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Sistema Internacional e as raízes dos interesses estratégicos na política

externa de segurança dos Estados Unidos

International System and the roots of strategic interest in the US foreign policy

Márcio Azevedo Guimarães1

Resumo

O atual ciclo de acumulação sistêmico envolve a competição pelo domínio de novas tecnologias na
produção e favorece a concentração de capital, gerando, com isso, uma crise econômica que impacta na
grande estratégia dos Estados Unidos no sistema internacional. Nesse sentido, a busca por maior
eficiência do sistema de armas a um custo econômico sustentável deve ser contextualizada a partir do
processo de concentração de capital. Portanto, no plano metodológico, um sistema de armas desenvolvido
é variável dependente da lógica econômica da acumulação de capital, variável independente, no qual
incide a variável interveniente dos interesses geopolíticos do complexo militar e industrial estadunidense.
Assim, o necessário incremento de capacidades militares pode ser entendido como um efeito possível dos
ciclos de acumulação, trazendo como consequência, efeitos condicionadores sobre a doutrina de política
externa de segurança norte-americana em razão do impacto da hipótese de guerra central sobre o
equilíbrio internacional.

Palavras – chave: ciclo sistêmico de acumulação, sistema internacional, complexo industrial militar,
doutrina estratégica, política externa.

Abstract

The present accumulation systemic cycle embrances the competition for the control of new tecnologies on
production which favours the concentration of capital, thus, engendering a economic crisis that fall upon
in the great U.S. strategy. Therefore, the search of higher efficiency of the system weapons at a
sustainable economic rate must be understood in the contexto of the economic logico capital
accumulation. So, in the methodologic dimension, a weapon system should be considered as a dependent
variable whereas the economic logic of capital accumulation is its indepent variable at the same time the
geopolitical interests of the U.S. industrial-military complex is a intervene variable. Hence, the necessary
update of military capabilities should be understood as a possible effect of accumulation cycles, bringing
as a consequence, the effects which impact upon the security foreign policy doctrine of the United States
due to the very impact of central war hypothesis on the international balance.

Key-words: acuumulation systemic cycle, international system, industrial-military complex, strategic


doctrine, foreign policy,

INTRODUÇÃO
1
Doutor em Ciência Política e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
O presente texto é, antes de tudo, um esforço analítico de natureza política de relações
internacionais, centrada em aspectos de fundo sociológico, como a descrição de estruturas
institucionais como a burocracia de defesa e o processo de tomada de decisão em política
externa.
Por isso, partindo da hipótese de Geovane Arrighi e agregando as teses centrais do
realismo estrutural, chega-se à hipótese que demonstra a importância dos efeitos da estrutura
sistêmica centrada no balanço de poder e seus condicionamentos sobre o processo de tomada de
decisão dos governos que, ao buscarem definir suas ações, negociam preferências ou demandas
com as burocracias de estado (diplomatas e militares), agentes internos nesse processo, e com
agentes externos (grandes corporações de defesa).
Assim, a estrutura internacional, formada pelo balanço de poder entre as principais
potências, em razão da anarquia do sistema, é fomentada pela lógica do processo de acumulação
de capital privado do qual participa de forma decisiva na condição de gestor o Estado. Esta
estrutura sistêmica, por outro lado, também necessita da manutenção de capacidades militares
de nível estratégico desde, pelo menos, a ascensão do poder naval britânico.
Nesse contexto, o poder naval americano e seu papel para a manutenção das
capacidades dissuasórias que irão garantir um sistema de balanço de poder em que os Estados
Unidos permaneçam como o principal polo do sistema internacional depende, em última
instância, das condições estruturais que garantam a continuidade do processo de acumulação de
capital e o eixo desta lógica reside na criação do complexo militar industrial, aqui visto dentro
deste contexto maior do sistema de acumulação e do balanço de poder.
Enfim, estes são os condicionamentos sistêmicos que, em um processo circular, definem
as prioridades estratégicas dos governos posteriores à era Bush, voltados a lidar com uma crise
de liquidez que gerou uma crise econômica para a qual a superextensão dos gastos militares
com a estratégia de intervenção no Oriente Médio contribuiu de forma decisiva.
A partir disso surgiu a necessidade de revisar prioridades políticas e militares no
financiamento do complexo militar industrial para custear programas de aquisição de sistemas
de armas estratégicos vitais para a manutenção das capacidades militares em um baixo custo
político e econômico para lidar com o cenário restritivo no plano financeiro, o que acabou
condicionando toda a ação de política externa de segurança dos governos Barack Obama rumo a
uma política menos agressiva e mais cautelosa, pois o verdadeiro jogo diplomático e estratégico
poderá ter um desfecho em um longo prazo e na Ásia Pacífico.
Ou seja, após o exame do impacto das características sistêmicas sobre as segundas e
primeiras imagens de relações internacionais e examinados as características gerais do
complexo militar industrial, descrevem-se as tendências gerais da política externa de segurança
de Obama centradas na doutrina estratégica de revisão de gastos militares e prioridades
estratégicas de 2012, para descobrir a institucionalização presente no Departamento de Defesa
com respeito à necessidade de concentração dos esforços políticos de manutenção do balanço de
poder na Ásia-Pacífico e na Eurásia, em relação aos grandes competidores estratégicos dos
Estados Unidos, a China e a Rússia.

Do ponto de vista do método aplicado, o estudo tem por finalidade uma análise a partir
da descrição dos fatos históricos e acontecimentos políticos entremeados da busca de
interpretação (explicação), usando como fundamento duas ferramentas: a teoria realista a partir
da assunção da validade das premissas fundamentais do realismo estrutural waltsoniano, mas
centrado na perspectiva do realismo ofensivo e de seus impactos sobre o processo de tomada de
decisão no campo da política de segurança de Estado e de elaboração de doutrinas estratégicas
de longo prazo.
Está na obra de Kenneth Waltz 2 a análise de que embora relevante para a a
compreensão e formação de uma política exterior, a dimensão estatal (relação entre instituições
do Estado) e individual (relação entre atores) não mudam a essência da estrutura das relações
internacionais cujo sistema é baseado no equilíbrio de poder em função da forma como as
capacidades político-militares, tecnológicas e econômicas estão distribuídas no sistema.
A esta lógica pode ser harmonizada com a visão sistêmica da estrutura econômico-
política do sistema baseada na competição interestatal por recursos e maximização de capital
mediante o uso da guerra e, assim, fundada na relação entre elites centrais para a formação do
sistema com base no Estado capitalista: nucleado por políticos/diplomatas, capital privado e
militares. Nesse sentido, o surgimento do complexo militar industrial nos Estados Unidos
fornece justificativas para o estudo com base nas teorias sistêmicas do realismo e de Arrighi
(96)3.
Dessa forma, a busca pela maximização de poder e manutenção da liderança da grande
potência off shore em face do desafio eurasiano (chinês) a partir da perspectiva dos ciclos
sistêmicos de Arrighi, analisando-se o comportamento dos Estados Unidos a partir de seus
condicionamentos estruturais.

DESENVOLVIMENTO

Os Estados Unidos passaram a diminuir a intensidade de seu engajamento direto em


intervenções militares no sistema internacional após as guerras locais no Iraque e no
Afeganistão que, apesar de não caracterizarem guerras centrais, foram de grande intensidade em
razão do custo financeiro e da longa duração e pela intensidade do emprego de força militar
(caso iraquiano).
Estava em jogo a necessidade de utilizar o poder militar para garantir o controle e
acesso a insumos estratégicos (energéticos, no caso iraquiano) e garantir o balanço de poder
regional ( tanto no caso iraquiano como no afegão) para que potências médias e regionais
tenham inviabilizadas formas de contrabalançar a presença global norte-americana na Eurásia
por meio de fortalecimento de alianças econômicas e estratégicas como forma de contrabalançar
o papel dos Estados Unidos como balanceador externo.
Ocorre que a estratégia de segurança americana da era Bush comprometeu
economicamente a continuidade da agenda de segurança pautada pelos neocoservadores que
ficou caracterizada como de superextenção de natureza imperial e começava a inviabilizar, no
plano político estratégico, a grande estratégia de liderança norte-americana estabelecida a partir
da Segunda Guerra Mundial e consolidada ao longo do sistema bipolar conhecido como Guerra
Fria.

2
São as obras fundamentais do realismo estrutural do cientista político norte-americano Kenneth Waltz
que definem a relação entre o núcleo do processo decisório, onde se encontram as principais instâncias
decisórias e os atore individuais, dos níveis institucionais político e burocrático internos ao Estado e os
efeitos dinâmicos entre este nível interno e o externo, o da interação entre as grandes potências do
sistema internacional. No primeiro caso, temos a obra Man, State and War, de 1959 e no segundo,
Theory of International Politics, de 1979.
3
Geovanni Arrighi, em sua obra o Longo Século Vinte (1996), foi um cientista político norte-americano
que, a partir da inspiração da teoria do sistema –mundo do sociólogo norte-americano Immanuel
Wallerstein, desenvolveu a tese dos ciclos de acumulação de capital e o seu impacto sobre a estratégia
das grandes potências nos planos econômico, militar e diplomático no contexto da hegemonia sobre
cada momento histórico de desenvolvimento do capitalismo mundial.
Tal estratégia inspirou-se no pensamento estratégico de Theodore Roosevelt, o qual
inseriu os Estados Unidos no sistema internacional de balanço de poder enquanto grande
potência e estava baseada no papel estratégico das organizações privadas do capital articulado
com a indústria armamentista e o núcleo de poder decisório político-militar do Estado
americano.
A consolidação institucional desta liderança dos Estados Unidos no sistema
internacional e o progressivo condicionamento que o país passou a exerger sobre a agenda de
segurança mundial a partir da segunda metade do século vinte em diante, baseou-se em três
variáveis indissociáveis: 1- a continuidade do processo de acumulação de capital, relacionado
com o controle de insumos estratégicos e aplicação de novas tecnologias e gestão da produção
(conhecido como Terceira Revolução Industrial); 2- na sua aplicação sobre os sistemas de armas
estratégicos convencionais e não convencionais relacionados com a projeção de poder a fim de
garantir a contenção dos polos rivais eurasianos, o que justifica a ênfase nas capacidades
nucleares (sistemas de mísseis de longo alcançe) e convencionais a partir da sua marinha e força
aéreas para a garantia do equilíbrio de poder com as grandes potências chinesa e russa; 3- por
fim, a condição de sustentação dessa liderança, que foi a constituição do complexo militar-
industrial, como eixo orgânico entre as dimensões econômica e militar estratégicas que
informam os objetivos estratégicos permanentes da política externa de segurança dos Estados
Unidos.
A crise econômica de 2007-08 e a ofensiva iraquiana de 2003, todavia, representaram
uma ruptura com esta concepção estratégica e a continuidade da agenda de segurança da era
Bush, em que pese buscar a supremacia estratégica a nível global, excederia as capacidades
econômicas e suas vantagens, comprometendo, no longo prazo, a capacidade militar de exercer
o papel de árbitro do balanço de poder na Eurásia e especialmente, na região da Ásia-Pacífico,
caracterizada pela ascensão do poder econômico e militar chinês, no que pode se configurar
num desafio de novo ciclo de acumulação e, com isso, o verdadeiro desafio estratégico
estrutural para o atual ciclo norte-americano de acumulação que justifica a posição estratégica
de liderança da grande potência americana.
Nesse sentido, o governo Barack Obama representou um retorno à concepção
estratégica fundamental do país em um cenário de crise econômica estrutural, que é em boa
medida resultado da crise do modelo de acumulação americano, crescentemente financeirizado
em sua economia e que compromete, cada vez mais, os investimentos disponíveis para o
orçamento de defesa do país, o que tem implicações, no longo prazo, para a manutenção de suas
capacidades estratégicas de sustentar sua posição de liderança do sistema.
Estas são as principais implicações e constatações que se percebem pela interpretação
dos documentos de nível estratégico produzidos pelo Departamento de Defesa e pela US Navy
e US Air Force, relacionados com os objetivos da reorientação doutrinária de 2012 e seu
impacto na composição dos investimentos nas capacidades militares do país.
Contudo mais do que uma nova estratégia de doutrina de projeção e manutenção de
poder, este conjunto de documentos de alto nível representa o esforço das elites política,
diplomática, militar e empresarial em manter o consenso estabelecido desde a era Truman 4 para
com a manutenção da posição hegemônica do país no sistema internacional e que foi seriamente
atingida pelos desvios de rumo ocorridos ao longo dos dois mandatos de George W. Bush 5, com

4
Harry S. Truman, presidente dos Estados Unidos por dois mandatos, de 1945 a 1953, sob cujo governo
se estruturou o complexo militar e industrial, o departamento de defesa e a força aérea dos Estados
Unidos
5
Presidente dos Estados Unidos de 2001 a 2009. Sob seu governo emergiram os atentados de 11 de
Setembro de 2001 às Torres Gêmeas, a formulação de uma expansão global sustentada
sua estratégia de superextensão imperial do poder militar e estratégico americano que nos faz
lembrar o arquétipo ocidental de império e seus limites: Roma.
Nesse sentido, a partir do governo Obama, emerge um consenso para com a necessidade
de retorno à busca pela liderança pelo consenso interno e legitimidade internacional, que
perpassa tanto setores importantes dos democratas quanto dos republicanos, associados ao
núcleo duro desta estratégia, que são a comunidade de segurança representada pelos altos
comandos e alto oficialato de suas forças armadas, dos diplomatas do Departamento de Estado e
da comunidade acadêmica de ciência política.
Não obstante, o propósito do texto não é o de analisar o processo decisório nem o de
estudar as elites que definem o processo externa no plano estratégico, mas antes apenas o de
indicar de que forma sobre elas incidem a estrutura dos ciclos de acumulação de capital e da
anarquia do sistema internacional de balança de poder entre os principais polos do sistema.
Os Estados Unidos são a segunda grande potência hegemônica a liderar um sistema
efetivamente internacional desde seu surgimento com a hegemonia britânica há dois séculos e
necessitam novamente emular não Roma, mas Atenas para lograr a manutenção de um segundo
século americano, por meio de uma liderança consentida e com o compartilhamento de custos
financeiros e políticos (prestígio e legitimidade) em um sistema multilateral pautado por
grandes potências.
Como sua antecessora - a Grã-Bretanha - sua liderança não pode dissociar-se de um
ciclo de acumulação de capital que passa a caracterizar o sistema internacional desde então e
baseia-se na manutenção de um sistema de balança de poder. Todavia, como num processo de
natureza circular, este sistema, que foi estruturado para prover segurança para os interesses do
capital privado norte-americanos associados aos interesses das elites burocráticas do próprio
Estado, em última instância, para manter-se, depende de que a economia americana consiga
reverter seu enfraquecimento relativo, mas contínuo na capacidade produtiva e comercial em
face dos novos polos econômicos mundiais.
Desta maneira, é imprescindível pensar o controle necessário sobre o acesso às fontes
de suprimentos de minerais e insumos estratégicos e energéticos, como o petróleo, mas
principalmente o silício, as terras raras e o alumínio, fundamentais para assegurar a dianteira
competitiva dos Estados Unidos na liderança da economia da Terceira Revolução Industrial e,
assegurar, com isso, o suprimento estratégico para a indústria aeroespacial e de defesa do país,
condições fundamentais para a manutenção das capacidades militares estratégicas
convencionais e não convencionais, que são o sustentáculo do poder norte-americano.
Estes recursos e insumos estão em disputa no mercado internacional por parte dos
Estados Unidos e da China, que pela necessidade de retomada do crescimento da primeira e
pelo dinamismo da segunda, necessitam para a manutenção do crescimento econômico e da
manutenção da lucratividade do capital de suas empresas investidos em setores econômicos
estratégicos, de garantia de acessos a novas fontes produtoras dessas matérias primas,
localizadas nos países da periferia do sistema e em geral da imensa região eurasiana, em cujas
áreas geográficas se encontram os interesses geopolíticos e econômicos da Rússia e da China,
enquanto potências regionais e dos Estados Unidos, enquanto potência global.
Adicione-se a isso a fato de que em face do potencial russo em seu território, o que faz
com que a Rússia tenha os recursos disponíveis para manter-se como grande potência e caso
haja uma retomada do seu crescimento econômico, o que se prefigura indispensável para a
manutenção de suas capacidades estratégicas, a disputa por recursos naturais e energéticos

ideologicamente pela guerra ao terror e as invasões militares ao Afeganistão (2001) e Iraque (2003) num
entrelaçamento de interesses geoeconômicos (petróleo) e balanço de poder na Ásia Central visando
afetar a aproximação estratégica entre Rússia e China.
estratégicos dar-se-á entre as três principais grandes potências do sistema, ou ao menos, a
aliança estratégica das duas grandes potências eurasianas em disputa com a grande potência
marítima, em que interesses econômicos e de segurança se entrelaçam por serem
interdependentes .
A característica desse sistema internacional, assim, é dada pela natureza desse ciclo
sistêmico de acumulação e que implica no uso de novas tecnologias a partir das etapas de
Revolução Industrial que redundam na necessidade de concentração de capital a partir da
associação estratégica entre o Estado e suas corporações transnacionais produtivas e financeiras.
É precisamente a garantia da continuidade deste ciclo que envolve a necessidade de criação de
um poder militar que respalde a estratégia de manutenção e competição estatal pela hegemonia
entre as grandes potências.
A transição entre a hegemonia britânica e a norte-americana, a primeira transição global
sistêmica, foi um alerta sobre a competição entre as grandes potências que se processou pela
primeira vez em escala mundial.
Isso assim ocorreu em razão da difusão da tecnologia, da organização empresarial e de
seu impacto na produção industrial e sua aplicação no sistema de armas industrializando as
formas de combate.
Os Estados Unidos, aprofundando e redimensionando a grande estratégia desenvolvida
pioneiramente pela Grã-Bretanha, construiu, pela primeira vez na história, uma presença
econômica, política, cultural e militar em escala global nunca antes vista em um cenário
completamente novo, em que todos os povos se organizam na forma de Estados soberanos.
Seu poder militar é, desde o final da Segunda Guerra, em 1945, incontrastável no plano
estratégico convencional e não-convencional e no campo naval, o único capaz de garantir a
projeção de poder e provimento de segurança para os interesses econômicos e políticos do
Estado e de suas companhias desde o início do ciclo sistêmico mundial com as grandes
navegações e a formação do Estado westfaliano.
Mesmo assim, sua hegemonia não caracteriza a consolidação um império informal em
razão da insuficiência de recursos financeiros que sustentem a pesquisa científica e tecnológica
para dotar seu sistema de armas indefinidamente superior em relação aos seus principais
competidores estratégicos, as outras duas grandes potências do sistema- a Federação Russa e a
República Popular da China.
Este fenômeno se dá em razão do impacto da difusão da tecnologia de armas
convencionais e não convencionais estratégicas que a Terceira Revolução Industrial favorece
com a sua etapa de digitalização e seu impacto na horizontalização das capacidades militares
ofensivas de projeção de poder, favorecendo, com isso à tendência à multipolaridade do sistema
internacional.
Assim, o atual ciclo de acumulação sistêmica envolve a competição pelo domínio de
novas tecnologias na produção e favorece a concentração de capital, gerando, com isso, uma
crise econômica que impacta na grande estratégia dos Estados Unidos de engajamento militar.
Nesse sentido, a busca por maior eficiência do sistema de armas a um custo econômico
sustentável, favorece tanto o processo de concentração de capital como condiciona, de forma
cíclica, a ocorrência de hipóteses de guerra central assimétrica, na lógica do sistema de balanço
de poder entre as grandes potências.
Dessa forma, o complexo militar-industrial norte-americano pode ser o nexo entre o
entrelaçamento de interesses do capital privado e da estratégia de poder do Estado, usando o
desenvolvimento científico e tecnológico na produção e competitividade da economia, que
interessam tanto às grandes transnacionais dos Estados Unidos quanto à própria economia do
país.
Com isso, sistemas de armas sofisticados comissionados às forças militares dos Estados
Unidos são capazes de respaldar os interesses estratégicos de manutenção do status quo de
liderança da grande potência no sistema internacional.
Assim, a singularidade do sistema internacional atual e as especificidades da estrutura
de poder que condiciona o sistema político interno norte-americano definem em grande medida
as linhas mestras da ação diplomática exterior da superpotência que permanece como o centro
hegemônico do sistema internacional.
Nesse sentido, são os condicionantes sistêmicos e institucionais que afetam em termos
de limitar ou definir os contornos pelos quais o processo decisório em política exterior,
nucleado pelo chefe de Estado e seus assessores mais próximos - qualquer que seja sua origem
ideológica, sua classe social e o contexto de sua ascensão política – e do qual participam a
cúpula com poder de decisão das burocracias civil e militar, às quais sofrem as influências do
ambiente externo ao Estado pela ação de atores subnacionais relevantes como os grupos de
pressão que representam o capital privado associado ao complexo industrial militar.
Isto não significa dizer que o contexto não importe. Pelo contrário, o contexto é
fundamental e interage dinamicamente sobre a estrutura do sistema internacional, em especial
da atual potência hegemônica do sistema.
Destarte os elementos centrais dos interesses estratégicos de um Estado definem os
contornos estruturais que limitam ou condicionam a ação política e econômica interna num
processo interdependente e mútuo de causa e efeito.
No entanto, em face da crescente interconexão complexa e até mesmo contraditória
entre interesses financeiros, comerciais de Estados e suas corporações públicas e privadas, tanto
norte-americanas, como de outros países desenvolvidos (grandes potências) e em
desenvolvimento (potências regionais ou potências médias, situadas na periferia) conduz à
necessária reflexão sobre a relação profunda entre corporações e Estado (burocracia civil e
militar e atores políticos) na definição das características e tendências do sistema internacional e
da competição internacional dela decorrente condicionada pelas grandes potências e pela
superpotência.
Assim, a hipótese desta obra supõe uma relação de causa e efeito que tem sua origem no
ciclo sistêmico de acumulação de capital e que pode afetar a distribuição de poder no sistema
internacional que é sustentado pela capacidade militar, econômica e política das grandes
potências ou polos.
Dessa forma, o sistema internacional, cuja característica intrínseca são a distribuição das
capacidades que definem o poder em termos de polaridades, sofre a interferência da natureza do
ciclo de acumulação de capital, o qual se caracteriza como a variável interveniente que contém
dois fenômenos – o primeiro é a transição tecnológica que tende a horizontalizar as capacidades
militares e econômicas e que necessita da concentração de capital para investir em novas
tecnologias, o que reduz a liquidez na economia disponível para investimento massivo e
permanente em capacidades militares.
Esta relação de causa e efeito no segundo fenômeno gerado pelos ciclos de acumulação
uma vez que redunda na necessária diminuição dos gastos militares e traz implicações para a
revisão da doutrina estratégica em relação à política externa de segurança dos Estados Unidos, o
que afeta decisivamente o processo decisório à nível individual, trazendo implicações para a
segurança internacional.
Em que medida esta característica dos ciclos sistêmicos tem o condão de alterar a
polaridade do sistema internacional que tende a uma tripolaridade no horizonte predizível de
eventos para o século vinte e um entre as três maiores potências militares, econômicas e com
recursos tecnológicos formidáveis do sistema de Estados – Estados Unidos, China e Rússia –
ainda é prematuro afirmar.
Nesse sentido, a obra procura desvendar o papel que o tão falado complexo militar
industrial desempenha neste processo em que a estrutura do sistema internacional estabelece os
fundamentos pelos quais se move o nível das instituições e dos indivíduos em matéria de
política externa.
Longe de ser um estudo que despreze a relevância das abordagens voltadas para a
análise da crença e dos valores na formação das preferências do indivíduo/estadista e das
instituições públicas, a análise aqui procura demonstrar que existe uma regra histórica dada pelo
surgimento do sistema de estados.
A regra de que se os indivíduos criaram as instituições e tanto a nível individual como
institucional (estatal) é que se processa a tomada de decisão, as tendências que se cristalizaram
ao longo dos séculos em princípios e regras internacionais não escritas como a balança de
poder em razão das capacidades construídas no contexto da internacionalização do modo de
produção e reprodução do capital fizeram com que se tornassem autônomas em relação ao
governante e sua burocracia e, num sentido inverso, criam regras que não podem ser
impunemente ignoradas, sob pena de conduzir a uma punição não escrita, qual seja, a do
relativo enfraquecimento do ator estatal ou mesmo sua destruição por uma guerra.
Dessa forma, as abordagens que para Waltz seriam relacionadas com a primeira e
segunda imagens – indivíduos e instituições, não devem ser ignoradas. O modo de
funcionamento de tomadas de decisão é real e se processa em uma interação complexa entre
indivíduos e suas instituições, não podendo negar também as influências do ambiente externo.
Todavia, o propósito do presente estudo é buscar demonstrar que estas análises estão
enquadradas dentro de uma lógica estrutural que demonstra que meios (capacidades militares
estratégicas) são fundamentais para que se atinjam objetivos (interesses estratégicos do Estado
capitalista contemporâneo) dentro da lógica em que o fenômeno dos ciclos sistêmicos de capital
é a condição de existência do sistema anárquico centrado no Estado territorial capitalista.
Esta formação sócio-política singular, por sua vez, convive com a lógica da reprodução
do capital como fundamento de sua existência, associado à necessidade de manter a lógica
territorialista de poder em termos de capacidades militares a um nível instrumental que lhe
permita liderar como balanceador e líder hegemônico de um sistema de poder em que as lógicas
da competição econômica necessitam do respaldo do poder militar dentro de sua lógica desde a
emergência do Estado capitalista moderno.
Sob tais circunstâncias, a existência de um complexo industrial militar, que associa
demandas setoriais das instituições militares da grande potência atual, os Estados Unidos, aos
interesses do capital produtivo que vê utilidade estratégica para a segurança e reprodução de
seus lucros e negócios na parceria com o Departamento de Defesa americano, instituição que
faz a gestão política e estratégica das demandas militares em face dos interesses do capital
privado, pode ser um dos elos que interligam a estrutura anárquica baseada na balança de poder
e o nível da interação das instituições e dos indivíduos no que diz respeito ao processo de
tomada de decisão a nível conjuntural, mas sempre dentro dos limites das capacidades
econômicas que definem as possibilidades de incremento e eficácia das capacidades militares
estratégicas.
É exatamente dentro desta linha de análise que é possível demonstrar o impacto da
estrutura sobre a conjuntura da decisão complexa que faz com que as relações civil-militar,
envolvendo Presidência, assessores de Segurança Nacional, Departamento de Estado e
Departamento de Defesa, além do Conselho de Segurança Nacional- contemplando, portanto,
políticos, diplomatas e militares, indivíduos e instituições, formulem a política externa de
segurança em termos de edição de doutrinas que irão pautar iniciativas de engajamento militar
como os casos iraquiano e afegão, não apenas pensando as demandas setoriais em si mesmas.
Sem perder de vista que as demandas de estadistas, diplomatas e militares são todas
justificáveis dentro da lógica institucional de cada uma, em termos da interpretação que a
Presidência, do Departamento de Defesa e do Departamento de Estado dão para os interesses
nacionais estratégicos em jogo dos Estados Unidos para o século 21, o propósito do estudo é
traçar os limites do exercício e realização destas demandas.
Isto se dá a partir das condições fundamentais e inescapáveis que os agentes centrais do
processo decisório em política externa de segurança não podem ignorar: a natureza estrutural do
balanço de poder em termos de capacidades militares dada e condicionada pela lógica recorrente
da competição interinstatal entre grandes potências que faz parte da estrutura de acumulação,
reprodução e concentração de capital em um espaço político seguro aos seus interesses – a
sociedade política, o Estado desde a emergência do sistema internacional.
É nesse sentido que a demonstração dos efeitos da guerra do Iraque durante o governo
Bush condicionou fortemente a crise financeira a partir do erro estratégico de superdimensionar
custos militares em um cenário que iria prefigurar uma etapa de restrição de capitais na
produção como resultado da etapa de acumulação de capital no sistema financeiro. Assim, a
tendência geral do sistema levaria a uma necessidade de revisão de prioridades em termos de
limites para o comissionamento de armas estratégicas convencionais e não convencionais
capazes de manter a liderança hegemônica dos Estados Unidos no sistema de balança de poder
internacional.
Com o excessivo comprometimento econômico do país na guerra iraquiana, esse
potencial de restrição de capitais disponíveis seriam aprofundados e condicionariam a doutrina e
a política de segurança de seu sucessor, Barack Obama, demonstrando que a atual tendência de
redução de custos com capacidades militares foi um constrangimento estrutural dado pela lógica
do Estado capitalista nas relações com o sistema.
Não obstante, cumpre sublinhar que esta redução não implica num fim do recurso aos
gastos militares, nem obedece à lógica de um pacifismo ingênuo, não importa a retórica
empregada pelos decisores em política externa.
Os gastos militares irão continuar por que obedecem a uma lógica econômica associada
à necessidade de manutenção do equilíbrio militar dissuasório entre as grandes potências.
Contudo, tais gastos devem se manter num patamar satisfatório para que ambos os interesses de
lucratividade, competitividade econômicas e segurança estratégica sejam mantidos, respaldando
a posição hegemônica dos Estados Unidos no sistema.
Na medida em que a estratégia do governo Bush tornou-se disfuncional a esta lógica
gestada desde a ascensão hegemônica dos Estados Unidos como líder e fiador do sistema
internacional, as capacidades, por assim dizer, econômicas tornaram-se restritivas para sustentar
um aumento significativo de gastos militares que pudessem desequilibrar em favor de
Washington o poder dentro do sistema.
Assim, os principais desafios estratégicos postos demonstram a ação de fatores
estruturais sobre a tomada de decisão e que são muito mais profundos e graves do que a as
abordagens críticas para com o realismo poderia supor.
Nesse sentido, a discussão sobre as doutrinas estratégicas das eras Bush e Obama, em
face das capacidades militares disponíveis em razão do orçamento de defesa, demonstram a
viabilidade da aplicação da teoria sistêmica arrighiana que vem agregar à visão do realismo
estrutural respaldando as análises centrais acerca da importância da dissuasão, do equilíbrio, da
ameaça e da maximização de poder associados à lógica econômica de reprodução de capital, a
que nenhuma teoria que não seja de matiz estrutural tenha conseguido respostas plausíveis para
compreender as principais linhas de força do comportamento das políticas de Estado no campo
diplomático e de segurança, que não podem se limitar às análises de processo decisório de
forma isolada, mas que condicionam, de maneira decisiva, os atores envolvidos no processo
decisório.
Esta perspectiva teórica é que norteia o presente esforço analítico. Nesse sentido, o
estudo dos ciclos de longa duração braudelianos associado a visão sistêmica marxista
empregada para o estudo do sistema internacional a partir de Immanuel Wallerstein empregada
pelo genial Geovanni Arrighi e o sistema interestatal sob as perspectivas do realismo estrutural
de Kenneth Waltz e John Mearsheimmer são plenamente compatíveis enquanto teorias de
ciência política cujas categorias de compreensão do fenômeno da política internacional
permitem traçar as linhas fundamentais que explicam o comportamento do Estado racional e de
que forma a estrutura condiciona o processo decisório em política exterior.
Isto ocorre fundamentalmente por que a essência do sistema internacional é a anarquia e
o auto interesse em um ambiente de incerteza, no qual a segurança do Estado de prover sua
sobrevivência pelos próprios meios é a única garantia que possui de simplesmente existir como
uma sociedade política.
E a essência do sistema é a existência de uma busca pelo equilíbrio de poder entre
entidades soberanas (sejam elas formações estatais territoriais ou não) , o que faz com que
mesmo as principais grandes potências não disponham de suficientes recursos de poder e, logo,
de capacidade de tomar decisões impunemente sem desconsiderar em seus cálculos racionais, o
impacto da grande estratégia em termos de interesses nacionais dos demais polos do sistema, em
especial, de outras grandes potências e potências regionais.
Este fenômeno, criado a partir de um pacto político entre o capital privado e as
autoridades políticas desde o século XIV, se internacionalizou nos últimos duzentos anos e foi
impactado pela aplicação das novas tecnologias na produção industrial e, logo, no sistema de
defesa/armas.
Assim, esta associação de fatores internos a cada unidade estatal, no campo das elites
dirigentes e influentes sobre o Estado, dentro e fora dele, somados à quantidade de grandes
potências (possivelmente cinco, no curto prazo) e potências regionais ( mais ou menos o
mesmo número), faz com que o aumento da incerteza e da instabilidade potencializados pela
competitividade inter-capitalista inerente à maioria destas formações estatais gere as regras não
escritas de balanço de poder e de crises financeiras geradas pela acumulação de capital em cada
país.
Assim, cria-se a estrutura político-econômica global da qual nenhum estadista ou
instituição de estado pode ignorar no processo decisório, independente de estilo pessoal e
ideologia partidária ou forma e sistema de governo.
É isto que quer dizer Parag Kannah (KANNAH, 2008), quando afirma que existe um
fenômeno mundial pautado pela interação entre as dimensões político-estratégicas, de um lado,
e econômicas, de outro, quando, a partir das relexões do eminente historiador britânico Arnold
Toynbee declara que

“(...) implica na interação entre duas forças históricas mundiais


que ele (Arnold Toynbee) percebeu intuitivamente, sem chegar
a lhes dar o nome: a geopolítica e a globalização. Geopolítica é
a relação entre poder e espaço. Globalização remete à
amplicação e ao aprofundamento das ligações entre os povos
do mundo por meio de todas as formas de troca. Toynbee fora
o primeiro a fazer a crônica da ascensão e queda, da expansão
e da contração dos impérios e civilizações da história, tendo
sido contemporâneo das grandes ondas de integração global
que tiveram início pouco antes da Primeira Guerra Mundial e
viriam a explodir com a ascensão das corporações
multinacionais na década de 1970. Desde sua época, a
geopolítica e a globalização se intensificaram de tal maneira
que se transformaram nos dois lados da mesma moeda.”
(KANNAH, 2008, pp. 09-10)

Sob este aspecto é que emerge o fenômeno da transição hegemônica, observável desde
o século XIV, no processo de formação do sistema capitalista e do Estado moderno e, por fim,
do sistema de relações internacionais. Por isso seu caráter estrutural, perene, permanente e que
enquadra o sistema de relações interestatais.
Assim, a luta pelo poder político entre os principais atores do sistema condiciona a ação
diplomática, instrumentaliza o papel das espécies de guerras, fomenta o desenvolvimento
científico e tecnológico e determina o avanço do processo de acumulação de seus verdadeiros
parceiros estratégicos neste processo, a moderna corporação capitalista. Eis aqui a essência do
sistema internacional.
Não obstante, dado a grande capacidade política e econômica das grandes potências, em
especial Washington e seus principais aliados de em razão de seus interesses geoestratégicos
vitais de influir no plano doméstico do conjunto dos atores estatais do sistema mundial e
inclusive do seu próprio sistema político interno, o cenário político e econômico internacional
não são acontecimentos fortuitos.
Ainda que se diga que numa espécie de movimento circular de causa e efeito, ações
políticas e econômicas domésticas também influenciem a política externa de um país, em razão
de interesses nacionais internamente definidos por suas elites, o processo de globalização atual
cada vez mais define as regras do jogo de cada nação, sendo que se as grandes potências ao
menos tem a capacidade de definir as regras políticas desse jogo, aos demais membros do
sistema internacional, potências regionais, médias e pequenos Estados, só resta sofrer seus
impactos político-econômicos de curto, médio e longo prazos definidos pelos Estados Unidos.
Em razão disso, a globalização, atualmente definido pelas estratégias das corporações
transnacionais com origem, sede e controle acionário majoritário de diretores e presidentes
norte-americanos, e cujos contratos na casa dos trilhões de dólares, estão ramificados sobre
diversas áreas estratégicas da economia dos EUA e influenciam decisiva e estrategicamente a
política econômica e de defesa daquele país.
Esta globalização do capital decorre do processo de acumulação sistêmico e encontra
seu porto seguro na proteção do Estado americano, que se caracteriza por uma relação de
interdependência mútua das suas elites empresariais e financeiras e a melhor síntese desse
processo é a existência do poderoso complexo militar – industrial norte-americano a explicar as
linhas de força estrutural e a conjuntura da política externa e de defesa da superpotência
hegemônica.
Portanto, depreende-se que o atual ciclo de acumulação sistêmico sofre um padrão
recorrente histórico estabelecido há mais de quinhentos anos desde a formação do sistema
interestatal.
Este ciclo envolve a competição interestatal pelo domínio de novas tecnologias na
produção e favorece a concentração de capital, gerando, com isso, uma crise econômica que
impacta na grande estratégia da grande potência que preside o ciclo atual em sua fase financeira
- os Estados Unidos -os quais necessitam reduzir os custos de seu engajamento militar, lógica de
poder política fundamental para a sustentação de uma hegemonia mas que, se utilizada de
maneira desproporcional à capacidade econômica do Estado, pode acelerar a erosão das
condições de competitividade econômica com as demais grandes potências polos do sistema.
Nesse sentido, a busca por maior eficiência do sistema de armas a um custo econômico
sustentável, favorece tanto o processo de concentração de capital como condiciona, de forma
cíclica, a ocorrência de hipóteses de guerra central assimétrica.
Assim, a obra envolve as seguintes ideias de força centrais para desenvolver suas
análises sobre a política externa norte-americana: ciclo sistêmico de acumulação, sistema
internacional, complexo industrial militar, gastos militares, doutrina estratégica, doutrina
militar, política externa e processo decisório.
Sob este aspecto cada ideia condiciona a seguinte: o ciclo sistêmico de acumulação
(lógica econômica do capital somada à lógica do poder político territorial) caracteriza a natureza
assimétrica, anárquica, competitiva, mas também cooperativa do sistema internacional. Este, por
sua vez, caracteriza-se pelo desenvolvimento dos interesses nacionais estratégicos em termos de
poder dentro da lógica ambígua mas interdependente do Estado Capitalista hegemônico
moderno, do qual a formação de um pacto de elites empresariais, políticas e institucional-
burocrática civil (diplomatas) e militares encontra no complexo militar industrial norte-
americano sua forma institucional contemporânea.
São estes os três fatores que irão criar o que se compreende por estrutura sistêmica no
qual os fenômenos e processos políticos conjunturais se enquadram.
Na medida em que se formam regras e princípios jurídicos e políticos interestatais a
partir da emergência de um conjunto de estados nação territoriais pautados por uma lógica
dúplice – lucro e poder – com relativa força econômica, política e militar equivalentes irá
ocorrer o enraizamento e a expansão para além dos limites do Estado de tendências que a partir
dos interesses negociados entre as elites irão condicionar suas opções de ação exterior
justamente pelo equilíbrio multipolar e anárquico que irá caracterizar este sistema.
Assim emergirão as condições estruturais que irão impactar sobre as conjunturas e sobre
o processo decisório em que a ocorrência da competição entre atores estatais obedecerá a uma
lógica que agrega a busca por lucro com a segurança estratégica, condicionando o uso
recorrente da diplomacia e do uso dos meios militares (ameaça e uso da guerra) como opção
necessária que se imporá sobre os tomadores de decisão e seus implementadores (políticos,
diplomatas e militares).
Dessa forma, a partir de um pacto de elites original desde a criação do primeiro ciclo
hegemônico, formadas pelo capital privado e governantes que são a classe política que
comandam o Estado, este processo irá se repetir a cada nova renovação, mas de forma ampliada
e tendente à complexidade devido a alguns fatores, eis que não se trata nem da simples lógica
do poder em termos de prestígio político de líderes, militares e diplomatas ambiciosos nem
tampouco da visão estereotipada do Estado como simples joguete dos interesses econômicos.
Nesse sentido, o uso da teoria de Geovani Arrighi fornece as respostas para desvendar
os interesses políticos e econômicos que se entrelaçam na composição daquilo que, em cada
unidade estatal e em cada ciclo a partir de então, será tornado o “interesse nacional” em termos
geopolíticos e estratégicos. Sua teoria fornece um padrão que demonstra a recorrência de
fenômenos que se repetem e impactam profundamente sobre a ação externa dos Estados desde o
advento do sistema internacional.
Este sistema é o sistema interestatal criado a partir da lógica do Estado Capitalista, cujo
centro decisório são alianças que se renovam a cada ciclo de acumulação entre capital privado
de uma burguesia ascendente com aquilo que caracterizara antes do modo de produção
capitalista, como os elementos de uma sociedade estamental – aristocracias militarizadas com
sua lógica de poder clássica em termos de prestígio e valores guerreiros– que irão presidir o
nascimento do Estado moderno institucionalizado.
Na medida em que emergem diversos estados com essas características, surgem
inúmeros polos competidores que irão buscar nas mudanças organizacionais a resposta para
superar a competição econômico -estratégia tanto na dimensão privada quanto na pública.
Assim, gradualmente, à medida em que se renovam hegemonias dentro de um novo
padrão organizacional das empresas privadas é que a gestão do Estado e da guerra também são
instados a se renovarem.
O resultado, de 1400 até os dias atuais irão definir um padrão que se universalizou: um
Estado que necessitará de instituições permanentes e cada vez mais complexas em termos da
aplicação de métodos científicos na estrutura administrativa, o que implica a racionalização
crescente da organização institucional das burocracias militar e diplomática que passa a adquirir
uma lógica particular devido a fatores como aquilo que Weber denominou de ‘insulamento
burocrático’.
Este padrão irá tornar crescentemente autônomo em relação à capacidade de decisão dos
líderes políticos, o que outro fenômeno relacionado irá contribuir.
Este fenômeno diz respeito às necessidades de emergência da liberdade cada vez maior
da atividade econômica, graças à competitividade dos Estados territoriais pelo financiamento de
suas empreitadas políticas irá tornar crescentemente autônoma a ação do capital privado,
fazendo com que o Estado se torne mais dependente da lógica econômica e com isso, busque
nas estruturas jurídico-constitucionais liberais a descentralização do poder político e a
institucionalização legal dos interesses financeiros, do qual o lobby da indústria armamentista é
o nexo de causalidade entre interesses corporativos privados com os públicos.
Esta é a justificativa para a escolha do estudo do complexo industrial militar dentro da
lógica dos ciclos sistêmicos como o elo organizacional que integra a base estratégica de
consenso entre interesses do capital associados ao Estado na cadeia de causa e efeito entre as
condições dadas pelo sistema e seu impacto sobre o processo de tomada de decisão em política
externa de segurança da grande potência que é o polo hegemônico do sistema internacional
atual.
Cabe ainda afirmar que não se pense que nem o Estado, nem suas instituições públicas
relacionadas com a agenda de segurança (diplomatas e militares) e muito menos o estadista
político são meros coadjuvantes neste processo. Isso é demonstrado pela opção por tratar da
análise de política externa no presente esforço de reflexão sobre a política internacional dos
Estados Unidos.
Os agentes públicos, dentro do Estado, importam e presidem a gestão da diplomacia e
da guerra de forma autônoma, ainda que interdependente para com os agentes capitalistas os
quais, por sua vez, necessitaram constituir uma rede de poder nucleados pela capacidade
tributária, fiscal, macroeconômica e militar que somente a sociedade política estatal poderia
conferir.
Enquanto que a cidade-estado italiana era por demais restrita em termos de mercado e
economia de escala e quantitativamente fraca militarmente e o Estado imperial territorial era a
antítese do ideal capitalista por ser demasiadamente poderoso e unificado. Por isso, somente
uma estrutura intermediária, com suficiente base territorial e mercado unificado, caracterizada
pelo provimento da segurança fiscal, economia de escala e segurança política (coerção militar)
poderia realizar a gestão da acumulação de capital de forma eficaz e segura a partir da
competitividade interestatal e do equilíbrio de poder.
Nesse sentido é que emerge de forma mais ou menos controlada pela lógica da
cooperação entre elites de cada Estado, na forma de coalizões e alianças, das possibilidades de
gerir o processo de competição e rivalidades pela alternância e combinação variável entre a
necessidade de uso da guerra dentro de determinadas condições em que os custos sejam
justificados pelas vantagens políticas e econômicas da lógica associada entre poder e lucro,
quando as condições de acumulação pela gestão negociada e pacífica (dados pela diplomacia
institucional) se tornar insuficiente.
Assim, a lógica arrighiana se coaduna com a teoria do realismo político para a
compreensão do sistema internacional e sua relação de causa e efeito sobre os processos de
tomada de decisão que os estadistas e suas instituições estatais tem de lidar em dadas situações
conjunturais, a partir das suas capacidades políticas, econômicas e militares dada pela
distribuição e polaridade do sistema interestatal.
Da mesma forma, toda a vez que a opção pela guerra se tornar disfuncional para as
elites que presidem os polos dirigentes do sistema tiver seus custos excedentes às suas
vantagens estratégicas, procede-se às negociações e resolução diplomática destes conflitos a fim
de proceder à acumulação de capital no ciclo de escassez de recursos de capital circulante.
Nessa lógica, a gestão da diplomacia e da guerra realizada pelo Estado é do interesse do
governante com a maximização de poder em termos diplomáticos e da segurança a este poder
em termos militares, dentro da lógica do poder, poderia ser também útil para os interesses do
grande capital que precisava de uma base nacional segura para se reproduzir. Eis ai a essência
da aliança estratégica entre público e privado personificada no complexo militar e industrial
norte-americano.

CONCLUSÃO

Na medida em que as mudanças institucionais internas ao Estado provocam o


surgimento das demandas setoriais de suas instituições, somados aquela aliança entre capital
privado e autoridade pública (o político estadista), na lógica do Estado liberal constitucional
pautado pela divisão de poderes, em sociedades representativas, emerge o problema da
complexidade do processo de tomada de decisão que impõe as lógicas dos indivíduos em face
das instituições e do papel do sistema internacional.
Portanto, identifica-se um nexo existente entre as dimensões econômica, política e
estratégica no processo de estabelecimento dos princípios norteadores do interesse estratégico
da superpotência, fundamento da sua política externa de segurança.
Destarte, a contextualização do nascimento, desenvolvimento e crise da hegemonia
norte-americana iniciada no começo dos anos 1970, nos marcos da Guerra do Vietnã e na
desestruturação do sistema financeiro mundial de Bretton Woods, criado em 1944, deve ser
comprendido a partir do processo estrutural e, portanto, sistêmico, do processo de acumulação
de capital. Essa hegemonia se construiu a partir do aumento das capacidades militares e
econômicas e do desenvolvimento tecnológico. Em razão disso, o núcleo central de análise
centra-se no estudo do complexo militar-industrial.
Aqui encontra –se o cerne da análise empírica que busca demonstrar a ocorrência da
hipótese de que a redução dos gastos militares nos principais sistemas de armas que garantem a
segurança dos interesses estratégicos da grande potência hegemônica em razão da crise
financeira subproduto cíclico da atual fase do ciclo de acumulação de capital.
Nesse sentido é que se analisam e interpretam a revisão doutrinária dos documentos
Strategic Guidance de 2012 e 2015, bem como a relação dos gastos militares com os principais
sistemas de armas para os anos ficais compreendidos entre 2012 e 2016 como forma de
comprovar o impacto sistêmico sobre as capacidades militares e a restrição cíclica da ocorrência
de guerras travadas pela grande potência polo do sistema.
Em seguida, parte-se para a descrição da institucionalidade política e militar
encarregada de canalizar, da estrutura econômico-político sistêmica, para o nível estatal, as
principais linhas de força que definem os interesses estratégicos políticos, militares e
econômicos do Estado norte-americano.
Assim, é imprescindível compreender como atuam e quais são os objetivos setoriais das
instituições políticas e militares encarregadas do processo de formulação e implementação da
política exterior estadunidense, base para a implementação de uma política de estado que
permeia os governos de diversas matizes partidárias e características de personalidades dos seus
grupos dirigentes e, a partir dessa abordagem, abrir um diálogo tanto a nível teórico com teorias
de natureza sistêmica dentro da teoria de relações internacionais quanto multidisciplinar com
outras ciências sociais como economia, sociologia, antropologia, psicologia e história.

REFERÊNCIAS

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