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Geografia e Sexualidade Os Espacos Da Vivencia Cotidiana Das Mulheres Prostitutas de Vilhena PDF
Geografia e Sexualidade Os Espacos Da Vivencia Cotidiana Das Mulheres Prostitutas de Vilhena PDF
2016
MARIA CONSUÊLO MOREIRA
2016
In memorian
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de equidade:
“Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno”.
Ao Deus misericordioso e detentor da eterna bondade, que nos momentos mais difíceis e
angustiantes, em que me sentia desencorajada, me concedeu amparo e força para que eu
não desistisse e prosseguisse até o final. A Ele todo o meu louvor e glória.
A minha doce Mãe, Maria. Por ter me acolhido em seus braços e me ter feito sua filha.
Com ela aprendi que a palavra “adotar” é sinônimo de amar alguém incondicionalmente,
é buscar a cura das feridas do corpo e da alma, é beijar carinhosamente sua cabeça. É
proteção. É chorar com sua partida. É sorrir com sua volta.
Ao meu esposo, companheiro e amigo, Luiz Fernando. A sua paciência em aturar meus
momentos de estresse e minhas oscilações de humor foi admirável. Sua companhia
durante o período do mestrado sempre dando força e acreditando que eu seria capaz, foi
fundamental para que eu chegasse até aqui. Te agradeço pela compreensão, mas acima de
tudo, obrigada pelo seu amor.
A minha “pequena” e preciosa família. Às minhas irmãs Deta e Toinha. Creio que Deus
em sua infinita sabedoria, juntou nossas vidas, mesmo provindas cada uma de uma família
diferente, para que formássemos uma só família. Às minhas sobrinhas Lidiane, Adriana,
Leidiana e Aliane, pelo apoio e conselhos. De maneira peculiar, cada uma a sua maneira
tem me ensinado algo sobre a vida.
Aos amigos Alysson Fernandes e Patrícia Gemaque que tive o prazer de conhecê-los
durante o mestrado. Ficarão eternizadas em minha memória nossas risadas, trocas de
experiências e os conselhos sempre válidos e preciosos. Um triângulo amoroso que deu
certo!(rs).
A professora Joseli Maria pela forma carinhosa em que me acolheu em sua residência em
Ponta Grossa (PR). Obrigada por ter compartilhada de maneira tão sábia seus preciosos
ensinamentos a uma mera principiante.
A minha adorável orientadora Rosa Ester, pelo exemplo de dedicação a ciência geográfica
e por ter aceitado em fazer parte dessa minha humilde contribuição a academia.
A psicóloga e gerente técnica do CTA/SAE de Vilhena, Rondônia, Maria Zilda Golin por
ter se prontificado sem hesitar em colaborar com minha pesquisa.
Carinhosamente quero agradecer a Claudinha, Índia, Bruna e Ágata, por terem aceitado
serem minhas colaboradoras para que essa pesquisa existisse, sem vocês nada disso teria
sido possível. Meu muito obrigada por terem confiado em dividir comigo um pouco das
suas histórias e vivências.
Aos meus amigos (evitarei citar nomes para não correr o risco de esquecer de algum)
pelas trocas de experiências e conselhos tão importantes durante todo o processo.
Ao meu colega de trabalho Rodrigo Alécio Stiz, pelas vezes em que se predispôs em
ajudar-me de alguma forma na pesquisa.
O trabalho em tela tem como objetivo geral compreender a relação entre espaço
e as vivências cotidianas da prostituição feminina, tendo como recorte espacial a cidade
de Vilhena e como recorte temporal os dias atuais, levando-se em consideração a questão
de gênero envolvida no contexto abordado. A presente pesquisa possui tanto pertinência
teórica, por trazer à luz a discussão de uma temática ainda pouco problematizada no
pensamento geográfico nacional, a prostituição feminina; como pertinência social, por
considerarmos que a Geografia brasileira tem produzido invisibilidades em relação a
determinados grupos sociais que são marginalizados, como as profissionais do sexo. Para
que pudéssemos atingir tal objetivo, utilizamos enquanto procedimentos metodológicos
o uso de entrevistas semiestruturadas com quatro profissionais do sexo que moram na
cidade de Vilhena, Rondônia. Procuramos enfocar através das entrevistas, quais espaços
costumam ser frequentados por essas mulheres e se há alguma relação com a sua
atividade. Também buscou-se analisar os elementos que compõem uma identidade de
mulheres profissionais do sexo e como elas atribuem as suas vivências espaciais. A partir
de então, concluímos que o espaço em questão estudado, compõe diferentes tipos de
prostituição, desde bares, casa noturna, posto de gasolina, etc. Porém, há uma
predominância na cidade do tipo de prostituição feita de forma discreta e sigilosa, ou seja,
há certa invisibilidade espacial para com os clientes, onde as profissionais do sexo
procuram manter em segredo à atividade que exercem.
El trabajo en la pantalla tiene como objetivo general comprender la relación entre el espacio
y las experiencias cotidianas de la prostitución femenina, y tiene con el área espacial, la
ciudad de Vilhena y como marco de tiempo los días actuales, teniendo en cuenta la cuestión
de género involucrados en el contexto abordado. Esta investigación tiene tanto relevancia
teórica, sacando a la luz de la discusión de un tema aún poco problematizado en el pensamento
geográfico nacional, como la prostitución femenina; y además, tiene relevancia social, porque
consideramos que la geografía brasileña ha producido invisibilidades para ciertos grupos
sociales marginados, como los trabajadores sexuales. Para que pudiéramos lograr este
objetivo, se utiliza como procedimientos metodológicos entrevistas semiestructuradas con
cuatro profesionales del sexo que viven en la ciudad de Vilhena, Rondonia. Tratamos de
enfocar a través de entrevistas, en los espacios frecuentados por estas mujeres y su relación
con la actividad. También tratamos de analizar los elementos que conforman una identidad
de las trabajadoras sexuales y cómo se atribuyen sus experiencias espaciales. Desde entonces,
llegamos a la conclusión de que el problema del espacio estudiado, se compone de diferentes
tipos de prostitución, de bares, discoteca, gasolinera, eticétera. Sin embargo, hay un
predominio en el género de la prostitución de la ciudad hecha de una manera discreta y
confidencial, es decir, hay algo de espacio invisible para los clientes, donde los trabajadores
sexuales tratan de mantener en secreto la cantidad de actividad que realizan.
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 24
3.4 Sexo e afeto. Dinheiro e amor. A sexualidade na vida das profissionais do sexo
................................................................................................................................. 92
3.5 Prostituição feminina em Vilhena – RO: Uma abordagem espaço-temporal .... 97
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Olympia_(Manet)
1
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 138.
25
INTRODUÇÃO
O trabalho em tela tem como objetivo geral compreender a relação entre espaço
e as vivências cotidianas da prostituição feminina na cidade de Vilhena – RO, levando
em consideração a questão de gênero envolvida no contexto abordado. No intuito de que
possamos atingir tal proposta, temos como objetivos específicos: 1) fazer um
levantamento histórico-espacial da atividade da prostituição da cidade de Vilhena – RO,
apresentando suas principais características; 2) identificar os elementos que compõe uma
identidade de mulheres profissionais do sexo que atuam na cidade; 3) identificar os
significados que tais mulheres atribuem as suas vivências espaciais.
As reflexões que nos tomam o pensamento no que concerne a trajetória enquanto
pesquisadores e o objeto pesquisado perpassam por uma pergunta crucial: o que leva o(a)
pesquisador(a) à escolha do objeto pesquisado?
No transcorrer da presente pesquisa nos deparamos por vários momentos onde
nos questionamos quais os motivos que nos conduziram a escolha por analisar
geograficamente a prostituição, visto se tratar de um assunto considerado um estigma
social. Goffman (2004, p.4) nos explica que por estigma entendamos como “a situação
do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena”. Desse modo, reduzimos
“a uma pessoa estragada e diminuída”, ou seja, tal característica é um estigma.
Conforme Goffman, o termo foi criado pelos antigos gregos, sendo designado
por estes como forma de “se referirem a sinais corporais com os quais se procurava
evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os
apresentava” (2004, p.5). Com o passar do tempo, o conceito de estigma foi se ampliando,
porém ainda carregando certas semelhanças com seu sentido original, sendo aplicado nos
dias atuais como características, sejam essas físicas ou não, que determinada pessoa
carrega quando não se enquadra nos atributos considerados normais, comuns e naturais
para a sociedade. Tal conceito é assim utilizado pelo autor como algo extremamente
depreciativo, “um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo” (GOFFMAN,
2004, p. 7). O autor distingue três tipos de estigmas: as deformidades físicas, os desvios
de caráter individual e por último os estigmas tribais de raça, nação e religião. Podemos
então considerar que conforme a classificação do autor, para a sociedade a prostituição
apresenta características que a coloca em um situação de não aceitação social, sendo
26
Dessa forma, a presente pesquisa possui tanto pertinência teórica quanto social
devido aos seguintes aspectos. No que se refere à pertinência teórica, como afirmado por
Cesar e Pinto (2015), existem omissões na produção do pensamento geográfico nacional.
Uma destas omissões tem relação com a pequena produção geográfica relacionada à
sexualidade, e mais especificamente, sobre a atividade da prostituição. Como visto pelos
27
chave, como uma profissional que trabalha com prevenção de DST/AIDS na cidade. Por
se tratar de um assunto considerado ainda tabu em nossa sociedade, julgamos ser prudente
mantermos em sigilo a identidade de todos que colaboram em nossa pesquisa, desse
modo, seus verdadeiros nomes não foram expostos no trabalho. Cada profissional optou
por escolher um nome fantasia, sugerido por ela mesma. Usaremos o codinome
“colaboradora” quando nos referirmos a nossa informante-chave. Utilizamos a
metodologia de História Oral proposta por Meihy (2007).
Para as profissionais do sexo empregamos a técnicas de entrevistas
semiestruturadas, gravadas através de um gravador e transcritas posteriormente. Já a
entrevista realizada com a nossa “colaborada” se deu por meio de uma entrevista mais
informal e livre, onde a mesma fez um relato descritivo a respeito da dinâmica da
organização espacial da prostituição na cidade de Vilhena desde décadas mais antigas até
os dias atuais.
No intuito de que possamos alcançar nosso objetivo e compreendermos a relação
que se estabelece entre a atividade da prostituição com o espaço, o presente trabalho segue
a seguinte divisão dos seus capítulos:
No capítulo 1 trabalharemos a questão das discussões de gênero e sexualidades
sob uma perspectiva geográfica. Neste analisaremos os desafios e conquistas a respeito
das abordagens dessas temáticas no âmbito acadêmico da ciência geográfica. Também
será discutido a respeito das contribuições que o movimento feminista tem dado às
Geografias Feministas através dos seus estudos de gênero, buscando da mesma forma
analisar como o movimento feminista tem produzido suas reflexões acerca da atividade
da prostituição.
O capítulo 2 discorre sobre os procedimentos metodológicos trabalhados durante
a pesquisa. Procuramos descrever o trajeto percorrido no trabalho de campo, os desafios,
obstáculos, conquistas e ferramentas utilizadas no processo de obtenção dos dados.
O capítulo 3 trazemos para a discussão e reflexão a prostituição que se
desenvolve em Vilhena, Rondônia. Apresentamos suas características e peculiaridades,
de modo que se possa entender sua dinâmica espacial, tanto no passado como nos dias
atuais. Assim, introduzimos inicialmente o capítulo com uma abordagem histórica da
prática prostitucional que se desenvolveu em alguns lugares do Brasil ao longo de sua
história, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Abordamos como se
dá a questão do trabalho na prostituição feminina no país e como tem sido discutido os
elementos identidade e sexualidade na vida das profissionais do sexo.
29
CAPÍTULO I
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Valtesse_de_La_Bigne
2
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 138.
30
CAPÍTULO 1
[...] uma referência espacial a um tipo de conhecimento que teve sua origem
na Europa e que acabou sendo difundido no mundo como um modelo ideal de
saber e como um único modelo social a ser seguido de forma linear pelos
demais povos do mundo. E este tipo ideal que tem como referência a Europa
31
A nova Geografia cultura elabora uma série de críticas às abordagens até então
construídas. Evidencia a relatividade das escolas de abordagem do espaço,
coloca em dúvida a ideia do tempo linear e problematiza as noções de
progresso, desenvolvimento e evolução, argumentando os limites da produção
do conhecimento geográfico a partir dos conceitos da modernidade. Essa
postura desafiadora abriu possibilidades de novas abordagens [...] (SILVA,
2005, p.175).
Para Borghi (2015, p. 134), “A geografia do gênero tem por objetivo principal a
análise das relações entre espaço e gênero nas suas formas mais variadas, e nos papéis e
funções que homens e mulheres ocupam nestas”. Desta maneira, Silva (2005, p.187)
afirma que isso é possível levantarmos essa discussão, levando-se em consideração que
Em conformidade com este pensamento, Marandola Jr. (2013, p.50) acredita que
“Vivemos um momento muito interessante da Geografia no Brasil. As tensões mais fortes
que passamos entre os campos e tendências parecem ter se arrefecido, mas é seguro
afirmar que nunca a Geografia esteve tão aberta a novos temas, tendências, abordagens e
ao diálogo interdisciplinar”. Assim, segundo Mendonça (2002, p. 6)
E, como reitera Claval (2002, p.24), “O espaço jamais aparece como um suporte
neutro na vida dos indivíduos e dos grupos. Ele resulta da ação humana que mudou a
realidade natural e criou paisagens humanas e humanizadas”.
Em trabalho publicado na Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, cujo
tema apresentou-se de forma bastante sugestiva e pertinente dentro das discussões
geográficas, o texto Qual Espaço para Discutir Gênero? nos propõe a priori reflexões
33
acerca da questão da “mulher na sociedade e em seu cotidiano” pois [...] “para a maior
parte da sociedade esse tema ainda não é uma realidade ensinada, apreendida e vivida”,
Silva et al (2015, p.169). Como argumenta Silva (2009a, p. 25)
Qualquer ciência, cujo foco de análise seja as relações humanas, deve ter em
conta que a humanidade não é uniforme e que a diferença entre homens e
mulheres é uma das principais categorias de análise. Além disso, as relações
de gênero permeiam todas as sociedades, apesar das diferenças espaciais e
temporais.
Toda a sociedade pensa que suas relações internas e, entre elas, os modelos de
gênero, são normais, naturais, não necessitam ser questionados porque não se
desprendem da natureza quando, na realidade, em todos os casos são arbitrários
culturais, são construções (PRZYBYSZ, 2016, p. 155).
Desde que foi incorporado nos discursos feministas, os estudos de gênero tem
sido de fundamental relevância, pois tem desmistificado a ideia de que as diferenças
biológicas são responsáveis pelas desigualdades entre os gêneros. Vê-se cada vez mais
que essas desigualdades são construções sociais que foram legitimadas por um modelo
de sociedade patriarcal. Sobre essa problemática, Louro (1997, p. 20) deixa claro que
Silva (2009a) analisa que as discussões de gênero por parte das geografias
feministas não foram bem aceitas no meio acadêmico, mesmo diante das inúmeras
contribuições que as perspectivas feministas poderiam dar para a compreensão da
realidade socioespacial.
Veleda da Silva (1998, p. 107) afirma que “o conceito de gênero faz referência
a todas as diferenças entre homens e mulheres que foram construídas social e
culturalmente e que condicionam relações de subordinação/dominação”, e, ainda
complementa, “a Geografia de gênero não é ‘Geografia das ou de mulheres’, pois assim
pareceria que só estudaríamos a metade da humanidade e que somente as mulheres
poderiam fazer uma Geografia feminista”.
38
Vê-se, deste modo, que as questões relacionadas ao gênero, desde que passaram
a serem discutidas em meio ao movimento feminista, vem ganhando novas reflexões
quanto ao seu uso e definição, refletindo assim a busca incessante por uma maior
compreensão das relações e vivências espaciais na sociedade.
Para Louro (1997), o conceito de gênero têm feito história, visto estar
diretamente relacionado com a própria história do movimento feminista contemporâneo.
Enquanto parte constituinte do movimento, o conceito de gênero encontra-se envolvido
tanto linguística quanto politicamente em suas lutas.
Para que se possa discutir a abordagem de gênero na análise geográfica se faz
pertinente pensarmos na relação que possa existir entre gênero e espaço e como os
estudos de gênero podem contribuir na compreensão da produção espacial, possibilitando
desse modo o surgimento de novas formas de se pensar a ciência geográfica. Desse modo,
conforme afirmação de Rossini, a abordagem de gênero na Geografia encontra-se ainda
pouco expressiva.
Constitui um tema ainda pouco explorado na Geografia, isto porque a mulher
não constitui categoria de análise nesta área. O objeto de Geografia é, em
primeiro lugar, o espaço. Assim, procura-se trabalhar o tema de forma a
demonstrar como a mulher, através do seu trabalho, produz e reproduz o
espaço (ROSSINI, 1993, p.1).
Portanto, como reafirmam Cesar e Pinto (2015, p.121), “O campo científico não
é fixo e imutável, há contra-correntes, pressões e tensões que desestabilizam hegemonias
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e fazem surgir diferentes temáticas”. Deste modo, Silva (2015, p. 173) nos aponta “[...]
que as reflexões no campo geográfico são cada vez mais dinâmicas, e nos propõem ir ao
encontro a ação social do ser humano, que tece suas redes de convívio”.
É preciso abrir um parêntese quanto ao surgimento das chamadas
“epistemologias feministas”, denominação dada ao nascimento de “um movimento
científico político de mulheres cientistas que acabaram por produzir novas formas de
conceber a ciência como um conhecimento posicionado e situacional, e, portanto,
embebido em relações de poder” (SILVA, 2009b, p. 57). Assim sendo, a autora reitera
que
entre quem faz pesquisa quanto quem é objeto dessa pesquisa, sejam objeto de uma
reflexão crítica.” Onde acrescenta “gênero recria espaços sexuais.”
Ao descrever a respeito das culturas e práticas organizacionais e acadêmicas no
que se refere aos estudos de gênero situados na Geografia, Monk (2011, p.88) ilustra que
O grande passo para a divulgação e apoio econômico teve sua maior expressão
com a criação da Secretaria das Mulheres3 do Governo Federal que, em
integração com o CNPq e com o Ministério da Reforma Agrária, tem
possibilitado a realização, divulgação e cursos interessando aos estudos de
gênero (SILVA e ORNAT, 2016, p. 218).
3
Pasta criada para dar visibilidade e garantir o direito de minorias, o Ministério das Mulheres, da Igualdade
Racial e dos Direitos Humanos foi extinto. Os temas referentes à antiga pasta serão, agora, discutidos no
âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania.
41
“[...] apesar da crescente feminização do campo científico da Geografia, não houve uma
expansão significativa dos Grupos de Pesquisa voltados para pesquisas da área de gênero,
mulheres e sexualidades” (CESAR e PINTO, 2015, p. 123).
O movimento feminista surge no mundo ocidental por volta dos séculos XIX, mais
precisamente no ano de 1848 decorrente da convenção sobre os Direitos da Mulher em
Nova Iorque, Estados Unidos. Desse evento foi aprovado um documento chamado de
Declaração de Seneca Falls (Seneca Falls Convencion) ou Declaração dos Sentimentos,
onde através deste se reivindicava principalmente o direito da mulher no campo político,
como por exemplo, o direito ao voto, a ocuparem cargos públicos, a filiarem-se em
organizações políticas, etc.
Isto posto, considera-se que esse foi o início das reivindicações e lutas por parte
das mulheres pela inclusão e igualdades de direitos na sociedade. As mulheres eram
privadas de se inserirem nas mais diferentes instâncias da vida pública e civil, sendo que
a partir de então, a igualdade e equidade de gêneros passaram a ser fortemente
questionados e manifestadas através de constantes lutas ao longo da história pelo
movimento feminista. Louro (1997) considera que o “sufragismo” ocorrido na virada do
século foi responsável por dar maior visibilidade e expressividade às manifestações
contra a discriminação feminina levantadas pelo movimento.
Questões que até então não haviam sido debatidas, a partir desse momento
passam a serem discutidas e revistas. Desigualdades culturais, econômicas e políticas
abriram uma gama de possibilidades para demais questionamentos referentes as situações
latentes em que as mulheres se encontravam inseridas. Sexualidade, discriminação de
gênero, direitos reprodutivos, violências domésticas e estupros conjugais, mudanças nas
leis de divórcio, foram algumas questões levantadas pelo movimento feminista nesse
período. Há que se destacar que tais contestações adentram no meio acadêmico, através
de livros, revistas e jornais, como afirma Louro (1997, p. 17)
Onde reitera,
[...] inicia no final dos anos de 1960 e toma corpo a partir da década de 1980 e
passa pela militância de pesquisadoras(res) que trazem para as ciências
humanas e sociais uma renovação de conceitos e paradigmas. A perspectiva
feminista aparece com força principalmente nas áreas de Educação,
Sociologia, Antropologia, Psicologia, Enfermagem, Literatura e História.
Conceitos como trabalho, patriarcado, família e divisão sexual do trabalho são
ressignificados a partir das teorias feministas que se embasam na psicanálise,
50
[...] movimentos populares – que iam desde a luta por moradia, passando por
melhores condições de vida (água encanada, luz, transporte), até a luta pela
criação de creches nas fábricas e universidades (o que era uma lei antiga, mas
não cumprida); movimentos políticos – aí incluídos os movimentos pela anistia
aos presos políticos, pela luta contra o racismo, pelos direitos à terra dos grupos
indígenas do país e o movimento dos homossexuais.
Ainda hoje, a Geografia brasileira é tímida no que diz respeito a essa temática,
mas consideramos que, tal como o caminho trilhado pelos movimentos
feministas, os estudos feministas na Geografia já se apresentam como um
caminho sem volta. (VELEDA DA SILVA, 2009, p.303)
É preciso frisar, contudo, que não basta a simples inserção de recortes sociais
considerados incomuns no campo da Geografia; é necessário construir um
fazer científico que desestabilize a posição do(a) pesquisador(a) ao falar
pelos(as) ‘outros(as) ausentes’. É fundamental considerar o ponto de vista dos
grupos pesquisados, seus próprios saberes, o que, certamente, constitui uma
rica fonte de novos problemas e recursos de pesquisa que vai além do nosso
universo branco, asséptico e burguês instituído nos ambientes da pesquisa
acadêmica.
[...] Todos os regimes, com exceção do último, têm como objetivo o controle
e a supressão da indústria do sexo, uma vez que condenam moralmente a
prostituição. As formas de colocar em prática tal meta diferem, principalmente,
na visão da prostituta, como delinquente, mal social, vítima ou mulher
trabalhadora. (BARRETO, 2008, p. 47).
54
Pra mim é uma diversão, por que eu me amarro nisso, entendeu? Eu me amarro
bastante (risos). Então, é isso ai! Eu me amarro mesmo. Falar o verbo, eu sou
uma pessoa muito fogosa nessa parte. (Entrevista realizada com Ágata, nome
fantasia criado pela entrevistada, em 22.07.15).
Apesar dos países adotarem regimes legais específicos, esses não são
completamente separados. Assim, países que são abolicionistas podem, em
55
Muitas são as críticas em relação a esse modelo, pois o controle por parte do
estado não visa à proteção e o bem estar das profissionais, apenas visa ao seu
monitoramento através de rígidas medidas sanitaristas e morais no intuito da manutenção
da ordem social, porém não lhes assegura direitos trabalhistas “Cria-se um paradoxo:
existem ações direcionadas a este grupo, mas as ações não têm como objetivo o seu bem.
São ações visíveis que, contraditoriamente, visam à invisibilização das prostitutas”
(BARRETO, 2008, p. 48). Tavares (s/d, p. 4) considera que
Uma visão mais moderna deste sistema procura que as mulheres que vivem
da prostituição possam ter um enquadramento legal, conferindo-lhes direitos
e deveres associados a essa atividade: acesso aos sistemas públicos de saúde,
segurança social, associação, cobrança de impostos.
Nessa visão, o trabalho do sexo não deveria possuir leis específicas, mas ser
regulamentado pela legislação laboral e civil comuns às demais categorias
profissionais. O objetivo é que as mulheres sejam reconhecidas como
trabalhadoras e que se busquem melhorias em suas condições de trabalho.
(BARRETO, 2008, p. 80).
considerando haver uma identidade comum a todas elas. No entanto, Barbosa (2008, p.
88) acredita que na luta pela autonomia e liberdade das mulheres, o feminismo
masculinos. Não raro, recusavam qualquer tipo de contato e aliança com esses setores
sexuais [...]”.
Portanto, dentro da perspectiva da interseccionalidade é possível pensar na
categoria identitária de gênero articulada a outras categorias de diferenciação como, raça,
classe, religião, nacionalidade, sexualidade, etc. “como diferentes estruturas sociais que
cada pessoa experimenta simultaneamente” (VALENTINE, 2007 apud SCHURR, 2012,
p.5).
Pensar a atividade da prostituição feminina dentro da perspectiva interseccional
se faz pertinente tendo em vista se tratar de fenômeno espaço-temporal, onde seus atores
sociais constituem um determinado grupo de pessoas cujas peculiaridades em relação as
suas vivências espaciais são marcadas ao longo de suas trajetórias de vida. Assim, a
interseccionalidade torna-se um elemento essencial para que se possa compreender as
articulações estabelecidas entre as categorias gênero/sexualidade/classe.
O debate sobre a interseccionalide permite perceber a coexistência de diversas
abordagens presentes em um mesmo contexto específico. No âmbito da atividade da
prostituição é possível identificar as mais diversas espacialidades vivenciadas pelas
garotas de programa, visto que articulado ao fator de sua identificação social enquanto
sujeito prostituta, outros elementos como nível social, idade, nacionalidade, etc. irão
determinar e marcar de maneiras diferentes as experiências sócio-espaciais vividas por
esse grupo de mulheres.
CAPÍTULO 2
Fonte: http://www.musee-orsay.fr/en/collections/works-in-
focus/painting.html?no_cache=1&zoom=1&tx_damzoom_pi1%5BshowUid%5D=122425
4
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 138
63
CAPÍTULO 2
Para Portelli (1997, p.27) “a transcrição transforma objetos auditivos em visuais, o que
inevitavelmente implica mudanças e interpretação”.
Na História Oral a utilização do gravador é visto como um instrumento técnico
imprescindível para o registro do relato oral. Sobre a relevância do uso deste recurso
tecnológico, Queiroz (1988, p. 15) afirma que
Nosso primeiro contato com uma profissional do sexo foi intermediado por um
professor que conhecemos no decorrer da pesquisa, o mesmo por ser pesquisador na área
de gênero, se prontificou em colaborar com o nosso trabalho da forma que lhes fosse
possível. Mais adiante abordaremos como se deu esse e demais encontros com as
profissionais do sexo.
Para Lang (2000, p. 128), “o contato é um procedimento difícil, dado que é quase
que imprescindível uma intermediação”. Todas as entrevistas realizadas com as
profissionais do sexo foram mediadas por terceiros. Durante o período da pesquisa de
campo procuramos estabelecer, sempre que possível e oportuno, conversas informais com
pessoas que de alguma forma tinha algum conhecimento e/ou informação a respeito da
prostituição feminina na cidade. Esses contatos estabelecidos de forma informal, sempre
ocorriam de maneira imprevisível, ocasionalmente. Desse modo, mantivemos contatos,
68
por exemplo, com um cliente, uma funcionária de hotel onde profissionais do sexo
costumam frequentar para atender clientes, um professor pesquisador da temática de
gênero, um outro professor presidente de uma ONG voltada aos direitos humanos e
desenvolvimento sociocultural.
Sobre a técnica da entrevista, Queiroz (1998) aponta ser esta a forma mais antiga
de coleta de dados orais nas ciências sociais. “A entrevista supõe uma conversação
continuada entre informante e pesquisador; o tema ou o acontecimento sobre que versa
foi escolhido por este último por convir ao seu trabalho”. Segundo Nascimento Silva
(2004, p.50),
Alberti (2004) propõe que para a escolha dos entrevistados é preciso que esta
seja feita conforme os objetivos da pesquisa. Nesse sentido, para que pudéssemos
compreender as vivências espaciais da prostituição feminina, se fez necessário termos
relatos de vida de algumas profissionais do sexo que atuam na cidade de Vilhena. Durante
a pesquisa tivemos 5 encontros com as profissionais do sexo, porém somente 4 delas nos
cederam entrevistas. Quanto aos informantes chave, acreditamos terem sido de
fundamental importância na pesquisa pois através das informações fornecidas pelos
mesmos, podemos ampliar os conhecimentos do assunto pesquisado. Há pessoas cujos
relatos cobrem o campo investigado.
O tipo de entrevista escolhido foi a semiestruturada, por nos possibilitar uma
maior flexibilidade no processo da entrevista. Segundo Vieira (s/d) a entrevista
semiestruturada é uma fonte essencial de informações de aspectos que não são
observáveis, o que possibilita o conhecimento de forma mais profunda fatos e discursos
mais profundos a respeitos das vivências de um determinado grupo investigado.
Para o pesquisador, esse tipo de entrevista possibilita que o entrevistador tenha
“um ‘guião de entrevista’ que funciona como elemento estruturante da mesma, mas onde
permanece a liberdade de seguir outros caminhos/palavras que o próprio andamento da
entrevista suscite” (VIEIRA, s/d).
69
5
Ver Apêndice 2, p. 133
70
com 0.736, conforme o censo de 2010. Possui área de 11.518,913 km², representando
4,8% do estado, com densidade demográfica de 6,62 hab/km². Está localizada na porção
sudeste do estado de Rondônia a uma altitude de 612 metros.
As migrações para o estado de Rondônia seguiram a priori a mesma lógica de
ocupação da região amazônica, tendo como principal mola precursora o Plano de
Integração Nacional – PIN. Conforme Oliveira (2003, p.24), o atual estado de Rondônia
deu início aos seus primeiros núcleos de ocupação humana a partir de 1723 “com a
fundação da Aldeia de Santo Antônio, na margem direita do rio Madeira, nas
proximidades da Cachoeira de Santo Antônio, pelo padre jesuíta João Sampaio”. Durante
esse período a maioria dos habitantes eram portugueses a serviço da Coroa, escravos
negros e indígenas que ocuparam os vales dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé. Foi
durante o final do século XIX e primeira metade do século XX que vieram para o atual
estado de Rondônia os nordestinos, provenientes principalmente do estado do Ceará. Com
a abertura da BR 364, vieram imigrantes das demais regiões do Brasil, como Sul, Sudeste
e Centro-Oeste. Assim sendo, ainda sobre o processo migratório ao estado de Rondônia,
Silva et al (2015, p. 171) reitera que
Cuiabá/Porto Velho, também deu origem ao surgimento de inúmeras vilas no entorno dos
postos, como é o caso de Vilhena.
É importante destacar que, além da construção da rodovia BR 364 e da
implantação das linhas telegráficas do Marechal Rondon, outros fatores destacaram-se no
processo de povoamento do município como a existência de riquezas naturais como as
matas locais que forneciam muita madeira, o clima agradável que a cidade possui, com
temperaturas médias anuais de aproximadamente 23ºC e o fluxo migratório das regiões
mais populosas do país, sudeste e sul, em busca de novas áreas para melhoria do
desenvolvimento econômico.
A cidade recebeu este nome, nomeada pelo próprio Cândido Rondon, em
homenagem ao ex-chefe, Álvaro Coutinho de Melo Vilhena, Diretor Geral dos
Telégrafos. O município foi fundando em 23 de novembro de 1977, sendo desmembrada
de Porto Velho e Guajará Mirim. Vilhena é popularmente conhecida como Portal da
Amazônica, por estar localizada na entrada para a região Amazônica Ocidental, também
é conhecida por cidade clima, por possuir as menores temperaturas se comparadas a
outras cidades da Região Norte.
Na atualidade a base da economia vilhenense concentra-se nos setores terciário e
secundário. A indústria madeireira foi durante muitos anos destaque no cenário
econômico da cidade, porém com o declínio da extração da madeira, esta passa a não
ocupar tanta mão de obra, dando lugar para outras indústrias com o frigorífico Friboi e a
fábrica de colchões Portal. Porém, é no setor terciário que a população economicamente
ativa se concentra.
73
CAPÍTULO 3
Fonte: https://www.khanacademy.org/humanities/art-1010/early-
abstraction/cubism/a/picasso-les-demoiselles-davignon
6
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 139
75
CAPITULO 3
Destarte, desde a época que remonta aos anos iniciais da formação e ocupação
do território brasileiro, começo do século XVI, pelos primeiros colonizadores, os
“símbolos femininos” representados pelo modo como viviam as índias, em seu estado de
nudez, por exemplo, despertavam a imaginação do povo europeu quanto a sua
sensualidade e sexualidade das mulheres nativas dessa nova terra recém descoberta.
É, portanto, diante desse cenário descrito por muitos como exótico e selvagem,
que os primeiros colonos que chegavam ao Brasil mantinham relações sexuais com as
77
índias, pois estes como não traziam suas esposas e, em virtude da proximidade com a qual
mantinham com os povos indígenas, conseguiam assim satisfazer os seus desejos sexuais.
Porém, havia por parte da igreja uma enorme preocupação com o elevado número de
índias que engravidavam dos colonos, seja por motivos morais ou devido à crescente
miscigenação que estava ocorrendo no país. Além, a compreensão das mulheres enquanto
gado sexual:
Neste contexto, a prostituta foi recoberta com múltiplas imagens que lhe
atribuíram características de independência, liberdade e poder: figura de
modernidade, passava a ser associada à extrema liberalização dos costumes
nas sociedades civilizadas, à desconexão com os vínculos sociais tradicionais
e à multiplicidade de novas práticas sexuais. Figura pública por excelência,
podia comercializar o próprio corpo como desejava, dissociando prazer e amor,
aventurando-se, através da livre troca pelo dinheiro, em viagens desconhecidas
até mesmo para os homens dos países mais atrasados. Poderosa, simbolizava
a investida do instinto contra o império da razão, a exemplo de Salomé, ameaça
de subversão dos códigos de comportamentos estabelecidos.
A prostituição no Brasil não é considerada como uma profissão formal, haja vista
não estar incluída na classificação dos setores das atividades econômicas identificadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, conforme a
Classificação Brasileira de Ocupações – CBO/2002, Portaria nº397, onde “descreve e
ordena as ocupações dentro de uma estrutura hierarquizada que permite agregar as
informações referentes à força de trabalho, segundo características ocupacionais que
dizem respeito à natureza da força de trabalho” (SILVA, 2008), a prostituição é
classificada como uma ocupação.
tendo em vista que as demais expressões por vezes soam de maneira pejorativa, não sendo
inclusive bem aceita por parte de algumas profissionais. Também foram levadas em
consideração as declarações das entrevistadas pois as mesmas se auto identificaram como
profissionais do sexo.
O termo prostituir é uma palavra que provém do latim prostituere, que significa
oferecer serviços sexuais em troca de dinheiro. Barreto (2013, p. 1) considera que a
prática da prostituição “abrange a negociação de práticas eróticas e afetivas mediadas por
trocas de recursos materiais e simbólicos em ambientes de comércio sexual”. Para Meihy
(2015, p. 25), o termo prostituta, expandiu-se pelo mundo por intermédio da matriz
romana.
Originando-se do latim prostitũo, is, ĩ, ũtum, ẽre, significa “colocar-se diante”,
“expor”, “apresentar-se à vista” e também “pôr à venda”, “mercadejar”.
Decorrência natural, prostituir carrega o significado de “divulgar”, “publicar”,
derivado de pro mais statuẽre.
Eu pego o contato. Ai tem o lugar específico que a gente vai que é um motel
ou hotel. Esses são os lugares. Mas eu já peguei altos contatos. Não é muito
eu que pego. A maioria são eles que pegam. Que dizem que lembram de mim.
Amigas que fazem me indicam. Ai eles pegam e falam comigo. Ontem mesmo
um homem falou comigo, mas eu falei pra ele que não estava afim, então não
ia fazer. (Entrevista realizada com Ágata em 22/07/2015).
Eu acho que as pessoas não sabem. Porque geralmente eu tenho uma amiga
que eu ando com ela e ela faz programa, entendeu!? E eu ando com ela ai eu
acho que as pessoas pensam que eu também faço, mas eu nego. Porque não
precisa ser todas as pessoas que precisam saber. Ah, eles veem com
preconceito. Garota nova se prostituindo. (Entrevista realizada com Ágata em
22/07/2016).
Em uma das entrevistas feitas, uma profissional do sexo relatou que não gosta
de ir a determinadas boates que tem na cidade, casas noturnas onde as pessoas costumam
frequentar para dançarem, beberem, enfim, se divertirem; pois considera serem locais
para pessoas ricas e que por saberem que ela é profissional do sexo, a rejeitam.
Todo muito já conhece né! Já é de muitos anos. Já conhece a gente. Mas assim,
o único lugar que a gente chega e a gente é maltratada, é em um lugar, por
exemplo...aqui em Vilhena tem... (boates dançantes), esses lugares são de
gente rica. Então assim, gente rica ela sabe se vestir bem, veste roupa de marca.
E a gente lá na noite trabalha com roupas escandalosas. Então se a gente sair
da nossa casa noturna e for em uma festa dessas, a gente é maltrata, a gente é
até jogada para o lado de fora. Entendeu? [...]. Por isso que eu vou mais nesses
lugares assim, eu gosto de ir as chácaras, balneários, que dá muita gente e é um
lugar assim que você não é tão rejeitada [...]. Evito! Evito lugares luxuosos. Eu
não vou a lugares luxuosos. A não ser que eu pegue um cliente que vá,
entendeu!? Tem cliente que se ele pegar você para ficar a noite inteira com ele,
você tem que ir aonde ele for. (Entrevista realizada com Claudinha em
25/05/2016).
Uma outra garota de programa que entrevistamos nos afirmou que não vai a
certos boates dançantes da cidade por achar que não faz parte do perfil das pessoas que
costumam frequentar esses locais. Para ela, nesses lugares vão muitas “praticinhas” e ela
não se considera como tal, “eu me considero como uma pessoa normal e penso que
90
É assim... a maioria das mulheres na noite, é... para nós é tudo negócio,
entendeu? É tudo negócio. Tanto que, quando a maioria dos caras chegam na
boate, a gente fala assim para eles “o seu bolso é o seu guia, é o nosso guia”
porquê quanto mais ele pagar, mas...entendeu? Se ele chegar lá e pagar só uma
dose, mal a gente conversa com ele. Mas tem cliente, por exemplo que gasta
2, 3, 4 mil ai a gente tem que dar a devida atenção para ele gastar e voltar,
entendeu? Se não a gente também não ganha. É... digamos que seria
profissional do sexo. Se a gente não se desempenhar, não tratar o cliente devido
o jeito que ele gosta, jamais ele vai voltar e jamais ele vai querer gastar com
92
você, entendeu? A gente tem que fazer por onde eles gastarem e retornarem,
entendeu? (Entrevista realizada com Claudinha em 23.05.15).
Tem muitas meninas que não sabem se comportar. Tem umas meninas que não
sabem se vestir. Porque eu...na minha opinião, se você é uma garota de
programa, você não precisa se vestir como uma garota de programa,
entendeu!? [...]. Toda vida eu sempre fui comportada [...]. Tem muita amiga
minha de lá de dentro (boate), hoje são mulheres de família, que você olha nela
e não acredita que ela já ‘desceu’ aquele negócio lá (pole dance), que já fez
stripes, hoje é uma mulher de família. Ela consegue trocar o seu perfil de
pessoa. (Entrevista realizada com Bruna em 18/11/2015).
93
Para as entrevistadas, há uma expressiva separação entre o que ela faz, ou seja
trabalhar com serviços sexuais, e sua identidade fora da atividade. Para elas, a forma como
se vestem, se comportam, se expressam e falam nos espaços públicos, configuram-se
sinais de identificação dentro da prostituição.
3.4 Sexo e afeto. Dinheiro e amor. A sexualidade na vida das profissionais do sexo.
Louro (1997) utiliza o termo identidades sexuais para designar as formas como
os sujeitos vivem a sua sexualidade. A sexualidade das profissionais do sexo é muito
complexa e diversificada, sendo marcada por contradições relacionadas ao que é certo ou
errado na sociedade. O privado e o público. Sexo e afeto. Dinheiro e amor.
Para a pesquisadora Borghi (2015) a sexualidade normativa estabelece o que a
sociedade considera ser ‘normal’ e ‘correto’, merecendo assim ser incluído nos espaços
públicos. Em contraposição, temos a sexualidade considerada pela sociedade como sendo
‘anormal’ e ‘errada’, como as para fins comerciais praticadas pelas profissionais do sexo.
“Muitas vezes pensamos que o que consideramos ruim é ruim para todos, como é o caso
da prostituição. Essa visão dotada de preconceitos muitas vezes nos impede, inclusive, de
escutar as próprias prostitutas.” (BARRETO, 2008, p.100).
e dos homens é organizada pela sociedade de maneira distinta, onde o significado que
damos a sexualidade feminina diferencia-se da sexualidade atribuída aos homens, sendo
resultante portanto de inúmeras influências e intervenções, conforme aponta Weeks
(2002, apud BARRETO, 2008, p.98),
Tudo lá...na noite paga não é tudo100%. O cara pega a gente, compra a gente
pra levar a gente pra sair com ele, tipo assim! Geralmente você nem beija ele
direito, você acabou aquele ato ali...O homem geralmente, por exemplo, leva
você pra dormir a noite toda com ele, você acabou, o homem gozou, você deita
lá de um lado e ele deita do outro, pronto, acabou! É só o tempo dele se
satisfazer, acabou ali, não tem carinho, não tem troca de afeto, não tem nada.
(Entrevista realizada com Claudinha em 23.05.15).
Há diferenças. Eu acho assim, quando a gente está com uma pessoa séria, a
gente tem amor por aquela pessoa. Quando a gente está com ‘outro lado’, não
é aquela coisa assim que você vai amar aquela pessoa. Aquela pessoa não pode
ser sua, entendeu? (Entrevista realizada com Ágata em 22.07.15)
95
A partir das narrativas das profissionais do sexo a respeito de como elas percebem
a prática sexual com os clientes e o com o parceiro, foi possível verificar que em todas
elas há um consenso quanto a diferença entre o sexo ‘amoroso’ e o sexo comercial. O ato
sexual com os clientes é apontado por elas algo onde é preciso usar do profissionalismo,
proporcionando aos mesmos momentos de bem estar, prazer, relaxamento, companhia,
porém sem que haja envolvimento de sentimentos por ambas as partes. No entanto,
algumas relataram que há clientes que “misturam” as coisas e acabam, com o decorrer do
tempo, se envolvendo emocionalmente, propondo inclusive um relacionamento sério à
elas. Outros querem uma certa “exclusividade” e sentem ciúmes em relação aos outros
clientes. Tivemos também relatos de envolvimento sentimental por parte da própria
profissional, ou seja, interesse pelo homem por trás do cliente.
Ah! Minha filha, é claro. Gostei! Gostei mesmo. Ele até falava assim pra mim:
‘tu não faz programa comigo, você se entrega pra mim. É isso que eu gosto em
você.’ E eu séria...aquela coisa! Pra você ver ne como eu sou profissional.
Morrendo por dentro, mas não podia dizer a ele que gosta dele. Porque a partir
do momento que você fala para um seu cliente que gosta dele e ele já não vai
querer pagar. (Entrevista realizada com Bruna em 18.11.15).
Tal realidade nos indica que mesmo estando as práticas sexuais comerciais
fundamentadas na troca por dinheiro, é possível que tenhamos situações em que há a troca
de afetos, ultrapassando a lógica meramente econômica e puramente racional
frequentemente apresentado na atividade da prostituição, afinal, “toda relação existente
entre seres humanos é pautada na existência de emoções, e isso não é diferente com a
prostituição”. (RUSSO, 2007, p. 511). Ainda, conforme afirma Pereira (2014, p. 318) “O
lucro que se obtém a partir dela também não é o mesmo e, dentro de um local de
prostituição, se estabelece uma economia da sedução em que as principais moedas de
troca são sexo, afeto e dinheiro.”
Russo (2011) nos apresenta uma reflexão acerca da inter-relação entre amor e
dinheiro na nossa sociedade contemporânea. A pesquisadora nos afirma que esses dois
elementos se apresentam na sociedade como polos ao redor dos quais a vida gira,
representados de forma antagônicas ou separadas, no entanto, quando vistos sob uma
outra ótica, ou seja, pensar o amor como um mediador das relações sociais, tornam-se
desejos que se complementam.
Nesse sentido, o dinheiro pode ter diversos significados para as mulheres que se
prostituem, como por exemplo, simbolizam a independência e autonomia pessoal e
financeira, possibilitando a elas o poder de consumo que não existia antes de entrarem na
prostituição. Se faz oportuno analisar, em consoante com o pensamento proposto pela
pesquisadora Russo (2007) quando declara por intermédio do dinheiro o trabalho da
prostituta é valorado, como também é valorado as mulheres que exercem tal atividade.
Não vou mentir, é bom! Eu gosto por que eu não tenho compromisso com
ninguém. Eu não sei se foi a separação que me deixou meio fria [...]. Eu
98
3.5.1 Passado
Era muito organizada. Cada uma tinha seu quarto e cada quarto possuía cama,
guarda-roupa e banheiro. E ali eu fiquei um ano ganhando dinheiro [...]. Tinha
show, tinha estripe [...]. Eu na época era150 reais o meu programa e ela (dona
do bordel) cobrava o quarto dela. 80 reais ela cobrava do quarto. 80 reais do
quarto dela e o meu era o meu [...]. Ganhei...Ganhei bastante dinheiro. Mas
olha, sempre, sempre, todo dia sempre fazia 150, 200 reais. Tinha shows
também que eu participava, fazia estripe. Era 50, 80 reais. Eu já cheguei a fazer
um cálculo uma vez. No ano que eu fiquei lá, eu tirei 60 mil reais. Eu já tive
noite de eu tirar, num cliente só dá 2500 reais. (Entrevista realizada com Bruna
em 18.11.2015).
A rotatividade de mulheres dentro dos bordéis era uma característica comum nos
locais voltados prostituição, pois visava não “cansar” seus clientes, oferecendo a esses
um serviço mais diversificado. Além dos bordéis mencionados havia também outros
locais, bares e lanchonetes, onde a atividade da prostituição era desenvolvida de forma
mais discreta e disfarçada.
Ainda nesse período, tinha uma parada de ônibus onde em seu entorno era
possível encontrar algumas prostitutas, geralmente as mais de idade que tinham filhos e
maridos, como também algumas travestis. Já as prostitutas que ficavam nos postos de
gasolina eram as mais jovens, onde aproveitavam as caronas dos caminhoneiros,
deslocando-se para cidades próximas a Vilhena, onde nessas cidades realizavam seus
programas e depois retornavam a cidade, em processo migratório temporário de idas e
vindas. Em relação as travestis também havia esse tipo de migração, geralmente fazendo
o percurso Comodoro – Pontes e Lacerda – Porto Velho.
Uma outra prática sexual antiga na cidade e comum na alta sociedade era a troca
de casais. Por meio do chamado “jogo das chaves”, casais reuniam-se em festinhas e
encontros geralmente em suas próprias residências, onde em um determinado momento
jogavam as chaves sobre a mesa e aquele que pegasse uma determinada chave também
levaria consigo a mulher do outro. Neste caso, não temos a troca de serviços sexuais por
dinheiro.
Vê-se, portanto, que a prostituição feminina existente no município de Vilhena
por volta dos anos 80 e 90, comumente se dava em espaços fechados, em sua maioria das
vezes em bares e lanchonetes, que tinham quartos destinados ao desenvolvimento dos
serviços sexuais. Geralmente estes se localizavam na Av. Melvin Jones (rua do cemitério
municipal); na Av. Paraná e às margens da BR 364, próximos a saída da cidade sentido a
Porto Velho, capital.
101
3.5.2 Presente
por dinheiro. “Eu conheço mulher casada que faz programas. As meninas mesmo que
fazem faculdade, a maioria fazem programas [...]. Fazem porque gostam. Eu tenho amigas
minhas que têm casa própria, tem condições e trabalham durante o dia”. (Entrevista
realizada com Índia em 22/07/2015).
Uma prática antiga na cidade que ainda permanece nos dias de hoje dentro da
atividade da prostituição é a existência dos chamados “books.” Coletâneas de fotos de
mulheres reunidas em um álbum, hoje geralmente arquivadas em celulares, onde supostos
agenciadores, pois esses ganham uma certa porcentagem com a prestação dos serviços,
intermediam o contato dessas profissionais com os seus clientes. Vale ressaltar que essa
estratégia é utilizada também pelos garotos de programa, onde suas clientes, geralmente
mulheres da alta sociedade da cidade na faixa dos seus quarenta anos, buscam o serviços
desses rapazes, em alguns casos homossexuais, pagando-os muitas vezes com roupas,
calçados, celulares, etc. Ademais, existem casos onde homens de meia idade que pagam
para manterem programas com garotas, por vezes menores, com o conhecimento e
consentimento de suas esposas, garotas essas inclusive com orientação homossexual.
Para a nossa informante-chave, ao se analisar os motivos que têm condicionado
a atividade da prostituição no município de Vilhena têm sido os mais diversos possíveis.
Ela atribui, por exemplo, ao crescente aumento no uso de drogas; a carência e limitação
no mercado de trabalho; o intenso fluxo migratório para a cidade, agravando mais ainda
a questão do desemprego; a própria Br 364 que corta a cidade torna-se fator condicionante
pois passa a ser uma via de tráfego constante de pessoas; a apelação do comércio para o
intenso consumismo; a vontade e o desejo de frequentarem ambientes caros; tudo isso
tem sido apontado como fator motivador da prostituição na cidade. Contudo,
abordaremos no tópico a seguir os motivos pelas quais as profissionais que entrevistamos
entraram no mundo da prostituição.
Eu sou muito comunicativa e eu não atraiu uma pessoa só por sexo. Porque se
um cliente, se um rapaz, vai em uma casa dessas de meninas, procurar uma
menina, algum problema ele tem. Ou é na família, alguma coisa ele tem. Ele
não ali procurar só enfim o sexo. Ele vai ali pra conversar, ele vai ali pra
desabafar, alguma coisa é, entendeu!? E se a menina ela for inteligente e saber
tratar o seu cliente, nossa! Seu cliente vai ficar muito satisfeito e vai gostar
muito de você e ele vai saber te gratificar completamente. E eu acho que isso
era o meu caso. Eu não ia lá só pra me deitar com ele. Eu ia lá não só pra dar
o prazer pra ele. Eu ia conversava. As vezes eles estavam com problemas, me
perguntavam opinião. Eu sempre conversava, entendeu!? Ficava como uma
amizade. E é isso. Eu sempre tive muito cliente. (Entrevista realizada com
Bruna em 18/11/2015).
Ah deu na cabeça! Eu falei eu vou fazer isso e não to nem ai. Pra mim eu tinha
muito medo disso. Até hoje eu fico meio assim! porque não são todas que
entram pra esse lugar, né! Então eu fiquei meio assim! Eu procurei saber, ai
me falaram. Olha lugar aqui em Vilhena não! Eu ficava em Pontes e Lacerda.
Eu fazia lá. (Entrevista realizada com Ágata em 22/07/2016).
Pra ser sincera, vou te passar uma história mais real. Uma coisa mais do
começo. Eu engravidei com 15 anos. Tive o meu guri. Tinha um namorado,
engravidei dele e ele simplesmente foi embora e me deixou. Daí falou que o
menino não era dele. A minha mãe não quis me questionar muito e depois
acabamos fazendo um DNA, deu que era filho dele e mesmo assim não quis
saber. Só pagava a pensão e pronto. O que que acontece, com 16 anos eu
casei...casei com 16 anos meu guri já tinha um aninho. Com 6 meses que eu
estava casada descobri que meu marido era um dependente químico de crack.
E eu ainda lutei com ele 4 anos pra sair da dependência, levei pra recuperação.
Tentei fazer de tudo. O que eu pude fazer por aquele homem, eu fiz. Não deu
104
certo! Eu sofri demais. Eu passava fome. Até o leite da criança ele não
comprava [...]. Eu sofri 4 anos nas mãos desse homem com dependência
química. Então eu traumatizei. Se hoje eu sentir o cheiro eu conheço e eu fico
nervosa, alguma coisa [...]. Aí como eu tava te falando, não deu certo! 4 anos
lutando, levando pra recuperação, não deu certo, larguei. Daí, menina nova,
meio sem juízo por ali, ai meu menino foi morar com minha mãe, casei com
outro rapaz. Quando vi, advinha?! Droga também envolvido [...]. Fiquei 1 ano
com ele [...]. A gente morava de aluguel (me lembro como se fosse hoje) e ele
foi embora no dia que o aluguel venceu e não deixou o dinheiro do aluguel, o
gás acabou, tudo no mesmo dia. Não tinha nada, sabe o que aconteceu? Com
2 dias depois vieram e cortaram a luz da casa. Eu fiquei luz (que Deus sabe da
minha vida), sem gás e sem pagar o aluguel. E ai? Desempregada. E ai? O que
eu faço agora? Um dia eu tava triste, minha amiga chegou e disse “em tal lugar,
numa boate, ta precisando de uma cozinheira” [...]. Cheguei lá, tudo bem,
comecei a trabalhar, trabalhei 15 dias. Com 15 que comecei a trabalhar,
apareceu um rapaz lá na cozinha, cliente da casa, bebendo e começou a
conversar comigo [...]. Daí ele disse “você é uma menina tão bonita, seu lugar
é lá no salão e não aqui na cozinha”. Esse rapaz me atentou três dias [...]. Ai
eu falei, “tudo bem, hoje no final do meu expediente da cozinha eu fico com
você pra tu me dar os R$ 350.” Pronto, terminei meu expediente e fiquei com
ele [...]. Ganhei R$ 300 naquela noite, fora o que ganhei com o rapaz. E
comecei, menina! Todo dia. Com 4 dias eu já não queria trabalhar na cozinha.
Porque o dinheiro era mais fácil. (Entrevista realizada com Bruna em
18.11.15).
Então, saindo da casa de detenção, eu peguei e pensei assim: ‘pra onde eu vou
agora? Eu já tinha 18 anos, foi quando eu conheci uma amiga minha e ela me
levou para a prostituição. (Entrevista realizada com Índia em 22/07/2015).
Tenho sonhos. De ter minha casa e comprar minhas coisas. Eu vejo no meu
futuro que eu vou ser uma boa mãe para minha filha, vou ter um serviço digno,
ne! Vou ter minha casa e vou viver minha vida. É isso! Eu não pretendo casar
tão cedo. (Entrevista com Ágata realizada em 22/07/2016).
Meu futuro não é isso aqui não. Meu futuro é fazer uma faculdade. Arrumar
um emprego digno e acabar de vez. Isso aqui é só uma passagem. Não é uma
coisa que eu quero ter pro resto da vida, nunca! (Entrevista realizada com
Bruna em 18/11/2015).
Assim, isso não vai ser pra sempre, né! Eu penso assim que isso é só por um
tempo. Sempre eu falo isso. Isso é só por um tempo. Chega as pessoas e te
convidam para sair dali, não viver mais aquilo ali. Então vai chegar um
momento que a gente vai acabar cedendo. Que aquilo ali é para as pessoas
novas. Vai chegando a idade e você vai vendo realmente o que você quer.
Porque eu acho que a pessoa com 25, 26 anos é a idade geralmente de você ter
uma família. Não é a idade de você ta zoando, entendeu! [...] Eu queria casar
de verdade de vestido de noiva. E quando isso acontecer, todo o meu passado
será apagado. Só não o da minha filha. Mas o resto, do meu passado inteirinho.
Começar uma nova vida. (Entrevista realizada com Claudinha em 23/05/2015).
Fonte: http://www.toulouse-lautrec-foundation.org/at-the-moulin-rouge-large.html
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lang (2000, p. 123) parte do princípio que a realidade social tem incontáveis
aspectos, sendo que o seu conhecimento é inesgotável, onde a missão da pesquisa consisti
em “contribuir para o conhecimento, sabendo contudo que o resultado de uma pesquisa
não é uma verdade final, um resultado inquestionável”. Para Nascimento Silva e Silva
(2014, p.16) “[...] as respostas capazes de serem produzidas em um determinado campo
científico são sempre provisórias, circunstanciais e posicionadas.”
Assim sendo, acredito que a pesquisa aqui apresentada não encerra em si as
discussões e análises que podem ser produzidas acerca da prostituição feminina na cidade
Vilhena. Apesar do município não constituir um lugar onde o referido fenômeno seja algo
aparentemente tão expressivo, é suma importância considerarmos que o fato das
profissionais não se encontrarem concentradas em determinados espaços fechados, como
bordeis e casas noturnas, ou espalhadas entre ruas e avenidas, não significa que as mesmas
não existam e que não fazem parte da organização espacial do lugar.
É importante destacarmos que a pesquisa em tela abre para o debate a relevância
de se produzir trabalhos acadêmicos a respeito da prostituição feminina em contextos
diferenciados, como por exemplo, em pequenas cidades e no interior do país. Nascimento
(2014) aponta para a escassez de pesquisas voltadas a prática prostitucional em áreas não
metropolitanas.
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113
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114
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______. Geografia Feminista no Brasil nos anos 80, sim senhor! Uma entrevista com
Rosa Ester Rossini. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 7,
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Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v.6, n.1, jan./jul.2015. p.169-183.
117
APÊNDICES
119
APÊNDICE 1
“CLAUDINHA”
onde eram privados, somente ela e o cliente. O valor dos programas cobrados por ela e
pelas demais garotas que trabalham na boate variam entre R$ 300,00 (uma hora) à R$
800,00 reais a noite inteira. Quanto ao seu rendimento semanal médio, afirma que há
garotas de programa (aquelas bem mais “animadas” e “insistentes”) que chegam a lucrar
de R$ 3000,00 a R$ 4000,00 mil por semana, porém ela não deixou muito claro ser esse
o seu rendimento semanal.
Claudinha afirma que há garotas que trabalham nesta boate há mais ou menos 6
anos, segundo ela essas em sua maioria ganham muito bem, tem casa e carro próprio.
Considera que por estar há menos tempo na boate, ainda não esteja ganhando bem, como
também por se considerar uma pessoa com determinadas restrições em relação as suas
escolhas para com os clientes.
Para Claudinha, o mais importante para ela não é o tempo em que esteja na
atividade da prostituição, mas a forma como as profissionais tratam os seus clientes, a
preferência muitas vezes deles se dá pela maneira como elas se dedicam a eles.
Exemplifica que quando algum cliente não é bem tratado por alguma delas, logo este
procura uma outra garota na próxima vez, o que provoca uma certa rixa entre elas.
Confessa que há clientes assíduos, onde toda semana estão na boate e querem ficar
somente com ela. Esse tipo de situação para ela torna-se desconfortante quando começa
a surgir ciúmes por parte dos clientes, o que leva as vezes a ter confusão dentro da boate
por disputarem preferência de determinadas garotas.
Por considerar essa boate de alto luxo e respeitada pelos seus frequentadores,
Claudinha ao comparar este espaço com outros barzinhos da cidade onde se desenvolve
a atividade da prostituição, afirma ser bem melhor estar trabalhando nesta boate, pois lhe
assegura programas mais lucrativos. Segundo ela, a cidade de Vilhena encontra-se
atualmente com muitas mulheres exercendo a atividade da prostituição, desde as mais
jovens (média de 13 anos), que fazem sem o conhecimento dos pais, as que estão há mais
tempo na profissão, inclusive algumas usuárias de drogas.
Por se tratar de um espaço fechado onde o consumo de bebidas é muito caro, por
exemplo uma dose de uísque custa R$ 35,00 reais, e os valores dos programas também
serem elevados, de acordo com ela este ambiente é frequentado por pessoas que tem
elevado poder aquisitivo, empresários ricos da cidade e de outras cidades, alguns solteiros
mas em sua maioria casados, onde segundo ela há homens que estão lá quase todas as
noites.
121
ficar com alguém se tiver dinheiro para isso, como também pelo fato dela ter dinheiro e
ostentar nos locais que chegar.
Em relação a sociedade de modo geral, declara que por parte de alguns há o
respeito e por outros não. Relata o exemplo de um relacionamento que teve com um rapaz,
e que gostava muito dele, porém quando ele soube que ela fazia programas, a deixou,
alegando que jamais teria um relacionamento sério com uma garota de programa. Ao
mencionar esse fato ocorrido, Claudinha concorda que de fato pessoas casadas querem e
desejam ter seus parceiros somente para si, não os dividindo com outros. Pensa que seria
complicado conciliar sua atividade com um suposto casamento, pois para ela há
diferenças entre as práticas sexuais amorosas com as práticas comerciais. Diz que o ato
pago é sem carinho, afeto, quase não há beijos, diferentemente das práticas com pessoas
onde predomina o sentimento amoroso. No entanto, ao refletir novamente sobre manter
um relacionamento sério estando ela na atividade da prostituição, declara que é possível
sim viver dessa forma, pois o que faz enquanto profissional do sexo é unicamente um
negócio. Toma como exemplo uma amiga que mora com um companheiro, e que ele lida
de forma tranquila em relação a atividade que ela exerce, inclusive ajudando a cuidar do
filho. Diz que ele é de uma família de classe média e que tem uma boa faculdade. Todavia,
declara que não são todos que aceitam de bom grado a condição de garota de programa
nos relacionamentos, muitos ainda carregam o preconceito em relação a esta atividade.
Ainda sobre a questão dos relacionamentos amorosos, Claudinha declara ter
rompido um namoro há pouco tempo com um homem, antes de começar a trabalhar na
boate. Este homem, de acordo com a mesma, era dono de uma “zona”, porém ele não
colocava ela para fazer programas nem para beber com clientes, sua função era ficar no
balcão do bar atendendo aos clientes. Afirma que se tratava de um negócio lucrativo, pois
considera que seu ex namorado hoje é uma pessoa que tem bastante dinheiro, possuindo
imóveis e carro de luxo. Atualmente ela está solteira.
Ao abordarmos sobre a questão da vivência cotidiana entre as prostitutas dentro
do local da prostituição, Claudinha declara não considerar um espaço de confiança e
amizade, por se tratar de um espaço onde a disputa predomina, “ninguém é amigo de
ninguém”, afirma ela. No entanto, é um lugar que ela considera como bom e agradável
para ela exercer sua profissão, pois possui uma certa liberdade de não ser obrigada a ir
todas as noites, bem como não permanecer lá a noite inteira. Também afirma ser um lugar
seguro, bem mais do que a rua.
123
“ÍNDIA”
Índia nasceu no Paraguaí, tem 25 anos e quando criança veio morar com os pais
no Brasil, na cidade de Tancará da Serra, no Mato Grosso. Quando tinha 8 anos de idade,
mudaram-se para Vilhena, Rondônia. Hoje mora sozinha em Vilhena, em uma casa
alugada. Quando era adolescente diz ter passado por um período de rebeldia, parou de
estudar na 6ª série do ensino fundamental e aos 13 anos teve um filho cujo pai veio a
falecer posteriormente.
Por motivo não revelado afirma ter passado um período presa. Quando saiu da
casa de detenção, disse que ficou sem rumo e, por intermédio de uma amiga, iniciou a sua
vida como garota de programa na cidade de Sapezal, no Mato Grosso. Nessa época ela
tinha 18 anos.
Índia fala que seus pais sabem que ela faz programas. Desde o início sua mãe
sempre soube que ela trabalhava na prostituição, hoje pede para ela sair dessa vida,
alegando que ela já tem 25 anos, diz que ela “precisa criar juízo”. Relata que no começo
ela mentia para sua mãe dizendo que viajava com o namorado, porém depois “abriu o
jogo” para ela. A partir de então quando viaja para fazer seus programas procura manter
contato com sua mãe, informando o lugar onde está, inclusive repassando o número e o
nome dos donos das boates, pois se caso algo acontecesse com ela eles iriam se
responsabilizar.
Índia fala que no início de sua atividade enquanto garota de programa chegou a
ganhar muito dinheiro, pois era jovem e nova nos locais de prostituição (boates). Com o
dinheiro que ganhava nesses primeiros momentos, comprou móveis para a casa dos seus
pais.
Índia conheceu muitas cidades do estado do Mato Grosso através da atividade da
prostituição. Suas idas ao Mato Grosso para fazer programas se davam do final de cada
mês para início do outro mês, ficando em média 12 dias fora de Vilhena. Ela nunca fez
programas na rua, mesmo tendo sido convidada por uma amiga para fazer programas nas
124
ruas da cidade de Cuiabá, mas ela não aceitou, pois prefere fazer somente em lugares
fechados, no caso em boates. Em Villhena afirma que já recebeu proposta do dono de
uma boate, mas preferiu não aceitar devido ao fato de ser muita conhecida na cidade.
Como está namorando, os amigos pensam que ela não mais faz programas, desse modo
ela precisa manter o sigilo e a discrição.
Para ela a vida como profissional do sexo não é fácil, pois é um dinheiro que “vem
fácil e ele vai fácil”. Diz que já conseguiu muito dinheiro com as viagens que fazia ao
Mato Grosso para fazer seus programas, porém gastava tudo com roupas, calçados, salão
e festas. Também ao se referir ao lado ruim da prostituição, diz já ter visto de tudo; como
garota de programa ser morta por cliente; “menina” ir para programa e não mais voltar,
de modo que isso tudo a levava a sentir medo.
Índia diz que é comum os clientes se apaixonarem pelas garotas, onde costumam
não compreender que aquilo que elas fazem é o seu trabalho. Para ela muitos
frequentadores das casas de prostituição procuram garotas para ter um bom papo ou para
servir apenas de companhia. Certa vez um cliente pagou a ela cinco mil reais para ela
ficar com ele 15 dias, e mesmo após ela ir embora ele continuou mandando dinheiro para
ela por um certo tempo. Diz que se sente muita culpa por fazer programas com homens
casados, pois pensa nas mulheres deles e em toda a situação familiar.
Índia relata que as vezes se cansava de fazer as viagens para realizar programas e
também sentia nojo dela mesmo por estar deixando pessoas estranhas lhes tocarem. Se
sentia “um monstro”, sentia ódio e nojo de si mesma e por diversas vezes se perguntava
o porquê de estar fazendo tudo aquilo, pois estava acabando com sua vida. Para ela “uma
garota de programa não vive, ela vegeta, entendeu?! porque ela estar ali por dinheiro”.
Quando está namorando com alguém ela para de viajar para fazer programas. Faz
mais de quatro meses não viaja, pois está com um relacionamento sério. Atualmente ela
faz seus programas somente por meio dos contatos que mantem com seus clientes por
telefone; quando eles ligam marcam um horário com ela, e geralmente o programa ou é
feito na casa deles ou em um motel. Mas sempre avisando a eles sobre o cuidado ao
ligarem para ela a noite, por causa do seu namorado. Índia também mantém uma outra
forma de contato com os clientes que é por intermédio de amigos. Nesse caso esses
amigos ganham uma certa quantia por terem indicado um cliente. Em média 15 a 20 reais
a cada contato.
Hoje Índia cobra 200 reais por programa, e o pagamento é feito antecipadamente.
Antes do namoro conseguia uma média de 600 reais por semana quando seus clientes
125
estavam na cidade. Atualmente faz bem menos programas, mas ainda mantém contatos
com os seus antigos clientes do Mato Grosso, pois quando estão na cidade a procuram
para marcarem programas.
Para ela é preferível fazer programas da forma como faz hoje, somente por
contatos, do que por meio das boates, pois considera mais seguro. Ela considera que as
casas de prostituição geralmente são mais perigosas, sujeitas a assaltos e a atos de
violência. Relata que certa vez em uma boate na cidade de Campos Novos dos Parecis,
no Mato Grosso, onde ela fazia programas, uma profissional do sexo foi rendida do lado
de fora por bandidos, sendo obrigada a levá-los para dentro dos quartos delas e pegaram
todo o dinheiro que elas haviam lucrado durante a noite.
Nas boates em que a Índia trabalho, cada “saída” delas para fazer os programas,
os clientes precisam deixar pago ao dono uma certa quantia do programa a ser realizado
anteriormente, em média de 150 a 200 reais a cada 1 hora de programa. Quando os
programas são feitos dentro das casas de prostituição, os clientes também precisam pagar
antecipadamente aos donos a “chave” dos quartos. Os valores dos programas variam
conforme o padrão da boate e dos seus frequentadores e o porte da cidade. As garotas de
programa também ganham com a venda das bebidas.
Índia não se considera uma profissional do sexo, pois durante um período em que
ela esteve casada, onde ficou quatro anos com esse homem, nesse período ela não fazia
programas. Ao término do casamento, voltou a viajar e fazer seus programas. Depois se
envolveu novamente em outro relacionamento ficando também por um tempo sem fazer
programas. Assim, para ela a profissional do sexo é aquela que está todos os dias na
atividade. Porém, durante o transcorrer da entrevista ela reconsidera a sua opinião e diz
ser sim uma profissional, pois aquilo que faz é o seu trabalho.
Em relação ao que a sociedade pensa a respeito de quem trabalha com sexo, Índia
afirma que o povo pensa que todas são vagabundas, por serem novas, bonitas e com
capacidade para trabalhar. Menciona a questão de outras mulheres falarem isso delas, por
elas fazerem programas com seus maridos. Porém diz que essas mulheres deveriam
pensar diferente pois quem vai a procura delas (prostitutas) são os maridos e não elas.
Afirma já ter sofrido com preconceitos em determinados lugares, e que em certas cidades
as pessoas apontam para ela como puta, mulher de “zona” (forma como são denominadas
nos bordéis em determinados lugares), porém em outras cidades já não há tanto
preconceito, referindo a elas como profissionais do sexo.
126
No que se refere a forma como se veste, diz que depende muito do lugar. Quando
vai a lojas ou a restaurantes, por exemplo, se veste mais “comportada”, já nos espaços em
que irá praticar sua atividade enquanto garota de programa, veste-se com roupas mais
ousadas, com maquiagem pesada, usa salto alto, pois nesses espaços a competição entre
as profissionais do sexo é muito grande. “É uma competição de mata-mata”.
Índia não acredita haver amizade dentro desta atividade, cita exemplos de ter
vivenciado situações em que garotas colocaram soda cáustica no shampoo da outra
colega, colocaram drogas na bebida da outra, pó de mico no quarto e até cortaram o cabelo
de uma outra garota. Rixas surgem geralmente por questão de disputa de clientes. Sobre
a forma como se veste nesses espaços da prostituição, para ela é uma forma de
identificação enquanto profissional do sexo.
Em se tratando das relações amorosas, Índia afirma que há diferenças entre os seus
relacionamentos amorosos e as pessoas com quem ela se relaciona profissionalmente,
pois com o seu namorado, por exemplo, ela consegue gozar, não sente nojo quando ele a
toca. Já com os outros a sensação é ruim quando eles a tocam. Revela que com ele é sem
preservativo, pois ao iniciarem o namoro ambos fizeram exames e já se conhecem. Ao
falar sobre cuidados com a saúde, Índia acredita que uma garota de programa hoje se
cuida bem mais do que qualquer outra mulher. Para ela o cuidado maior a ser tomado
pelas garotas de programa é para não se envolverem com drogas, por que a primeira coisa
que acontece é o envolvimento com drogas e com bandidos. Afirma já ter usado drogas
nas boates, ou sozinha com clientes.
Índia diz acreditar muito em Deus, costuma ir à igreja e fazer suas orações.
Costuma frequentar salões de beleza e afirma que as cabeleireiras sabem que faz
programas e as tratam com respeito. Também costuma frequentar outros espaços como
lojas, restaurantes, etc. e diz que quando eventualmente se depara com um dos seus
clientes com suas esposas nesses ambientes, fingi não os ver. Diz já ter trabalhado como
ajudante de balcão e venda de bebidas em alguns barzinhos e boates da cidade, em uma
dessas boates trabalhou como bailarina. Quando não estava com namorado, costumava
aproveitar suas idas as danceterias para estabelecer contato com possíveis clientes, caso
surgisse oportunidade. Mas hoje quando vai a boates ou bares prefere entrar de mãos
dadas com o seu namorado para que as pessoas saibam que ela está acompanhada e não
disponível para programas.
Índia considera a da atividade da prostituição algo muito errado, e até desumano.
Para ela há outras formas de sobrevivência. Também alega que muitas fazem programas
127
“ÁGATA”
Ágata diz quando início na prostituição procurou saber como era a atividade pois
tinha muito medo “desse mundo”, onde até hoje afirma ter certos receios quanto ao que
faz. Cita um exemplo do que ela chama de facehacker, isto é, homens que se passam por
uma outra pessoa nas redes sociais. Diz que tem muito medo dessas pessoas que buscam
entrar em contato com ela por esse meio.
De modo geral hoje ela lida de forma tranquila com a prostituição, mesmo
afirmando, durante a nossa conversa, que sempre nega ao perguntarem se ela é garota de
programa, pois para ela, não são todas as pessoas que precisam saber o que ela faz.
Ultimamente faz programas somente em Vilhena ou raramente em outra cidade próxima,
antes se deslocava para a cidade de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso. Segundo ela
resolveu dar uma “parada” por estar morando com sua mãe.
Os contatos com seus clientes se dar por meio de telefones. Geralmente utilizam
os hotéis ou motéis da cidade. Por considerar ter muitos amigos, isso tem facilitado ter
vários contatos de clientes, mas afirma que em sua maioria das vezes são eles que pegam
o contato dela por indicação de amigos.
Ágata cobra em seus programas 200 reais, mas diz que já conseguiu 450 reais
por um programa que fez em outra cidade. Em média ela acha que consegue fazer uns
1000 a 1200 reais por mês, mas não tem certeza de quanto faz, pois à medida que vai
ganhando vai gastando comprando coisas para ela e sua filha. Confessa que os motivos
que a leva a fazer programas não são as questões financeiras, mas porque simplesmente
gosta de sexo, e se considera uma mulher fogosa. Para ela ser uma garota de programa é
uma diversão.
Para Ágata a sociedade vê a prostituição de forma preconceituosa,
principalmente as garotas mais jovens e afirma que quando escuta determinados
comentários sobre esse assunto, rebate dizendo que cada um tem a sua opinião. Diz nunca
ter sido alvo de preconceito. Gosta de frequentar “baladas”, mas ultimamente diz que tem
ido a poucas.
Atualmente Ágata não mantém nenhum relacionamento fixo e afirma que há
diferenças entre o relacionamento amoroso e os relacionamentos profissionais. Para ela
no relacionamento se cria um amor pela outra pessoa, já com o cliente você não pode
amar, pois “aquela pessoa não pode ser sua”, assim não pode envolver sentimentos.
Recorda de um caso em que o cliente se apaixonou por ela na cidade de Pontes e Lacerda,
dizia que queria mudar a vida dela mas para ela isso se tornou um problema pois ele era
129
casado foi o único homem casado com quem ela ficou, por esse motivo ela resolveu voltar
para Vilhena. Diz que até hoje mantem contato com ele por telefone.
Sobre disputas e concorrência entre garotas de programa, Ágata relembra que
presenciou algumas vezes garotas brigando por causa de clientes na boate que foi
trabalhar na cidade de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso, ela acha que é devido a alguns
clientes pagarem mais do que outros.
Ágata sonha em ter uma casa própria e viver nela com sua filha.
“BRUNA”
Bruna tem 28 anos nasceu na cidade de Vilhena. Mora sozinha em uma casa
alugada, ela tem um filho de 12 anos que mora com seus pais, fruto de um relacionamento
que teve quando ela tinha somente 15 anos. Foi casada quatro vezes, seus pais também
são de Vilhena e afirma que nunca morou em outra cidade.
A maior preocupação demonstrada por Bruna para me conceder a entrevista era
em relação ao sigilo e segredo que precisa manter em relação aos seus pais, pois até hoje
eles não sabem que ela faz programas.
Iniciamos nossa conversa sentadas em um banco de praça, onde logo começou a
me contar que retornou a atividade da prostituição há quatro meses, pois se separou do
seu último casamento de seis anos e, ao se ver desempregada resolveu voltar a fazer
programas para complementar sua renda, já que ela também possui uma outra renda sendo
manicure.
Bruna se auto define como uma profissional do sexo, pois para ela o que faz é
com profissionalismo, trabalha nesta atividade porque precisa, sempre procurando fazer
o melhor possível, igual a qualquer um outro trabalho.
Aos 16 anos Bruna se casou e seis meses depois ela descobriu que seu parceiro
era um dependente químico, usuário de crack. Por quatro anos manteve-se no casamento
e, durante esse período procurou retirar seu parceiro da dependência química, tentando
levá-lo inclusive para uma clínica de recuperação, mas afirma que foi em vão pois ele
continuou consumindo drogas. Confessa que sofreu muito, pois passava por necessidades
financeiras, chegando a passar fome ela e o seu filho.
Após esse relacionamento, ela se casou novamente com uma outra pessoa
usuária de drogas, ficando com este apenas um ano. Relembra que no dia que eles se
separam, ele foi embora largando-a com contas de aluguel, água, luz e gás para pagar e
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ela não tinha emprego e nem de onde tirar dinheiro. Viu-se em uma situação em que não
sabia o que fazer.
Um dia, em sua casa, encontrava-se triste e uma amiga lhe informou que havia
uma vaga de cozinheira em uma casa noturna na cidade, esta voltada para a atividade da
prostituição. A princípio disse ter ficado receosa por se tratar de um local de prostituição,
mas depois resolveu ir trabalhar lá. Na época, isso por volta dos anos de 2006/2007, ela
iria ganhar 350,00 reais por mês. Trabalhou durante 15 dias e num certo dia chegou um
homem no balcão e falou que o lugar de uma moça bonita como ela não era sendo
cozinheira e sim no salão fazendo programas.
O gerente do estabelecimento também falava que o lugar de uma moça bonita
como ela era no salão, ele sempre afirmava que ela iria ganhar em uma hora de programa
o mesmo que iria ganhar em um mês de trabalho sendo cozinheira. No terceiro dia seguido
em que o cliente estava lá tentando convencê-la a fazer um programa com ele, ela resolveu
aceitar sua proposta e a partir de então iniciou sua atividade enquanto profissional do
sexo.
Com dois meses que ela estava trabalhando no local resolveu se mudar definitivo
para lá, pois para ela seria mais cômodo, pois tinha os quartos para as garotas morarem.
Segundo ela eram bem organizados, pois todos possuíam cama, guarda-roupa e um
banheiro, comida e além do mais não iria mais pagar aluguel. Este local era considerado,
na época, de luxo, pois a maioria dos frequentadores era formada de pessoas ricas da
cidade. Havia quinze garotas trabalhando durante o período em que a Bruna esteve
trabalhando lá.
Como precisava manter segredo dos pais em relação ao que fazia, ela saiu de
casa para morar no bordel alegando que iria morar em Rondonópolis, Mato Grosso, com
uma amiga. Bruna trabalhou neste local por um ano, sempre procurando manter segredo
dos pais e das demais pessoas da cidade, exemplifica que por algumas vezes se escondia
quando chegava algum cliente que ela conhecia. Como esse bordel não se encontrava
dentro da cidade, ela não sai lá de dentro e cada mês visitava seus pais.
Na época o programa da Bruna custava 150 reais e havia mais o valor de 80 reais
que o cliente pagaria a dona do bordel pelo uso do quarto ou pela saída da moça quando
eles faziam o programa fora do local. Durante o período em que esteve na boate, Bruna
calcula que chegou a ganhar muito dinheiro, uma média de 60 mil reais, mas confessa
que gastava muito com roupas, calçados, salão, etc.
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cliente e situação, sem direito de escolha. Já da forma como faz seus programas hoje é
preferível pois lhe assegura o direito de escolher seus clientes. As disputas por clientes
por parte das profissionais também é um problema das boates o que torna o local
arriscado. Temia na época que alguma garota fizesse algo de ruim à ela. O uso de drogas
também é apontado como um ponto negativo desses locais para as profissionais que ali
trabalham, pois elas mesmas consomem drogas, tornando-as também perigosas.
Por manter sua vida sexual em sigilo, Bruna afirma que frequenta todos os
espaços sem nenhum problema, pois pouquíssimas pessoas sabem o que ela trabalha na
prostituição. Mas relembra que certa vez quando trabalhava na boate, ela e as demais
garotas foram a um bar conhecido da cidade e ao chegarem lá as pessoas ficaram olhando
para elas e fazendo comentários entre si. A esse tipo de atitude por parte da sociedade,
ela associa muito à forma como as prostitutas se vestiam e se comportavam no ambiente.
Para ela não porque a pessoa é uma garota de programa, que ela precisa se vestir como
tal em ambientes que não convém. Roupas sensuais seriam restritas às boates e não ao
espaço público, afirma Bruna. Ela afirma não aprovar determinadas posturas adotas pelas
garotas, como o jeito falar, de tratar as pessoas, a maneira de andar, enfim gestos e sinais
que em sua opinião denunciam a identidade enquanto prostituta. Foi então nesse
momento que ela falou não se considerar como uma garota de programa, mas como uma
profissional do sexo, por sabe diferenciar qual o comportamento que ela deve adotar
dentro e fora da prostituição.
Acredita que há prostitutas que nasceram para serem o que são. Já há aquelas
que ela diz terem mudado seu “perfil”, mantendo hoje uma personalidade totalmente
diferente de quando eram prostitutas. Julga que ser prostituta não é feio, mas sim o jeito
como se comportam nos espaços públicos.
Para se divertir, Bruna costuma frequentar “normalmente” casas de danceteria
da cidade sem ser reconhecida nem abordada enquanto profissional do sexo. Porém,
quando sai para as chácaras, nesses locais ela costuma ser abordada por homens
interessados em programas. Afirma que raramente marca encontro nesses locais, pois está
ali para se divertir e não trabalhar, o máximo que faz é passar o telefone para eles.
Durante toda a nossa conversa é perceptível o quanto Bruna demonstra ser
importante para ela manter o que faz com discrição e sigilo. Afirma ainda ter certeza que
“aparentemente” ninguém ao olhar para ela a vê como uma pessoa que trabalha com sexo.
Também costumar frequentar uma igreja evangélica.
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Pensa em seu futuro concluir o ensino médio (no momento está frequentando a
escola regularmente), fazer uma faculdade, trabalhar em um emprego “digno” e acabar
de vez com a vida de prostituição, pois para a mesma o que faz hoje é algo passageiro.
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APÊNDICE 2
Roteiro Entrevista
Identificação
02. Se você pudesse diferenciar as práticas pessoais / amorosas das comerciais, como
descreveria? (ATO SEXUAL / USO DO CORPO: 1º PRIVADO-PESSOAL / 2º
PÚBLICO-COMERCIAL)
06. Conhece a história do local onde se prostitui? Como foi a relação com clientes e
policiais?
07. Paga a algum policial ou a outra pessoa a sua segurança para trabalhar?
10. Quais são os locais que você frequenta, além do local da prostituição?
11. Como é o tratamento das pessoas nos locais que você frequenta, além do local da
prostituição?
12. Tem algum sonho? Qual é? Qual sua expectativa para o futuro?
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APÊNDICE 3
fato de mostrar a nudez de uma mulher, mas por se retratar uma cena de cena de sexo
com uma prostituta.