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Resumo
O atual ciclo de acumulação sistêmico envolve a competição pelo domínio de novas
tecnologias na produção e favorece a concentração de capital, gerando, com isso, uma
crise econômica que impacta na grande estratégia dos Estados Unidos no sistema
internacional. Nesse sentido, a busca por maior eficiência do sistema de armas a um
custo econômico sustentável deve ser contextualizada a partir do processo de
concentração de capital. Portanto, no plano metodológico, um sistema de armas
desenvolvido é variável dependente da lógica econômica da acumulação de capital,
variável independente, no qual incide a variável interveniente dos interesses
geopolíticos do complexo militar e industrial estadunidense. Assim, o necessário
incremento de capacidades militares pode ser entendido como um efeito possível dos
ciclos de acumulação, trazendo como consequência, efeitos condicionadores sobre a
doutrina de política externa de segurança norte-americana em razão do impacto da
hipótese de guerra central sobre o equilíbrio internacional e os efeitos estruturais
externos e internos para o Brasil
Abstract
The present accumulation systemic cycle embrances the competition for the control of
new tecnologies on production which favours the concentration of capital, thus,
engendering a economic crisis that fall upon in the great U.S. strategy. Therefore, the
search of higher efficiency of the system weapons at a sustainable economic rate must
be understood in the contexto of the economic logico capital accumulation. So, in the
methodologic dimension, a weapon system should be considered as a dependent
variable whereas the economic logic of capital accumulation is its indepent variable at
the same time the geopolitical interests of the U.S. industrial-military complex is a
intervene variable. Hence, the necessary update of military capabilities should be
understood as a possible effect of accumulation cycles, bringing as a consequence, the
effects which impact upon the security foreign policy doctrine of the United States due
to the very impact of central war hypothesis on the international balance and the
structural effects upon the internal and external dimensions to Brazil.
1
Introdução
Se como bem afirmava Karl Marx, que gerações de mortos nos governam,
alguns governam mais do que os outros. A começar pelo próprio insigne pensador
alemão e seu amigo e parceiro intelectual Friedrich Engels, mas também um russo e um
inglês... Vladimir Illich Lenin e Halford Mackinder! Não há como compreender o que
está acontecendo entre Rússia e Ucrânia e seus desdobramentos sistêmicos sobre o
sistema no qual se insere a diplomacia brasileira sem antes refletir sobre a importância
do marxismo tanto nas relações políticas internas quanto nas relações internacionais em
termos estruturantes. Da mesma forma, e como num casamento cheio de indas e vindas
complexa e mutuamente ambígua, mas complementar, não se pode prescindir do
pensamento geopolítico tal qual formulado por Mackinder, cujos pressupostos
fundamentais se mantém mais atuais do que nunca.
Primeiramente só um pouquinho de teoria. De acordo com os postulados centrais
do materialismo histórico, a estrutura de poder interna às sociedades políticas desde o
advento da Revolução Industrial e da consolidação do modo de produção capitalista no
século dezenove, está condicionada pela luta de classes e pelo processo de acumulação
de capital que estrutura todo o jogo de poder político e institucional centrada na classe
burguesa detentora dos meios de produção (eixo do poder econômico) e do poder de
legitimação e de coerção política (eixo do poder político burguês). Em outras palavras,
infraestrutura e superestrutura, que operam entre si de forma dialética e complexa.
Nesse contexto, em essência o Estado e suas instituições formais políticas
(executivo, legislativo), administrativas (burocracia) e jurídicas deveriam ser o
instrumento de poder da classe dominante burguesa sobre o conjunto da sociedade,
formada em essência, pela classe trabalhadora e camadas médias (pequena burguesia).
A lógica econômica da acumulação permanente de capital (que exerce forte
condicionamento sobre as instituições políticas, militares e culturais, mas que não
significa de forma alguma um determinismo) traria consigo a precedência dos interesses
do capital sobre o conjunto da formação social a partir de então.
Com a interdependência complexa entre o modo de produção capitalista com a
lógica territorialista do poder de coerção extra-econômico (esfera da racionalidade do
poder político e militar), esta lógica do poder definido no plano interno transbordou
para a esfera das relações internacionais à medida que os países mercantilistas e na
etapa sucessiva, os capitalistas – em essência Estados europeus no início –
necessitassem constantemente de acesso a mercados consumidores e fontes de matéria –
prima para sua economia, na qual o poder de uso da força, via ameaça de guerra ou de
guerra propriamente dita, operasse como meio instrumental da lógica de acumulação de
capital das elites centrais que passaram a controlar os estados centrais do sistema. Nesse
aspecto, o casamento entre lógica econômica e lógica geopolítica e entre elites do poder
e sistema mundial não poderia ser mais perfeita....
Antecedentes de longo prazo: o sistema internacional contemporâneo e o
ciclo hegemônico estadunidense
2
As complexas relações entre poder político e econômico e a equação que encaixa
o poder militar (a guerra) se encontram em inúmeros e fascinantes estudos históricos e
sociológicos pelos quais Immanuel Wallerstein e Geovanni Arrighi se debruçaram no
estudo da dinâmica de longo prazo histórica que estão na origem da formação tanto do
Estado territorial europeu mercantilista (e depois capitalista) com sua feição vestfaliana
como no nascedouro das características econômicas globais do sistema internacional.
Ao estabelecerem a relação entre centro e periferia, demonstram a natureza assimétrica
do sistema mundial e o papel que nações como Rússia, China e Brasil deveriam ocupar
de acordo com as regras estabelecidas pelas principais potências do sistema
internacional capitalista: Reino Unido, França e posteriormente Alemanha, Japão e
Estados Unidos. Para uns a periferia, para outros o centro...
Assim, a partir da inspiração marxista da transposição da dinâmica interna da
luta de classes para o espaço das relações interestatais e igualmente da influência do
pensamento braudeliano da história dos longos ciclos temporais, chegamos à natureza
central do que Lenin irá denominar de imperialismo e de sua relação com as grandes
potências capitalistas a partir do final do século dezenove: a relação entre a necessidade
de acumulação de capital e a guerra.
Nesse diapasão, a permanente concentração de capital industrial e comercial na
forma de oligopólios irá consolidar a tendência do capital financeiro como força motriz
da lógica de competição e expansão das grandes potências no sistema, conduzindo aos
conflitos internacionais conhecidos como Primeira e Segunda Guerra Mundiais, cujos
resultados seriam a hegemonia estadunidense a partir de 1945, sob a égide da coalizão
de frações de elites1 nucleadas na complexa e interdependente relação de conflito e
cooperação entre capital e poder militar no que se convencionou denominar de
complexo militar e industrial ou as elites do poder 2. Este é o contexto estrutural,
histórico de longo prazo, tanto do que ficou conhecido como Guerra Fria como do
momento presente.
A Guerra Fria teve um duplo significado. De um lado, possuiu uma dinâmica
própria, caracterizada pela polarização com a extinta União Soviética (1922-1991) em
razão das disputas de caráter ideológico – de um lado o capitalismo e de outro o
socialismo real – e geoestratégico – o equilíbrio militar convencional e nuclear entre as
duas superpotências que emergiram vitoriosas do conflito contra a Alemanha nazista em
1945. Todavia, mesmo essa rivalidade geopolítica e ideológica não pode ser dissociada
de outro significado, na verdade muito mais amplo e profundo, condizente com a
própria natureza do sistema internacional e que inclusive revela que o atual sistema tem
muito mais de continuidade do que com a aparente ruptura que tanto a literatura
consagrou nos últimos trinta anos. De fato, este outro significado é a interdependência
estrutural entre o ciclo de acumulação de capital desde pelo menos o seu estágio
financeiro oligopolista que determinou a Segunda Revolução Industrial e que vem
igualmente definindo as revoluções tecnológicas ulteriores aplicadas na produção
econômica e a realidade geopolítica dos conflitos entre as grandes potências que foi
revelado de forma emblemática por Mackinder no começo do século XX3.
1
Nicos Poulantzas, Poder Político e Classe Social (1977).
2
C. Wright Mills, A Elite do Poder (1981)
3
Tanto a criação de um complexo institucional orgânico dentro do aparato estatal
das grandes potências ligando os eixos político, militar e econômico quanto as etapas de
transição hegemônica a partir da decadência do primeiro ciclo realmente global do
capitalismo que foi o britânico (1780 a 1870) que puseram de um lado, as grandes
potências liberais anglo-saxônica e francesa e, de outro, o polo desafiante industrial
autárquico germânico e japonês e que redundaria na vitória do primeiro campo, liderado
pelo capitalismo estadunidense, são indissociáveis. Neste sentido, existe um processo
complexo circular, às vezes contraditório e que se retroalimenta mutua e dinamicamente
entre estrutura interna e internacional, dentro do estado norte-americano e dos demais
países centrais – França, Reino Unido, Alemanha e Japão – e que fornece carga
explicativa minimamente racional para o rearranjo de forças internas entre frações das
chamadas elites do poder em bases consensuais mínimas que definem a grande
estratégia de inserção dos Estados nacionais numa teia de disputas e alianças dentro de
um sistema igualmente competitivo, anárquico onde as dimensões econômica e militar
são complementares.
Dito de outra forma, a consolidação do complexo militar e industrial nos anos
1940 e 50 das administrações Roosevelt, Truman e Eisenhower representaram a um só
tempo o padrão de gestão estratégica de um ator estatal na condição de grande potência
do sistema internacional contemporâneo como também a criação de uma estrutura
voltada para garantir o sucesso e a sobrevivência do sistema capitalista como um todo.
Em razão disso, a partir da liderança inconteste do Estado norte-americano, a
garantia do processo de acumulação de capital para as burguesias estadunidenses e
associadas tanto no caso dos países desenvolvidos como no Sul Global estava garantida
de forme segura com a Guerra Fria. Estas são a elite do poder que tão bem Mills
examinou em relação aos Estados Unidos e que estão personificadas hoje no Pentágono
e que se internacionalizaram em um processo que se iniciou no entre guerras e que se
consolidaria na última metade do século XX.
Para estas elites o que interessa é a segurança e garantia de acumulação
progressiva de lucros a partir da extração da mais valia nacional e mundial das classes
trabalhadoras e a inexistência de obstáculos jurídicos, institucionais e militares a este
objetivo. Para tanto esta lógica do capital necessita de justificativas e de criar ou recriar
“fantasmas” que legitimem o uso da guerra para fins econômicos, mascarados de fins
políticos legítimos de defesa contra estados maléficos ou antidemocráticos (leia-se anti
democracia liberal...). Nesse contexto, o grande acontecimento histórico, político e
geopolítico que definiu o século XX foi a emergência do primeiro estado socialista da
história desde a Revolução de Outubro de 1917, no bojo do primeiro grande conflito
interimperialista mundial que foi a Primeira Guerra: o surgimento da União Soviética, a
partir da transformação do Império multiétnico e agrário russo num Estado
desenvolvido, industrializado, igualmente multiétnico mas pautado por uma democracia
popular e compromisso social com o combate às desigualdades sociais internas e a
melhoria das condições de vida da população.
3
MACKINDER, Halford. The geographical pivot of history (1904). Geographical Journal,
Vol. 170, No. 4, December 2004, pp. 298–321
4
Este se tornou o principal projeto político que ameaçava as grandes potências
capitalistas pelo seu exemplo que poderia ser seguido pela periferia do atual Sul Global
geopolítico4, composto por ex -colônias, estados subdesenvolvidos e em
desenvolvimento que caracterizam a periferia do sistema capitalista na Ásia, África,
América Latina e também da Europa do leste, nucleado inicialmente pelas potências
coloniais europeias e atualmente pela grande potência neocolonial estadunidense. E
dentro desta lógica que deve ser compreendido o sentido de combate ao socialismo que
virá a se consolidar com o discurso ideológico da Guerra Fria.
Assim, o chamado desafio socialista possuía um claro fator de desafio estrutural
ao capitalismo, uma vez que representava um modo de produção e um sistema político e
social alternativo. Por outro lado, toda uma cultura geopolítica de conflito e dissuasão
que caracterizou os estudos estratégicos militares entre 1945 e 1991 entre Estados
Unidos e União Soviética eram, em essência, o aprofundamento das características de
longo prazo e estruturais do sistema internacional em sua dimensão geopolítica ou
militar. E apesar de ter sua lógica própria e intrínseca – vez que a origem da lógica
territorial e militar é milenar e pré-capitalista como atestam os escritos de Tucídides
sobre a Guerra do Peloponeso – esta se relaciona de forma interdependente e como
instrumento de poder do capital desde pelo menos o advento do ciclo imperialista do
século XIX, conforme Ellen Wood assevera em sua obra Império do Capital. Desta
feita, a própria rivalidade ideológica que pautou a Guerra Fria não pode ser dissociada
da lógica estruturante do sistema capitalista como um todo. E é nesses marcos que
igualmente deve ser percebida a gramática de legitimidade do poder do capital – a
geopolítica!
Neste contexto acima é que deve ser compreendida a lógica da geopolítica como
se formou desde o último quartel do século XIX, em especial a anglo-saxônica. No
contexto da expansão neocolonial das potências europeias pela Ásia e África,
Mackinder defendeu, a partir da história da expansão naval e colonial britânica e de sua
condição insular e das disputas de poder entre as potências europeias continentais desde
a Espanha até a Rússia, que caracterizaram os séculos XVI a XIX, que cumpria às
potências insulares e navais de promover estratégias de contenção e divisão do poder
político, econômico e militar de estados que tinham sua localização geográfica na massa
continental eurasiana – Europa e o gigantesco continente asiático da qual a primeira
pode ser considerada como península.
Esta estratégia que se iniciara contra estados poderosos como Sacro Império,
França e Espanha atinge o seu ápice no século dezenove contra o Império continental
napoleônico e mais tarde na série de alianças da Inglaterra com França e Turquia contra
a expansão russa da qual a Guerra da Criméia em meados daquele século será
emblemática. Para a estratégia do capital – e isto é importante para entender a guerra
atual contra a Rússia (hoje capitalista) movida pelo Ocidente – importa evitar que
surjam não apenas estados rivais capitalistas (sejam imperialistas ou não) como também
4
Aqui o sentido é sublinhar que mesmo estando acima da linha do Equador, a maioria dos estados da
Eurásia (considerando principalmente na Europa as formações sociais da Europa oriental) tiveram um
passado histórico distinto do Ocidente europeu e norte atlântico e foram tratadas como colônias diretas
ou indiretas a partir do processo de expansão do mercantilismo e depois do capitalismo europeu
ocidental e norte-americano que conformou o mundo atual.
5
estados que possuam suficiente poder militar, econômico e demográfico que não
estejam submetidos à lógica e à ação das grandes empresas que financiam seus Estados
rumo à extração da mais valia global.
Se a necessidade de garantir a sobrevivência do Estado insular a partir da
potência naval (e a partir do século vinte, aeronaval) via estratégia de contenção
combinada com divisão usando as táticas diplomáticas de balanço de poder com
militares como dissuasão estratégica foram a essência do que ocorreu na Segunda
Guerra Mundial e na Guerra Fria, isso também serviu (e serve) como justificativa de
retórica legitimadora de estruturas estatais a serviço do capital da mesma forma que a
teoria do realismo político e estrutural e os estudos de segurança internacional também
operam como sofisticados sistemas teóricos de ciências sociais a serviço do poder.
Tanto mais isto é verdadeiro quanto independentemente de modo de produção, tanto o
realismo quanto a geopolítica também tem uma lógica própria que se justifica ao longo
da história humana e também serviu para o interesse nacional e a sobrevivência da
Rússia soviética e da China maoísta ao longo do século vinte.
Assim se independentemente do capitalismo existir enquanto um sistema
hegemônico em si, tanto a escola geopolítica quanto as teorias do realismo em todas
suas vertentes podem ser aplicadas razoavelmente ao longo de sucessivos modos de
produção históricos e sistemas internacionais regionais prévios ao sistema vestfaliano,
não menos verdadeiro que tais teorias importantes são extremamente válidas e eficazes
instrumentos de legitimidade dos Estados capitalistas hegemônicos, cujo centro
decisório de poder se encontra na reação complexa de suas elites do poder (burguesia,
militares, diplomatas e políticos).
Portanto, se o desafio soviético foi o mais agudo e difícil obstáculo ao
capitalismo, não menos é a existência de estruturas políticas poderosas suficiente para
impedir o livre fluxo de capital, mão-de obra e extração de recursos minerais e
estratégicos para os centros do sistema econômico mundial. Tal sistema se formou com
os contornos atuais a partir do livre cambismo britânico e atingiu seu apogeu a partir do
século vinte com o imperialismo informal estadunidense e, nesse sentido, tanto a Guerra
Fria, com sua lógica específica (mas estruturalmente ligada ao imperialismo) como o
momento do Pós-Guerra Fria de 1991 para cá são parte de uma mesma lógica.
Assim a atual ofensiva norte-americana deve ser compreendida em seus termos
realistas e dentro da lógica das disputas inter-capitalistas. É por isso que a verdadeira
guerra que se trava e que não é da Rússia contra a Ucrânia, mas do Ocidente capitalista
contra a Rússia, na Ucrânia e que também atinge a China e o Sul Global e mesmo os
mais importantes estados capitalistas imperialistas como a Alemanha.
As elites do poder e a grande estratégia do Estado norte-americano: o realismo e os
ciclos sistêmicos
A construção de toda e qualquer unidade política na história foi o resultado, por
um lado, de um processo de luta pelo poder alternado pela negociação em bases
mínimas e necessárias de consenso entre determinados grupos com capacidade de
maximizar seus interesses sobre o conjunto de sua sociedade e, por outro, da imposição
destes interesses de forma homogênea no plano além-fronteiras em relação às demais
sociedades políticas.
6
Esta é a lógica inerente do sistema capitalista e foi nos últimos séculos
deste período, no ocidente europeu, que as condições para a maior complexidade do
fenômeno estatal e de suas relações com as elites e os ciclos sistêmicos de acumulação
de capital irão se desenvolver.5
São eles que definem o que se entende por interesse nacional em toda e
qualquer época. Não obstante, é no nível seguinte, o estatal, em se tratando da
superpotência em sua relação com os demais atores estatais que se definem a partir da
capacidade de atuar como grandes potências, que surge a interação complexa e de
variada intensidade, a depender de condições materiais (capacidade) e espirituais
(crenças, valores, vontade política), que estão na gênese dos grandes interesses
nacionais e estratégicos. Uma vez criados, como se tivessem vida própria, estes
interesses estratégicos definem os princípios e regras universais da dimensão seguinte, a
5
ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. São Paulo: Unesp,
1996;
TILLY, C. Coercion, capital, and European states, A.D. 990-1990. Oxford, UK: B. Blackwell, 1990.
6
Aqui reside a visão greco-romana e aristotélica do homem, do indivíduo, essência da vida política em
comunidade.
7
do sistema interestatal ou internacional, escapando o seu controle do nível de tomada de
decisão individual.
Assim, este sistema, este terceiro nível, a partir do avanço da Terceira
Revolução Industrial, centrada na hegemonia norte-americana e caracterizada pela
disputa estratégica dos polos desafiante russo e chinês, ganha um nível de autonomia em
relação aos outros níveis que - sem descartar a relevância e a interação orgânica entre
eles - faz com que as características do sistema internacional, cada vez mais
institucionalizado, possua formidáveis linhas de condicionamento sobre os níveis estatal
e individual.
8
Assim, deve-se centrar a análise das características e tendências centrais
do sistema interestatal. Esquemáticamente tem-se o seguinte:
1- Ascensão do capital financeiro – financia a produção e o poder político
– desde os séculos XIV e XV - condiciona, com a necessidade de garantir o processo de
acumulação de capital, a formação de unidades políticas com grande extensão territorial
ou cada vez maiores, a fim de prover segurança para finanças, indústria e comércio; 2-
Relações entre poder político e econômico – uso do poder militar (guerra) para garantir
a segurança política (elites governamentais) e econômica (elites empresariais) = noções
de ordem, soberania, segurança, sobrevivência, independência, autodeterminação;.3-
Necessidade de formação de complexos industriais que integram as lógicas, política e
econômica, fazendo com que as noções de segurança e defesa sejam instrumentais para
a garantia do processo de acumulação e, em razão disso, da proteção do Estado
capitalista;
Por fim, 4-Interação das forças políticas (unidades estatais) e econômicas (progressiva
internacionalização das corporações financeiras, industriais e comerciais dos Estados
com maior capacidade de poder – hegêmona e demais grandes potências).
9
As capacidades militares, econômicas e tecnológicas em Waltz (1979)
define a grande potência e, pelos seus objetivos de maximização de poder global ou de
disputar a hegemonia, se essa capacidade prorporcionar projeção de poder militar e
econômico além fronteiras, define o status de potência regional, grande potência ou
superpotência, associado ao grau de capacidade militar (sistema de armas) e econômica
em face do PIB, em Mearsheimer (2001).
10
mestras que definiram os princípios e todas as doutrinas estratégicas do país: o Destino
Manifesto e a Doutrina Monroe.
Não obstante, a atuação de uma administração ser diferenciada em
relação a outra, não afasta a hipótese de que ambas utilizam fundamentalmente
estratégias realistas de manutenção do poder hegemônico do país e que independente da
intensidade do uso do poder ser qualificado como ofensivo ou defensivo, eis que em
ambos os casos a preocupação fundamental da elite americana é com a manutenção de
seus grandes interesses estratégicos, cuja intensidade pode variar a partir do impacto
econômico dos ciclos de acumulação sistêmicos de capital.
11
Disso resulta que o presente ciclo de concentração de capital tem
condicionado a crise econômica que vem caracterizando a globalização desde os anos
19907 e é favorecido pela doutrina de segurança nacional dos Estados Unidos que
enfatiza a agenda de segurança sobre a agenda econômica. Isto ocorre com o uso da
ameaça do terror para justificar as hipóteses de guerras locais e limitadas a fim de
reverter em favor da retomada da hegemonia norte-americana nos campos militar,
econômico e político, em um sistema caracterizado pela tendência à multipolaridade e
transição hegemônica.
12
Os ciclos econômicos de acumulação de capital que moldaram o sistema
internacional foram analisados pelo eminente cientista político italiano Geovanni
Arrighi, em sua seminal obra “ O Longo Século Vinte”, por outro caminho teórico e
metodológico, constrói uma argumentação que se harmoniza com o raciocínio do
professor Martins e da análise de Deutsch, em certa medida.
13
Enfim, estes são os condicionamentos sistêmicos que, em um processo
circular, complementar e interdependente, definem as prioridades estratégicas dos
governos estadunidenses antes, durante e depois da era Bush, voltados a lidar com uma
crise de liquidez que gerou uma crise econômica para a qual a superextensão dos gastos
militares com a estratégia de intervenção no Oriente Médio contribuiu de forma
decisiva.
Está na obra de Kenneth Waltz 11a análise de que embora relevante para a
a compreensão e formação de uma política exterior, a dimensão estatal (relação entre
instituições do Estado) e individual (relação entre atores) não mudam a essência da
estrutura das relações internacionais cujo sistema é baseado no equilíbrio de poder em
função da forma como as capacidades político-militares, tecnológicas e econômicas
estão distribuídas no sistema.
14
balanço de poder regional ( tanto no caso iraquiano como no afegão) para que potências
médias e regionais tenham inviabilizadas formas de contrabalançar a presença global
norte-americana na Eurásia por meio de fortalecimento de alianças econômicas e
estratégicas como forma de contrabalançar o papel dos Estados Unidos como
balanceador externo.
Ocorre que a estratégia de segurança americana da era Bush comprometeu
economicamente a continuidade da agenda de segurança pautada pelos neocoservadores
que ficou caracterizada como de superextenção de natureza imperial e começava a
inviabilizar, no plano político estratégico, a grande estratégia de liderança norte-
americana estabelecida a partir da Segunda Guerra Mundial e consolidada ao longo do
sistema bipolar conhecido como Guerra Fria.
15
Truman13 para com a manutenção da posição hegemônica do país no sistema
internacional e que foi seriamente atingida pelos desvios de rumo ocorridos ao longo
dos dois mandatos de George W. Bush14, com sua estratégia de superextensão imperial
do poder militar e estratégico americano que nos faz lembrar o arquétipo ocidental de
império e seus limites: Roma.
13
Harry S. Truman, presidente dos Estados Unidos por dois mandatos, de 1945 a 1953, sob cujo governo
se estruturou o complexo militar e industrial, o departamento de defesa e a força aérea dos Estados
Unidos
14
Presidente dos Estados Unidos de 2001 a 2009. Sob seu governo emergiram os atentados de 11 de
Setembro de 2001 às Torres Gêmeas, a formulação de uma expansão global sustentada
ideologicamente pela guerra ao terror e as invasões militares ao Afeganistão (2001) e Iraque (2003) num
entrelaçamento de interesses geoeconômicos (petróleo) e balanço de poder na Ásia Central visando
afetar a aproximação estratégica entre Rússia e China.
16
Adicione-se a isso a fato de que em face do potencial russo em seu
território, o que faz com que a Rússia tenha os recursos disponíveis para manter-se
como grande potência e caso haja uma retomada do seu crescimento econômico, o que
se prefigura indispensável para a manutenção de suas capacidades estratégicas, a disputa
por recursos naturais e energéticos estratégicos dar-se-á entre as três principais grandes
potências do sistema, ou ao menos, a aliança estratégica das duas grandes potências
eurasianas em disputa com a grande potência marítima, em que interesses econômicos e
de segurança se entrelaçam por serem interdependentes .
A característica desse sistema internacional, assim, é dada pela natureza
desse ciclo sistêmico de acumulação e que implica no uso de novas tecnologias a partir
das etapas de Revolução Industrial que redundam na necessidade de concentração de
capital a partir da associação estratégica entre o Estado e suas corporações
transnacionais produtivas e financeiras. É precisamente a garantia da continuidade deste
ciclo que envolve a necessidade de criação de um poder militar que respalde a estratégia
de manutenção e competição estatal pela hegemonia entre as grandes potências.
17
sustentem a pesquisa científica e tecnológica para dotar seu sistema de armas
indefinidamente superior em relação aos seus principais competidores estratégicos, as
outras duas grandes potências do sistema- a Federação Russa e a República Popular da
China.
18
geração de empregos e inserção social das massas trabalhadoras não pode vir dissociada
de mercado de consumo e do papel do Estado e das indústrias estatais e privadas na
produção em escalas de tecnologia sofisticada com valor agregado, o que também
impacta positivamente o comércio internacional e as relações econômicas
internacionais. Todavia, tais circunstâncias passam a depender e ser mais eficazes
dentro da lógica da constituição de um complexo militar e industrial autônomo que visa
não apenas garantir a defesa e a soberania, mas também é a principal viabilidade de
sustentabilidade econômica para nações que chegaram atrasadas à industrialização e
necessitam contar com o rápido crescimento e desenvolvimento para diminuir as
vulnerabilidades internas e internacionais.
Ocorre que as forças militares brasileiras já se encontram estruturalmente
entrelaçadas com os interesses ideológicos e geoeconômicos da potência hegemônica
desde que o aprofundamento das políticas neoliberais alienou as mesmas dos governos
de centro-esquerda, por estes carecerem de projeto de nação de longo prazo. Da mesma
forma, as mesmas políticas econômicas que estruturalmente beneficiam apenas as
cúpulas da burocracia civil e militar, alienando as bases de qualquer benefício social que
advenha de políticas públicas dos governos de esquerda, associada aos limites
estruturais de incorporar na produção da imensa massa de pobres excluídos pelas
mudanças no processo produtivo nas últimas décadas e que avança igualmente sobre as
diversas faixas da chamada classe média/pequena burguesia, acabam igualmente
alienando o apoio político aos governos democráticos de centro-esquerda de quaisquer
políticas externas que por mais acertadas que sejam, não encontram eco e conexão real
com a economia uma vez que os valores do liberalismo econômico persistem.
Por fim, a manutenção da política externa em base não confrontacionista com
as regras centrais do sistema internacional acaba sendo o corolário de uma base social
que da sustentação justamente a este perfil mais ligado à retórica diplomática
acertadamente autonomista mas sem condições políticas e materiais de alçar vôos mais
altos rumo a uma soberania de fato e de construção de um entorno estratégico
integracionista sul-americano e desenvolvido, pois que acaba não repercutindo no plano
interno por falta de recursos que advém da manutenção dos acordos políticos com os
interesses internos de frações hegemônicas das elites comprometidas com a manutenção
das relações econômicas estruturais que prendem o país a sua condição histórica
periférica ao sistema internacional.
Com a grande probabilidade de vitória militar russa na guerra contra a Otan
e o gradual e futuro refluxo estadunidense da Eurásia, ainda que isto possa demorar
alguns anos, a tendência estrutural do sistema internacional em suas dimensões
interdependentes geoeconômica e geopolítica terão implicações de longo prazo sobre as
condições estruturantes no qual se enquadram toda a América do Sul.
Conclusão
A busca por maior eficiência do sistema de armas a um custo econômico
sustentável, favorece tanto o processo de concentração de capital como condiciona, de
forma cíclica, a ocorrência de hipóteses de guerra central assimétrica, na lógica do
sistema de balanço de poder entre as grandes potências.
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Dessa forma, o complexo militar-industrial norte-americano pode ser o nexo
entre o entrelaçamento de interesses do capital privado e da estratégia de poder do
Estado, usando o desenvolvimento científico e tecnológico na produção e
competitividade da economia, que interessam tanto às grandes transnacionais dos
Estados Unidos quanto à própria economia do país. Com isso, sistemas de armas
sofisticados comissionados às forças militares dos Estados Unidos são capazes de
respaldar os interesses estratégicos de manutenção do status quo de liderança da grande
potência no sistema internacional.
Isto não significa dizer que o contexto não importe. Pelo contrário, o
contexto é fundamental e interage dinamicamente sobre a estrutura do sistema
internacional, em especial da atual potência hegemônica do sistema. Destarte os
elementos centrais dos interesses estratégicos de um Estado definem os contornos
estruturais que limitam ou condicionam a ação política e econômica interna num
processo interdependente e mútuo de causa e efeito.
Assim, a hipótese desta obra supõe uma relação de causa e efeito que tem
sua origem no ciclo sistêmico de acumulação de capital e que pode afetar a distribuição
de poder no sistema internacional que é sustentado pela capacidade militar, econômica e
política das grandes potências ou polos. Dessa forma, o sistema internacional, cuja
característica intrínseca são a distribuição das capacidades que definem o poder em
termos de polaridades, sofre a interferência da natureza do ciclo de acumulação de
capital, o qual se caracteriza como a variável interveniente que contém dois fenômenos
– o primeiro é a transição tecnológica que tende a horizontalizar as capacidades
militares e econômicas e que necessita da concentração de capital para investir em
novas tecnologias, o que reduz a liquidez na economia disponível para investimento
massivo e permanente em capacidades militares.
20
Esta relação de causa e efeito no segundo fenômeno gerado pelos ciclos
de acumulação uma vez que redunda na necessária diminuição dos gastos militares e
traz implicações para a revisão da doutrina estratégica em relação à política externa de
segurança dos Estados Unidos, o que afeta decisivamente o processo decisório à nível
individual, trazendo implicações para a segurança internacional. Em que medida esta
característica dos ciclos sistêmicos tem o condão de alterar a polaridade do sistema
internacional que tende a uma tripolaridade no horizonte predizível de eventos para o
século vinte e um entre as três maiores potências militares, econômicas e com recursos
tecnológicos formidáveis do sistema de Estados – Estados Unidos, China e Rússia –
ainda é prematuro afirmar.
Mas além disso, devem agir a partir da premissa de que o sistema ainda é
definido em suas estruturas fundantes, pelas regras e pela lógica do capital, que
condiciona o ambiente geoestratégico rumo à instabilidade e aos conflitos militares
como meios de assegurar a continuidade do ciclo estadunidense.
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