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INTRODUÇÃO
dos Annales, elaborou uma distinção entre os diferentes tempos da história, classificando-os em curta duração (tempo
dos acontecimentos), média duração (ligada às conjunturas) e longa duração (ligada às estruturas sociais). Ver:
2 - “Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991”. Título do quarto livro das “eras” de Eric
Hobsbawm, que fazem um estudo sobre o mundo contemporâneo a partir das revoluções burguesas no final do século
XVIII.
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Revolução Verde, e o modelo agroecológico, que surgia como um contraponto ao primeiro
modelo.
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HISTÓRIA AMBIENTAL E MODELOS DE AGRICULTURA
Segundo Donald Worster, “há três níveis em que a nova história [ambiental]
opera, cada um dos quais retirando de uma variedade de outras disciplinas e requerendo
métodos especiais de análise”. O primeiro nível se volta a conhecer a própria natureza,
envolvendo “a descoberta da estrutura e distribuição dos ambientes naturais do passado”.
O segundo, “se concentra na tecnologia produtiva, na medida em que esta interage com o
meio ambiente.”
O terceiro nível de análise incide nas representações sociais relativa à natureza, nas
formas mentais, nas “percepções, ideologias, ética, leis e mitos [que] tornaram-se parte
de um diálogo de indivíduos e grupos com a natureza”. O grande desafio da história
ambiental está em saber identificar e correlacionar tais níveis de análise, inclusive no que
tange às possibilidades de explicação dos acontecimentos em função de um ou outro
conjunto de fatores pertencentes a cada um destes níveis.
Para proceder à nossa argumentação, considerando o recorte estabelecido para
este trabalho, as transformações na agricultura no Brasil nas décadas de 1960 a 1970,
pensamos que importa pensar principalmente nos dois últimos níveis apontados por
Worster: o segundo, que trata da interação entre tecnologia produtiva e meio ambiente, e
o terceiro, que aborda as ideias e representações a respeito do homem em sua interface
com o meio ambiente.
O principal modelo de cultivo de gêneros agrícolas no país, atualmente, é o
chamado agronegócio, e teve seu início no período histórico em questão. Ele é hoje
responsável pela grande maior parte dos recursos financeiros mobilizados, das terras
cultivadas, do volume de produção, do número de exportações, da arrecadação; é
também o grande responsável pelo aumento da derrubada de áreas de floresta, pela
diminuição da biodiversidade entre espécies vegetais e animais, pela erosão genética,
pelo esgotamento e intoxicação de solos devido à monocultura intensiva, pela grande
utilização de insumos químicos na agricultura e a consequente dependência dos
agricultores, pela enorme quantidade de venenos (inseticidas, herbicidas, fungicidas…)
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despejados nas lavouras e por conseguinte nos solos de todo o país. As consequências
desse modelo de cultivo são enormes, e imensamente preocupantes para toda a
humanidade.
Não se trata aqui, entretanto, de condenar a viabilidade desse modelo agrícola,
que passou a ser o “modelo convencional” de cultivo no país, pois sua sustentação,
prejuízos e benefícios ainda hoje são objeto de acalorados debates, e este julgamento
extrapola os limites e objetivos deste estudo. Muitas críticas a seus pressupostos e seus
efeitos estão colocadas, mas o intuito principal é traçar o percurso de sua consolidação
como modelo hegemônico de agricultura, tendo em vista a conjuntura histórica específica
do Brasil.
Os anos anos 1960 assistiram a uma séria inflexão no campo da política em
nosso país. No início da década, durante o governo de João Goulart, houve uma
ascensão de um sentimento de possibilidade de mudanças em determinadas estruturas
sociais que há tempos condicionavam o país, e essa possibilidade era dada por força de
movimentos em ebulição e pressões de camadas populares, bem como de grupos
específicos da sociedade interessados em tais mudanças. Entre as transformações mais
radicais e mais importantes que o Brasil poderia cogitar estava a reforma na estrutura
fundiária, possibilitando o acesso às terras agricultáveis para quem desejasse nelas
trabalhar. Ocorre que as oligarquias rurais, que tradicionalmente acumulavam terras e
poder econômico, não estavam dispostas a dispor de tal privilégio, e funcionaram como
uma grande força contrária à efetivação da Reforma Agrária no país.
Em 1964 efetivou-se um golpe de estado no Brasil que alterou o governo político
em favor de um regime militar ditatorial que permaneceria por um período de 21 anos no
poder. Nesse mesmo período o país viveria uma intensa euforia econômica, no que ficou
conhecido como “Milagre Brasileiro”, resultado do investimento do Estado na promoção
da indústria de insumos primários, buscando aproveitar um momento propício no cenário
mundial. O crescimento econômico desse momento, entretanto, não foi distribuído de
maneira igualitária, mantendo-se ou agravando-se ainda mais a desigualdade entre as
classes operárias e assalariadas frente às elites burguesas e grandes proprietários de
terras.
Nesse período, o termo desenvolvimento cumpria uma função extremamente
mobilizadora. O país desejava promover uma modernização a qualquer custo em suas
estruturas, e esta promessa era antiga no imaginário nacional. O governo de JK havia
sido bastante direcionado a este fim, e efetivamente implementou muitas mudanças no
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sentido de impulsionar a industrialização do Brasil. Contudo, a aceleração da economia
no período, associada à enorme busca por capitais estrangeiros que pudessem financiar
o investimento na modernização da indústria, culminaram em um aumento da inflação em
termos extremamente difíceis para a sociedade brasileira. Mesmo assim, durante o
período militar, havia uma demanda pelo desenvolvimento, pois uma grande parcela da
população, dos setores intelectuais e dos administradores públicos, acreditavam que o
desenvolver a economia nacional poderia libertar o Brasil das amarras coloniais, que
mesmo com o advento da República ainda se faziam presentes em nossa realidade e
punham empecilhos para nossa realização civilizacional.
A chamada modernização da agricultura em curso no período ficou conhecida
pela expressão Revolução Verde. Este processo de inovação tecnológica encontra raízes
nos esforços de desenvolvimento empreendidos nas duas grandes Guerras Mundiais,
especialmente a Segunda Guerra (PEREIRA, In: CALDART, 2012, p.685). Muitos dos
insumos químicos e das tecnologias mecânicas utilizadas foram adequadas ao meio
agrícola posteriormente, pois se originaram no contexto do conflito armado, e tinham
intenções diferentes das que assumiram quando foram aplicadas ao cultivo da terra. A
Revolução Verde foi concebida, pois,
Ainda de acordo com a autora Mônica Cox Britto Pereira, “o modelo da Revolução Verde
pode ser caracterizado como um sistema insustentável sob o aspecto social e ecológico”
(PEREIRA, idem.).
A crítica ambientalista tomou forma e conquistou a proeminência nos debates
mundiais a partir da década de 1970. Nesse momento, a sociedade civil passou a
organizar diversos grupos em torno dessa questão, configurando o que podemos chamar
de Movimento Ambientalista. As formas de atuação desse movimento incluíram a
contestação em forma de passeatas, campanhas de conscientização para consumo ou
boicote, esforços por mudanças na legislação, até mesmo ações organizadas com a
proposta de interagir e transformar realidades específicas, como é o caso das várias
vertentes de técnicas de produção agrícola mais conscientes sobre os riscos e problemas
ambientais e mais consistentes com os conhecimentos produzidos nas áreas da ecologia,
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da biologia e da própria sociologia. O resultado foi uma busca por modelos
ecologicamente mais saudáveis e mais responsáveis, atentos às questões de ordem
sociocultural e ecológicas que estavam sendo colocadas.
A chamada Agroecologia foi um desses modelos que emergiram nesse momento.
A opção por colocá-la, neste estudo, como um exemplo de contraponto ao modelo
convencional de agricultura, repousa na importância simbólica que o modelo
agroecológico assumiu4, mas, ainda mais importante, na consistência científica que
adquiriu ao longo do tempo.
Miguel Altieri, um importante pesquisador no campo da agroecologia, afirma que
este modelo
Tal como a crise da física na década de 20, ela deriva do fato de estarmos
tentando aplicar os conceitos de uma visão de mundo obsoleta — a visão
de mundo mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana — a uma
realidade que já não pode ser entendida em função desses conceitos.
Vivemos hoje num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos
biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes.
Para descrever esse mundo apropriadamente, necessitamos de uma
perspectiva ecológica que a visão de mundo cartesiana não nos oferece.
(CAPRA, 1982/2006, p. 13-14)
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noção de causalidades simplistas e lineares. Este paradigma dominante foi acusado de
não compreender a necessidade de uma visão mais complexa e sistêmica para a qual as
ciências haviam despertado, e essa restrição da perspectiva propiciava uma atuação
incrivelmente devastadora no mundo. Exemplificando essa questão, e aproximando-a do
nosso interesse principal neste artigo, no caso da agricultura o modelo de agricultura
convencional, devedor das transformações ocorridas no esteio da Revolução Verde,
corresponde a um paradigma clássico das ciências, dito cartesiano-newtoniano (CAPRA,
1982/2006, p. 14) em que o mundo é visto e estudado em função de suas partes, sendo o
todo apenas a união de todas elas. O modelo agroecológico, por sua vez, corresponde a
uma visão sistêmica e indica a emergência de um novo paradigma científico, em resposta
às transformações ocorridas no mundo a partir da segunda metade do século XX
decorrentes principalmente do agravamento de crises ambientais em escala planetária
nunca antes percebidas.
CONCLUSÃO
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envolviam a necessidade de se promover uma postura científica que pudesse integrar o
homem ao seu meio. Assim também foi o nascimento do campo da história ambiental,
que se preocupou mais especificamente com as relações de interdependência e
interdeterminações entre o mundo natural e humano. No momento abordado, ou seja, as
duas décadas entre 1960 e o fim de 1970, os debates públicos e científicos no mundo
ocidental engendraram uma visão de mundo coerente com o paradigma sistêmico
apontado por Capra. Contudo, as opções pelo modelo de desenvolvimento não se
guiaram pelos modelos emergentes e sistêmicos, sustentando, ao contrário, uma forma
de intervenção tecnológica há muito gestada pelo pensamento racionalista e que naquele
momento era levada a extremos ainda não conhecidos pela humanidade.
REFERÊNCIAS
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história. Ambiente & Sociedade, Campinas, v.6, n.1, p.23-44, jan./jul. 2003.
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