empíricas deixa-nos em
uma situação incerta sobre o aguerrido grupo dos que não têm ou venceram
o medo do isolamento social. Sabemos apenas que esse grupo empurra a
sociedade para a transformação e que a espiral do silêncio é mais sutil para
eles. A opinião pública, que para muitos significa a pressão para a
conformidade, é para os destemidos o palco da mudança.
Um livro revelador
O que tem de tão especial este livro ao ponto de, cinquenta anos após a
publicação original, ter sido reimpresso em capa dura nos Estados Unidos
(1965) e, quase simultaneamente, na Alemanha (1964)? De fato, é um livro
revelador. Apresentando-se contrariamente ao modo como, em geral, as
pessoas gostariam de ver as coisas, o livro permanece, hoje, tanto tempo
depois da sua primeira publicação, um livro atual. No entanto, por algum
motivo, ele não foi incorporado ao pensamento do meio intelectual.
Lippmann desmascarou nosso autoengano racionalista sobre como
supostamente nos informamos e formamos juízos responsáveis pelo
guiamento de suas ações no mundo moderno. Afinal, diriamos de nós
mesmos: o fazemos com maturidade e tolerância, observando, pensando e
julgando como cientistas no esforço incessante de examinar objetivamente a
realidade, auxiliados, em nosso esforço, pelos meios de comunicação. A essa
formidável ilusão, contrapõe-nos uma realidade completamente diferente,
mostrando como as pessoas realmente formam suas concepções, como
seleciona partes das mensagens que o chegam, como as processa e as
retransmite. Lippmann descreve, de passagem, fenômenos que a psicologia
social empírica e a investigação da comunicação levaram décadas para
confirmar. Em todo o livro de Lippmann, não é encontrada uma única ideia
sobre o funcionamento da comunicação que não tenha sido, algum dia,
verificada em esforços de laboratório e de campo.
Depois da tempestade
Ao mesmo tempo, Lippmann não trata daquilo que aqui entendemos como
opinião pública em relação com a espiral do silêncio. Ele nada disse a
respeito do papel da pressão para a conformidade ou o estabelecimento do
consenso, tampouco sobre o medo do isolamento das pessoas e a vigilância
atemorizante do meio. Ainda assim, a tremenda influência da Primeira
Guerra Mundial permitiu a Lippmann identificar a pedra angular da opinião
pública: a cristalização das concepções e as opiniões baseadas em 4
estereótipos”, com sua carga emocional (1965, 85). Lippmann era jornalista
e conhecia essa expressão, que remetia para ele ao familiar mundo
tecnológico da impressão de tipos gráficos no jornalismo, na qual o texto é
escrito com um molde rígido - na impressão por offset ou de tipos - que
permite ser reproduzido indefinidamente. Assim, também os estereótipos
favorecem a eficácia dos processos de opinião pública. Compreende-se
rapidamente as conversas e se transmite imediatamente associações
negativas ou, em alguns casos, positivas. Orientam a percepção, atraindo a
atenção para alguns elementos - normalmente negativos - e produzindo uma
percepção negativa. Os estereótipos também podem provocar o fracasso
político de candidatos a cargos importantes. O candidato à presidência dos
EUA, George Romney utilizou a expressão “lavagem cerebral” para
descrever sua própria aceitação de certas afirmações sobre a guerra do
Vietnã. A partir de então, aplicavam-no o estereótipo de que era facilmente
manipulável. Na corrida presidencial de 1980, o candidato Brown, então
governador da Califórnia, deixou de ser o favorito quando a imprensa
começou a chama-lo de “govemor Moonbeam” (governador raio da Lua),
devido suas opiniões futuristas e seu interesse na exploração espacial.
Lippmann escreveu: “Aquilo que se faz com os símbolos que, em dado
momento, carregam a sensibilidade pública, controlará os caminhos da
política pública” (1965,133).
O mundo que temos que considerar está politicamente fora de nosso alcance,
fora de nossa visão de compreensão. Tem que ser explorado, relatado e
imaginado. O homem não é um Deus aristotélico contemplando o mundo
numa olhadela. É uma criatura da evolução que pode abarcar somente uma
porção suficiente da realidade que administra para a sua sobrevivência, e
agarra o que na escala do tempo são alguns momentos de discernimento e
felicidade. E ainda assim esta mesma criatura inventou formas de ver o que
nenhum olho nu poderia ver, de ouvir o que ouvido algum poderia ouvir, de
considerar massas imensas assim como infinítesimais, de contar e separar
mais itens que ele pode individualmente recordar. Está aprendendo a ver
com sua mente vastas porções do mundo que ele não podia nunca ver, tocar,
cheirar, ouvir ou recordar. Gradualmente ele cria para si próprio uma
imagem credível em sua cabeça do mundo que está além do seu alcance
(Lippmann, 2008, 40)4.
influenciam na percepção individual daquilo que pode ser dito ou feito sem o
risco do isolamento. E por último, nos deparamos com algo que pode ser
chamado de função de articulação dos meios de comunicação. Isto nos faz
retornar ao ponto de partida de nossa análise da espiral do silêncio, o teste do
trem com situação paradigmática de um pequeno grupo no qual se atribui a
opinião pública por meio da fala e da resistência em falar. Mas, por
enquanto, seguiremos com o tema de como as pessoas percebem a
experiência do clima de opinião através dos meios de comunicação.
Pergunta: “Não há dúvidas de que ninguém podería estar seguro disso, mas,
se você pudesse arriscar um palpite, quem você acha que vencerá as
próximas eleições? Quem receberá mais votos? A União Democrata Cristã
ou o Partido Social Democrata?”._____
Minha primeira suposição foi de que os apoiadores dos democratas cristãos
se comportaram como nas eleições de 1972, permanecendo publicamente em
silêncio e não demonstrando suas convicções, mesmo tendo iniciada a
campanha eleitoral. Eu sabia que a chefia de campanha de todos os partidos,
incluindo a CDU, haviam buscado conscientizar seus votantes sobre a
importância de divulgar publicamente a sua posição; mas, como sabemos, as
pessoas são prudentes e medrosas. Telefonei a Allensbach e perguntei pelos
resultados das perguntas sobre a disposição popular em apoiar publicamente
um partido qualquer. 0 resultado foi surpreendente: não fechava com a
teoria. Na comparação com os resultados de março, os seguidores do Partido
Social Democrata tendiam a ser mais negligentes que os da União
Democrata Cristã. Em resposta à pergunta sobre o que estavam dispostos a
fazer por seu partido, e diante de uma lista de atividades possíveis, inclusive
com a resposta “nenhuma dessas coisas”, o número de votantes do Partido
Social Democrata que disse que não faria nada aumentou entre março e
julho, de 34% a 43%, enquanto que os cristãos da CDU permaneceram quase
constantes (38% disseram que não fariam nada, em março, e
Pergunta: “Agora faremos uma pergunta sobre o partido que você mais se
identifica. Se lhe perguntassem o que estaria disposto a fazer pelo partido
que considera o melhor, como, por exemplo, algumas das alternativas
escritas nesta ficha, haveria algo que faria pelo partido?” (Entregam-se as
fichas ao entrevistado).__
___________________________________
1
[N.T.] Traduzido livremente do original: All The News Thats Fit To Print.
Slogam criado para dar ideia de imparcialidade e elevar o status do veículo
em relação aos concorrentes. Há outras interepretações sobre o significado
de tal slogan. Até em língua inglesa, o significado e objetivo dessa expressão
continua sendo, até hoje, tema de debates e discussões.
9
Com os olhos da TV
Pensei bas duas fontes das quais dispomos para obter informações sobre a
distribuição das opiniões em nosso meto: a observação em primeira mãoda
realidade e a observação da realidade através dos olhos da mídia. Pedi que
em Allensbach os dados fossem tabulados de acordo com a quantidade de
imprensa lida ou de televisão assistida pelos entrevistados. Quando tive os
resultados sobre a mesa, tudo era simples como uma cartilha escolar.
Somente os que observaram o entorno com maior frequência através da
televisão perceberam a mudança no clima de opinião; os que observaram o
entorno sem os olhos da TV não notaram qualquer mudança no clima (tabela
23).
Pergunta: “Se você pudesse arriscar um palpite, quem você acha que
venceria as próximas eleições federais? Quem receberá mais votos? A União
Democrata Cristã ou o Partido Social Democrata-
Liberais?”.______________
Fonte: Arquivos de Allensbach. Parte superior da tabela, entrevistas 2185,
2187 Em uma pesquisa de opinião feita em jornalistas realizada
paralelamente a esta pelo Instituto de Publicística de Mainz, 73% dos
jornalistas esperava uma vitória socialdemocrata-liberal, 15% uma vitória
democrata cristã e 12% respondeu: “não é possível saber”. N=81. Parte
inferior da tabela: entrevistas 3032,2187. Apresenta as respostas com
preferência já definida em um partido. X = menos de 0,5%.
Além disso, não houve eleições federais na Alemanha com resultados como
os daquele ano de 1976. Evidentemente, não haverá protestos virulentos
contra a influência da mídia no clima de opinião se essa influência não for
decisiva, já que um resultado pode depender de não mais que mil e poucos
votos. A ausência de interesse público sobre este assunto pode ser, na
verdade, favorável à pesquisa da comunicação que busca determinar o nível
de influência das imagens televisivas sobre os telespectadores. Michael
Ostertag dedicou sua tese (1992), elaborada no Instituto de Publicidade de
Mainz, ao tema da influência das preferências políticas dos jornalistas sobre
os políticos entrevistados na TV, e como esse efeito, por sua vez, influencia
nas impressões do público sobre esses políticos. Analisando 40 entrevistas
televisionadas com os principais candidatos - Schmidt, Kohl, Straus e
Genscher - realizadas durante a campanha eleitoral de 1980, Ostertag e seus
colaboradores trabalharam somente com imagens com som desligado. Eles
buscavam evitar ser influenciados pelos argumentos e a linguagem utilizada,
assim como pelos elementos relacionados com a fala, como timbre de voz,
entonação e pausas deliberadas; em outras palavras, pelo que é chamado de
“modos de expressão pré-verbais” ou “pré-linguísticos”. Seu único interesse
estava nos conteúdos visuais.
0 núcleo duro
As primeiras comprovações da espiral do silêncio, realizadas em 1972, já
demonstravam que a teoria tinha suas exceções. Um aspecto importante do
exame empírico das teorias consiste em determinar os seus limites, encontrar
as condições nas quais uma teoria não se confirma e deva ser alterada. Desde
os primeiros testes, tínhamos descoberto que a menor parte da população que
apoiava Franz Josef Strauss, no início da década de 1970, estava muito mais
disposta
Naquele momento, nos deparamos pela primeira vez com o núcleo duro, o
grupo minoritário que, ao final de um processo de espiral do silêncio, ainda
desafia a ameaça de isolamento. O núcleo duro está, em certo sentido,
relacionado com a vanguarda, a inovação, já que considera o isolamento
como um preço que deve ser pago. Diferente dos membros da vanguarda,
porém, um núcleo duro pode dar as costas ao público, fechar-se
completamente quando está em público com desconhecidos, isolar-se como
uma seita e se orientar pelo passado ou pelo futuro mais distante e
hipotético. A outra possibilidade era que o núcleo duro acreditasse ser, ao
mesmo tempo, uma vanguarda. Isso explicaria sua disposição a se expressar,
disposição bastante intensa que se assemelha à da vanguarda. Os núcleos
duros que confiam no futuro encorajam-se devido um processo demonstrado
empiricamente pelo psicólogo social norte-americano Gary I. Schulman
(1968): os partidários de uma opinião majoritária que alcança uma
determinada abrangência chegarão, com o tempo, a ser incapazes de
argumentar adequadamente a seu favor, já que nunca encontram alguém que
tenha opinião diferente. Em suas pesquisas, Schulman encontrou pessoas
que defendiam a obrigação de escovar os dentes uma vez por dia e que
ficavam confusos e inseguros quando eram confrontadas com quem não
compartilhava dessa opinião.
Tabela 26. Após um longo processo de espiral do silêndo, surge um
núcleo duro falante e disposto ao isolamento sodal_______________
Pergunta: “Suponha que está iniciando uma viagem de trem de cinco horas
de duração, e que alguém em seu compartimento começa a falar a favor (na
metade dos entrevistados dissemos contra) que Franz Josef Strauss tenha
maior influência política. Gostaria de manter uma conversa com essa pessoa
ou acharia que não vale a
pena?”.______________________________________
Ao longo dos séculos, o pêndulo oscilou entre o desdém e algo parecido com
uma reverência por parte dos que evocavam essa fórmula. Hofstatten, em
seu Psychologie der ôffentlichen Meimrng (Psicologia da opinião pública),
dizia que “confundir a voz do povo com a voz de Deus é uma blasfêmia”
(1949, 96). O chanceler alemão do Reich von Bethmann Hollweg (1856-
1921) acreditava ser mais correta a formulação “voz do povo, voz do gado”,
e com isso apenas repetia a versão que o discípulo de Montaigne, Pierre
Charron, propôs em 1601 como mais adequada: vox Populi, vox stultorum
(voz do povo, voz da estupidez). A inspiração de Charron vinha do Ensaio
sobre a fama, de Montaigne, no qual ele discute a incapacidade da multidão
em apreciar o caráter dos grandes homens e seus feitos.
É razoável fazer com que a vida do sábio dependa do juízo dos idiotas? (...)
Há algo mais estúpido do que pensar que todos juntos somos mais valiosos
do que cada um de nós, em separado? Quem tenta satisfazê-los não
conseguirá jamais (...). Nenhuma arte ou espírito benevolente poderia
direcionar nossos passos para que seguíssemos um guia tão louco e
desequilibrado. Neste arquejada confusão de estupidez, neste caos frívolo de
informações e opiniões vulgares, que, no entanto, nos impulsiona, não
poderá estabelecer-se um rumo correto. Não sejamos tão volúveis e tão
titubeantes e voltemos a nós mesmos. Sigamos constantemente a razão e que
a aprovação popular venha atrás de nós, se quiser (citado em Boas, 1969,31-
32).
Alcuino escreve no mesmo espírito em sua nota de 798 a Carlos Magno: “...e
não há que se escutar aos que se habituaram a dizer a voz do povo é a voz de
Deus". Porque o clamor popular está muito próximo da loucura” (Ibidem, 9).
Assim expressaram-se todos os que, ao longo de séculos e milênios,
traduziram vox Dei como “voz da razão” e buscavam em vão essa razão na
voz do povo, da opinião pública.
Egbert: Qualquer declaração da razão tem força de lei e não precisa se tornar
lei perante a opinião pública.
Sinibald: Por favor, esclareça melhor o que deve ter força de lei e certamente
será aceito pela maioria.
Egbert: Sobre isso terá que decidir o século XIX, Lothar Bucher, que faz a
citação deste diálogo de Wieland, termina seu ensaio com as seguintes
palavras: “Sinibald e Egbert discutem longamente sobre como se relacionam
razão e opinião pública, deixando a decisão para o século XIX. Deixemos
também nós que seja o século XX a concluir este diálogo” (Bucher, 1887,
80). E nós? Deixaremos a conclusão ao século XXI?
Reflete uma realidade... Isso não nos serve de nada. É preciso definir essa
realidade. Depois, de repente, veremos as pegadas dessa realidade a
emergirem pela linguagem, entre palavras simples, palavras que não
compreenderemos se não formos cada vez mais conscientes da sensibilidade
de nosso tecido social, se não reprimirmos nosso eu ideal, aquela pessoa
razoável que acreditamos ser. Quais são algumas dessas palavras? Perder a
reputação; o público como a esfera na qual se pode perder a reputação,
passar vergonha e ridículo; causar constrangimento; caluniar alguém;
estigmatizar alguém, discriminar. Se não enfrentamos essa realidade, não
poderemos compreender o que o poeta Max Frisch queria dizer com a
fórmula que empregou no discurso inaugural da Feira do Livro de Frankfurt:
“a esfera pública: solidão exposta?” (Frisch, 1969, 56). Assim está o
indivíduo e também a multidão que o julga sob o manto do anonimato: é isso
o que Rousseau descreve como opinião pública.
Por que Hegel insistia tanto no elemento temporal (“quem for capaz de
expressar o que diz a sua época e de realizar o que ela deseja é o grande
homem do seu tempo”)? Deveriamos compreender o que foi descrito pelo
escritor alemão Kurt Tucholsky quando disse: “Nada é tão difícil ou requer
mais caráter do que estar em conflito aberto com a própria época e dizer um
forte ‘não’” (1975, 67). Também a caricatura feita por Jonathan Swift, em
1706, quando escreveu: “Refletimos sobre o passado, as guerras,
negociações, facções e outras. Estamos tão distantes daqueles interesses que
nos maravilhamos como as pessoas puderam estar preocupadas e inquietas
com assuntos tão transitórios. Olhamos o presente e encontramos a mesma
atitude, mas não nos surpreende... Não se ouve alguém pregando nada,
exceto o tempo, que nos traz sempre os mesmos pensamentos, aquilo que os
maiores pensadores tentaram em vão nos avisar” (Swift, 1965, 241).
“A opinião pública, nosso tecido social” caracteriza esses dois aspectos. Por
um lado refere-se a nossa sociedade, protegida e unificada pela opinião
pública como um tecido que cobre toda a sociedade. Em outro sentido,
refere-se também aos indivíduos, já que os que sofrem pela opinião pública
sofrem pela sensibilidade de sua pele social. Afinal, não teria sido Rousseau,
o introdutor do conceito de opinião pública na linguagem moderna, quem a
descreveu ao mesmo tempo como a inimiga do indivíduo e protetora da
sociedade?
Perspectivas históricas
Para descobrir coisas novas, além de inteligência o estudioso necessita de
sorte. Eu certamente tive sorte durante o trabalho inicial sobre a espiral do
silêncio. Foi por pura sorte que encontrei em Tõnnies uma citação de
Tocqueville na qual descrevia a espiral do silêncio quase com a exatidão de
um botânico ao descrever uma planta (Tõnnies, 1922, 394). Tive sorte
quando Kurt Reumann, na época estudante pesquisador em Allensbach,
chamou-me a atenção para o capítulo 28, “Sobre outras relações”, do livro II
do Ensaio sobre o entendimento humano, de John Locke. Esse capítulo, que
havia passado despercebido em círculos profissionais, contém uma descrição
da lei da opinião, a reputação e a moda. Depois decidimos sistematizar a
busca de textos importantes, ao invés de depender do azar ou dos astros. No
Instituto de Publicística da Universidade de Mainz esquematizamos o
questionário sobre livros ao invés de pessoas (ver mais acima, no quarto
capítulo). Durante anos havíamos utilizado este questionário em seminários
realizados em Mainz para estudar cerca de 400 autores, objetivando
descobrir tudo o que podíamos sobre a opinião pública76, Foi assim que, por
exemplo, descobrimos que em um discurso inaugural da Feira do Livro de
Frankfurt de 1958, Max Fisch havia afirmado:
ÕffentlichkeitistEinsamkeitaussen (A esfera pública é solidão exposta,
Frisch, 1979, 63). Estas palavras serviram de chave sobre o medo do
isolamento com que as pessoas se deparam em público. Muitos anos depois,
quando Michael Hallemann começou a estudar o constrangimento ou
embaraço e demonstrou que este sentimento aumenta na proporção do
tamanho do público (Hallemann, 1990, 133), lembrei da formulação de
Frisch e me dei conta de como os escritores se adiantam aos acadêmicos.
A resposta de Davi a sua esposa mostra claramente que ele sabia o que
estava fazendo e o que desejava com isso. A história dos dois emissários que
Davi enviou a Hanon para expressar a sua dor pela morte do rei dos
amonitas também deve ser estudada a partir do ponto de vista da opinião
pública. Hanon, o novo rei, suspeitou que os dois emissários eram espiões
quando “raspou-lhes metade da barba, cortou-lhes as vestes bem curtas e
despediu-os”. O relato prossegue: “Davi, tendo conhecimento disso, mandou
mensageiros ao seu encontro - pois estavam profundamente humilhados -
para dizer-lhes: Ficai em Jerico até que vossa barba tenha de novo crescido,
e então voltareis” (2 Samuel 10.4, 5). David sabia que o objetivo era fazer
com que seus emissários voltassem e fossem expostos ao ridículo, à
zombaria, ficando isolados do público por parecerem idiotas; sabia, ademais,
que não somente seus mensageiros seriam prejudicados, mas a reputação do
rei que os enviou.
Risada homérica
Recorremos agora a textos ainda mais antigos, à Ilíada e a Odisséia,
considerados os escritos literários mais antigos do Ocidente. Eles foram
mitos transmitidos oralmente durante muitas gerações antes que Homero os
pudesse ter escrito, no século VIII a. C. A seguinte análise se baseia na tese
de literatura de Tassilo Zimmermann, que examinou a Ilíada utilizando o
questionário criado em Mainz.
Homero começa a sua epopeia com a descrição de uma cena em uma praia
próxima da cidade de Tróia. No segundo livro da Ilíada, Agamenon convoca
uma reunião do exército aqueu na tentativa de pôr à prova a sua moral.
Nessa convocação, enumera os argumentos em favor do fim da guerra, que
já durava nove anos, e voltar finalmente para casa. Os soldados, então,
comportam-se como o bando de gralhas descritas por Konrad Lorenz, que
por meio de granidos de “para a floresta!”, “para o campo!”, vão e vêm até
que um grupo acaba impondo-se e todos voam na mesma direção (Uexküll,
1964, 174). Os soldados reagem. Alguns gritam: “aos barcos! Vamos
embora!”. Outros, porém, especialmenteos de áltapatente, gritam: “Alto!
Quietos! Sentados!”. Forma-se uma cena caótica, com os primeiros soldados
pegando os barcos, colocando-os na água. Ulisses enfrenta os soldados que
gritam mais forte e detém-nos aos golpes. Consegue isolar Tersites, um dos
chefes que estava a favor da debandada, e faz com que toda a ira se
concentre nele. Tersites é o bode expiatório perfeito: “Era ele o mais feio dos
homens... aleijado, torto de um pé, de ombros curvados e contraídos sobre o
peito e o crânio pontiagudo coberto por um cabelo ralo”8. A maioria pensa a
mesma coisa que Tersites; mas, como Ulisses começa a zombar dele, o riso
homérico vai se estendendo soldado por soldado até que Tersites se vê
sozinho. O exército aqueu volta a sentar-se e decide continuar a guerra.
Embora Homero não diga uma palavra sobre opinião pública, descreve o
papel dos risos quando trata de criar uma ameaça de isolamento que
determina o processo da opinião pública, O medievalista francês Jacques Le
Goff assinala que tanto os hebreus quanto os gregos possuem palavras
distintas para designar as diversas formas de risos públicos. Uma é positiva,
amistosa e integradora; a outra é negativa, zombadora e desintegradora. Os
romanos, com um idioma menos rico, tinham apenas uma única palavra para
as risadas (Le Goff, 1989, n3). Consequentemente, começamos a pesquisar
os meios pelos quais são percebidas as ameaças de isolamento. Como um
indivíduo descobre que está afastado do consenso da opinião pública? E o
que ele deve fazer se não quiser ser isolado e exilado da comunidade de
amigos? Existem muitos sinais diferentes, mas as risadas têm um papel
especialmente importante. Voltaremos a este ponto no capítulo 26.
Até agora, a passagem mais antiga que menciona as leis não escritas está em
A guerra do Peloponeso, de Tucídides (460-400 a. C.). Trata-se de um
discurso de Péricles durante o primeiro ano da guerra (431-430 a. C.) que
acabaria com a completa derrota de Atenas. Para mostrar a grandeza de
Atenas no auge de seu poder, Tucídides dizia a Péricles:
Apesar de não nos sentirmos constrangidos em nossas relações privadas, um
espírito de reverência enche nossos atos públicos. O respeito à autoridade e
às leis nos impede de agir mal e nos fazem ter uma consideração especial
pelas leis destinadas a proteger os prejudicados, assim como pelas leis não
escritas que pesam sobre o transgressor com a reprovação do sentimento
geral (Tucídides, 1881,118).
"O que significa esse camaleão que tem nas mãos, que pode adotar todas as
cores exceto o branco?”, pergunta o jovem nobre à opinião pública, que está
na copa da árvore. "Assim, a OPINIÃO pode transformar-se em todas as
formas que ouve, exceto na VERDADE, no que é certo.” “E por que
escorrem esses ramos das raízes da árvore das OPINIÕES, de modo tão
abundante?”, pergunta o jovem nobre. "Porque uma opinião pode discorrer
assim e multiplicar-se até ao infinito”, respondeu. “E, senhora, que fruto é
esse que cai da árvore com cada ventinho? Parecem livros e jornais. E estás
cega, tens os olhos cobertos?”.
A resposta confirmava a ideia de Platão de que a opinião pública inclui
todos: escravos e livres, mulheres e crianças, e todos os cidadãos. Porque os
frutos da opinião pública, livros, jornais, revistas, não alcançam somente as
classes altas. Estão nas ruas, lojas e vitrines. E os dois últimos versos do
diálogo insistem nessa onipresença.
E por que seria chamado de tolo aquele que rega algo tão importante como a
opinião pública? Porque é o tolo é quem concede vida a ela. Isso nos faz
pensar nos aspectos pelos quais os tolos regam a opinião pública em nossos
dias.
3. Como o público crê que o tema controverso irá evoluir? Que grupo
vai ganhar força e qual perderá terreno?
Pressupostos da teoria
Com a ajuda das seis perguntas enumeradas anteriormente, foi possível criar
um esquema de estudos de caso e realizar previsões. Em um tema como a
energia nuclear, em que há uma clara tomada de posição dos meios de
comunicação além de um forte componente moral relativo à segurança das
gerações futuras, esperávamos que os oponentes do uso da energia nuclear
estivessem mais dispostos a se expressar em público e pareçam mais fortes
no clima de opinião do que os favoráveis (Kepplinger, 1988, 1989a). Sabine
Mathes confirmou esta suposição em sua tese de licenciatura na
Universidade de Mainz (Mathes, 1989). Somente quando os partidários são
reduzidos a um núcleo duro será possível esperar que demonstrem uma
maior vontade de falar em público que seus oponentes (ver sobre o “núcleo
duro”, no final deste capítulo).
Qual teoria aparece após a análise deste estudo de caso? A teoria da espiral
do silêncio se apoia no pressuposto de que a sociedade - e não somente os
grupos nos quais as pessoas se conhecem mutuamente -ameaça os indivíduos
com o isolamento e a exclusão social daqueles que se desviam do consenso.
Os indivíduos, por sua vez, têm um medo do isolamento que é em grande
parte subconsciente e provavelmente determinado de modo genérico. Este
medo do isolamento faz com que as pessoas busquem comprovar
constantemente quais são as opiniões e comportamentos aprovados ou
desaprovados no seu meio, e quais deles estão ganhando ou perdendo força.
A teoria postula ainda a existência de um sentido quase estatístico que
permite realizar essas estimativas. Os resultados de suas estimativas
influenciam na inclinação das pessoas a expressarem-se, assim como em seu
comportamento geral. Se as pessoas creem que sua opinião faz parte de um
consenso, expressam-se com confiança em conversas públicas ou privadas,
manifestando suas convicções seja com bottons, adesivos, mas também pela
roupa que vestem e outros símbolos publicamente perceptíveis.
Inversamente, quando as pessoas se sentem em minoria tornam-se prudentes
e silenciosas, reforçando assim a impressão de fraqueza, até que o grupo
aparentemente mais fraco desaparece, sobrando apenas um núcleo duro que
se aferra a seus valores anteriores, ou até que a opinião converta-se em um
tabu.
Isto nos recorda da frase de Edward Ross: “até que o membro morto se
desprende do corpo social” (ver capítulo 10). Mas algo se torna estranho: os
pesquisadores das dinâmicas de grupos estudaram como se mantém a coesão
grupai, mas não passaram daí. Por que não foram adiante e buscaram
responder o que é que mantém unida a sociedade como um todo? Se
houvessem dado este passo, seriam obrigados a confrontar-se com o
fenômeno da opinião pública como instrumento de controle social.
(WilliamAlbig, 1939)
Já que estamos em busca de uma imagem que nos sirva para explicar a
relação existente entre a discussão pública e a opinião pública como controle
social, a discussão pública podería ser vista como algo inerente à dinâmica
do processo psicossocial, guiando-o e articulando-o, mas que muitas vezes
não permanece no nível meramente intelectual e não influencia, portanto,
nas emoções morais, instância na qual se origina a pressão da opinião
pública. Segundo a definição de Merton, a função manifesta do debate
público - chegar a uma decisão através da apresentação de argumentos em
público - é consciente, deliberada e consentida. Entretanto, muitas vezes a
população não está emocionalmente convencida - ou mobilizada - e a função
da tomada de decisões carece da força necessária para criar e defender o
esperado consenso social. A única opinião passível de gerar a função latente
para manter a coesão social é aquela que é aceita e aprovada
emocíonalmente pela população. Assim, as discussões públicas muitas vezes
são uma parte do processo de opinião pública e não a sua totalidade.
O fato de a função latente da opinião pública como controle social, com sua
finalidade de integrar a sociedade e garantir o nível suficiente de consenso,
não ser intencional e nem reconhecida conscientemente, explica os mal-
entendidos sobre o conceito. Talvez seja possível algum dia uma
reconciliação entre os intelectuais na ideia de que a opinião pública exerça
uma pressão para a conformidade do indivíduo com o coletivo. Isso
convertería a função latente em uma função manifesta. Em outras palavras,
chegaria a ser considerada uma força necessária na sociedade.
r
1
72* Konrad Adenauer, co-fundador da União Democrata-Cristã (CDU), foi
um político cristão conservador, ex-prefeito de Colônia e foi chanceler da
Alemanha entre 1949 a 1963.
2
Epílogo em agradecimento
Não gosto de dizer adeus aos meus leitores. Espero que voltemos a nos
encontrar sempre que forem estudadas as relações entre a opinião pública e a
política, a opinião pública e a economia, a opinião pública e a arte, a ciência
e a religião, e quando for demonstrado o sucesso da descrição da opinião
pública feita neste livro em gerar de fato uma compreensão melhor da que
havia antes, possibilitando tanto diagnósticos como previsões.
Grande parte daquilo com que conviví durante tanto tempo já não me
pertence. Eu costumava me imaginar, em relação ao tema, como uma
pensadora solitária em um parque. Mas na verdade eu não estava sozinha.
Quero agradecer os que me ajudaram, sobretudo Helmtrud Seaton, do
Instituto Allensbach, que desempenhou ao mesmo tempo as tarefas de
ajudante científica e secretária. Creio que não conseguiría de pesquisas
contratadas e que incluíam questionários ou tabulações verdadeiramente
peregrinas, como o exemplo do teste do trem. Quero mencionar, como
pessoas especialmente comprometidas com o trabalho, Werner Süsslin,
responsável pelos arquivos do Instituto, e Gertrud Vallon, leitora dos textos
em francês e, ao mesmo tempo, uma estimulante comentadora. Também tive
a ajuda do Instituto de Publicística da Universidade Johannes Guttenberg de
Mainz; das teses de licenciatura de Christine Gerber sobre Rousseau, de
Angelika Tischer sobre Tocqueville e de Dieter Petzolt sobre o “olho publico
como consciência”, com trechos sobre Lutero que foram especialmente
importantes para mim. Também me foi útil a tese sobre Maquiavel
apresentada por Frank Rusciano na Universidade de Chicago.
E.N.N.
Nas obras do sir William Temple, que precedeu David Hume em mais de 50
anos, descobrimos o tema principal de Hume: a queda dos governos quando
diante da falta de autoridade ou de confiança do povo, que segundo Templo,
são a mesma coisa. Cem anos antes de Madison, a obra de Temple traz a
ideia central da espiral do silêncio: o homem “dificilmente se arriscará a
introduzir novas opiniões em ambiente no qual haja pouco ou nenhum
compartilhamento das suas idéias, ou onde pense que todos ali defenderão as
idéias já recebidas” (Temple, [1672] 1964).
Um antigo aluno me fez uma crítica construtiva por eu ter dado uma
relevância exagerada às fontes de minhas idéias e menos atenção ao meu
próprio trabalho. A razão de minha consideração por outros autores decorre
de minha posição como cientista. Considero como meus amigos todos
aqueles que fui encontrando no caminho até a descoberta de uma verdade.
Por isso, também sou imensamente agradecida a eles, como a Sabine
Mathes, que pesquisou com grande entusiasmo ao usar o exemplo da energia
nuclear, a relação entre os diversos fatores que interferem na interação entre
os meios de comunicação e a opinião pública, até que finalmente pudemos
compreender o papel dos diferentes elementos do processo da opinião
pública em sua sequência cronológica. A posição dos meios, ou as mudanças
na sua posição, vem antes de uma mudança de avaliação do clima de
opinião. A transformação em avaliação do clima de opinião vem antes de
uma mudança nas atitudes pessoais. A conduta - a disposição de se expressar
- adapta-se à avaliação do clima de opinião, mas, reciprocamente, também
influencia nas avaliações do clima de opinião em um processo de
retroalimentação que dá início a um processo de espiral.
"Aidos é... uma questão difícil”, dizem os editores de uma edição inglesa do
Pitágoras. "É inútil estar de acordo com um código de conduta se os
membros da comunidade não se regem por ele. Uma forma de obrigar o
cumprimento dessas convenções é a opinião pública. Os membros de uma
comunidade tendem a ter grande preocupação sobre a opinião dos outros
membros da comunidade sobre eles. Aidos representa o medo da
desaprovação pública que garante o cumprimento geral das convenções
sociais (Hubhard e Karnofsky, 1982,96). Esta é a resposta à pergunta de
Protágoras: “Existiría algo a ser compartilhado por todos os cidadãos para
que uma nação exista de fato?”.
Apêndice
Estudos de literatura sobre a opinião pública: um guia de análise de textos
a) Identifica a opinião publicada com a opinião pública ou faz distinção
entre elas?
18. A obra trata da influência da opinião pública sobre certos aspectos
como a lei, a religião, a economia, a ciência, a arte ou a estética (cultura
pop)?
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