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O SISTEMA INTERESTATAL CAPITALISTA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

FIORI, José Luís. – O mito do colapso americano, RJ : Record, 2008, p.11-69

1- TEORIA E CONJUNTURA

I- A teoria dos “ciclos hegemônicos” e a tese “crise terminal”

Charles Kindleberger – “a economia mundial precisa de um país estabilizador”, mas


“a primazia deste país dura pouco”- obedeceu a uma espécie de “ciclo vital” –
ascensão e queda de lideranças. – “Teoria da estabilidade hegemônica” (Robert
Keohane”.

I. Wallerstein – “teoria dos ciclos” e das “sucessões hegemônicas” – parte do “modo


de produção capitalista”- século XXI “crise terminal do sistema mundial moderno”
– crise da hegemonia americana.

G. Arrighi – “hegemonia mundial” – consenso e coerção. Identificação de dois


ciclos paralelos dentro do sistema mundial: ciclos do poder (“ciclos hegemônicos”)
e ciclos econômicos do capital (“ciclos de acumulação”) – “ciclo sistêmico de
acumulação” (alternância de épocas de expansão material com fases de
renascimento e expansão financeira) – momentos cruciais no declínio simultâneo –
A convergência entre o “crise inicial” e o “crise terminal” – constituição de um novo
bloco de poder e de capital. “dimensão revolucionária” a ao “fim cíclico dos EUA”.
Dimensão cíclica e repetitiva e não revolucionária.

- o aumento da dívida externa americana na década de 1970, não representa seu


declínio fatal, mas funcionou como um motor da economia internacional sem que
ocorresse a destruição norte-americana. Reestruturação a partir do dólar flexível –
desregulamentação financeira – vitória do capital dos EUA –revolucionou a
geopolítica mundial - revolução tecnológica militar – mudança estrutural do sistema
mundial .
- sistema mundial deixando de ser liderado pela “governança global” baseada em
uma ‘hegemonia benevolente’ e caminhando para uma ordem de características
imperiais do que hegemônicas.
“Os EUA não parecem estar sem “os meios e a vontade de continuar conduzindo o
sistema de Estados na direção que seja percebida como expandindo não apenas o
seu poder, mas o poder coletivo dos grupos dominantes do sistema” p. 19

- por que o hegemon é o que mais contribui para a desestruturação das regras e
instituições do próprio sistema. Tampouco consegue entender porque o hegemon
segue competindo e atropelando as demais potências do sistema, mesmo nos
períodos de máxima segurança e “tranqüilidade hegemônica”. P.21 - “disfunção
sistêmica”.

- [...]a velocidade da reconstrução física e militar e do crescimento econômico dos


derrotados ou destruídos tende a se maior do que o da potência líder. O que não se
percebe, muitas vezes, é que esta reconstrução e aceleração do crescimento do poder
político e econômico dos demais são dependentes e indispensáveis para a
acumulação de poder e riqueza da própria potência .

II- A teoria do “universo em expansão” e a tese da “explosão expansiva”

-o sistema mundial é visto como um “universo em expansão” contínua, onde todos


os Estados que lutam pelo “poder global” –em particular , as grandes potências -
estão sempre criando , ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise , paz e
guerra, sem perder sua preeminência hierárquica dentro do sistema. P.22

-[...]pode-se identificar, na sua trajetória, “quatro momentos” em que ocorreu uma


espécie de “explosão expansiva” dentro do próprio sistema. Nesses “momentos
históricos”, houve primeiro um aumento da “pressão competitiva” dentro do
“universo”, e depois uma grande “explosão” ou alargamento das suas fronteiras
internas e externas. O aumento da “pressão competitiva” foi provocado – quase
sempre – pelo expansionismo de uma ou várias “potências” líderes, e envolveu
também um aumento do número e da intensidade dos conflitos, entre as outras
unidades políticas e econômicas do sistema. E a “explosão expansiva” que se seguiu
projetou o poder destas unidades ou “potências” mais competitivas para fora de si
mesmas, ampliando as fronteiras do próprio “universo”.P. 22-3

- Por fim, desde a década de 1970, está em curso uma quarta “explosão expansiva”
do sistema mundial. [...] o aumento da “pressão competitiva” dentro do sistema
mundial está sendo provocado em grande medida pela estratégia expansionista e
imperial dos EUA, mas também pela multiplicação dos Estados soberanos do
sistema, que já são cerca de duzentos, e, finalmente, pelo crescimento vertiginoso do
poder e da riqueza dos estados asiáticos, e da China em particular. O tamanho desta
“pressão competitiva” neste início do século XXI permite prever uma nova “corrida
imperialista” entre as grandes potências, e uma gigantesca expansão das fronteiras
deste “universo mundial”. P.24

-[...] desde o início, o novo sistema estatal europeu esteve sob o controle compartido
e competitivo de um pequeno número de ‘Estados-impérios’ que se impuseram na
sua região e se transformaram no ‘núcleo central’ do sistema de estados europeus.

-[..]no sistema interestatal, toda grande potência está obrigada a seguir expandindo o
seu poder, mesmo que seja em períodos de paz, e se possível, até o limite do
monopólio absoluto e global. P.30

-[...]a vitória e a constituição de um império mundial seria sempre a vitória de um


Estado nacional específico. Daquele Estado que fosse capaz de monopolizar o
poder, até o limite do desaparecimento dos seus competidores. Mas se isso
acontecesse, se interromperia a competição entre os Estados, e, neste caso, eles não
teriam como seguir aumentando o seu próprio poder. Seria ilógico, dentro do ponto
de vista teórico, porque destruiria o mecanismo central de acumulação de poder que
mantém o sistema mundial em estado de expansão desordenada, desequilibrada, mas
contínua. Por isto mesmo, a preparação para a guerra e as próprias guerras não
impedem a convivência, a complementaridade e até alianças e fusões entre os
Estados envolvidos nos conflitos . Às vezes, predomina o conflito , às vezes a
complementaridade, mas é esta “dialética” que permite a existência de períodos
mais ou menos prolongados de paz no sistema mundial, sem que se interrompa a
concorrência e o conflito latente entre seus Estados mais poderosos. A própria
“potência líder” ou “hegemônica” precisa seguir expandindo o seu poder de forma
contínua, para manter sua posição relativa. P.30

- A própria potência hegemônica – que deveria ser o grande estabilizador, segundo a


teoria dos “ciclos hegemônicos” – precisa da competição e da guerra, para seguir
acumulando poder e riqueza. E para se expandir, muitas vezes, ela precisa ir além e
destruir as próprias regras e instituições que ela mesma construiu, num momento
anterior, depois de alguma grande vitória. Por isto, ao contrário da “utopia
hegemônica” , neste “universo em expansão” nunca houve e nem haverá “paz
perpétua”, nem hegemonia estável. Pelo contrário, trata-se de um “universo” que
precisa da guerra e das crises para poder se ordenar e “estabilizar” – sempre de
forma transitória – e manter suas relações e estruturas hierárquicas. P.31

- [...] o impulso conquistador desses Estados impediu que seus mercados locais se
fechassem sobre si mesmos e alargou suas fronteiras, com a inclusão de outras
economias no seu “território econômico supranacional”, ao mesmo tempo que foi
criando as oportunidades monopólicas para a realização dos “lucros extraordinários”
que movem o capitalismo. P.31-2

-Desde o início do novo sistema interestatal até hoje, “a expansão competitiva dos
seus ‘Estados-economias nacionais’ criou impérios e internacionalizou a economia
capitalista, mas nem os impérios nem o ‘capital internacional’ eliminaram os
Estados e as economias nacionais”. E mesmo nos países vitoriosos que lideraram a
internacionalização capitalista, os seus capitais sendo “designados” e “realizados”
nas suas próprias moedas nacionais. A idéia de uma “moeda internacional”, vista
como um “bem público” – como na teoria da estabilidade hegemônica, por exemplo
- , esconde o fato de que todas as moedas são nacionais, e um instrumento de poder
na luta pela supremacia econômica internacional. P.32

-Nesse sentido, pode-se afirmar que não existe capital nem capitalismo sem a
mediação do poder, do território e da moeda, ou seja, não existe capital “em geral” ;
existem sempre capitais nacionais que se internacionalizam sem perder seu vínculo
e sua referência com alguma moeda nacional ou soberana. E através da história,
todas as “moedas internacionais” foram sempre as moedas nacionais dos “Estados
vencedores”. P.33

- [...] por isto, crises econômicas e guerras não são , necessariamente, um anúncio do
“fim” ou do “colapso” dos Estados e das economias envolvidas. Pelo contrário,
podem ser uma parte essencial e necessária da acumulação do poder e da riqueza
destes Estados, e do próprio sistema mundial. E nesta conjuntura, em particular, as
crises e guerras que estão em curso fazem parte – de uma transformação estrutural,
de longo prazo, que começou na década de 1970 e que aponta para a “pressão
competitiva” mundial – geopolítica e econômica – e para o início de uma nova
“corrida imperialista” entre as grandes potências, que já faz parte de mais uma
“explosão expansiva” do sistema mundial, que se prolongará pelas próximas
décadas. P. 34
2- A CONJUNTURA INTERNACIONAL

- [...] a estratégia imperial americana dos anos 1970 teve um papel decisivo na
transformação de longo prazo da geopolítica mundial, ao trazer de volta a Rússia e a
Alemanha e ao fortalecer a China, a Índia e quase todos os principais concorrentes
dos EUA neste início de século. Ao mesmo tempo, pode-se dizer, do ponto de vista
do curto prazo, que a crise de liderança dos EUA, depois de 2003, deu visibilidade
ou abriu portas para que essas novas e velhas potências regionais passassem a atuar
de forma mas “desembaraçada” na defesa dos seus interesses nacionais e na
reivindicação de suas “zonas de influência”. Ou seja, também neste caso a política
expansiva da potência líder ou hegemônica ativou a aprofundou as contradições do
sistema mundial, derrubou instituições e regras, fez guerras e acabou fortalecendo os
Estados e as economias que disputam com os EUA as supremacias regionais ao
redor do mundo. p.37

I- A política bélica e o impasse americano

-Doutrina estratégica norte-americana para o século XXI – “contenção preventiva


universal” – retórica globalista e pacifista do governo Clinton – intervenções
militares ao redor do mundo.
- insucessos não são o “sintoma terminal” da hegemonia dos EUA , mas sinalizam a
existência de limites e de contradições numa estratégia que vai provocando
resistências na medida em que avança e expande seus instrumentos e espaços de
poder.
-A vitória dos EUA na Guerra Fria trouxe de volta ao jogo europeu e internacional a
Alemanha e Rússia, além de contar com a aliança estratégica da China.

II- O aumento da “pressão competitiva” ao redor do mundo

-Fracasso do projeto do “Grande Médio Oriente” – correlação de forças na região –


fortalecimento do Irã e do nacionalismo religioso principais rivais dos EUA na
região; aliança sírio-iraniana no Iraque e no Líbano e na Palestina , através das
relações sírias com o Hamas e o Hezbollah.
- EUA perderam sua posição arbitral na região – conviver com o aumento da
“pressão competitiva” regional devido à presença da Rússia e China com interesses
energéticos na região.
-a sobreposição dos conflitos religiosos, com as divergências territoriais e a
abundância de recursos energéticos, manterá o Oriente Médio no epicentro das
tensões internacionais, e deve experimentar todo tipo de alianças.
-União Européia é uma unidade política fraca e com pouca capacidade de iniciativa
estratégica autônoma e unificada no sistema mundial.
- Diferentes projetos estratégicos – França, Inglaterra e a Alemanha – alianças
cruzadas com os EUA.
-Proximidade da Alemanha com a Rússia afetaria o futuro da União Européia –
Ascensão alemã – maior demografia e economia na Europa além de uma política
externa mais independente.
-Morgenthau – “a permanência do status de subordinação dos derrotados pode
facilmente produzir a vontade de desfazer a derrota e jogar por terra o novo status
quo internacional criado pelos vitoriosos, retomando seu lugar na hierarquia do
poder mundial.” – papel da Rússia – EUA e União Européia apoiaram a autonomia
dos países que formavam a antiga zona de influência soviética; expansão da OTAN
para o Leste europeu; independência de Kosovo; instalação do escudo “antimísseis”
na Europa Central; treinamento das forças da Ucrânia e Geórgia pelos EUA.
-desmonte do “império russo” – Putin – estratégia militar agressiva em 2001 –
recentralizou o poder – reconstruiu o Estado – nacionalizou os recursos energéticos
– refez o complexo industrial militar – crescimento econômico – presença nos
conflitos da Ásia Central e do Oriente Médio – retorno ao “grande jogo
geopolítico”.
-Leste Asiático é a região de maior “pressão competitiva” e “expansiva” do século
XXI – disputas pela hegemonia regional – China – Japão Coréia do Sul , EUA, Índia
e Rússia.
-proximidade entre China e Rússia – Organização de Cooperação de Shangai em
2001 (Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Uzbequistão) – cooperação política e
militar - contrapeso à OTAN.

-disputas na Ásia pelos recursos energéticos e alimentos principalmente pela Índia e


China, mas também Japão e Coréia do Sul. Aproximação com o Irã, interesses na
África e América Latina. Disputas pelos oleodutos do Mar Cáspio.
- China – economia atrelada à estratégia expansiva do poder nacional. – nova
relação de complementaridade e competição, entre EUA e China – aumento
gigantesco da “pressão competitiva” da conjuntura internacional.
- África – desde 2001 apresenta um crescimento econômico – pressão econômica da
China e Índia através do comércio e do investimento direto. – a África Subsaariana
está se transformando na área de “acumulação primitiva” do capitalismo asiático e
na principal fronteira de expansão econômica e política da China e da Índia no
século XXI. Tensões entre as potências – “segurança energética” – EUA – combate
ao terrorismo e proteção aos interesses energéticos – criação da Africom(comando
aficano).
- África – terceira nova “corrida imperialista” –
- América do Sul – 2001 vitórias de forças políticas nacionalistas,
desenvolvimentistas e socialistas – presença chinesa na compra de grãos, minérios e
energia – crescimento econômico – aumento dos preços das commodities no
mercado internacional – investimentos em infra-estrutura como energia e transportes
– formação de reservas fortes – diminuição da fragilidade externa das economias
regionais e negociações externas.
-América do Sul – grandes reservas naturais – minérios –água – biodiversidade –
região para o funcionamento e a expansão do sistema mundial. Expansão e crise da
economia mundial produza conflitos entre os próprios Estados da região e deles com
os EUA. – reativação da IV Frota Naval dos EUA.
-Criação da UNASUL – criação do Conselho de Defesa da América do Sul –
projetos de integração física e energética – busca de uma melhor inserção na
“pressão competitiva” mundial - integração regional um desafio e não há um país
que seja visto como uma “locomotiva” da região.

III- Potências emergentes e Estados relevantes


-Brasil, Índia, China e África do Sul – diferentes em relação a inserção
internacional, controle de tecnologias de ponta, poderio militar e capacidade de
iniciativa estratégica autônoma.
- China – proximidades com o Paquistão ,Bangladesh e Nepal – desconfianças
indianas; pesados investimentos em suas forças armadas como a frota submarina;
investimentos em tecnologia militar. Característica de uma potência expansiva.
-Índia –investe em armamentos devido a instabilidade regional. – estratégia atômica
de defesa nacional.
-África do Sul – fim do Apartheid – envolvimento nas negociações de paz dentro do
continente - papel de ponte entre Ásia e a América Latina – limitações militares e
falta de coesão interna – ação imediata na África Austral.
-Brasil – depois de um longo tempo aliado dos EUA , em 2002, afirmação sul-
americana e internacional - competidor dos EUA – baixa capacidade de
coordenação estratégica do desenvolvimento econômico com uma política externa
de afirmação do poder brasileiro no mundo.

IV- Convergências “assintóticas”

- Brasil e África do Sul posição geopolítica e geoeconômica global assimétrica em


relação a China e Índia. – os 4 possuem a posição comum de “países ascendentes” –
exigem mudanças nas regras de “gestão” do sistema internacional. - Conselho de
Segurança – OMC – Rodada de Doha -.
-Brasil e África do Sul – “Estados relevantes” sem uma estratégia nacional
claramente defensiva como a Índia, ou expansiva como a China.

3- MUDANÇA ESTRUTURAL E TENDÊNCIA


- TESE: [...]não estamos vivendo a “crise terminal” do poder americano, nem
assistindo ao nascimento de um sistema pós-estatal. Pelo contrário, os EUA se
mantêm como potência decisiva no sistema mundial, e aumenta a cada dia a
“pressão competitiva” entre os Estados e as economias nacionais ao redor do
mundo.Como conseqüência, o nacionalismo econômico está de volta, os Estados
intervêm de forma cada vez mais extensa no comando estratégico de suas economias
, através de suas próprias empresas ou de seus “fundos soberanos” , e todos os
governos estão começando a regular, de novo seus mercados, incluindo o mercado
financeiro norte-americano.
-reversão nacionalista é decorrente do expansionismo imperial dos EUA e pela
relação que se estabeleceu entre esta “globalização” americana e o “milagre
econômico” chinês.
-“milagre econômico”chinês – acordos dos anos 1970 - inclusão no mercado e no
capital financeiro dos EUA -“expansão do território econômico supranacional dos
EUA” – aumentou o poder do dólar e dos títulos da dívida pública do governo
americano e a multiplicação do seu capital financeiro.
anos 1990 – China – utilizou a seu favor a expansão americana - “expansão do
território econômico supranacional” - novo centro nacional de acumulação de poder
e de capital com capacidade gravitacional semelhante aos EUA. – “pressão
competitiva” e anúncio de uma nova “explosão expansiva” do “sistema mundial
moderno”.
- “núcleo duro” – EUA – China e Rússia “nova geopolítica das nações”- ascensão de
Estados regionais – “nova corrida imperialista”.

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