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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

NÚCLEO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA – NCT


DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM GEOGRAFIA – PPGG

MARIA CONSUÊLO MOREIRA

GEOGRAFIA E SEXUALIDADE: OS ESPAÇOS DA VIVÊNCIA


COTIDIANA DAS MULHERES PROSTITUTAS DE VILHENA/RO

Porto Velho, Rondônia

2016
MARIA CONSUÊLO MOREIRA

GEOGRAFIA E SEXUALIDADE: OS ESPAÇOS DA VIVÊNCIA


COTIDIANA DAS MULHERES PROSTITUTAS DE VILHENA/RO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Mestrado em Geografia, Núcleo de
Ciências e Tecnologia da Universidade Federal
de Rondônia, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestra em Geografia.

Orientadora: Profª Dra. Rosa Ester Rossini

Coorietadora: Profª Dra. Maria das Graças S.


Nascimento Silva

Linha de Pesquisa: Território, Representações e


Políticas Públicas.

Porto Velho – Rondônia

2016
In memorian

Aos meus pais, Maria e Francisco. Onde


quer que estejam dedico todas as minhas
vitórias, conquistas e superações à vocês.
Mulher da Vida, minha Irmã.
Cora Coralina

De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.

Mulher da Vida, minha irmã.

Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.


Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.

Nenhum direito lhes assiste.


Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.

Flor sombria, sementeira espinhal


gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.

Um dia, numa cidade longínqua, essa


mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.

A Justiça estendeu sua destra poderosa e


lançou o repto milenar:
“Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra”.

As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de equidade:
“Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno”.

A Justiça pesou a falta pelo peso


do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.

Na fragilidade de sua carne maculada


esbarra a exigência impiedosa do macho.

Sem cobertura de leis


e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.

Mulher da Vida, minha irmã.

No fim dos tempos.


No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.

E o juiz da Grande Justiça


a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrutível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.

Mulher da Vida, minha irmã.

Poesia dedicada, por Coralina, ao Ano Internacional


da Mulher em 1975.
AGRADECIMENTOS

Ao Deus misericordioso e detentor da eterna bondade, que nos momentos mais difíceis e
angustiantes, em que me sentia desencorajada, me concedeu amparo e força para que eu
não desistisse e prosseguisse até o final. A Ele todo o meu louvor e glória.

Ao meu Pai Francisco (Chico Marinho). Exemplo de luta e esperança. Honestidade e


honra. Sabedoria e humildade. Bravo nordestino. Em suas mãos calejadas escreveu a
história e o futuro acadêmico de uma de suas filhas e quatro netas. Aquele que sempre
segurou firme a minha mão, indicando o caminho correto a seguir. Mesmo em meio a
dor, um sorriso. Mesmo em meio a partida, o eterno amor. Ao “senhor”, meu pai herói,
minha gratidão. Obrigada por ter escolhido ser meu pai.

A minha doce Mãe, Maria. Por ter me acolhido em seus braços e me ter feito sua filha.
Com ela aprendi que a palavra “adotar” é sinônimo de amar alguém incondicionalmente,
é buscar a cura das feridas do corpo e da alma, é beijar carinhosamente sua cabeça. É
proteção. É chorar com sua partida. É sorrir com sua volta.

Ao meu esposo, companheiro e amigo, Luiz Fernando. A sua paciência em aturar meus
momentos de estresse e minhas oscilações de humor foi admirável. Sua companhia
durante o período do mestrado sempre dando força e acreditando que eu seria capaz, foi
fundamental para que eu chegasse até aqui. Te agradeço pela compreensão, mas acima de
tudo, obrigada pelo seu amor.

A minha “pequena” e preciosa família. Às minhas irmãs Deta e Toinha. Creio que Deus
em sua infinita sabedoria, juntou nossas vidas, mesmo provindas cada uma de uma família
diferente, para que formássemos uma só família. Às minhas sobrinhas Lidiane, Adriana,
Leidiana e Aliane, pelo apoio e conselhos. De maneira peculiar, cada uma a sua maneira
tem me ensinado algo sobre a vida.

A minha amiga/comadre/irmã Gracinha e ao meu afilhado Pedro Lucas. Amores


incondicionais, em que o tempo e a distância não foram capazes de dissipar.

Aos amigos Alysson Fernandes e Patrícia Gemaque que tive o prazer de conhecê-los
durante o mestrado. Ficarão eternizadas em minha memória nossas risadas, trocas de
experiências e os conselhos sempre válidos e preciosos. Um triângulo amoroso que deu
certo!(rs).

A professora Joseli Maria pela forma carinhosa em que me acolheu em sua residência em
Ponta Grossa (PR). Obrigada por ter compartilhada de maneira tão sábia seus preciosos
ensinamentos a uma mera principiante.

Ao professor Márcio Ornat meu especial agradecimento pelas contribuições sempre


muito seguras e pertinentes. A sua ajuda através do fornecimento de materiais e
indicações de leituras foi de fundamental importância durante todo o processo no
desenvolvimento desta pesquisa

A professora Maria das Graças (Gracinha), primeiramente quero agradecer imensamente


pela paciência com que lidou em meus picos de desespero, sempre tentando me
tranquilizar. A sua compreensão foi muito importante. Quero também agradecer pelo
desafio proposto.

A minha adorável orientadora Rosa Ester, pelo exemplo de dedicação a ciência geográfica
e por ter aceitado em fazer parte dessa minha humilde contribuição a academia.

A psicóloga e gerente técnica do CTA/SAE de Vilhena, Rondônia, Maria Zilda Golin por
ter se prontificado sem hesitar em colaborar com minha pesquisa.

Carinhosamente quero agradecer a Claudinha, Índia, Bruna e Ágata, por terem aceitado
serem minhas colaboradoras para que essa pesquisa existisse, sem vocês nada disso teria
sido possível. Meu muito obrigada por terem confiado em dividir comigo um pouco das
suas histórias e vivências.

Aos meus amigos (evitarei citar nomes para não correr o risco de esquecer de algum)
pelas trocas de experiências e conselhos tão importantes durante todo o processo.

Ao meu colega de trabalho Rodrigo Alécio Stiz, pelas vezes em que se predispôs em
ajudar-me de alguma forma na pesquisa.

Ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia, UNIR – Porto Velho, por ter


me concedido a oportunidade de ingressar no presente curso.
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, UEPG – Ponta Grossa, pela oportunidade
em cursar a disciplina Gênero e Sexualidade na Análise Espacial como aluna especial no
ano de 2015.

Ao meu Anjo da Guarda

Enfim à todos, o meu MUITO OBRIGADA!


RESUMO

O trabalho em tela tem como objetivo geral compreender a relação entre espaço
e as vivências cotidianas da prostituição feminina, tendo como recorte espacial a cidade
de Vilhena e como recorte temporal os dias atuais, levando-se em consideração a questão
de gênero envolvida no contexto abordado. A presente pesquisa possui tanto pertinência
teórica, por trazer à luz a discussão de uma temática ainda pouco problematizada no
pensamento geográfico nacional, a prostituição feminina; como pertinência social, por
considerarmos que a Geografia brasileira tem produzido invisibilidades em relação a
determinados grupos sociais que são marginalizados, como as profissionais do sexo. Para
que pudéssemos atingir tal objetivo, utilizamos enquanto procedimentos metodológicos
o uso de entrevistas semiestruturadas com quatro profissionais do sexo que moram na
cidade de Vilhena, Rondônia. Procuramos enfocar através das entrevistas, quais espaços
costumam ser frequentados por essas mulheres e se há alguma relação com a sua
atividade. Também buscou-se analisar os elementos que compõem uma identidade de
mulheres profissionais do sexo e como elas atribuem as suas vivências espaciais. A partir
de então, concluímos que o espaço em questão estudado, compõe diferentes tipos de
prostituição, desde bares, casa noturna, posto de gasolina, etc. Porém, há uma
predominância na cidade do tipo de prostituição feita de forma discreta e sigilosa, ou seja,
há certa invisibilidade espacial para com os clientes, onde as profissionais do sexo
procuram manter em segredo à atividade que exercem.

Palavras-chave: Geografia, gênero, prostituição, Rondônia, vivências espaciais.


RESUMEN

El trabajo en la pantalla tiene como objetivo general comprender la relación entre el espacio
y las experiencias cotidianas de la prostitución femenina, y tiene con el área espacial, la
ciudad de Vilhena y como marco de tiempo los días actuales, teniendo en cuenta la cuestión
de género involucrados en el contexto abordado. Esta investigación tiene tanto relevancia
teórica, sacando a la luz de la discusión de un tema aún poco problematizado en el pensamento
geográfico nacional, como la prostitución femenina; y además, tiene relevancia social, porque
consideramos que la geografía brasileña ha producido invisibilidades para ciertos grupos
sociales marginados, como los trabajadores sexuales. Para que pudiéramos lograr este
objetivo, se utiliza como procedimientos metodológicos entrevistas semiestructuradas con
cuatro profesionales del sexo que viven en la ciudad de Vilhena, Rondonia. Tratamos de
enfocar a través de entrevistas, en los espacios frecuentados por estas mujeres y su relación
con la actividad. También tratamos de analizar los elementos que conforman una identidad
de las trabajadoras sexuales y cómo se atribuyen sus experiencias espaciales. Desde entonces,
llegamos a la conclusión de que el problema del espacio estudiado, se compone de diferentes
tipos de prostitución, de bares, discoteca, gasolinera, eticétera. Sin embargo, hay un
predominio en el género de la prostitución de la ciudad hecha de una manera discreta y
confidencial, es decir, hay algo de espacio invisible para los clientes, donde los trabajadores
sexuales tratan de mantener en secreto la cantidad de actividad que realizan.

Palabras-clave: género, geografía, prostituicíon, Rondonia, vivencias espaciales.


LISTA DE IMAGENS E MAPAS

Figura 1 – Olympia ........................................................................................................ 22

Figura 2 – Valtesse de la Bigne ....................................................................................... 27

Figura 3 – Rolla ............................................................................................................. 60

Mapa 1 – Localização do município de Vilhena no estado de Rondônia ...................... 71

Figura 4 – Les Demoiselles d'Avignon .......................................................................... 72

Figura 5: Henri de Toulouse-Lautrec – No Moulin Rouge ......................................... 104


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Produção de Artigos Científicos de Gênero na Geografia Brasileira –


1980/2013 ....................................................................................................................... 41

Gráfico 2: Produção de Artigos Científicos de Sexualidades na Geografia – 1980/2013 ...


41

Gráfico 3: Artigos de Gênero e Sexualidades Distribuição por Estrato .......................... 42


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APROSBA – Associação das Prostitutas da Bahia

CBO – Classificação Brasileira de Ocupações

CTA – Centro de Testagem e Acolhimento

EGAL – Encontro de Geógrafos de América Latina

ENANPEGE – Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa


em Geografia.

GAPA-MG – Grupo de Apoio e Prevenção à Aids de Minas Gerais

GEMPAC – Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará

GEPGENERO – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Mulher e Relações de Gênero

GETE – Grupo de Estudos Territoriais

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

NCT – Núcleo de Ciências e Tecnologia

NEP - Núcleo de Estudos sobre Prostituição


PAD’s – Projetos de Assentamento Dirigidos

PIC’s – Projetos Integrados de Colonização

PIN – Plano de Integração Nacional

PGDRA – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente

PPGG – Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia

SAE – Serviço de Assistência Especializada

UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa

UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UGI – União Geográfica Internacional

UNIR – Universidade Federal de Rondônia


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 24

CAPÍTULO 1: QUEBRANDO BARREIRAS E CONSTRUÍNDO PONTES:


DIÁLOGOS ENTRE GEOGRAFIA, GÊNERO E SEXUALIDADE NAS
ANÁLISES ESPACIAIS .............................................................................................. 29

1.1 Vamos discutir gênero sim! Resistências e potencialidades nos discursos


geográficos ....................................................................................................... 29
1.2 Feminismo, Geografias Feministas e Prostituição ........................................... 43
1.3 Um olhar interseccional nos estudos de gênero e sexualidades ....................... 55
1.4 Geografia das Sexualidades ............................................................................. 58

CAPÍTULO 2: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA COLETA DE


DADOS: ENTRE OS SABORES E OS DISSABORES DO FAZER CIENTÍFICO
........................................................................................................................................ 62

2.1 O caminho e o caminhar na trajetória da pesquisa ............................................ 62


2.2 História Oral ..................................................................................................... 64
2.3 Entrevistas e contatos com os sujeitos da pesquisa ........................................... 66
2.4 Pesquisa de campo ............................................................................................ 69
2.5 Conhecendo Vilhena ........................................................................................ 69

CAPÍTULO 3: MARIPOSAS E BORBOLETAS: ÁNALISE DAS VIVÊNCIAS


ESPACIAIS DA PROSTITUIÇÃO FEMININA ...................................................... 74

3.1 Esplendores e misérias: historicizando as vivências espaciais da prostituição


feminina no Brasil ............................................................................................ 74
3.2 O trabalho e a prostituição feminina no Brasil ................................................. 83
3.3 Identidade e representação social das mulheres profissionais do sexo .............. 85

3.4 Sexo e afeto. Dinheiro e amor. A sexualidade na vida das profissionais do sexo
................................................................................................................................. 92
3.5 Prostituição feminina em Vilhena – RO: Uma abordagem espaço-temporal .... 97

3.5.1 Passado .................................................................................................... 97

3.5.2 Presente ................................................................................................. 100

3.5.3 Como tudo começou! ............................................................................ 101

3.5.4 Sonhos e expectativas para o futuro ...................................................... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 106

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 109

APÊNDICES ............................................................................................................... 117


APRESENTAÇÃO

A minha trajetória acadêmica teve início no ano de 1998 ao ingressar no curso


de Licenciatura em Geografia, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), Mossoró. Ao me recordar do período em que estive no curso e compará-lo aos
dias atuais, percebo que as discussões da temática gênero e sexualidade a partir de uma
perspectiva geográfica durante o período em que cursei a graduação eram inexistentes.
Se haviam, eu não tive conhecimento na época. No ano de 2001, logo após a conclusão
da graduação, iniciei uma especialização em Educação Ambiental ofertada pela mesma
instituição. Logo após a conclusão da graduação, fui lecionar a disciplina de geografia,
do ensino fundamental ao cursinho, em uma escola privada em minha cidade, Apodi, no
Rio Grande do Norte.
No ano de 2005, decidi sair da minha cidade para morar no estado de Rondônia.
A princípio, residi por menos de dois anos na cidade de Primavera de Rondônia, onde
trabalhei como professora do estado. Em 2006, por motivo de ter passado em um concurso
público para professora a nível municipal, mudei para a cidade de Vilhena – RO onde
moro até o momento. Em 2011 ingressei no Instituto Federal de Rondônia, onde estou
atualmente.
No ano de 2014 ingressei no mestrado em Geografia pelo Programa de Pós-
Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Porto Velho.
De início apresentei projeto voltado para a área de gênero cuja temática era “O trabalho
feminino na construção da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio: uma análise de gênero
sobre a ocupação das mulheres em funções “ditas” masculinas no canteiro de obras”.
A escolha pela abordagem de gênero deu-se, a princípio, por uma certa identificação com
a temática, pois a considerei significativa, apesar da minha quase completa ignorância no
assunto. Ao fazer consultas na internet sobre as produções acadêmicas e desenvolvimento
de pesquisas por parte da área de gênero dentro do Programa de Pós-Graduação Mestrado
em Geografia – UNIR, Porto Velho, foi possível observar a existência e atuação do
GEPGENERO, Grupo de Pesquisa em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero,
o que despertou ainda mais meu interesse na área.
O início do curso se deu com a disciplina “Epistemologia da Geografia”,
disciplina obrigatória ofertada pelo professor Dr. Josué Costa Silva. Nesta tivemos a
oportunidade de discutirmos diversas obras para o aprofundamento do nosso
conhecimento teórico-metodológico acerca da ciência geográfica. No período de 26 a 31
de maio deste mesmo ano, cursei a disciplina de tópicos especiais “Cultura,
Representação e Espaço Dialógico”, ofertada pela Profa. Dra. Lucileyde Feitosa Sousa
(professora convidada pelo PPGG, Universidade Federal de Rondônia – UNIR), onde
podemos discutir a questão da importância da Geografia para a melhor compreensão dos
espaços culturais, dialógicos e vividos das populações amazônicas em nosso país. Em
junho, em cumprimento da carga horária exigida no PPGG, cursei a disciplina “Pesquisa
e Prática Interdisciplinar para a Gestão Socioambiental na Amazônia”, no Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – PGDRA, UNIR, Porto
Velho. Esta disciplina foi ministrada pela Profa. Dra. Simone Athayde, da Tropical
Conservation and Development Program, University of Florida e a Profa. Dra. Carolina
Doria, do PGDRA, UNIR.
Foi durante esse primeiro ano do curso participei da II Expedição Amazônica,
promovida pelo PPGG, no período de 22 de julho a 10 de agosto de 2014, às cidades de
Oriximiná, Belterra, Juruti e o distrito de Alter do Chão, todas localizadas no estado do
Pará. Neste trabalho de campo, tive a oportunidade de conhecer e posteriormente
pesquisar sobre a Vila Paraíso ou Brega 45. Situada a 45 minutos do Porto Trombetas, a
Vila Paraíso ou Brega 45 (assim conhecido em analogia ao tempo que se gasta do porto
até a esse local) é uma vila de palafitas situada à margem direita do Rio Trombetas, um
dos principais afluentes do Rio Amazonas. Formada em sua maioria por prostíbulos e
bares, a prostituição que neste espaço se desenvolve possui uma correlação direta com a
Mineradora Rio do Norte (MRN), localizada no Porto Trombetas, município de
Oriximiná, Pará. A clientela da Vila Paraíso, é formada principalmente pelos
trabalhadores da mineradora, bem como os tripulantes de navios cargueiros que chegam
toda semana no Porto Trombetas. A Vila Paraíso é desprovida de saneamento básico,
água encanada e esgotos, também não há escolas, nem atendimento básico hospital, onde
dependem basicamente da Vila Residencial da Mineradora para suas compras básicas de
suprimentos de subsistência.
O processo histórico pela qual se deu a formação da Vila Paraíso, remota a época
em que o Brega, nome que se dá aos bares voltados à prática da prostituição, se localizava
em Água Fria, próximo à localidade conhecida como Ajudante, onde chegou a ter dez
bares. O espaço logo cresceu acompanhando o crescimento da Mineradora Rio do Norte
(MRN), que expandia suas instalações e número de trabalhadores. Era nesses bares que
os trabalhadores da mineração encontravam sua diversão, como bebidas, música e
mulheres para atenderem suas necessidades sexuais. Em 1976, tendo em vista atender ao
aumento de seus funcionários em relação a sua moradia e a dos seus familiares, foi
construída a Vila Residencial, o núcleo urbano de Porto Trombetas. Em nome de um
ideário moralista para a manutenção do respeito e dignidade dos trabalhadores e dos seus
familiares residentes na Vila Residencial, foi necessário a retirada dos bregas localizados
próximos ao Porto Trombetas. Diante da remoção forçada, o processo de formação
espacial da Vila Paraíso em seu novo local, se deu principalmente pelos antigos donos
dos bares. Os bregas que compõem a Vila Paraíso em sua maioria são repassados de mãe
para filhos ou de pai para filhos, tornando-se um negócio familiar, onde os mesmos
procuram não caracterizar tais ambientes como prostíbulos.
Assim, ao conhecer um pouco mais sobre a dinâmica com a qual se desenvolvia
a atividade da prostituição neste longínquo pedacinho da Amazônia, tive os primeiros
contatos com a literatura na área de Geografia das Sexualidades. Nesta fase inicial, por
intermédio das leituras feitas, foi possível perceber que a temática gênero e mais
especificamente sexualidade eram discutidas por poucos(as) geógrafos(as) no Brasil, não
havendo assim muita produção acadêmica.
No período de 08 a 12 de outubro de 2014 realizaram o II Seminário Latino
Americano de Geografia, Gênero e Sexualidades, Interseccionalidade, Gênero e
Sexualidades na Análise Espacial, em Porto Velho. Na ocasião tive privilégio de ter
contato com inúmeras produções acadêmicas e pesquisas desenvolvidas por alunos e
pesquisadores renomados na área de gênero e sexualidades, tanto do Brasil como de
outros países. No evento conheci o Prof. Dr. Marcio José Ornat e a Profa. Dra. Joseli
Maria da Silva, ambos da UEPG e o Prof. Dr. Miguel Angelo Ribeiro, da UFRJ. Na
oportunidade fui agraciada com o seu mais recente livro “Território, sexo e prazer,
olhares sobre o fenômeno da prostituição na Geografia brasileira”, com direito a
dedicatória. O evento contou com apresentação de inúmeras pesquisas, dentro de três
eixos temáticos: Espaço, Sexualidades e Interseccionalidades; Conhecimento, Corpo e
Interseccionalidades; e, Gêneros em Movimento: Espaço, Raça, Idade e Classe. Desta
forma, considero ser este um momento de suma relevância para o aprimoramento quanto
aos meus conhecimentos na abordagem de gênero e sexualidade a partir da análise
espacial. Foi também durante o período do evento que tive o privilégio e honra de
conhecer pessoalmente a minha orientadora, a Profa. Dra. Rosa Ester Rossini.
Ao final do semestre, novembro de 2014, cursei a disciplina Gênero e
Sexualidade, ministrada pela Profa. Dra. Maria das Graças Silva Nascimento Silva. Foi
durante esta disciplina que em conversa com a professora “Gracinha” decidimos mudar
definitivamente o projeto inicial para a temática sobre a prostituição. Através das
discussões dos textos trabalhados durante a disciplina, pude ampliar significativamente
meus conhecimentos a respeito da abordagem de gênero na ciência geográfica.
Porém, há que se considerar que ao abordarmos a temática gênero e sexualidade
no contexto geográfico, as possibilidades para o desenvolvimento de uma questão central
são inúmeras, tendo em vista tratar-se de um assunto amplo e complexo. À vista disso,
deu-se um momento angustiante: a delimitação e escolha do tema. O que de fato eu
desejava pesquisar sobre a prostituição feminina sob o enfoque da Geografia? Em mais
um momento deparei-me em meio a um emaranhado de possíveis ideias e uma infinidade
de dúvidas. Era preciso superar as dificuldades que me assolava quanto à demarcação do
tema, problema este que foi solucionado ao se fazer o recorte temático, espacial e
temporal. Surge assim o seguinte tema para o desenvolvimento da referida pesquisa:
“Geografia e sexualidade: os espaços da vivência cotidiana das mulheres prostitutas de
Vilhena/RO”.
Em abril de 2015 participei do EGAL – Encontro de Geógrafos de América
Latina, na cidade de Havana, Cuba, onde apresentei o trabalho intitulado “Ensaio sobre
a prostituição nos estudos da geografia brasileira”. No mês de agosto do referido ano, o
trabalho “A percepção das mulheres quilombolas sobre os Espaços vividos nas
comunidades Moura e Boa Vista, Oriximiná-PA: Uma análise de gênero”, foi
apresentado no ENANPEGE, em Presidente Prudente, São Paulo.
A atividade investigativa de um pesquisador é um processo em constante
construção e desconstrução, assim, com o propósito de aprimorar meus conhecimentos
na vertente da Geografia das Sexualidades, bem como propiciar uma maior fomentação
no processo de desenvolvimento da pesquisa em questão, me matriculei como aluna
especial na disciplina Gênero e Sexualidades na Análise Geográfica, ofertada pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Estadual de Ponta Grossa –
UEPR, no estado do Paraná. Ministrada pela Profa. Dra. Joseli Maria Silva e pelo Prof.
Dr. Márcio José Ornat, referências científicas no desenvolvimento de pesquisas e estudos
voltados para a área de Geografia, Gênero e Sexualidade.
Este sem dúvidas foi um momento marcante e de uma importância fundamental
no processo da pesquisa. Conhecer de perto esses dois professores, dos quais somente
tinha contato através das suas produções acadêmicas, ter aula com eles, ouvir os seus
relatos vivenciados enquanto pesquisadores, ter maior contato com Grupo de Estudos
Territoriais (GETE), foi uma experiência enriquecedora, estimulando cada vez mais meu
interesse pelos estudos de gênero e sexualidade no contexto da ciência geográfica.
Através dessa experiência de apenas uma semana cursando a disciplina Gênero
e Sexualidades na Análise Geográfica, pude observar mais perto, mediante os
depoimentos e explanações dos professores, o quão é desafiador o processo de
desenvolvimento de pesquisas numa perspectiva de gênero dentro da Geografia. Tais
desafios perpassam por uma lógica de desconstruções de verdades instituídas dentro dessa
ciência, onde é preciso contestar tais premissas científicas que gênero e sexualidade não
são temas a serem pesquisados na Geografia. Fronteiras a serem rompidas e ultrapassadas
é uma constância as (aos) geógrafas (os) feministas, sejam estas teórico-metodológicas,
acadêmicas ou culturais. No entanto, há que se considerar, quanto à experiência vivida
durante esse período, que foi verificado o elevado crescimento em produções de trabalhos
acadêmicos por parte do Grupo Estudos Territoriais – GETE.
Toda essa trajetória, vivida e vivenciada através das experiências adquiridas no
curso de mestrado, me proporcionou crescimento não somente acadêmico, mas também
profissional, pois estendi para o espaço escolar onde trabalho as discussões de gênero,
sejam estas dentro da própria sala de aula, ou através de projetos e demais eventos. Assim,
considero que a produção deste trabalho acadêmico foi um verdadeiro divisor de águas
em minha vida.
Figura 1 – Olympia, Edouard Manet (1863)

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Olympia_(Manet)

1
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 138.
25

INTRODUÇÃO

O trabalho em tela tem como objetivo geral compreender a relação entre espaço
e as vivências cotidianas da prostituição feminina na cidade de Vilhena – RO, levando
em consideração a questão de gênero envolvida no contexto abordado. No intuito de que
possamos atingir tal proposta, temos como objetivos específicos: 1) fazer um
levantamento histórico-espacial da atividade da prostituição da cidade de Vilhena – RO,
apresentando suas principais características; 2) identificar os elementos que compõe uma
identidade de mulheres profissionais do sexo que atuam na cidade; 3) identificar os
significados que tais mulheres atribuem as suas vivências espaciais.
As reflexões que nos tomam o pensamento no que concerne a trajetória enquanto
pesquisadores e o objeto pesquisado perpassam por uma pergunta crucial: o que leva o(a)
pesquisador(a) à escolha do objeto pesquisado?
No transcorrer da presente pesquisa nos deparamos por vários momentos onde
nos questionamos quais os motivos que nos conduziram a escolha por analisar
geograficamente a prostituição, visto se tratar de um assunto considerado um estigma
social. Goffman (2004, p.4) nos explica que por estigma entendamos como “a situação
do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena”. Desse modo, reduzimos
“a uma pessoa estragada e diminuída”, ou seja, tal característica é um estigma.
Conforme Goffman, o termo foi criado pelos antigos gregos, sendo designado
por estes como forma de “se referirem a sinais corporais com os quais se procurava
evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os
apresentava” (2004, p.5). Com o passar do tempo, o conceito de estigma foi se ampliando,
porém ainda carregando certas semelhanças com seu sentido original, sendo aplicado nos
dias atuais como características, sejam essas físicas ou não, que determinada pessoa
carrega quando não se enquadra nos atributos considerados normais, comuns e naturais
para a sociedade. Tal conceito é assim utilizado pelo autor como algo extremamente
depreciativo, “um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo” (GOFFMAN,
2004, p. 7). O autor distingue três tipos de estigmas: as deformidades físicas, os desvios
de caráter individual e por último os estigmas tribais de raça, nação e religião. Podemos
então considerar que conforme a classificação do autor, para a sociedade a prostituição
apresenta características que a coloca em um situação de não aceitação social, sendo
26

considerada então uma prática estigmatizada, visto que se constitui em um “desvio de


caráter”.
Portanto, acreditamos que em nossa pesquisa o termo estigma torna-se adequado
quando nos referimos ao fenômeno social da prostituição feminina à medida em que se
observa os inúmeros estereótipos e as diversas formas de discriminação as quais são
associados a esta atividade e aos seus indivíduos praticantes. Przybysz (2013, p.3) afirma
que “Os papéis de gênero vivenciados por mulheres estão relacionados a normas sociais
que colocam à margem mulheres que utilizam de sua sexualidade como forma de
atividade profissional”. Do mesmo modo, Mattos (2009, p.173) considera que “a
prostituta é repulsiva por ela intermediar o campo dos afetos explicitamente através da
relação monetária, do dinheiro, ainda que implicitamente esse seja um elemento também
presente em qualquer relação afetiva, embora nunca admitido.”
Para a pesquisadora Dolores Juliano (2016), vivemos em um período de uma
expressiva liberdade sexual, onde homens e mulheres não valorizam mais a virgindade e
mantêm relações sexuais cada vez mais instáveis, porém, a estigmatização no tocante à
prostituição ainda é muito grande, a autora considera inclusive que isto tem aumentado
ao longo dos anos. O que justifica então tamanha estigmatização para com a prostituição?
O que está em jogo para ela consiste justamente no modelo de gênero tradicional
estabelecido pela sociedade em relação à mulher. “A estigmatização das prostitutas é uma
mensagem social para as mulheres não prostitutas e fundamentalmente para as mulheres
jovens” (PRZYBYSZ, 2016, p. 160). A pesquisadora explica então que esse modelo de
gênero exige das mulheres um comportamento cheio de sacrifícios e renúncias, mesmo
dando pouco reconhecimento social as mulheres. A mesma então afirma que:

A estigmatização do trabalho sexual é uma medida de controle social dirigida


não tanto às prostitutas, mais sim ao resto das mulheres. Por isso eu creio que
é muito importante trabalhar este tema. Porque não é uma luta em defesa de
uma minoria, mas é fundamentalmente uma forma de se colocar em defesa que
todos os seres humanos temos de viver a nossa sexualidade como queremos e
isto somente se pode conseguir se levantamos o problema da estigmatização
dos setores mais estigmatizados. (PRZYBYSZ, 2016, p. 160).

Dessa forma, a presente pesquisa possui tanto pertinência teórica quanto social
devido aos seguintes aspectos. No que se refere à pertinência teórica, como afirmado por
Cesar e Pinto (2015), existem omissões na produção do pensamento geográfico nacional.
Uma destas omissões tem relação com a pequena produção geográfica relacionada à
sexualidade, e mais especificamente, sobre a atividade da prostituição. Como visto pelos
27

autores, mesmo que exista um crescimento das discussões relacionadas a gênero e


sexualidades, estes trabalhos se colocam em pequeno número frente ao total de produção
científica da área da Geografia publicadas no Brasil. Assim, a produção deste trabalho
visa contribuir para as discussões envolvendo as abordagens entre espaço, gênero e
sexualidades.
No que concerne à pertinência social, como afirmado por Silva (2009; 2013), a
Geografia brasileira tem produzido ausências e silêncios. Estas situações estão
relacionadas a invisibilidade que é produzida sobre vários grupos sociais marginalizados,
estando entre este grupo as mulheres que praticam a atividade da prostituição. Portanto,
conforme afirma Ribeiro e Oliveira (2015, p.103)

No momento atual, não se pode ocultar o fenômeno da prostituição e sua


dimensão espacial, pois essa atividade é um elemento da produção do espaço,
concretizada pelos clientes/prostitutas e outros, que são os agentes
modeladores desse espaço, organizando verdadeiras redes do sexo. Sendo
assim, para a Geografia, mais um campo fértil se delineia para pesquisas
referentes à dimensão espacial deste fenômeno nas cidades brasileiras.

Neste sentido, este trabalho caminha no sentido de produzir visibilidade a


respeito das vivências espaciais no cotidiano de um grupo, que devido as suas atividades
de reprodução social, são estigmatizadas, tanto pela sociedade, quanto pela ciência
geográfica. A geógrafa feminista Janice Monk (2010, p.50), declarou em entrevista
cedida a Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, que o avanço na perspectiva
feminista na Geografia tem como principais contribuições “prestar mais atenção aos
múltiplos aspectos da diversidade, não somente ao gênero, mas também a raça, a
etnicidade, a sexualidade e a juventude”. Para Monk o papel da pesquisa acadêmica na
transformação social tem sido relevante em virtude do compromisso, por parte das
Geógrafas Feministas, da pesquisa de ação participativa, através de projetos educacionais
em áreas como a da saúde, da economia, literatura, artes e ensino das ciências para
garotas.
Além da revisão bibliográfica, pautada principalmente nos trabalhos de Silva
(2009, 2011), Ornat (2008) e Ribeiro (1995, 2011), para que pudéssemos obter dados
necessários à pesquisa acerca da atividade da prostituição na cidade de Vilhena, o material
empírico foi obtido não somente com entrevista com mulheres profissionais do sexo,
tendo em vista a dificuldade em conseguir relatos das próprias profissionais (foram
entrevistadas 4 mulheres que fazem programas), mas também com demais informantes-
28

chave, como uma profissional que trabalha com prevenção de DST/AIDS na cidade. Por
se tratar de um assunto considerado ainda tabu em nossa sociedade, julgamos ser prudente
mantermos em sigilo a identidade de todos que colaboram em nossa pesquisa, desse
modo, seus verdadeiros nomes não foram expostos no trabalho. Cada profissional optou
por escolher um nome fantasia, sugerido por ela mesma. Usaremos o codinome
“colaboradora” quando nos referirmos a nossa informante-chave. Utilizamos a
metodologia de História Oral proposta por Meihy (2007).
Para as profissionais do sexo empregamos a técnicas de entrevistas
semiestruturadas, gravadas através de um gravador e transcritas posteriormente. Já a
entrevista realizada com a nossa “colaborada” se deu por meio de uma entrevista mais
informal e livre, onde a mesma fez um relato descritivo a respeito da dinâmica da
organização espacial da prostituição na cidade de Vilhena desde décadas mais antigas até
os dias atuais.
No intuito de que possamos alcançar nosso objetivo e compreendermos a relação
que se estabelece entre a atividade da prostituição com o espaço, o presente trabalho segue
a seguinte divisão dos seus capítulos:
No capítulo 1 trabalharemos a questão das discussões de gênero e sexualidades
sob uma perspectiva geográfica. Neste analisaremos os desafios e conquistas a respeito
das abordagens dessas temáticas no âmbito acadêmico da ciência geográfica. Também
será discutido a respeito das contribuições que o movimento feminista tem dado às
Geografias Feministas através dos seus estudos de gênero, buscando da mesma forma
analisar como o movimento feminista tem produzido suas reflexões acerca da atividade
da prostituição.
O capítulo 2 discorre sobre os procedimentos metodológicos trabalhados durante
a pesquisa. Procuramos descrever o trajeto percorrido no trabalho de campo, os desafios,
obstáculos, conquistas e ferramentas utilizadas no processo de obtenção dos dados.
O capítulo 3 trazemos para a discussão e reflexão a prostituição que se
desenvolve em Vilhena, Rondônia. Apresentamos suas características e peculiaridades,
de modo que se possa entender sua dinâmica espacial, tanto no passado como nos dias
atuais. Assim, introduzimos inicialmente o capítulo com uma abordagem histórica da
prática prostitucional que se desenvolveu em alguns lugares do Brasil ao longo de sua
história, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Abordamos como se
dá a questão do trabalho na prostituição feminina no país e como tem sido discutido os
elementos identidade e sexualidade na vida das profissionais do sexo.
29

CAPÍTULO I

QUEBRANDO BARREIRAS E CONSTRUINDO PONTES: DIÁLOGOS ENTRE


GEOGRAFIA, GÊNERO E SEXUALIDADE NAS ANÁLISES ESPACIAIS

Figura 2: Ms. Valtesse da Bigne, Henri Gervex, (1879)

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Valtesse_de_La_Bigne

2
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 138.
30

CAPÍTULO 1

QUEBRANDO BARREIRAS E CONSTRUÍNDO PONTES: DIÁLOGOS ENTRE


GEOGRAFIA, GÊNERO E SEXUALIDADE NAS ANÁLISES ESPACIAIS

O presente capítulo procura analisar de que forma determinadas temáticas,


como, por exemplo, os estudos de gênero e sexualidades, mantiveram-se ausentes nos
discursos geográficos, bem como ainda hoje encontram resistência no desenvolvimento
de pesquisas voltadas a essa abordagem. O capítulo também busca tratar de que forma a
abordagem dos estudos de gênero, a partir principalmente do surgimento dos movimentos
feministas, têm sido introduzidos nos discursos da Geografia, bem como suas
contribuições, ainda que a passos lentos, para o desenvolvimento de pesquisas inovadoras
na ciência geográfica. Procuramos, ademais, compreender o funcionamento do
movimento feminista e como este tem produzido reflexões acerca da atividade da
prostituição. Por último, apresentamos reflexões acerca da perspectiva interseccional
enquanto elemento essencial na busca pela compreensão das articulações estabelecidas as
categorias gênero/sexualidade/classe, como também levantamos algumas reflexões sobre
a Geografia das sexualidades.

1.1. Vamos discutir gênero sim! Resistências e potencialidades nos discursos


geográficos

Trazer a luz da discussão os estudos de gênero e das sexualidades, em específico


caso a prática da prostituição, para o campo da ciência geográfica tem sido uma tarefa
árdua e um tanto quanto desafiante para aqueles que têm ousado enfrentar as estruturas
dominantes da ciência hegemônica, sendo esta por sua vez centrada em um saber
eurocêntrico. No que tange ao que venha a ser a definição da expressão saber
eurocêntrico, Silva (2009b, p.57) esclarece se tratar de

[...] uma referência espacial a um tipo de conhecimento que teve sua origem
na Europa e que acabou sendo difundido no mundo como um modelo ideal de
saber e como um único modelo social a ser seguido de forma linear pelos
demais povos do mundo. E este tipo ideal que tem como referência a Europa
31

instituiu as hierarquias que organizam as dualidades, opondo o bem e o mal, o


homem e a mulher, o superior e o inferior, a razão e a emoção, a sociedade e a
natureza, e assim por diante.

Para Kozel (2013, p.13) “as abordagens e tendências inerentes à pluralidade do


conhecimento, não reconhecidas ou aceitas pela maioria da comunidade acadêmica” são
reconhecidas pela autora como Geografias Marginais. É observado que ao longo da
historiografia do pensamento geográfico, determinados estudos não foram se quer
considerados como ‘geográficos’. Veleda da Silva (2013, p. 114) afirma que

A resistência dos geógrafos(as) brasileiros em inserir categorias analíticas de


matriz feminista pode ter origem num machismo acadêmico ou em um
desconhecimento político, histórico, teórico e metodológico sobre as
possibilidades que esta perspectiva dá ao estudo do espaço geográfico,
particularmente no que se refere aos novos arranjos sócio espaciais decorrentes
da relação trabalho e família.

Mesmo que verifique-se que as abordagens de gênero a partir de sua perspectiva


espacial têm sido possibilitadas por intermédio da postura adotada pela Nova Geografia
Cultural e seus desdobramentos, pois “entende que os sujeitos criam interpretações
espaciais plurais e isso permite uma pluriversalidade da realidade estudada” (NABOZNY
et al, 2007, p.15), existe um diálogo entre Geografias Feministas e a Geografia Cultural.
Não é equivocado compreender o gênero enquanto cultura. Contudo, o gênero vai muito
além da cultura. Deste modo, acredita-se que novos métodos precisam ser utilizados visto
se tratar de um espaço complexo.

A nova Geografia cultura elabora uma série de críticas às abordagens até então
construídas. Evidencia a relatividade das escolas de abordagem do espaço,
coloca em dúvida a ideia do tempo linear e problematiza as noções de
progresso, desenvolvimento e evolução, argumentando os limites da produção
do conhecimento geográfico a partir dos conceitos da modernidade. Essa
postura desafiadora abriu possibilidades de novas abordagens [...] (SILVA,
2005, p.175).

Assim sendo, é sabido que a construção de uma perspectiva científica sob os


moldes de uma abordagem inovadora, como é o caso dos estudos de gênero e
sexualidades, é um desafio constante no seio da Geografia, segundo a pesquisadora Rosa
32

Ester Rossini, em entrevista publicada na Revista Latino-americana de Geografia e


Gênero, a mesma acredita que

[...] a maior dificuldade da inserção da questão de gênero na Geografia


brasileira encontra-se na própria Geografia, isto é, entre seus pares. Abarreira
é enorme e para diminuir a distância é preciso que todas as pessoas que
trabalham com o tema tenham uma boa formação teórico conceitual tanto de
Geografia como da especificidade do tema que quer inserir na Geografia
(SILVA e ORNAT, 2016, p. 215).

Para Borghi (2015, p. 134), “A geografia do gênero tem por objetivo principal a
análise das relações entre espaço e gênero nas suas formas mais variadas, e nos papéis e
funções que homens e mulheres ocupam nestas”. Desta maneira, Silva (2005, p.187)
afirma que isso é possível levantarmos essa discussão, levando-se em consideração que

Para a abordagem do espaço partindo da perspectiva de gênero, a Geografia


deve levar em consideração seu dinamismo, pois ele tanto constrói quanto é
construído pelas experiências e vivências cotidianas espaciais a partir de
representações. Estas são fundadas em uma ordem sócio espacial específica e,
portanto, envolvem tempo, espaço e escala. Dessa forma, compreende-se que
a construção de gênero abarca tanto pressões de contexto quanto escolhas
individuais.

Em conformidade com este pensamento, Marandola Jr. (2013, p.50) acredita que
“Vivemos um momento muito interessante da Geografia no Brasil. As tensões mais fortes
que passamos entre os campos e tendências parecem ter se arrefecido, mas é seguro
afirmar que nunca a Geografia esteve tão aberta a novos temas, tendências, abordagens e
ao diálogo interdisciplinar”. Assim, segundo Mendonça (2002, p. 6)

[...] a realidade presente impõe aos intelectuais, acadêmicos e cientistas


preocupados com os avanços do pensamento geográfico, a promoção, por meio
das suas instituições, do debate aprofundado, aberto e franco acerca de
questionamentos gerais relativos à Geografia neste contexto de apogeu da
modernidade.

E, como reitera Claval (2002, p.24), “O espaço jamais aparece como um suporte
neutro na vida dos indivíduos e dos grupos. Ele resulta da ação humana que mudou a
realidade natural e criou paisagens humanas e humanizadas”.
Em trabalho publicado na Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, cujo
tema apresentou-se de forma bastante sugestiva e pertinente dentro das discussões
geográficas, o texto Qual Espaço para Discutir Gênero? nos propõe a priori reflexões
33

acerca da questão da “mulher na sociedade e em seu cotidiano” pois [...] “para a maior
parte da sociedade esse tema ainda não é uma realidade ensinada, apreendida e vivida”,
Silva et al (2015, p.169). Como argumenta Silva (2009a, p. 25)

As ausências e os silêncios de determinados grupos sociais são resultantes de


embates desenvolvidos na comunidade científica, que criam hierarquias e
dependências, ratificando o poder de grupos hegemônicos e,
consequentemente de suas próprias teorias científicas.

Todavia, como já referido anteriormente, tal objetivo é considerado um tanto


quanto ousado, visto se tratar de uma forma de transgressão para com os paradigmas
instituídos pela própria ciência; um rompimento às fronteiras das normas e regras
existentes na Geografia e entre seus geógrafos. Sendo assim, conforme declara Silva
(2010, p. 46),

Aquilo que é determinado como impensável, impraticável e indizível pela


ciência deve ser tensionado, e a ordem da pretensa normalidade, subvertida.
Quem pesquisa, deve duvidar das ‘verdades’ que sustentam e dão guarida ao
poder e cometer heresias contra os cânones do discurso científico.

Desse modo, verifica-se ainda escassez de estudos e pesquisas acadêmicas a


respeito da mulher enquanto figura importante na construção social, onde vê-se que o
conceito de gênero e suas implicações têm sido discutidas com mais veemência nas
ciências sociais. No entanto, Silva (2009c, p.40) argumenta que

Qualquer ciência, cujo foco de análise seja as relações humanas, deve ter em
conta que a humanidade não é uniforme e que a diferença entre homens e
mulheres é uma das principais categorias de análise. Além disso, as relações
de gênero permeiam todas as sociedades, apesar das diferenças espaciais e
temporais.

Assim, partindo-se do pressuposto que é possível e necessário romper com os


limites teórico-metodológicos presentes na ciência geográfica e possibilitar uma
abordagem de gênero, sexualidade e espaço na Geografia, julga-se pertinente que se
busque compreender como o conceito de gênero tem sido discutido e concebido no campo
das ciências sociais, bem como da própria ciência geográfica. Afinal, consoante declara
Pereira (2014, p. 322),
Em uma sociedade profundamente desigual como a brasileira, em que há
inúmeras desigualdades de gênero quanto ao acesso a postos de trabalho, bem
como aos valores pagos pelo mesmo serviço, a prostituição pode representar
uma das poucas opções de se obter dinheiro de maneira imediata, utilizada para
34

o auxílio em momentos difíceis, como no caso do adoecimento de familiares


ou na falta de recursos para o pagamento de contas.

“A segregação social e política a que as mulheres foram historicamente


conduzidas tivera como consequência a sua ampla invisibilidade como sujeito —
inclusive como sujeito da Ciência”. (LOURO, 1997, p. 17).

Os questionamentos a respeito da invisibilidade feminina na ciência geográfica


são antigos, já que eles datam dos anos 70. Esse movimento, que inicialmente
era composto por mulheres brancas de algumas grandes universidades
europeias e norte-americanas, cresceu com a renovação do pensamento
geográfico, sobretudo nas correntes pós-estruturalistas e pós-coloniais.
(SILVA; NABOZNY; ORNAT, 2011, p.23).

Na década de 80 as discussões feministas feitas principalmente nas academias


destacaram-se acerca da distinção conceitual entre sexo e gênero. De acordo com
Yannoulas (2000, p.427),

A palavra sexo provém do latim sexus e refere-se à condição orgânica


(anatomofisiológica), que distingue o macho da fêmea. Sua principal
característica reside na estabilidade através do tempo. A categoria de gênero
provém do latim genus e refere-se ao código de conduta que rege a organização
social das relações entre homens e mulheres. Em outras palavras, o gênero é o
modo como as culturas interpretam e organizam a diferença entre homens e
mulheres. Sua principal característica está na mutabilidade, isto é, na
possibilidade de mudança na relação entre homens e mulheres através do
tempo.

Contudo, é necessário levantarmos uma observação quanto a definição de sexo


feita pela autora, visto como algo estável e imutável, o que vem a reforçar as propostas
da sociedade heteronormativa, ou seja, a organização da sexualidade bipolar da
humanidade. Assim sendo, acreditamos que, de acordo com o que afirma Silva (2010, p.
40) “Gênero e sexo são aqui compreendidos como construções sociais permanentes que
vão muito além da mera representação de papéis a serem desempenhados por corpos de
homens e mulheres sob a hegemonia da heteronormatividade.”
Ao se definir gênero enquanto sendo o modo como as culturas interpretam e
organizam a diferença entre homens e mulheres, Yannoulas (2000) aponta cinco
principais características comuns que resultam na adoção do enforque de gênero:
comparatividade, transversalidade, historicidade, politicidade e espacialidade. A
comparatividade nos estudos de gênero preocupa-se em comparar as “diferenças,
semelhanças e as relações entre as formas de representação e as condições de existência
de homens e mulheres, consideradas em seus aspectos diversos [...].” Cabe então por meio
35

da comparatividade detectar diversas formas de discriminação existentes entre homens e


mulheres nas mais variadas culturas e povos. Os estudos de gênero também são
comparativos quando permitem identificar e comparar as diferentes formas de existências
das mulheres pelo mundo. A transversalidade, de acordo com a autora, seria a
necessidade de uma abordagem multidisciplinar, pois a questão de gênero se refere a
problemas transversais às diferentes disciplinas das ciências sociais. Os estudos de gênero
possuem uma historicidade por se tratar de um fenômeno temporal e mutável. “Isto
significa que não é possível estudar qualquer problemática de gênero sem observar sua
variação no tempo e no espaço”. A politicidade dos Estudos de Gênero remete à
articulação entre as acadêmicas feministas e aos movimentos de mulheres. E por outro, a
espacialidade das relações de gênero trata-se da sua mutabilidade no espaço.
Os estudos das relações de gênero trazem para o debate o repensar do papel da
mulher na sociedade e como a mesma tem se apropriado do uso do espaço. Conforme
afirma Pereira (2014, p.315)

A categoria gênero foi introduzida buscando tanto um aprofundamento teórico-


metodológico de temas e objetos sobre a história e as relações entre homens e
mulheres – que até então era narrada dentro da história magistralmente
masculina dos grandes eventos –, quanto para indicar o caráter social das
relações de gênero, até então essencialmente atreladas à biologia.

Costa (2011, p.77) afirma que “historicamente, as relações entre homens e


mulheres foram construídas de forma desigual, reforçando a submissão e a violência
numa relação de gênero desigual que exclui e segrega”. Assim, ao trabalhar a categoria
de gênero sob o foco de uma abordagem geográfica, a autora reitera que as relações
sociais e os movimentos de diferentes orientações sexuais contribuem para a reprodução
da sociedade e do espaço. Portanto, analisando como o tema gênero é trabalhado nos
ambientes escolares, e em especial na disciplina de Geografia, a mesma define gênero
como sendo “uma construção sociológica, político cultural do termo sexo, não é uma
variável demográfica, biológica ou natural apenas, mas traz toda uma carga cultural e
ideológica.” (COSTA, 2011, p.80).
Weeks (2000) acredita que as questões que envolvem as relações de gênero e os
próprios comportamentos sexuais não são resultados de uma simples evolução, causadas
por algum fenômeno natural, mas têm sido modeladas nas relações de poder. Um exemplo
disso, segundo o autor, seria a própria sexualidade feminina que tem sido historicamente
36

definida em relação à masculina, um controle instituído pelo modelo patriarcal sobre a


sexualidade das mulheres na sociedade. Dessa forma, ele afirma que

O gênero não é uma simples categoria analítica; ele é, como as intelectuais


feministas têm crescentemente argumentado, uma relação de poder. Assim,
padrões de sexualidade feminina são, inescapavelmente, um produto do poder
dos homens para definir o que é necessário e desejável — um poder
historicamente enraizado. (WEEKS, 2000, p. 40)

A pesquisadora Dolores Juliano (2016) reporta, em uma entrevista cedida a uma


revista online, Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero, que as diversas
sociedades, conforme suas diferentes culturas, atribuem aos homens e as mulheres
condutas específicas, sendo que essas condutas limitam o ser humano de desempenhar
papéis de gênero. Enquanto construções sociais, tais condutas se naturalizam não
necessitando, portanto, serem questionadas.

Toda a sociedade pensa que suas relações internas e, entre elas, os modelos de
gênero, são normais, naturais, não necessitam ser questionados porque não se
desprendem da natureza quando, na realidade, em todos os casos são arbitrários
culturais, são construções (PRZYBYSZ, 2016, p. 155).

Desde que foi incorporado nos discursos feministas, os estudos de gênero tem
sido de fundamental relevância, pois tem desmistificado a ideia de que as diferenças
biológicas são responsáveis pelas desigualdades entre os gêneros. Vê-se cada vez mais
que essas desigualdades são construções sociais que foram legitimadas por um modelo
de sociedade patriarcal. Sobre essa problemática, Louro (1997, p. 20) deixa claro que

O argumento de que homens e mulheres são biologicamente distintos e que a


relação entre ambos decorre dessa distinção, que é complementar e na qual
cada um deve desempenhar um papel determinado secularmente, acaba por ter
o caráter de argumento final, irrecorrível. Seja no âmbito do senso comum, seja
revestido por uma linguagem "científica", a distinção biológica, ou melhor, a
distinção sexual, serve para compreender — e justificar — a desigualdade
social.

Lamas (2000, p. 13) reforça a importância que o movimento feminista teve ao


criar esse novo conceito na tentativa de modificar o conflito das relações mulher-homem,
afirma que
O feminismo desenvolveu o conceito de gênero como o conjunto de ideias em
uma cultura sobre o que é “próprio” dos homens e “próprio” das mulheres e,
com isto, se propôs a revisar como a determinação de gênero assegura a
dicotomia na qual se fundamenta a tradição intelectual ocidental. Esta tradição
37

é, ademais, androcêntrica, o que enviesa a produção de conhecimento e gera


certos postulados que legitimam mecanismos de dominação e exclusão.

Silva (2009a) analisa que as discussões de gênero por parte das geografias
feministas não foram bem aceitas no meio acadêmico, mesmo diante das inúmeras
contribuições que as perspectivas feministas poderiam dar para a compreensão da
realidade socioespacial.

A adoção do conceito de gênero pelas geógrafas feministas permitiu avanços


teóricos e metodológicos, além da ampliação do campo de estudos, já que o
espaço passou a ser um importante elemento para a compreensão das relações
de gênero. Cada organização espacial é produto e condição das relações de
gênero instituída socialmente, contudo, hierarquizada, com primazia dos
homens em relação ás mulheres. (SILVA, 2009a, p. 35).

É, portanto, sobre essa questão que abriremos um parêntese considerado de suma


importância no que se refere a alguns equívocos conceituais que ao longo do tempo tem-
se construído a respeito do termo gênero. É preciso que se compreenda que a “abordagem
de gênero na Geografia não pode ser entendida como Geografia sobre as mulheres”
(SILVA, 2011, p.25), pois há que se considerar que esses estudos envolvem também os
homens e as pessoas trans. Conforme a mesma, “há uma confusão entre o recorte de
grupo a ser analisado pelo pesquisador e a opção conceitual que estrutura o modelo de
análise” (SILVA, 2011, p.26). Dessa maneira, a autora deixa claro quanto a sua definição
de gênero.

O conceito de gênero agrega a dimensão social e cultural da diferença sexual,


adotando a perspectiva da construção social dos papéis sociais que devem ser
desempenhados por homens e mulheres, nega a construção universal das
diferenças, implicando a compreensão dos papéis em determinada estrutura
temporal e espacial. (SILVA, 2011, p.26).

Veleda da Silva (1998, p. 107) afirma que “o conceito de gênero faz referência
a todas as diferenças entre homens e mulheres que foram construídas social e
culturalmente e que condicionam relações de subordinação/dominação”, e, ainda
complementa, “a Geografia de gênero não é ‘Geografia das ou de mulheres’, pois assim
pareceria que só estudaríamos a metade da humanidade e que somente as mulheres
poderiam fazer uma Geografia feminista”.
38

Vê-se, deste modo, que as questões relacionadas ao gênero, desde que passaram
a serem discutidas em meio ao movimento feminista, vem ganhando novas reflexões
quanto ao seu uso e definição, refletindo assim a busca incessante por uma maior
compreensão das relações e vivências espaciais na sociedade.

Se o gênero enquanto categoria analítica representou um grande


amadurecimento da produção feminista, foram as diversas vertentes de estudos
que se seguiram, inspirados nessa categoria, que, por discutirem questões
referentes à sexualidade, abriram caminhos tanto para a discussão política de
identidades plurais de gênero, como inseriram uma pauta pouco amadurecida:
a discussão sobre prazer (PEREIRA, 2014, p.317).

Para Louro (1997), o conceito de gênero têm feito história, visto estar
diretamente relacionado com a própria história do movimento feminista contemporâneo.
Enquanto parte constituinte do movimento, o conceito de gênero encontra-se envolvido
tanto linguística quanto politicamente em suas lutas.
Para que se possa discutir a abordagem de gênero na análise geográfica se faz
pertinente pensarmos na relação que possa existir entre gênero e espaço e como os
estudos de gênero podem contribuir na compreensão da produção espacial, possibilitando
desse modo o surgimento de novas formas de se pensar a ciência geográfica. Desse modo,
conforme afirmação de Rossini, a abordagem de gênero na Geografia encontra-se ainda
pouco expressiva.
Constitui um tema ainda pouco explorado na Geografia, isto porque a mulher
não constitui categoria de análise nesta área. O objeto de Geografia é, em
primeiro lugar, o espaço. Assim, procura-se trabalhar o tema de forma a
demonstrar como a mulher, através do seu trabalho, produz e reproduz o
espaço (ROSSINI, 1993, p.1).

Em entrevista publicada em um periódico on line, Revista Latino-americana de


Geografia e Gênero, o geógrafo britânico David Bell (2010) afirma que algumas
conquistas já feitas neste campo de discussão “parte de uma reavaliação crítica do modo
como fazemos Geografia. Parece existir maior aceitação, embora ainda com limites, sobre
o que pode ser a Geografia” (SILVA e VIEIRA, 2010, p.321).

E novas abordagens teóricas e metodológicas – com as quais a Geografia está


sempre brincando promiscuamente – também estão permitindo à Geografia
explorar novos terrenos, ou explorar de novas formas, que também atravessam
fronteiras (BELL, 2011, p .210).

Portanto, como reafirmam Cesar e Pinto (2015, p.121), “O campo científico não
é fixo e imutável, há contra-correntes, pressões e tensões que desestabilizam hegemonias
39

e fazem surgir diferentes temáticas”. Deste modo, Silva (2015, p. 173) nos aponta “[...]
que as reflexões no campo geográfico são cada vez mais dinâmicas, e nos propõem ir ao
encontro a ação social do ser humano, que tece suas redes de convívio”.
É preciso abrir um parêntese quanto ao surgimento das chamadas
“epistemologias feministas”, denominação dada ao nascimento de “um movimento
científico político de mulheres cientistas que acabaram por produzir novas formas de
conceber a ciência como um conhecimento posicionado e situacional, e, portanto,
embebido em relações de poder” (SILVA, 2009b, p. 57). Assim sendo, a autora reitera
que

Essas novas concepções, no entanto, não podem ser compreendidas como


práticas científicas próprias de mulheres, mas como uma forma de fazer
científico também adotado por homens inconformados com a falácia das
verdades universais e da naturalização das hegemonias de determinadas
versões de saber. (SILVA, 2009b, p. 57).

Susana M. Veleda da Silva ao publicar um artigo no final da década de 90, quando


propõe a possibilidade de discutir a teoria geográfica com matizes feministas, afirma o
quanto é difícil, porém possível, “levantar novas possibilidades de pensar
geograficamente o mundo” (VELEDA DA SILVA, 1998, p. 106). Martínez (1995, p.18,
apud VELEDA DA SILVA, 1998, p.108), aponta três grandes áreas na Geografia onde o
enfoque de gênero torna-se fundamental, onde seriam eles:

1) as relações existentes entre gênero e conceitos chaves na Geografia como


são o espaço, o lugar e a natureza;
• o espaço enquanto construção social e de gênero,
• o conceito de lugar e a importância que em sua definição introduzem as
diferenças de gênero,
• a relação entre gênero e natureza (o meio ambiente em seu sentido amplo);
2) as diferenças territoriais nos papéis e relações de gênero;
3) o uso e experiência diferenciais do espaço entre homens e mulheres, em
distintas escalas: desde a escala local (utilização do espaço cotidiano, por
exemplo) a global (movimentos migratórios transnacionais).

É necessário, portanto, pensar as questões sobre as mulheres a partir das suas


espacialidades, construindo assim uma perspectiva de gênero na Geografia. Como afirma
Yannoulas et al (2000, p.426) ao declarar que “[...] os aportes dos estudos de gênero
podem contribuir com seu potencial dinamizador para a exploração crítica e para a
transformação do conhecimento científico atual [...]”. Sendo assim, como declara Kath
Browne (2014, p.256) em entrevista cedida a Revista Latino-americana de Geografia e
Gênero, “gênero sempre importa e é crucial que as hegemonias da masculinidade, tanto
40

entre quem faz pesquisa quanto quem é objeto dessa pesquisa, sejam objeto de uma
reflexão crítica.” Onde acrescenta “gênero recria espaços sexuais.”
Ao descrever a respeito das culturas e práticas organizacionais e acadêmicas no
que se refere aos estudos de gênero situados na Geografia, Monk (2011, p.88) ilustra que

As primeiras sessões acadêmicas dentro da União Geográfica Internacional


(UGI) sobre gênero na Geografia ocorreram em 1981 e 1982. Estas se deram
por intermédio de artigos publicados nas conferências da Califórnia e da
Sardenha, nos respetivos anos. A primeira, quando sete artigos tratando de
mulheres e gênero foram apresentados em uma conferência na Califórnia,
organizada pela Comissão da UGI sobre o Desenvolvimento Rural. O objetivo
de apresentar os artigos no encontro era desenvolver uma conscientização
feminista dentro das correntes majoritárias da ciência geográfica.

A autora deixa claro a respeito da grande relevância que as conferências da


Califórnia (1981) e da Sardenha (1982) tiveram para a introdução de pesquisas sobre as
mulheres na Geografia, isso se deve em grande parte devido à formação de laços
acadêmicos entre as geógrafas pesquisadoras de gênero para com os líderes das
comissões. Em entrevista cedida a uma revista, Revista Latino-americana de Geografia
e Gênero, a pioneira em estudos de Geografia e gênero no Brasil, Rosa Ester Rossini
(2016), menciona a conferência da Sardenha em 1982 como o primeiro evento de
Geografia e Gênero, sendo este organizado pelo Grupo de Trabalho de Geografia e
Gênero a qual a mesma fazia parte como representante da UGI no Brasil (América
Latina). Para Monk (2011, p.89) “A formação de redes mais amplas e uma possível
institucionalização da pesquisa de gênero dentro da UGI foram iniciadas no Congresso
de Paris, em 1984”. Contudo, há que salientar, de acordo com a referida autora, que o
reconhecimento e legitimidade para a realização de uma reunião sobre gênero no
Congresso não foi tão fácil, devido à resistência por parte dos seus organizadores.
De acordo com a pesquisadora Rosa Ester Rossini, ao comparar o
desenvolvimento de pesquisas voltadas a questão de gênero durante as décadas de 80 e
90 com a atualidade, a mesma acredita que nos dias de hoje há menos discriminação ao
se trabalhar com o temática de gênero.

O grande passo para a divulgação e apoio econômico teve sua maior expressão
com a criação da Secretaria das Mulheres3 do Governo Federal que, em
integração com o CNPq e com o Ministério da Reforma Agrária, tem
possibilitado a realização, divulgação e cursos interessando aos estudos de
gênero (SILVA e ORNAT, 2016, p. 218).

3
Pasta criada para dar visibilidade e garantir o direito de minorias, o Ministério das Mulheres, da Igualdade
Racial e dos Direitos Humanos foi extinto. Os temas referentes à antiga pasta serão, agora, discutidos no
âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania.
41

Ainda, ao analisar o desinteresse por parte das universidades em abordar gênero


na Geografia, Monk (2011, p.97) cita alguns exemplos que considera serem verdadeiras
barreiras “para uma inclusão mais ampla da perspectiva de gênero nas práticas de ensino”.
Dentre essas barreiras há as questões políticas econômicas capitalistas, que priorizam as
formações técnico-profissional; há também que considerar que em países onde a
Geografia é associada como ciência natural ou econômica, ao invés de ciência social, a
inclusão da perspectiva de gênero torna-se ainda mais difícil. Assim, afirma que “A
resistência em compreender o espaço como socialmente construído permanece entre
geógrafos influentes, sob a alegação de que os temas devem ser deixados para análise dos
sociólogos” (MONK, 2011, p.98). Contudo, quando afirmamos que a Geografia é uma
ciência social, nos reportamos à afirmativa de Moreira (2008, p. 64) quando diz que
“Tendo por objeto uma categoria de caráter social, o caráter científico da geografia fica
determinando pelo caráter do seu objeto. Ora, o espaço é essencialmente um ente social”.
Segundo Silva (2009a), no Brasil tais discussões se restringem ao Simpósio de
Espaço e Cultura, a eventos multidisciplinares e a encontros próprios de Geografia. No
entanto, há que se considerar que essa realidade vem mudando, ainda que lentamente,
ganhando cada vez mais espaços nas publicações de periódicos, em encontros, simpósios
e seminários e produção de trabalhos nos programas de pós-graduação em Geografia no
Brasil. À vista disso, Kozel (2013, p. 13) afirma que

As perspectivas e aportes desenvolvidos na Geografia brasileira a partir dos


anos 1980 refletem o movimento desta ciência ocorrido em outros países,
sobretudo no mundo anglo-saxão e França, com as vertentes teorética-
quantitativa e humanista contrapondo-se às vertentes clássica, funcionalista e
estruturalista.

Em artigo publicado a Revista Electrónica de Geografia y Ciências Sociales,


Veleda da Silva (2000, p.1) ao descrever sobre a produção geográfica brasileira com
enfoque em gênero, a pesquisadora afirma que

No Brasil, os estudos que abordam as relações de gênero acompanham os


diferentes momentos dos movimentos sociais feministas. A partir da década de
setenta a emergência destes movimentos sociais consolidam novas forças
políticas em vários lugares do planeta. Movimentos sociais anticoloniais,
étnicos, raciais, de homossexuais, ecológicos e de mulheres, para citar os mais
expressivos, despontam e modificam lugares e mentalidades.
42

É inegável que em outros campos do conhecimento, como na Antropologia,


Sociologia, Psicologia e História, podemos encontrar maior presença em estudos e
produções de trabalhos voltados a temática gênero e à sexualidade do que os verificados
na Geografia, conforme afirmação de Rosa Ester Rossini,

Com todos os avanços há muita timidez na Geografia em relação aos estudos


de gênero e esperamos que as possibilidades de trabalho anunciadas pelos/as
estudiosos/as do tema se espalhem por todas as Universidades e Centros e
Pesquisa tornando-se uma realidade concreta no país e conquistando muito
mais pessoas (SILVA e ORNAT, 2016, p. 218).

Portanto, verifica-se que mesmo diante das contribuições proporcionadas pelo


movimento feminista ao longo do tempo nos mais diversos países do mundo e na América
Latina, bem como maior crescimento em produções acadêmicas voltados para a
perspectiva de gênero na ciência geográfica, principalmente a partir da década de 90 nos
países centrais, o mesmo não tem acontecido no Brasil, visto que ainda temos número
muito reduzido de geógrafas (os) que trabalham com a perspectiva de gênero nas análises
espaciais.
Temas como a feminização da pobreza, o aumento da proporção de mulheres
chefes de família, as migrações femininas no mundo, as economias nacionais
baseadas em remessas de capitais e como esses elementos redesenham as
relações entre os sexos nos locais de origem, a participação das mulheres nos
movimentos camponeses (como no Movimento dos Sem-Terra), e, acima de
tudo, os desiguais efeitos que, sobre as mulheres e homens, estão produzindo
a globalização, são algumas das questões que, apesar da sua inequívoca
importância territorial, a Geografia brasileira tem ignorado (SILVA, 2009c,
p.40).

Em levantamento realizado pelo Grupo de Estudos Territoriais (GETE) da


Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que trata das produções científicas em
periódicos online acerca das abordagens de gênero e sexualidades, é possível observar
número significativamente reduzido da temática gênero e sexualidades na Geografia
brasileira, como apontado por Cesar e Pinto (2015, p. 121), quando afirmam que “do total
de artigos compilados neste banco de dados, foi constatado que apenas 167 destes
tratavam de Gênero (1,2 %) e somente 49 artigos abordaram a temática de Sexualidades
(0,3%)”, conforme gráfico 1 e gráfico 2.
Os autores ressaltam a importância que tem os Grupos de Pesquisa como forma
de dar maior sustentação na produção científica com viés nesta abordagem,
potencializando assim as discussões teóricas e metodológicas, no entanto, afirma que
43

“[...] apesar da crescente feminização do campo científico da Geografia, não houve uma
expansão significativa dos Grupos de Pesquisa voltados para pesquisas da área de gênero,
mulheres e sexualidades” (CESAR e PINTO, 2015, p. 123).

Gráfico 1: Produção de Artigos Científicos de Gênero na Geografia Brasileira – 1980/2013

Fonte: CESAR e PINTO (2015, p.129).

Gráfico 2: Produção de Artigos Científicos de Sexualidades na Geografia – 1980/2013

Fonte: CESAR e PINTO (2015, p.129).

À vista disso, conforme o levantamento realizado, dos 224 grupos presentes na


plataforma, apenas 17 destinam-se ao desenvolvimento de pesquisas na temática de
gênero/sexualidades, o que representa apenas 7,1%, sendo que as produções se
concentram em periódicos qualificados nos estratos B1 e B2, conforme apresentado no
gráfico 3. É pertinente observarmos que na região norte, vê-se a existência de apenas de
um Grupo de Pesquisa, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações
Sociais de Gênero – GEPGÊNERO, criado em 2001, na Universidade Federal de
Rondônia, UNIR, Porto Velho, tendo como líder a Profa. Dra. Maria das Graças Silva
44

Nascimento Silva. No que diz respeito as teses e dissertações voltadas as temáticas de


gênero e sexualidades, verifica-se que os mesmos “concentram-se em cursos de pós-
graduação criados recentemente e fora dos centros tradicionais” (CESAR e PINTO, 2015,
p. 126).
Gráfico 3: Artigos de Gênero e Sexualidades. Distribuição por Estrato.

Fonte: CESAR e PINTO (2015, p. 130).

Assim sendo, é perceptível e possível identificar “invisibilidade feminina no


discurso geográfico” (SILVA; NABOZNY; ORNAT, 2011, p.21), marcada, segundo
autores, pelas ausências e silêncios por parte da ciência hegemônica, limitações essas que
precisam ser superadas na Geografia brasileira.

1.2. Feminismo, Geografias Feministas e Prostituição

Ao se refletir acerca das contribuições das chamadas Geografias Feministas no


campo da ciência geográfica, uma dessas foi, sem dúvidas, as críticas que têm sido feitas
ao modo como foi e ainda continua sendo conduzidas as produções geográficas no Brasil.
Desse modo, se tem buscado compreender de que forma os ideários do movimento
feminista tem contribuído aos estudos sobre as mulheres e as relações sociais de gênero
estabelecidas espacialmente, bem como as reflexões produzidas acerca da atividade da
prostituição no âmbito da Geografia. Silva (2009a, p. 27) reforça que

A Geografia, assim como outras ciências, é um saber que se desenvolve


atrelado aos contextos histórico-geográficos e aos recursos de interpretações
disponíveis, como as técnicas e as teorias. Os movimentos sociais, nesse
sentido, compõem os saberes científicos e suas formas de interpretação da
realidade.
45

O movimento feminista surge no mundo ocidental por volta dos séculos XIX, mais
precisamente no ano de 1848 decorrente da convenção sobre os Direitos da Mulher em
Nova Iorque, Estados Unidos. Desse evento foi aprovado um documento chamado de
Declaração de Seneca Falls (Seneca Falls Convencion) ou Declaração dos Sentimentos,
onde através deste se reivindicava principalmente o direito da mulher no campo político,
como por exemplo, o direito ao voto, a ocuparem cargos públicos, a filiarem-se em
organizações políticas, etc.

O feminismo, como movimento social, é um movimento essencialmente


moderno, surge no contexto das ideias iluministas e das ideias transformadoras
da Revolução Francesa e da Americana e se espalha, em um primeiro
momento, em torno da demanda por direitos sociais e políticos. Nesse seu
alvorecer, mobilizou mulheres de muitos países da Europa, dos Estados Unidos
e, posteriormente, de alguns países da América Latina, tendo seu auge na luta
sufragista. (COSTA, 2007, p. 52).

Isto posto, considera-se que esse foi o início das reivindicações e lutas por parte
das mulheres pela inclusão e igualdades de direitos na sociedade. As mulheres eram
privadas de se inserirem nas mais diferentes instâncias da vida pública e civil, sendo que
a partir de então, a igualdade e equidade de gêneros passaram a ser fortemente
questionados e manifestadas através de constantes lutas ao longo da história pelo
movimento feminista. Louro (1997) considera que o “sufragismo” ocorrido na virada do
século foi responsável por dar maior visibilidade e expressividade às manifestações
contra a discriminação feminina levantadas pelo movimento.

Com uma amplitude inusitada, alastrando-se por vários países ocidentais


(ainda que com força e resultados desiguais), o sufragismo passou a ser
reconhecido, posteriormente, como a "primeira onda" do feminismo. Seus
objetivos mais imediatos (eventualmente acrescidos de reivindicações ligadas
à organização da família, oportunidade de estudo ou acesso a determinadas
profissões) estavam, sem dúvida, ligados ao interesse das mulheres brancas de
classe média, e o alcance dessas metas (embora circunscrito a alguns países)
foi seguido de uma certa acomodação no movimento. (LOURO, 1997, p.15).

Porém, é nos períodos das décadas de sessenta e setenta do século XX que o


feminismo ganha mais forças na sociedade ocidental, como uma representação de luta e
resistência contra as desigualdades vigentes entre mulheres e homens. Conforme afirma
Veleda da Silva (1998, p. 106) “a participação das mulheres nos movimentos feministas
mostrou que as relações de gênero conduzia à relações não igualitárias em casa, no
trabalho e na comunidade.”
46

Os movimentos das mulheres contribuíram para importantes conquistas, desde


aquelas relativas à lutas por aumento de salários e por salários iguais para
iguais trabalhos, como aquelas relativas à políticas públicas na esfera da
educação, como a construção de creches e na esfera do saneamento básico e da
saúde reprodutiva (VELEDA DA SILVA, 2013, p.107).

Costuma-se dividir a história do movimento feminista em três momentos,


reconhecidos como as três “ondas”, estas marcados pelas diferentes reivindicações
características de cada período. A primeira onda se deu durante o século XIX e início do
século XX, nos Estados Unidos e Reino Unido, onde suas principais reivindicações eram
pautadas na igualdade de direitos entre mulheres e homens, como o direito de voto e
propriedade, por exemplo.
Durante as décadas de sessenta e oitenta, dá-se o início do surgimento da chamada
segunda onda do movimento feminista, onde as discussões por parte das feministas
tomam maiores proporções em termos de luta. Assim, segundo Veleda da Silva (2000,
p.6) durante esse período, “os estudos mostram a participação das mulheres em vários
setores da vida pública, lutando pelos seus direitos e necessidades por meio de
manifestações, denunciando as desigualdades sociais imputadas pelas relações de
gênero”. A filósofa Nancy Fraser (2007) reconhece três fases no que concerne a história
da segunda onda do movimento feminista, a qual descreve,

Em uma primeira fase, o feminismo estava estritamente relacionado a vários


“novos movimentos sociais” que emergiram do fermento dos anos 60. Na
segunda fase, foi atraído para a órbita da política de identidades. E, finalmente,
em uma terceira fase, o feminismo é cada vez mais praticado como política
transnacional, em espaços transnacionais emergentes (FRASER, 2007, p. 292).

Questões que até então não haviam sido debatidas, a partir desse momento
passam a serem discutidas e revistas. Desigualdades culturais, econômicas e políticas
abriram uma gama de possibilidades para demais questionamentos referentes as situações
latentes em que as mulheres se encontravam inseridas. Sexualidade, discriminação de
gênero, direitos reprodutivos, violências domésticas e estupros conjugais, mudanças nas
leis de divórcio, foram algumas questões levantadas pelo movimento feminista nesse
período. Há que se destacar que tais contestações adentram no meio acadêmico, através
de livros, revistas e jornais, como afirma Louro (1997, p. 17)

Militantes feministas participantes do mundo acadêmico vão trazer para o


interior das universidades e escolas questões que as mobilizavam,
impregnando e "contaminando" o seu fazer intelectual — como estudiosas,
47

docentes, pesquisadoras — com a paixão política. Surgem os estudos da


mulher.

Onde reitera,

Fizeram mais, ainda: levantaram informações, construíram estatísticas,


apontaram lacunas em registros oficiais, vieses nos livros escolares, deram voz
àquelas que eram silenciosas e silenciadas, focalizaram áreas, temas e
problemas que não habitavam o espaço acadêmico, falaram do cotidiano, da
família, da sexualidade, do doméstico, dos sentimentos. (LOURO, 1997, p.
19).

É preciso mencionar que durante esse período da segunda onda, as questões


referentes a prostituição ainda não faziam parte das principais discussões dentro do
movimento feminista no Brasil. Contudo, Piscitelli (2012, p.14) afirma que, “embora a
prostituição não constituísse um dos grandes temas do feminismo, ela gerava interesse.
As discussões sobre o tema deram lugar a novas percepções sobre a sexualidade, mas
também a ambivalências”.
É durante esse período da segunda onda que a luta pela visibilidade dos estudos
de gênero e sexualidade na Geografia sofre forte influência por parte do movimento
feminista e das suas discussões levantadas acerca das relações de gênero estabelecidas na
sociedade.
O movimento feminista, notadamente aquele reconhecido como a “segunda
onda”, foi fundamental para inspiração da ação de geógrafas que iniciaram um
movimento interno à Geografia nos anos 70, sob a perspectiva de três objetivos
principais: construir a igualdade entre homens e mulheres no âmbito da
disciplina; centrar as investigações geográficas sobre as mulheres; e desafiar
as filosofias, conceitos e metodologias que sustentavam a hegemonia da
Geografia masculina (SILVA, 2009a, p. 27).

No início da década de noventa, dá-se o surgimento da terceira onda. O que vem


a marcar esse período do movimento feminista seriam as críticas levantadas à segunda
onda. Falhas internas consideradas relevantes serem expostas e questionadas, passaram a
serem discutidas dentro do movimento. Neste período, as feministas expõem as
diferenças raciais presentes no movimento em virtude da perspectiva hegemônica da
mulher branca de classe média alta. Feministas negras denunciam suas invisibilidades nos
discursos feministas presentes na segunda onda. No Brasil observa-se que a terceira onda
do movimento feministas é marcada pelas “intensas discussões sobre os processos de
institucionalização, no que se refere à inserção do feminismo no Estado e em ONGs”
(PISCITELLI, 2012, p.15).
48

É importante salientar que, ao falarmos sobre movimento feminista ou


feminismo, julga-se necessário apontarmos algumas questões que permeiam e têm sido
associadas ao longo do tempo ao movimento. Diversas são as interpretações atribuídas ao
movimento feminista e a própria palavra feminismo, assim como estereótipos que são
criados por parte da sociedade e que são vinculados ao grupo. Primeiramente é preciso
ter claro que ao falarmos sobre feminismo não estamos exclusivamente nos referindo a
mulheres, nem tão pouco a tudo que vem de encontro ou em oposição ao homem.
Conforme demonstra Sorj (2005), ao apresentar algumas observações sobre os estigmas
relacionados ao feminismo, a autora afirma que mesmo diante de tantas conquistas e
mudanças promovidas por meio das lutas feministas, ovacionadas inclusive pela própria
sociedade, ainda há uma grande relutância por parte de algumas pessoas em declarar-se
ou mesmo apoiar o feminismo.

É notável a grande resistência das pessoas em se declararem feministas, mesmo


quando abraçam todas as bandeiras que as feministas lançaram desde os anos
70: salário igual para trabalho igual, livre acesso à contracepção,
descriminalização do aborto, igualdade entre homens e mulheres na repartição
das tarefas domésticas, o fim da violência doméstica. Assim, encontramos
muitas mulheres e homens que sempre iniciam suas colocações dizendo que
não são feministas, mas são a favor disto e daquilo que constituem o ideário e
as lutas feministas. (SORJ, 2005, p. 1).

Portanto, para a autora, essa dicotomia entre a resistência de uma parte da


população em relação ao feminismo, mesmo posicionando muitas vezes a favor dos
ideários propagados pelo movimento, se dá pelo fato da existência eminente de estigmas
associadas às feministas, o que proporciona, de um certo modo, desprestígio ao
movimento.

[...] quantas vezes ouvimos que as feministas são mulheres mal-amadas,


histéricas, frustradas, raivosas, mal-humoradas como se esses atributos de
personalidade fossem monopólio das feministas e não estivessem
aleatoriamente distribuídos em qualquer grupo político, profissional ou
religioso. (SORJ, 2005, p. 1).

Todavia, há também que se mencionar, no que tange as reivindicações por parte


do movimento feminista, que “as bases da construção do saber” também estavam sendo
questionadas, pois ao mesmo tempo em que as lutas denunciavam as desigualdades
sociais, também se faziam “frente ao conhecimento até então legitimado na história do
pensamento geográfico” (SILVA, 2010, p.42). Silva (2009a) nos mostra que muitos
49

foram os estudos e diagnósticos feitos a respeito da participação das mulheres no meio


acadêmico na ciência geográfica. Várias foram as geógrafas, conforme aponta a autora,
que analisaram e questionaram a maneira como os cursos de Geografia conduziam suas
produções científicas, fomentadas através de bases curriculares onde a objetividade e a
racionalidade eram primordiais na análise da realidade espacial, nesse sentido, a produção
de ideais e pensamentos, não necessita estar embasada em contextos, valores, emoções e
subjetividades, características que denunciavam um modo de discurso geográfico
científico com supremacia masculina em detrimento as teorias feministas.

O movimento feminista empreendido na história da geografia passou a agir


com a finalidade de investigar e tornar visível a relação entre as divisões dos
gêneros masculino e feminino e as divisões espaciais, com o objetivo de
compreender como as duas se constroem simultaneamente e desvendar os
elementos ocultos sob a aparente ordem ‘natural’ da organização da realidade
socioespacial. (SILVA, 2009a, p. 31).

Ainda, é importante lembrarmos que, conforme versa Rago (2001, p. 59), “o


feminismo colocou como uma de suas principais bandeiras as ‘políticas do corpo’, o
direito ao próprio corpo, a reivindicação do prazer sexual para as mulheres e que, aliás,
progrediu nessa direção.”

Estes movimentos ocorreram em períodos e intensidades diferentes tanto no


mundo desenvolvido como nos países da América Latina. O fato é que
ampliaram-se e, de reivindicações mais pontuais, passaram a questionar a
própria cultura ocidental, incluindo desde o relacionamento privado homem-
mulher até a própria ciência considerada comprometida com a visão masculina
do mundo (VELEDA DA SILVA, 1998, p.106).

Em meados da década de sessenta o movimento das mulheres e feministas


destaca-se em nosso país durante o período do Regime Militar (1964-1985), envolto as
insatisfações de operários(as) em greve e aos movimentos estudantis. Do mesmo modo,
a influência dos movimentos feministas chega à academia no Brasil durante esse período,
segundo Veleda da Silva (2013, p.108)

[...] inicia no final dos anos de 1960 e toma corpo a partir da década de 1980 e
passa pela militância de pesquisadoras(res) que trazem para as ciências
humanas e sociais uma renovação de conceitos e paradigmas. A perspectiva
feminista aparece com força principalmente nas áreas de Educação,
Sociologia, Antropologia, Psicologia, Enfermagem, Literatura e História.
Conceitos como trabalho, patriarcado, família e divisão sexual do trabalho são
ressignificados a partir das teorias feministas que se embasam na psicanálise,
50

no marxismo, no pós-estruturalismo e a partir dos anos de 1980, os estudos das


relações de gênero, os estudos culturais, os estudos pós-coloniais, a teoria
queer entre outros.

Todavia, é importante ressaltar que os ideários feministas já se faziam presentes


em nosso país no início das primeiras décadas no século XX como mostra Costa (2007,
p. 55) ao afirmar que “no Brasil merece destaque a criação do Partido Republicano
Feminista, pela baiana Leolinda Daltro, com o objetivo de mobilizar as mulheres na luta
pelo sufrágio [...]”.
No Brasil, assim como em outros países, o movimento feminista surge por
intermédio dos movimentos sociais durante o período da década de 70, esses
“movimentos sociais anticoloniais, étnicos, raciais, de homossexuais, ecológicos e de
mulheres, para citar os mais expressivos, despontam e modificam lugares e mentalidades”
(VELEDA DA SILVA, 2000, p.2). Conforme acrescenta Corrêa (2001, p.13-14) ao
mencionar alguns desses

[...] movimentos populares – que iam desde a luta por moradia, passando por
melhores condições de vida (água encanada, luz, transporte), até a luta pela
criação de creches nas fábricas e universidades (o que era uma lei antiga, mas
não cumprida); movimentos políticos – aí incluídos os movimentos pela anistia
aos presos políticos, pela luta contra o racismo, pelos direitos à terra dos grupos
indígenas do país e o movimento dos homossexuais.

É possível observar que a perspectiva feminista passa a ser incorporada na


Geografia brasileira em “consequência do engajamento político feminista de algumas
geógrafas(os) que se inspiram nos estudos de geógrafas(os) e não-geógrafas(os) europeus
e estadunidenses que vêm trabalhando desde a década de 1970, as questões socioespaciais
a partir desse enfoque” (VELEDA DA SILVA, 2013, p.108). Conforme Rago (2003, p.2),

Quarenta anos depois da conquista do direito feminino de voto no Brasil, em


1932, mas também da vitória dos padrões normativos da ideologia da
domesticidade, entre os anos trinta e sessenta, assistimos à emergência de um
expressivo movimento feminista, questionador não só da opressão machista,
mas dos códigos da sexualidade feminina e dos modelos de comportamento
impostos pela sociedade de consumo.

Desta forma, durante o período da ditadura militar vigente no Brasil da época,


mesmo diante de toda a violenta repressão política e cultural imposta à sociedade e ao
movimento feminista, o país encontrava-se envolto a um cenário de transformações
sociais, onde “as mulheres entraram maciçamente no mercado de trabalho e voltaram a
51

proclamar o direito à cidadania, denunciando as múltiplas formas da dominação


patriarcal” (RAGO, 2003, p. 02).
Portanto, observa-se uma expressiva articulação entre a trajetória dos
movimentos das mulheres e do feminismo no Brasil dos anos setenta com a própria
emergência dos estudos de gênero no país nos anos noventa, no qual o modelo de
feminilidade e os padrões sexuais criados no início do século XX, onde o papel da mulher
era de auxiliar e servir ao homem, foi radicalmente questionado. É preciso lembrarmos
que a própria entrada da pílula anticonceptiva no Brasil em 1965, deu mais oportunidade
para a mulher entrar no mercado de trabalho e conseguir tal autonomia e independência.
Assim, a queda da fecundidade na população em geral proporcionou mudanças
significativas ao papel que a mulher desempenhava na sociedade até então. Rossini (2010,
p. 132) nos aponta que “Essa queda é propiciada não só pela necessidade de trabalho
como também pela possibilidade de acesso das mulheres aos bens modernos de
contracepção, o que lhes possibilita a liberdade de uso do seu corpo e de sua sexualidade”.
Desta forma, já no final da década de setenta e início dos anos oitenta, vê-se em
nosso país o surgimento cada vez mais crescente de associações feministas o que vem a
fortalecer e fomentar ainda mais a busca por igualdade e equidade de gênero. Dentre essas
associações Rago (2003, p. 4) exemplifica

Como o Centro Brasileiro da Mulher, no Rio de Janeiro, a Associação de


Mulheres, de São Paulo, futuramente denominada “Sexualidade e Política”, o
Coletivo Feminista do Rio de Janeiro, o Coletivo Feminista de Campinas, SOS
Violência de São Paulo, o SOS Campinas, o SOS Corpo, no Recife, o Maria
Mulher, em João Pessoa, o Brasília Mulher, o Brasil Mulher, o Grupo “Sexo
Finalmente Explícito”, o Centro de Informação da Mulher – CIM, de São
Paulo, entre outros.

Portanto, a Geografia Feminista enquanto subcampo da ciência geográfica, tem


buscado “compreender como o sujeito feminino é construído nas estruturas de dominação
socioespaciais. As tensões fazem parte das práticas diárias na relação entre grupos sociais
e espaço, pois cada grupo atribui a cada espaço diversos significados” (SILVA, 2005,
p.183). Em conformidade com esse propósito, tem dado mais possibilidade para o
desenvolvimento de pesquisas geográficas voltadas a análise de gênero e sexualidades
em sua dimensão espacial, visto se tratar de um projeto político comprometido com as
mudanças sociais e a igualdade humana. A geografia feminista tem desafiado as bases do
conhecimento geográfico e tem se esforçado por construir uma postura crítica que
52

envolve a epistemologia e a metodologia como um campo de forças desiguais entre


homens e mulheres [...] (SILVA, 2007, p. 99).
Essa nova abordagem dentro da ciência geográfica, segundo Lopes (2013, p.30)
“enquadra-se como uma nova perspectiva de análise que ainda é questionada sobre sua
validade frente sua diferenciação e particularidade se comparada à ciência geográfica
tradicional”. Assim Silva (2009a, p.26) reitera que

Nessa perspectiva, emergiram as chamadas “Geografias feministas”,


desenvolvidas com o objetivo de desafiar a crença fundamentalista da
universalidade do saber geográfico estabelecido, por meio da reivindicação de
novas versões científicas que pudessem trazer para a visibilidade grupos
sociais repudiados pelo conhecimento hegemônico.

Neste sentido, Silva (2010, p.40) ressalva que “a expressão ‘Geografia


feminista’ foi substituída pelo seu plural ‘Geografias feministas’ a fim de expressar a
pluralidade científica e ideológica existente neste campo de produção científica”. Isso se
dá em virtude de, dentre outros fatores, por contar “com uma complementaridade de
múltiplos métodos de pesquisa que são apropriados a partir de contextos e finalidades a
serem atingidos” (SILVA, 2007, p.100).

Ainda hoje, a Geografia brasileira é tímida no que diz respeito a essa temática,
mas consideramos que, tal como o caminho trilhado pelos movimentos
feministas, os estudos feministas na Geografia já se apresentam como um
caminho sem volta. (VELEDA DA SILVA, 2009, p.303)

É, portanto, partindo-se da perspectiva das Geografias Feministas que a temática


sexualidade é discutida dentro de uma abordagem geográfica, constituindo-se como uma
forma de superação de preconceitos relacionados a essa vertente.
Ornat (2008b, p.309) nos aponta que “As discussões sobre gênero, sexualidade
e espacialidade podem ser um interessante caminho para que levantemos nossos olhos de
nosso pequeno mundo, para este grande, rico e complexo mundo”. É inegável a
importância do surgimento dos movimentos sociais e feministas enquanto forma de luta
e denúncia das desigualdades vigentes no cenário mundial da época, principalmente no
que se refere as desigualdades entre homens e mulheres na organização socioespacial
sexista.
A introdução de temáticas inovadoras nos discursos geográficos, como no caso
do fenômeno da prostituição e suas espacialidades, tem contribuído para o avanço desta
53

ciência, no entanto, há que se considerar, conforme afirmação de Silva (2009, p.14)


quando diz que

É preciso frisar, contudo, que não basta a simples inserção de recortes sociais
considerados incomuns no campo da Geografia; é necessário construir um
fazer científico que desestabilize a posição do(a) pesquisador(a) ao falar
pelos(as) ‘outros(as) ausentes’. É fundamental considerar o ponto de vista dos
grupos pesquisados, seus próprios saberes, o que, certamente, constitui uma
rica fonte de novos problemas e recursos de pesquisa que vai além do nosso
universo branco, asséptico e burguês instituído nos ambientes da pesquisa
acadêmica.

No que concerne as reflexões e discussões feitas por parte do feminismo em


relação a prostituição feminina, têm-se observado a existência de posicionamentos
controversos e por vezes discordantes. Para o chamado feminismo radical a prostituição
é vista como a representação máxima da opressão masculina em relação à mulher, uma
violência contra as mulheres; em contraposição ao denominado feminismo liberal
acredita ser a prostituição um trabalho como outro qualquer, onde as prostitutas exercem
seu direito de mulheres livres (BARRETO, 2008).
É importante salientar, no entanto, que as discussões em torno da prostituição por
parte do feminismo não se limitam a apenas esses dois vieses, tendo em vista a
diversidade de correntes em que se apresenta hoje o movimento. Inúmeras são as
concepções que têm sido criadas pelo pensamento feminista referente a prostituição de
mulheres. Também, há que se considerar, o aumento e fortalecimento cada vez maior dos
movimentos de prostitutas, onde por sua vez tem provocado forte influência ao próprio
movimento feminismo.
Ao longo do tempo as reflexões feitas acerca da prática da prostituição feminina
tem sido pensadas principalmente a partir de três sistemas político-jurídicos, conforme
aponta Tavares (s/d, p.3), o sistema proibicionista, o sistema abolicionista e o sistema
regulador. Nos últimos anos tem-se discutido o modelo laboral, este por sua vez tem sido
fruto decorrente das discussões por parte das organizações das prostitutas.

[...] Todos os regimes, com exceção do último, têm como objetivo o controle
e a supressão da indústria do sexo, uma vez que condenam moralmente a
prostituição. As formas de colocar em prática tal meta diferem, principalmente,
na visão da prostituta, como delinquente, mal social, vítima ou mulher
trabalhadora. (BARRETO, 2008, p. 47).
54

O sistema proibicionista é considerado o mais radical de todos, pois vê a


prostituição como um crime que precisa ser eliminado e todos os envolvidos no meio
devem ser penalizados. É o modelo mais conservador e repressivo da sociedade.
Acreditam que a prática da prostituição não condiz com a dignidade humana, onde as
prostitutas são vistas como delinquentes necessitando serem reeducadas a força. Para
Tavares (s/d, p.3) “Esta proibição não elimina a prostituição, antes favorece a sua
clandestinidade”.
Apoiado por algumas correntes feministas, o sistema abolicionista é adotado pela
maioria dos países no mundo, inclusive o Brasil, onde veem a prostituta como vítima
pois são obrigadas por terceiros a se inserirem na prostituição, dessa forma são essas
pessoas que devem ser penalizadas sendo consideradas criminosas pois exploram
mulheres e se beneficiam da prostituição das mesmas. Assim, na condição de vítimas as
prostitutas precisam ser libertadas e conscientizadas diante da situação em que se
encontram subjugadas, pois para esse sistema a prostituição é um “mal social”. Para o
modelo abolicionista as principais causas que levam as mulheres a entrarem na
prostituição são as de ordem econômica e as condições sociais em que vivem, obrigando-
as a entrarem neste “mundo” e serem exploradas por cafetões. Contudo, é preciso
salientar que esse pensamento é discordante entre as profissionais do sexo. Muitas delas
afirmam terem entrado e/ou manterem-se na prostituição não por exploração de terceiros,
mas simplesmente por uma escolha própria, por gostarem inclusive do que fazem.

Pra mim é uma diversão, por que eu me amarro nisso, entendeu? Eu me amarro
bastante (risos). Então, é isso ai! Eu me amarro mesmo. Falar o verbo, eu sou
uma pessoa muito fogosa nessa parte. (Entrevista realizada com Ágata, nome
fantasia criado pela entrevistada, em 22.07.15).

É no sistema regulador/regulamentarista que se dá uma maior intervenção por


parte do estado buscando controlar a prática da prostituição, pois esta é vista como algo
que não tem como ser erradicada, mas sim regulamentada, considerada inclusive como
algo necessário na sociedade, uma prestação de serviço, mesmo sendo esta vista como
comportamento reprovável. É observado neste modelo uma forma de segregação espacial
a medida que vemos o controle estatal e maior vigilância nos ambientes voltados para os
serviços sexuais, aqui entendido como um modo claro de demarcação dos espaços
“considerados morais dos ditos imorais” na sociedade. Contudo, é importante frisar que

Apesar dos países adotarem regimes legais específicos, esses não são
completamente separados. Assim, países que são abolicionistas podem, em
55

determinados momentos, ter práticas regulamentaristas, ao tentar, por


exemplo, estabelecer locais específicos em que a prostituição pode ser
realizada. Outros podem ser regulamentaristas, mas ter como objetivo final a
supressão da prostituição (BARRETO, 2008, p.47)

Muitas são as críticas em relação a esse modelo, pois o controle por parte do
estado não visa à proteção e o bem estar das profissionais, apenas visa ao seu
monitoramento através de rígidas medidas sanitaristas e morais no intuito da manutenção
da ordem social, porém não lhes assegura direitos trabalhistas “Cria-se um paradoxo:
existem ações direcionadas a este grupo, mas as ações não têm como objetivo o seu bem.
São ações visíveis que, contraditoriamente, visam à invisibilização das prostitutas”
(BARRETO, 2008, p. 48). Tavares (s/d, p. 4) considera que

Uma visão mais moderna deste sistema procura que as mulheres que vivem
da prostituição possam ter um enquadramento legal, conferindo-lhes direitos
e deveres associados a essa atividade: acesso aos sistemas públicos de saúde,
segurança social, associação, cobrança de impostos.

Tendo por base as discussões levantadas pelos movimentos sociais das


prostitutas, o modelo laboral tem buscado o reconhecimento e a legitimidade dos direitos
trabalhistas e previdenciários da atividade da prostituição.

Nessa visão, o trabalho do sexo não deveria possuir leis específicas, mas ser
regulamentado pela legislação laboral e civil comuns às demais categorias
profissionais. O objetivo é que as mulheres sejam reconhecidas como
trabalhadoras e que se busquem melhorias em suas condições de trabalho.
(BARRETO, 2008, p. 80).

É possível observar, portanto, que o movimento feminista no Brasil tem


apresentando ao longo do tempo um posicionamento heterogêneo em relação à
prostituição, onde de um lado vemos leituras negativas referentes a prostituição, como
também posicionamentos que vão ao encontro das lutas e reivindicações dos movimentos
das prostitutas.
Uma iniciativa interessante foi lançamento da Carta Santa Catarina, criada
durante o Seminário Nacional Saúde nas Esquinas que reuniu prostitutas e feministas em
Florianópolis/SC, em abril de 2016. Nesta carta, há, dentre outras petições, a instalação
nacional de um debate público para a defesa da regulamentação da prostituição como
trabalho. O encontro também foi marcado pela aproximação mais expressiva das
mulheres travestis, transgêneros e prostitutas no movimento feminista.
56

Portanto, as abordagens levantadas pelas geografias feministas e o conhecimento


por elas produzidos, tem se mostrado de forma pluralizada no campo da ciência
geográfica, enriquecendo os debates entorno das questões de gênero e sexualidade sob a
ótica da Geografia.

1.3 Um olhar interseccional nos estudos de gênero e sexualidades

Nos últimos anos, é perceptível que se têm buscado compreender a existência de


uma diversidade ideológica e política muito significativa dentro do próprio movimento
feminista, evidenciando a sua complexidade e diversidade interna. “O movimento é
composto desde o radical estruturalismo até o pensamento humanístico, e estão presentes
neste desde mulheres católicas até os movimentos pela legalização do aborto e pela
liberdade sexual de homossexuais, transexuais etc.” (SILVA, 2010, p. 42).

Os movimentos de mulheres no Brasil são heterogêneos e não possuem uma


linearidade. As diferentes abordagens para movimentos diferentes indicam que
o movimento de mulheres apresenta diferentes matizes. As formas de ação e
os objetivos dos movimentos variam conforme o país, a região, a classe e raça
dos sujeitos atuantes. Durante os anos setenta e oitenta os movimentos de
mulheres mostram a participação das mulheres em vários setores da vida
pública, lutando pelos seus direitos e necessidades através de manifestações,
denunciando as desigualdades sociais imputadas às relações de gênero.
(SILVA, 2000, p.6)

Observa-se que no transcorrer do tempo se foi criando tensões internas indicando


a necessidade de se discutir inclusive o próprio conceito de gênero até então definido. O
desenvolvimento do feminismo assim caracterizou-se ao longo do tempo por apresentar
o gênero de forma simplista, dentro de uma lógica baseada somente na dualidade
feminino/masculino, como se o gênero fosse o único fator de discriminação que as
mulheres teriam que enfrentar nos espaços, fossem esses públicos ou privados. No que
refere as dualidades apresentadas, é importante mencionar os apontamentos feitos por
Moreira (2008, p.18), onde o mesmo declara que “[...] as encruzilhadas dicotômicas
‘homem/meio’ e ‘geral/regional’, noções dualistas que tem prestado enormes desserviços
à Geografia como ciência social”.
Dessa forma, as múltiplas identidades que existem entre as mulheres,
evidenciando suas diferenças e desigualdades, bem como suas vivências experienciadas
espacialmente, não foram levadas em consideração. O próprio movimento feminista, na
busca por uma maior notoriedade política, estabelece uma categoria “mulheres”
57

considerando haver uma identidade comum a todas elas. No entanto, Barbosa (2008, p.
88) acredita que na luta pela autonomia e liberdade das mulheres, o feminismo

Não levou em questão que a identidade mulheres é incapaz de delimitar tudo


aquilo que os sujeitos são, uma vez que ignorou as interseções dessa identidade
com outras marcadas pelos diferentes contextos históricos que as constroem
discursivamente. Assim, é impossível separar o gênero do seu contexto de
constituição e das formas como a opressão se articula neles, uma vez que partir
do pressuposto de uma identidade una, de base universal, é produzir um
discurso equívoco e colonizador.

Sendo assim, durante a década de 90 as Geografias feministas passaram por


intensas críticas no que se refere a compreensão espacial bipolar feminino e masculino.
De acordo com Silva e Ornat (2010, p. 85)

As críticas eram direcionadas também à adoção de uma feminilidade genérica,


pautada pelas relações de classes e fundamentada na figura da mulher esposa,
mãe, heterossexual, branca e trabalhadora, que relegava a planos inferiores
outras identidades marcadas por sistemas políticos e culturais de opressão,
como a sexualidade e a racialidade.

O conceito de interseccionalidades, também conhecido por “categorias de


articulação” (PISCITELLI, 2008, p.263) passou a ser difundido durante a segunda onda
do movimento feminista por volta da segunda metade do século XX pelas feministas
negras e feministas lésbicas, na busca por categorias analíticas alternativas. Conforme
Schurr (2012, p. 5), feministas não brancas

[...] desenvolveram o conceito de interseccionalidade para mostrar que as


mulheres experimentam a opressão de forma diferente e em diferentes graus,
dependendo como o gênero se cruza com raça, classe, orientação sexual e
outras categorias de organização social.

Para Silva e Ornat (2012, p. 55), “a articulação complexa de categorias sociais é


chamada de interseccionalidade e tal conceito, já utilizado em outras ciências humanas,
foi defendido como importante elemento de análise geográfico por Valentine (2007)”.
Complementando, os autores afirmam que “o movimento de interseccionalidade explora
a forma como os elementos identitários vão sendo acionados nas diferentes relações,
marcadas por tempo e espaço”.
O movimento feminista foi marcado por evidenciar somente a realidade
vivenciada pelas mulheres brancas ocidentais e de classe média, onde “invisibilizava e
negava a existência da realidade das mulheres negras (e também de muitas mulheres
58

brancas pobres e lésbicas)” (NASCIMENTO SILVA E SILVA, 2014, p. 22). Ainda,


conforme autoras,

Naquele momento as feministas negras lutavam por sua visibilidade e


conquista de direitos civis, denunciando o racismo dentro do movimento
feminista e o sexismo dentro do movimento antirracista, evidenciando a
constante marginalização que pautava a luta política das mulheres negras.
(NASCIMENTO SILVA e SILVA, 2014, p. 19).

É de suma importância considerar que a organização espacial se dá de forma em


que os atores sociais apresentam múltiplas diferenças e desigualdades, em seus mais
distintos lugares. Claval (2002, p. 26) nos aponta que, conforme a nova abordagem
cultural da Geografia no que se refere a perspectiva regional, “parte do indivíduo e do
lugar e não do país, da região ou do grupo. A experiência do lugar e do espaço se faz
através do corpo. A Geografia vivida pelos meninos, mulheres e velhos diferem muito
das Geografias dos adultos masculinos”.
Portanto, julga-se necessário que os estudos sobre a prostituição feminina sejam
feitos sob a ótica da subjetividade presente em cada sujeito e suas experiências espaciais
vividas e vivenciadas ao longo da vida. Sob esta perspectiva é possível traçar uma análise
espacial que possibilite o entendimento da complexidade a qual a sociedade está inserida.
Sendo assim, “Observa-se que as concepções de gênero diferem não apenas entre as
sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao se
considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a constituem”.
(LOURO, 1997, p. 23). Em conformidade com esse pensamento, Silva et al (2011, p.36)
declara que

Não se pode generalizar, para todas as mulheres, os resultados encontrados


para estes grupos, espacial e temporalmente definidos, porque as relações de
gênero e de identidades são plurais e só podem ser identificadas no processo
de construção do modelo de análise.

Ao reportarmos ao período em que o movimento feminista ocidental elitizado foi


veementemente criticado pelas mulheres negras, não brancas, pobres e lésbicas, também
observou-se que as prostitutas foram duramente renegadas e vistas como a face da
transgressão moral e o maior exemplo daquilo que as moças e mulheres ditas de família
não poderiam seguir. Rago (2008, p. 11) afirma que “nos inícios do século XX, ou nos
anos de 1970, as feministas atacavam radicalmente as prostitutas pobres e as ‘garotas de
programa’ mais ricas, por aceitarem a desprezível condição de meros objetos sexuais
59

masculinos. Não raro, recusavam qualquer tipo de contato e aliança com esses setores
sexuais [...]”.
Portanto, dentro da perspectiva da interseccionalidade é possível pensar na
categoria identitária de gênero articulada a outras categorias de diferenciação como, raça,
classe, religião, nacionalidade, sexualidade, etc. “como diferentes estruturas sociais que
cada pessoa experimenta simultaneamente” (VALENTINE, 2007 apud SCHURR, 2012,
p.5).
Pensar a atividade da prostituição feminina dentro da perspectiva interseccional
se faz pertinente tendo em vista se tratar de fenômeno espaço-temporal, onde seus atores
sociais constituem um determinado grupo de pessoas cujas peculiaridades em relação as
suas vivências espaciais são marcadas ao longo de suas trajetórias de vida. Assim, a
interseccionalidade torna-se um elemento essencial para que se possa compreender as
articulações estabelecidas entre as categorias gênero/sexualidade/classe.
O debate sobre a interseccionalide permite perceber a coexistência de diversas
abordagens presentes em um mesmo contexto específico. No âmbito da atividade da
prostituição é possível identificar as mais diversas espacialidades vivenciadas pelas
garotas de programa, visto que articulado ao fator de sua identificação social enquanto
sujeito prostituta, outros elementos como nível social, idade, nacionalidade, etc. irão
determinar e marcar de maneiras diferentes as experiências sócio-espaciais vividas por
esse grupo de mulheres.

1.4 Geografia das Sexualidades

O desenvolvimento de pesquisas voltadas para a área da Geografia das


Sexualidades no Brasil, ainda encontra-se envolto a resistências e críticas por parte do
meio acadêmico e da própria sociedade em relação aos sujeitos pesquisados. “Esse campo
de abordagem científica tem enfrentado vários desafios para sua expansão, tanto dentro
do país como na interlocução internacional” (SILVA, 2011, p. 187). Borghi (2015, p.
136) evidencia sobre essa escassa produção de pesquisas sob a perspectiva da temática
sexualidade na ciência geográfica.

Uma vez que os trabalhos científicos que levaram em consideração a categoria


“gênero” a limitaram durante muito tempo ao binômio homem/mulher
heterossexual, as pesquisas sobre as identidades sexuais e suas relações com o
espaço ainda são raras atualmente. Enquanto o espaço é analisado sob o ângulo
60

da interseccionalidade, ou seja, as interconexões entre as categorias de classe,


gênero e 'raça', a sexualidade continua sendo negligenciada.

O fazer geográfico tradicional é predominante em nosso país, onde determinadas


temáticas não são bem vistas e nem tão pouco são bem vindas nos discursos geográficos,
como já verificado em capítulos anteriores. Para Nascimento Silva e Silva (2014, p. 17),
“Os traços característicos da ciência moderna, como a objetividade, a racionalidade e a
distância do pesquisador do objeto de estudo, permanecem como componentes habituais
na Geografia brasileira hegemônica”.

As sexualidades, além de outros campos temáticos como gênero e raça, estão


praticamente ausentes dos veículos considerados melhor qualificados da
Geografia do país. O fato é, no mínimo, curioso, já que mais de 45% da
população brasileira não é branca e 50% não é masculina. (SILVA, 2011, p.
187).

Silva (2011) nos aponta para as barreiras que se erguem vinculadas a


preconceitos da própria academia geográfica em torno de determinados temas e grupos e
até da forma de utilização da linguagem em textos científicos. Para a autora, tal postura é
reflexo de uma sociedade com características homofóbicas, estendendo-se ao meio
acadêmico fortemente conservador. “A estrutura burocrática de disseminação do
conhecimento científico tem relutado em abrir espaço para a abordagem das sexualidades
na Geografia” (SILVA, 2011, p.189). Sobre os primeiros estudos realizados, Borghi
(2015, p. 136) afirma que

Na realidade, a partir dos anos 1970, as perspectivas de pesquisa relativas à


sexualidade surgiram nos estudos sobre o processo de construção dos espaços
urbanos e contribuíram para a sua renovação. As formas espaciais criadas pelas
comunidades gays e lésbicas se tornaram objetos de estudo. [...] A geografia
da sexualidade se distanciou, então, do trabalho de cartografia das zonas
residenciais urbanas para estudar a questão mais complexa da relação entre
espaço, identidades sexuais e poder.

A Geografia das Sexualidades inegavelmente têm produzido grande volume de


trabalhos pelo mundo, todavia Binnie (2011, p.216) nos chama a atenção pela quase
ausência da disciplina de Geografia nos estudos sobre a sexualidade, para ele “o trabalho
de geógrafos sobre estes temas é raramente citado ou destacado nessas discussões”. Um
outro apontamento pertinente, descrito pelo autor, em relação as Geografias das
sexualidades e seu isolamento dentro da disciplina, diz respeito à busca por parte dos
geógrafos das sexualidades terem buscado, desde o início da década de 90, em outras
61

disciplinas inspiração e apoio, “e a interdisciplinaridade foi necessária diante da


resistência institucional da Geografia à sexualidade” (BINNIE, 2011, p. 217).
A Geografia das Sexualidades tem possibilitado o desenvolvimento de maiores
produções acadêmicas voltados para os estudos da sexualidade na prática da investigação
geográfica. Mesmo que ainda tenhamos que confrontar constantemente com o saber
hegemônico, é preciso que se dê continuidade aos saberes “marginais”, no intuito de
proporcionar a visibilidade a determinados sujeitos sociais marcados por estigmas e
preconceitos, como é o caso das profissionais do sexo.

A geografia das sexualidades, definida e legitimada como um ramo da


geografia, pode contribuir de maneira importante para o desenvolvimento das
normas e das estruturas do poder que oprimem e excluem do espaço(público)
os/as dissidentes sexuais. Ao mesmo tempo, como Bell e Valentine (1995a) e
Valentine (1993) mostraram, ela pode questionar o caráter heteronormativo da
disciplina geográfica e da instituição universitária. (BORGHI, 2015, p. 141)

Acreditamos, assim, que os estudos acerca da prostituição feminina a partir de


uma análise espacial, tem sido pensado com uma maior frequência dentro da chamada
Geografia das Sexualidades.
62

CAPÍTULO 2

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA COLETA DE DADOS: ENTRE


OS SABORES E OS DISSABORES DO FAZER CIENTÍFICO

Figura 4 – Rolla, Henri Gervex (1878)

Fonte: http://www.musee-orsay.fr/en/collections/works-in-
focus/painting.html?no_cache=1&zoom=1&tx_damzoom_pi1%5BshowUid%5D=122425

4
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 138
63

CAPÍTULO 2

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA COLETA DE DADOS: ENTRE OS


SABORES E OS DISSABORES DO FAZER CIENTÍFICO

Caminhante, são teus passos


o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar se faz caminho,
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se voltará a pisar.
Caminhante, não há caminho,
mas sulcos de escuma ao mar.
Antonio Machado – poeta espanhol

Este capítulo pretende apresentar os procedimentos metodológicos utilizados


para o desenvolvimento da pesquisa em tela. O capítulo apresenta as técnicas e os
procedimentos aplicados para com as profissionais do sexo e demais informantes, onde
procuramos descrever como se deu o contato com os mesmos. Por último, é feito
descrição de alguns acontecimentos e fatos ocorridos durante a pesquisa em campo que
julgou-se serem importantes serem mencionados, bem como algumas considerações a
respeito do município de Vilhena, Rondônia.

2.1 O caminho e o caminhar na trajetória da pesquisa

Parafraseando o trecho do poema supracitado, em que o poeta sabiamente


declara que o “faz-se caminho ao andar” acreditamos que a caminhada de um pesquisador
se constrói e reconstrói ao caminhar. Assim como no caminhar, na trajetória da produção
deste trabalho científico nos deparamos com inúmeras situações das quais não havíamos
“planejado”. O caminho a ser seguido não estava pronto, esse assim se fez ao caminhar.
Trabalhar a temática prostituição feminina é algo que exige do pesquisador muita
cautela, pois se trata de um fenômeno social complexo considerado ainda um tabu para a
64

sociedade. Diante disso, muitas foram as dificuldades e obstáculos encontrados durante o


caminhar para que este trabalho fosse iniciado e posteriormente concluído.
O primeiro desafio enfrentado foi a dificuldade em encontrarmos pessoas e
profissionais do sexo dispostos a nos cederem uma entrevista ou ao menos falar sobre o
assunto. Durante o transcorrer da pesquisa observamos que para conseguirmos ter algum
contato com as profissionais, teríamos que fazer isso de forma indireta, através de outras
pessoas, outros contatos.
Não tivemos contato com nenhuma profissional que trabalha “na rua”, até
porque essa modalidade de prostituição, do tipo trottoir, praticamente inexiste na cidade.
Há algumas profissionais, conforme nos foi informado durante o trabalho de campo, que
fazem programas em postos de gasolina, aproveitando a temporária estadia dos
caminhoneiros nestes locais. Estivemos algumas vezes em um dos postos indicados no
intuito de obtermos algum contato, porém não tivemos sucesso. De acordo com conversa
informal com frentista e outros informantes, as profissionais que costumam frequentar os
postos cobram valores bem baixos se comparados com as demais que tivemos contato,
uma média de R$ 30,00 a R$ 50,00 reais.
Desde o início, a presente pesquisa priorizou o sigilo e a discrição para com os
que, seja de forma direta ou indiretamente, colaboraram de alguma maneira com o
trabalho aqui exposto. Assim, conforme demonstrado na apresentação, todas as
profissionais que colaboraram para com esta pesquisa, não tiveram seus reais nomes
revelados, inclusive, para que se estabelecesse uma maior confiabilidade delas para
conosco, consideramos ser prudente não termos conhecimento dos seus verdadeiros
nomes.
Uma outra adversidade em que nos deparamos no caminhar deste trabalho
refere-se ao reduzido material científico produzido na área. As discussões geográficas
cujas temáticas envolvam as questões de gênero e sexualidade a partir de uma análise
espacial são ainda em pequeno número em nosso país, conforme afirma Ornat (2008, p.
310), “diferentemente da Geografia produzida na língua inglesa, a Geografia brasileira
tem, via de regra, dado pouca atenção à dimensão espacial destas temáticas.” À vista
disso, procuramos utilizar referências de outras áreas da ciência, como a História com
Rago (2001, 2003, 2008), a Sociologia com Piscitelli (2008, 2012), Louro (1997) na área
da Educação e demais pesquisadores que estudam a prostituição em suas devidas áreas,
como Barreto (2008, 2009, 2012) na Psicologia. Assim, introduzimos no campo do saber
65

geográfico dados e informações de outras disciplinas com o propósito de enriquecimento


e o aprimoramento do fazer científico.

2.2 História Oral

Compreendida enquanto recurso de uso técnico ou metodológico nas ciências


humanas, a História Oral caracteriza-se principalmente pela utilização de fontes orais,
coletadas através de entrevista oral gravada. Para alguns pesquisadores, a História Oral é
entendida enquanto metodologia, no caso de Lang (2000), e em outros, é vista enquanto
um conjunto de procedimentos, como em Meihy (1994). Segundo definição de Queiroz
(1988, p.19),
História Oral é termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito
de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja
documentação se quer completar. Colhida por meio de entrevistas de variada
forma, ela registra a experiência de um só indivíduo ou de diversos indivíduos
de uma mesma coletividade.

Considerada enquanto uma prática inovadora e moderna; nascida após a


Segunda Guerra Mundial principalmente em virtude do advento do avanço dos meios
eletrônicos; no campo das ciências, procura dar “voz” aos relatos de pessoas consideradas
excluídas da sociedade, como as mulheres, os idosos e, no caso da pesquisa em tela, das
profissionais do sexo. É uma forma de registrar “a experiência de um só indivíduo ou de
diversos indivíduos de uma mesma coletividade” (QUEIROZ, 1988, p. 19).
Meihy (1994) parte do princípio que a História Oral deve ser entendida enquanto
uma prática resultada da correlação entre narradores e estudiosos, mediada pelo gravador.
Para ele, três elementos compõem a História Oral, onde juntos devem gerar textos
escritos: o depoente, o pesquisador e a máquina para gravar. Na ausência de alguns desses
elementos, a História Oral inexiste. Para o pesquisador, a História Oral vai além do que
um simples arquivamento de gravações, “implica a elaboração de um documento que
pode ser, num primeiro momento a transcrição do testemunho e, em outra etapa, a sua
análise” (MEIHY, 1994, p. 53). Sobre a análise, Queiroz (1988, p.18) considera ser o
procedimento primordial da pesquisa, para a autora, “significa decompor um texto,
fragmentá-lo em seus elementos fundamentais, isto é, separar claramente os diversos
componentes, recortá-los, afim de utilizar somente o que é compatível com a síntese que
se busca”. Ainda, conforme a autora, no que concerne a transcrição do narrador, ela
acredita ser essa a única maneira de se manter conservado o relato por um longo tempo.
66

Para Portelli (1997, p.27) “a transcrição transforma objetos auditivos em visuais, o que
inevitavelmente implica mudanças e interpretação”.
Na História Oral a utilização do gravador é visto como um instrumento técnico
imprescindível para o registro do relato oral. Sobre a relevância do uso deste recurso
tecnológico, Queiroz (1988, p. 15) afirma que

O desenvolvimento tecnológico, colocando à disposição do cientista social


novos meios de captar o real, como o gravador, reavivou novamente o relato
oral; as fitas pareciam agora o meio milagroso de conservar à narração uma
vivacidade de que o simples registro no papel as despojava, uma vez que a voz
do entrevistado, suas entonações, suas pausas, seu vaivém no contava,
constituíam outros tantos dados preciosos para estudo.

Segundo Meihy (1994), a História Oral é dividida em três ramos, a saber:


História Oral de Vida, História Oral Temática e Tradição Oral. A História Oral de Vida
é o registro da experiência pessoal, feito através de entrevistas livres, ou seja, sem
questionários, onde há um rearranjo da narrativa a partir da trajetória existencial de uma
pessoa. Neste ramo cada pessoa deve ser tratada como um caso específico. A História
Oral Temática estar relacionada ao testemunho por parte do narrador sobre um assunto
em particular. Trata-se de uma abordagem sobre questões externas, objetivas e factuais.
Na Tradição Oral o indivíduo é visto como um veículo que irá transmitir os mitos e
tradições antigas, não devendo ser confundido com memória.
Lang (2000) aponta que a narrativa apresenta-se sob vários tipos, com
características dissemelhantes, que seriam o depoimento oral, a história de vida e o relato
de vida. Por meio do depoimento oral o narrador fornece testemunho acerca da sua
vivência em certas situações ou sobre a sua participação em alguma instituição da qual o
pesquisador pretende estudar. “Na história de vida, o entrevistado é levado a contar
livremente sua vida, imprimindo à narrativa suas próprias categorias, ordenamento e
selecionando ele mesmo o que quer relatar” (LANG, 2000, p. 124). Para Queiroz (1988,
p. 19), história de vida, “se define como o relato de um narrador sobre sua existência
através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a
experiência que adquiriu”. Por último, temos no relato de vida uma abordagem feita por
parte do entrevistado a respeito de determinados aspectos de sua vida, de modo que se dê
a ele total liberdade de exposição. Porém, espera-se por parte do pesquisador, que este
conduza o relato para determinados tópicos, de acordo com o interesse da sua pesquisa.
67

Segundo Cassab (2003, p.4) a narrativa é de fundamental importância na História


Oral. Através dos depoimentos e relatos de vida, o narrador fornece ao pesquisador uma
riqueza de informações a partir da sua realidade vivida, “apresentando subjetivamente os
eventos vistos sob seu prisma e o crivo perceptivo, possibilitando conhecer as relações
sociais e as dinâmicas que se inserem ao objeto de estudo”. Como evidencia Queiroz
(1988), é através da narrativa que a experiência indizível procura se traduzir em
vocábulos.
Na busca pela compreensão das diferentes formas de vivências espaciais das
profissionais do sexo, utilizamos o relato de vida proposto por Lang (2000) por nos
propiciar relatos das suas experiências enquanto profissional de serviços sexuais ao longo
do tempo e em variados tipos de espaços. O relato oral, conforme autora, caracteriza-se
também por exigir menos tempo em sua obtenção, o que possibilita a coleta de vários
relatos e sua comparação. Assim, por intermédio de relatos de vida individuais de cada
uma das profissionais entrevistadas, buscamos ter uma melhor compreensão da
prostituição feminina enquanto um fato coletivo, analisando cada um deles e
comparando-os entre si. “[...] conhecer as experiências pessoais e, através da análise do
particular, chegar ao geral” (LANG, 2000, p.134). À vista disso, Queiroz (1988) acredita
que o indivíduo constitui também um fenômeno social, pois possui aspectos importantes
de sua sociedade e do seu grupo.

2.3 Entrevistas e contatos com os sujeitos da pesquisa

Nosso primeiro contato com uma profissional do sexo foi intermediado por um
professor que conhecemos no decorrer da pesquisa, o mesmo por ser pesquisador na área
de gênero, se prontificou em colaborar com o nosso trabalho da forma que lhes fosse
possível. Mais adiante abordaremos como se deu esse e demais encontros com as
profissionais do sexo.
Para Lang (2000, p. 128), “o contato é um procedimento difícil, dado que é quase
que imprescindível uma intermediação”. Todas as entrevistas realizadas com as
profissionais do sexo foram mediadas por terceiros. Durante o período da pesquisa de
campo procuramos estabelecer, sempre que possível e oportuno, conversas informais com
pessoas que de alguma forma tinha algum conhecimento e/ou informação a respeito da
prostituição feminina na cidade. Esses contatos estabelecidos de forma informal, sempre
ocorriam de maneira imprevisível, ocasionalmente. Desse modo, mantivemos contatos,
68

por exemplo, com um cliente, uma funcionária de hotel onde profissionais do sexo
costumam frequentar para atender clientes, um professor pesquisador da temática de
gênero, um outro professor presidente de uma ONG voltada aos direitos humanos e
desenvolvimento sociocultural.
Sobre a técnica da entrevista, Queiroz (1998) aponta ser esta a forma mais antiga
de coleta de dados orais nas ciências sociais. “A entrevista supõe uma conversação
continuada entre informante e pesquisador; o tema ou o acontecimento sobre que versa
foi escolhido por este último por convir ao seu trabalho”. Segundo Nascimento Silva
(2004, p.50),

A entrevista ao lado da observação, é um instrumento básico desde que se


conheça os seus limites e respeite as suas exigências. É importante atentar para
o caráter da interação que permeia a entrevista, isto é, a relação que se cria
entre quem pergunta e quem responde, relação esta, que deve ser de estímulo
e aceitação mútua, assim, as informações fluirão de maneira notável e
autêntica.

Alberti (2004) propõe que para a escolha dos entrevistados é preciso que esta
seja feita conforme os objetivos da pesquisa. Nesse sentido, para que pudéssemos
compreender as vivências espaciais da prostituição feminina, se fez necessário termos
relatos de vida de algumas profissionais do sexo que atuam na cidade de Vilhena. Durante
a pesquisa tivemos 5 encontros com as profissionais do sexo, porém somente 4 delas nos
cederam entrevistas. Quanto aos informantes chave, acreditamos terem sido de
fundamental importância na pesquisa pois através das informações fornecidas pelos
mesmos, podemos ampliar os conhecimentos do assunto pesquisado. Há pessoas cujos
relatos cobrem o campo investigado.
O tipo de entrevista escolhido foi a semiestruturada, por nos possibilitar uma
maior flexibilidade no processo da entrevista. Segundo Vieira (s/d) a entrevista
semiestruturada é uma fonte essencial de informações de aspectos que não são
observáveis, o que possibilita o conhecimento de forma mais profunda fatos e discursos
mais profundos a respeitos das vivências de um determinado grupo investigado.
Para o pesquisador, esse tipo de entrevista possibilita que o entrevistador tenha
“um ‘guião de entrevista’ que funciona como elemento estruturante da mesma, mas onde
permanece a liberdade de seguir outros caminhos/palavras que o próprio andamento da
entrevista suscite” (VIEIRA, s/d).
69

Portanto, ao utilizarmos a entrevista semiestruturada nos foi permitido maior


liberdade durante as entrevistas, pois conforme o andamento das mesmas algumas
perguntas não eram necessárias serem feitas, em contrapartida outras iam surgindo
improvisadamente de acordo com o desenrolar da ‘conversa’.

[...] nas entrevistas é importante a postura ‘aberta’ do pesquisador e seu modo


de formular as questões, em momentos ‘certos’, o que depende, não somente
de sua experiência mas dos conhecimentos acumulados ao longo do processo
da pesquisa. Nesse sentido, não se pode estabelecer um roteiro rígido, único, a
ser seguido em várias entrevistas, pois em cada uma delas novas informações
e conhecimentos são acrescidos. (CASSAB, 2003, p. 6)

Todas as entrevistas feitas às profissionais do sexo foram gravadas por meio de


um aplicativo de gravador de áudio (Simply Sound Recorder) através de um aparelho de
celular. Também foi usado um roteiro de entrevista5 que foi previamente formulado
levando-se em consideração nosso objetivo da pesquisa, no entanto buscou-se adequá-lo
de acordo com o “perfil” de cada uma delas.
O primeiro contato estabelecido com uma profissional do sexo ocorreu de modo
“informal”, pois neste encontro iríamos somente ter uma conversa para que pudéssemos
apresentar nosso objetivo de trabalho e depois marcarmos a entrevista. Porém após esse
encontro ela desistiu de nos ceder a entrevista, por esse motivo a “conversa” que tivemos
e algumas experiências por ela relatados não fizeram parte nas análises desta pesquisa.
Como mencionado anteriormente, nosso encontro foi intermediado pelo professor que
conhecemos no decorrer da pesquisa. Uma característica marcante em todos os encontros
foi a nossa ansiedade perante as entrevistadas e nesse encontro em particular ficamos
demasiadamente receosos, talvez pelo fato de ter sido o primeiro contato.
A indicação das demais profissionais do sexo se deram mediante pessoas que,
de alguma forma, mantinham contato com elas. Através de um amigo, que também era
cliente, obtemos a nossa primeira entrevista com a profissional “Claudinha”. Tivemos
contato com a nossa segunda entrevistada, a “Índia” por intermédio de um amigo dela
que conhecemos ao longo da pesquisa. Esta indicou outra profissional e então obtemos
nossa terceira entrevista, de codinome “Ágata”. A nossa última entrevistada, “Bruna” foi
indicada por uma funcionária de um hotel em que a profissional costumava frequentar
para atender clientes. Assim, se deram nossos contatos com as profissionais, onde através
de terceiros fomos obtendo uma a uma das entrevistas.

5
Ver Apêndice 2, p. 133
70

2.4 Pesquisa de campo

Cassab (2003, p.9) enfatiza que o trabalho de campo é um momento de


fundamental importância para toda a pesquisa. “Nesta fase, existe um significado na
relação social e humana entre pesquisador e sujeitos da pesquisa que está intimamente
relacionado à ética que o profissional confere em seu proceder” A pesquisa de campo foi
realizada entre os anos 2014 e 2015. Durante o trabalho de campo procuramos manter
muito cuidado para com os sujeitos da pesquisa e o material coletado, sempre buscando
manter atitudes de respeito em relação a cada mulher que decidia relatar sobre suas
vivências enquanto profissionais do sexo. Portelli (1997), salienta que o respeito pelo
valor e a importância de cada indivíduo é a primeira lição de ética que o pesquisador
precisa ter no trabalho de campo. Para o autor, é preciso que reconheçamos em campo os
elementos da diferença e da igualdade, onde considera serem duas faces da mesma
moeda, a liberdade. “A diferença é, antes de mais nada, aquela entre as numerosas pessoas
com quem conversamos, porém, compreende, também, o elemento de serem diferentes
de nós – constituindo essa a razão primordial que nos motiva a procura-las.” (PORTELLI,
1997, p. 18). Desta forma, para ele, a liberdade significaria termos a possibilidade para
escolhermos nossas próprias diferenças, porém isso só é possível em uma condição de
estado igualitário. Ou seja, a liberdade de escolha igual para todos na mesma
proporcionalidade.
Em relação às escolhas pelos lugares onde as entrevistas iriam ocorrer, estas
eram sempre propostas pelas entrevistadas. Por se tratar de um assunto meticuloso e que
exige extremo sigiloso, o local era da escolha e preferência da entrevistada, visto lhes
garantir maior privacidade, conforto, segurança e interação. Assim os locais foram, a casa
dos patrões onde uma delas trabalhava como empregada doméstica, uma praça, a sua
própria residência e a minha casa. Os horários e dias para das entrevistas eram marcados
pelas profissionais conforme a disponibilidade das mesmas.

2.5 Conhecendo Vilhena

O município de Vilhena (mapa 1) ocupa a 4ª maior posição em população absoluta


do estado Rondônia, com 89 797 habitantes no ano de 2014, de acordo com informações
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como também se destaca como
o segundo melhor IDH do estado, 0.731, perdendo apenas para a capital, Porto Velho,
71

com 0.736, conforme o censo de 2010. Possui área de 11.518,913 km², representando
4,8% do estado, com densidade demográfica de 6,62 hab/km². Está localizada na porção
sudeste do estado de Rondônia a uma altitude de 612 metros.
As migrações para o estado de Rondônia seguiram a priori a mesma lógica de
ocupação da região amazônica, tendo como principal mola precursora o Plano de
Integração Nacional – PIN. Conforme Oliveira (2003, p.24), o atual estado de Rondônia
deu início aos seus primeiros núcleos de ocupação humana a partir de 1723 “com a
fundação da Aldeia de Santo Antônio, na margem direita do rio Madeira, nas
proximidades da Cachoeira de Santo Antônio, pelo padre jesuíta João Sampaio”. Durante
esse período a maioria dos habitantes eram portugueses a serviço da Coroa, escravos
negros e indígenas que ocuparam os vales dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé. Foi
durante o final do século XIX e primeira metade do século XX que vieram para o atual
estado de Rondônia os nordestinos, provenientes principalmente do estado do Ceará. Com
a abertura da BR 364, vieram imigrantes das demais regiões do Brasil, como Sul, Sudeste
e Centro-Oeste. Assim sendo, ainda sobre o processo migratório ao estado de Rondônia,
Silva et al (2015, p. 171) reitera que

Os movimentos migratórios foram caracterizados como: o incentivo para a


extração do látex ou Borracha; os Garimpos de ouro do rio Madeira, os PIC’s
e os PAD’s, a criação da Usina Hidrelétrica de Samuel, e o mais recente, a
construção dos Complexos Hidrelétricos do Rio Madeira com a Usina de Jirau
e de Santo Antônio.

A cidade de Vilhena passou, ao longo de sua história, por vários momentos


distintos em seu processo de ocupação e povoamento, tendo início com as linhas
telegráficas do tenente Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, a construção da
rodovia 364, os projetos de colonização e os fluxos migratórios principalmente das
regiões mais populosas como sudeste e sul; estes estimulados pela busca de
melhoramento econômico, da existência de um clima mais saudável, da riqueza das
reservas florestais e a posição geográfica estratégica. Todavia, dentre os fatores
supracitados, a passagem da expedição chefiada pelo Tenente Coronel Cândido Mariano
da Silva Rondon, em meados de 1910, teve incomparável destaque para a formação do
município. Ao construir um posto telegráfico nos campos do Planalto dos Parecis, a
expedição, que tinha como objetivo principal interligar a longínqua região amazônica
com o restante do país, além de proporcionar a ligação entre várias cidades entre
72

Cuiabá/Porto Velho, também deu origem ao surgimento de inúmeras vilas no entorno dos
postos, como é o caso de Vilhena.
É importante destacar que, além da construção da rodovia BR 364 e da
implantação das linhas telegráficas do Marechal Rondon, outros fatores destacaram-se no
processo de povoamento do município como a existência de riquezas naturais como as
matas locais que forneciam muita madeira, o clima agradável que a cidade possui, com
temperaturas médias anuais de aproximadamente 23ºC e o fluxo migratório das regiões
mais populosas do país, sudeste e sul, em busca de novas áreas para melhoria do
desenvolvimento econômico.
A cidade recebeu este nome, nomeada pelo próprio Cândido Rondon, em
homenagem ao ex-chefe, Álvaro Coutinho de Melo Vilhena, Diretor Geral dos
Telégrafos. O município foi fundando em 23 de novembro de 1977, sendo desmembrada
de Porto Velho e Guajará Mirim. Vilhena é popularmente conhecida como Portal da
Amazônica, por estar localizada na entrada para a região Amazônica Ocidental, também
é conhecida por cidade clima, por possuir as menores temperaturas se comparadas a
outras cidades da Região Norte.
Na atualidade a base da economia vilhenense concentra-se nos setores terciário e
secundário. A indústria madeireira foi durante muitos anos destaque no cenário
econômico da cidade, porém com o declínio da extração da madeira, esta passa a não
ocupar tanta mão de obra, dando lugar para outras indústrias com o frigorífico Friboi e a
fábrica de colchões Portal. Porém, é no setor terciário que a população economicamente
ativa se concentra.
73

Mapa 1 – Localização do município de Vilhena no estado de Rondônia.


74

CAPÍTULO 3

MARIPOSAS E BORBOLETAS: ÁNALISE DAS VIVÊNCIAS


ESPACIAIS DA PROSTITUIÇÃO FEMININA

Figura 6 – Les Demoiselles d’Avignon, Pablo Picasso (1907)

Fonte: https://www.khanacademy.org/humanities/art-1010/early-
abstraction/cubism/a/picasso-les-demoiselles-davignon

6
Sobre a imagem, ver Apêndice 3, p. 139
75

CAPITULO 3

MARIPOSAS E BORBOLETAS: ÁNALISE DAS VIVÊNCIAS ESPACIAIS DA


PROSTITUIÇÃO FEMININA

O capítulo em tela traz para a discussão e reflexão as vivências espaciais da


prostituição feminina, buscando compreender a relação entre espaço e a vivência de
mulheres profissionais do sexo. Para tanto, introduzimos inicialmente o capítulo com uma
abordagem histórica da prática prostitucional que se desenvolveu em alguns lugares do
Brasil ao longo de sua história, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo,
apontando como se deram as diferentes vivências espaciais dessas mulheres. Abordamos
como a problemática que envolve a questão do trabalho na prostituição feminina em nosso
país. Por conseguinte, buscamos estabelecer uma discussão no que concerne aos
elementos identidade e sexualidade na vida das profissionais do sexo, levando em
consideração a dicotomia entre o sexo e afeto, o dinheiro e o amor. Por último,
apresentamos as características e peculiaridades da prostituição feminina na cidade de
Vilhena, Rondônia, de modo que se possa entender sua dinâmica espacial, tanto no
passado como nos dias atuais.

3.1 Esplendores e misérias: historicizando as vivências espaciais da prostituição


feminina no Brasil.

Caracterizar a atividade da prostituição e analisá-la em seu contexto histórico no


Brasil, se faz pertinente no âmbito do pensamento geográfico para que se possa ter uma
melhor compreensão de como se deu a sua inserção socioespacial em nosso país, nos
levando a refletir acerca das espacialidades vivenciadas pelas profissionais do sexo no
transcorrer do tempo. Em seu texto a Geografia serve para desvendar máscaras sociais,
Moreira (2008, p. 62) nos afirma que

[...] espaço é história, estatuto epistemológico a qual a Geografia deve erigir-


se como ciência, se pretende prestar-se a alguma utilidade na prática da
transformação social. E tal noção reside não na mera constatação de que a
história desenrola-se no espaço geográfico, mas, antes que tudo, de que o
espaço geográfico é parte fundamental do processo de produção social e do
mecanismo de controle da sociedade.
76

A prostituição no Brasil inicia-se com o próprio processo de formação e


ocupação territorial do país, perpassando desde o período inicial da colonização à sua
independência. Desse modo, entende-se que este fenômeno social esteve presente durante
todo processo da produção socioespacial e do povoamento do país.
Ao discutir as relações entre o sexo e espaço, Villalobos (1999, p.2) analisa os
relatos dos viajantes europeus ao Brasil durante os primeiros anos de contato entre os
colonizadores e os povos nativos que aqui habitavam. O autor observa que as visões e os
relatos que esses viajantes tiveram de imediato em relação a essas “terras desconhecidas
sempre produziam uma reiterada referência ao sexo e a sensualidade dos seus habitantes”,
estes vivendo “[...] num ambiente exuberante, luxurioso, desconhecido, frondoso e
formoso”. Tomando como exemplo a obra Duas viagens ao Brasil, considerado o
primeiro livro impresso sobre o Brasil, escrito pelo alemão Hans Staden, em 1557, o
mesmo relata o período em que foi prisioneiro dos tupinambás em terras brasileiras,

Num dos desenhos que acompanham a obra de Staden, aparecem mulheres


pintando e aproximando-se dele numa forma ameaçadora, provocativa, elas
são vistas como sensualmente perigosas, são muitas e estão todas elas nuas, na
caça do homem, que irão a devorar. (VILLALOBOS,1999, p.3)

Mesmo envolto há um pouco de imaginação por parte do marinheiro mercenário


no que se refere a essa nova terra ‘selvagem’ e ‘assustadora’ descrita assim por ele,
Villalobos faz menção aos relatos do Padre Anchieta, visto que este preocupava-se com
a forma com qual os nativos lidava com a sua sexualidade e sensualidade. Mas a questão
que a terra brasileira provocava era, entre outras,

[...] o contraste com as mulheres devotas, submissas e contidas que conheciam,


os conquistadores, nas suas terras de origem. No Brasil as mulheres apareciam,
sedutoras e acima de tudo disponíveis e nuas, com quem podiam pôr em prática
suas fantasias sexuais sem maiores restrições (VILLALOBOS, 1999, p.3).

Destarte, desde a época que remonta aos anos iniciais da formação e ocupação
do território brasileiro, começo do século XVI, pelos primeiros colonizadores, os
“símbolos femininos” representados pelo modo como viviam as índias, em seu estado de
nudez, por exemplo, despertavam a imaginação do povo europeu quanto a sua
sensualidade e sexualidade das mulheres nativas dessa nova terra recém descoberta.
É, portanto, diante desse cenário descrito por muitos como exótico e selvagem,
que os primeiros colonos que chegavam ao Brasil mantinham relações sexuais com as
77

índias, pois estes como não traziam suas esposas e, em virtude da proximidade com a qual
mantinham com os povos indígenas, conseguiam assim satisfazer os seus desejos sexuais.
Porém, havia por parte da igreja uma enorme preocupação com o elevado número de
índias que engravidavam dos colonos, seja por motivos morais ou devido à crescente
miscigenação que estava ocorrendo no país. Além, a compreensão das mulheres enquanto
gado sexual:

Padre Manoel Nóbrega, responsável pelos jesuítas no Brasil, pediu ao rei, em


1549, que mandasse vim mulheres brancas portuguesas para que pudessem se
casar e se reproduzir com os colonizadores, com a finalidade de tornar a raça
branca prevalente. [...] Foi assim que foram enviadas pelo Rei meninas órfãs,
ladras, prostitutas e assassinas, para que se casassem com os colonos e
povoassem o Brasil (CAVOUR, 2011, p. 15).

Durante a ocupação e formação territorial brasileira, inicialmente durante o


período colonial, vieram para as terras recém “descobertas” alguns colonos considerados
pessoas de má conduta, segregados, bandidos, ladrões e assassinos, como também demais
pessoas que eram perseguidas pela igreja, onde estes também fizeram parte dos primeiros
imigrantes a aportarem no país. É em meio a esse contexto socioespacial em que o país
estava sendo configurado, que a prostituição passa a ser praticada pelas mulheres
escravas, por volta do século XVII, para dar lucro e sustentar os seus “donos”, e também
pelas prostitutas brancas provindas do continente europeu. Dessa forma, à medida em que
aumentava a entrada de um grande contingente de homens sós em terras brasileiras, via-
se o surgimento do mercado da prostituição do baixo meretrício. Durante o século XVII,
por motivo da descoberta do ouro na região central do país, São Paulo passa por acentuado
crescimento e enriquecimento, propiciando assim o a formação das primeiras casas de
prostituição.
Contudo, é com a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808 que a
atividade da prostituição ganha maiores proporções e se diversifica nos espaços brasileiro.
Ao se analisar os espaços de atuação da prostituição nos espaços públicos da área central
da cidade do Rio de Janeiro, Mattos e Ribeiro (1995, p.59) destacam que é nesse contexto
da chegada mais intensa no país das primeiras levas de imigrantes, a partir de 1850, que
“os costumes, a moral e o próprio ritmo” da cidade se modificam. Rio de Janeiro passa a
ser a cidade mais importante e influente nessa época, por torna-se a sede de todo o poder
do império português no Brasil, dá-se início ao desenvolvimento das atividades
econômicas através do processo de urbanização corrente nesta época. Com o crescente
78

aumento da população, em virtude da entrada dos imigrantes e ao aumento de escravos


livres, a cidade passa a ter problemas com o desemprego, passando a não mais absorver
toda a mão de obra disponível. Consequentemente, conforme afirmação de Barreto (2008,
p. 41)

Com restritas oportunidades, os indivíduos livres buscavam se ocupar dos


diferentes “expedientes”. Se as oportunidades de trabalho eram poucas para os
homens, eram ainda mais reduzidas para as mulheres. Podiam exercer o
trabalho doméstico, o pequeno comércio, o artesanato, podiam ainda ser
cartomantes, lavadeiras, coristas, dançarinas e atrizes. A maioria dessas
ocupações era marcada pelo preconceito, podendo ser associadas à
“prostituição enrustida”.

É preciso reiterar que esses grupos de imigrantes geralmente eram formados em


sua maioria por homens sós, propiciando de início o surgimento de espaços voltados para
o mercado da prostituição de baixo meretrício, sendo este formado por escravas de ganho,
escravas livres e mestiças. Observa-se ainda que foi somente com a presença da nova
aristocracia do café na cidade do Rio de Janeiro que a Coroa brasileira viu-se praticamente
obrigada a financiar a imigração de prostitutas de luxo europeias, provenientes
principalmente de Açores e França, aumentando assim os lazeres noturnos para esse novo
perfil de clientela. Há também que considerar um outro fator que motivou a incorporação
de meretrizes provindas da Península Ibérica e de ilhas próximas para o Brasil: a
preocupação com o aumento de casos de homossexualidade masculina. Portanto,
conforme descreve Mattos (2011, p.47),

Como a maioria desses imigrantes constituía-se de homens solteiros e


despojados de fortuna, sua chegada causou grande impacto na
proporcionalidade sexual da população da cidade e, consequentemente,
expansão das atividades do meretrício, com a elevação de seus custos devido
à crescente escassez de prostitutas, e aumento no número de casos de relações
homossexuais entre os caixeiros portugueses mais jovens.

Soares (1992, apud MATTOS e RIBEIRO, 1995, p. 59-60) divide a atividade da


prostituição a partir de 1850 em duas categorias: as clandestinas e as públicas. As
clandestinas eram assim denominadas pois não viviam somente da prostituição, exerciam
outras ocupações, sendo geralmente constituídas por escravas de ganho.

As meretrizes públicas subdividiam-se hierarquicamente em três ordens: as de


primeira (as “francesas”) eram constituídas basicamente por estrangeiras e
umas poucas fluminenses que exerciam legalmente a atividade em sobrados
localizados no espaço onde se encontra atualmente a área central da cidade. As
“francesas” tinham como principais clientes os homens da aristocracia cafeeira
79

e os da nobreza nacional. As de segunda ordem estavam espalhadas por toda a


cidade e se compunham, principalmente, de negras e portuguesas (ilhoas). A
prostituição de terceira ordem era considerada a de mais baixa categoria porque
as “rameiras” viviam em casebres mal construídos e insalubres e tinham por
hábito se entregar a qualquer um, inclusive para as pessoas de baixa condição
social e “moral” (MATTOS e RIBEIRO, 1995, p. 60).

Dessa maneira, o meretrício foi se constituindo por um grupo de mulheres


voltadas aos serviços da prostituição cada vez mais diversificados, onde estas enquanto
atores sociais e elementos componentes da organização e reorganização espacial iam
ocupando diferentes segmentos dos espaços urbanos, conforme o ‘perfil’ socioeconômico
e cultural que cada grupo se enquadrava. Mattos (2011, p. 48), ao descrever sobre as áreas
de ocorrência da prostituição no Rio de Janeiro durante os anos de 1840 e 1940, distingue
três áreas de atuação da atividade, numa ordem hierárquica em conformidade com a
distinção social própria do espaço e dos elementos que o compunha. Estas áreas seriam:
alto meretrício, zona do meretrício e baixo meretrício. As áreas do alto meretrício
constituíam as áreas mais nobres, onde se encontravam “inúmeros hotéis e hospedarias
que exploravam o lenocínio”. Nestes locais “o toque de refinamento europeu
manifestava-se na presença das francesas”. Nas zonas do meretrício encontram-se as
conhecidas “ilhoas”, principalmente as mais jovens e refinadas, onde desenvolviam suas
atividades em pensões, nos hotéis aristocráticos e casas de espetáculos sofisticados. Nas
áreas menos nobres da cidade localizam-se as de baixo meretrício, constituídas por
escravas de ganho, negras alforriadas, mestiças e “ilhoas” doentes ou mais velhas. Essas
prostitutas “se instalavam em hospedarias, botequins, estalagens e ‘alcouces’, estando a
imagem quotidiana desses logradouros associada à desordem em função da prática
comum do trottoir das rameiras nas calçadas das ruas de sua área” (MATTOS, 2011,
p.48).
Nesse sentido, as prostitutas, desde as meretrizes de luxo; símbolos da
modernidade e refinamento de costumes (cultura francesa), as do baixo meretrício,
passaram a ocupar praticamente todas as áreas dos espaços públicos da cidade do Rio de
Janeiro, acompanhando e adaptando-se as transformações sofridas pela cidade e o país ao
perpassar do tempo. Em conformidade com o que nos afirma Barreto (2008, p.42),

A prostituição, nesse período, se mostrava uma ocupação que propiciava uma


condição mais autônoma e independente, em termos sexuais, econômicos e
emocionais. Era uma opção por vezes mais rentável e que ainda oferecia
oportunidades de participar de assuntos e eventos que eram monopolizados
pelo universo masculino.
80

Mesmo sendo consideradas pela maior parte da sociedade como figuras


indesejáveis, a presença das prostitutas nas cidades eram úteis e necessárias não somente
para a satisfação dos anseios sexuais daqueles que buscavam os serviços prestados por
essas mulheres, como também eram importantes para o povoamento de áreas mais
isoladas da cidade. Rago (2008, p. 28) nos aponta outras funções sociais prestadas pelas
prostitutas consideradas “bem-vindas na sociedade”. Um exemplo seria a prática
costumeira dos jovens da elite ou até das camadas menos favorecidas iniciarem sua vida
sexual nos bordéis. “[...] pois, segundo se acreditava então, garantia a virgindade das
futuras esposas e permitia que os moços arrefecessem parte do ‘fogo interno’, numa fase
da vida em que os impulsos libidinais eram muito prementes”.
Além disso, ainda de acordo com a autora, a prostituição desempenhou papel
importante à sociedade da época em um momento em que o país se via em ascensão à
modernidade e ao progresso. Cabia às prostitutas estrangeiras, “experientes e viajadas”,
ensinarem normas de condutas e comportamentos mais refinados aos homens de negócio.
Conforme afirma Rago (2008, p.41)

Neste contexto, a prostituta foi recoberta com múltiplas imagens que lhe
atribuíram características de independência, liberdade e poder: figura de
modernidade, passava a ser associada à extrema liberalização dos costumes
nas sociedades civilizadas, à desconexão com os vínculos sociais tradicionais
e à multiplicidade de novas práticas sexuais. Figura pública por excelência,
podia comercializar o próprio corpo como desejava, dissociando prazer e amor,
aventurando-se, através da livre troca pelo dinheiro, em viagens desconhecidas
até mesmo para os homens dos países mais atrasados. Poderosa, simbolizava
a investida do instinto contra o império da razão, a exemplo de Salomé, ameaça
de subversão dos códigos de comportamentos estabelecidos.

Os espaços da prostituição vão se dinamizando e expandindo-se para demais


cidades brasileiras. É ainda crescente o grande contingente de imigrantes europeus que
em busca de melhores condições de vida e/ou por se verem obrigados a saírem do país de
origem por motivos de perseguições religiosas, veem no Brasil novas oportunidades de
vida. Consequentemente, cresce o número de grandes bordéis e zonas de meretrício,
locais que são frequentados por diversos tipos de clientes, das mais variadas classes
sociais, desde “boêmios, intelectuais, políticos, militares” (MATTOS e RIBEIRO, 1995,
p.58) a viciados em drogas, estudantes pobres e humildes funcionários.

Os lugares de prostituição, tais como cabarés, cafés-encontros, “pensões


chiques” (cabarés de alto luxo), teatros e restaurantes, estabeleceram uma
grande rede de sociabilidade. E tal rede é mantida por uma série de
81

personagens: artistas, músicos, coristas, dançarinas, boêmios, gigolôs,


prostitutas de diversas nacionalidades, clientes, choferes, garçons,
arrumadeiras, cozinheiras, manicures, costureiras, porteiros e “meninos de
recados” (CAVOUR, 2011, p.17).

Assim sendo, ao analisarmos o fenômeno da prostituição e sua correlação com


a própria dinâmica da cidade, é possível afirmarmos que tal qual no passado, observa-se
nos dias atuais que esta atividade se desenvolve envolto a uma teia de relações sociais.
Com o passar do tempo verifica-se que os espaços da prostituição passaram por
profundas transformações tanto em sua Geografia, como no perfil das prostitutas que
passam a ocupar os mais variados espaços da cidade do Rio de Janeiro.
No final do século XIX e início do século XX vê-se o aumento considerável da
entrada de mulheres imigrantes provindas da Europa Centro-Oriental para a cidade do
Rio de Janeiro. Em sua maioria constituídas por judias que eram traficadas por cafetões
de diversas nacionalidades, onde se viam obrigadas pelos seus próprios maridos a se
prostituírem. Grande parte dessas mulheres vieram da Polônia e ficaram conhecidas no
Brasil por “polacas”. A essas “polacas” lhes foi renegado o direito de escolha de quererem
entrar ou não na vida da prostituição, pois muitas delas viviam sob a tutela dos seus
esposos, o que não lhes restava muita opção a não ser a vida nos meretrícios, submetidas
muitas vezes a viverem em cárcere privado. “Ao aceitarem sua sina, as polacas
transformavam-se em verdadeiras proletárias do sexo” (MATTOS, 2011, p. 53), nas
zonas do meretrício. As prostitutas públicas europeias tornam-se maioria nos prostíbulos
cariocas, em uma proporção de cinco estrangeiras para cada brasileira.
Ainda, de acordo com Mattos (2011), a exemplo da cidade do Rio de Janeiro, os
maiores centros urbanos do Brasil durante esse período de intensa imigração passam a
sofrer uma desorganização socioespacial, visto que em virtude da falta de empregos para
todos são desencadeados inúmeros outros problemas de ordem socioeconômica, como
falta de moradias, subempregos, aumento da criminalidade, etc. Assim, o crescente
aumento da prostituição nos centros das grandes cidades é visto também como um
exemplo dessa desorganização social, sendo assim logo foi providenciada a sua retirada
e “relocação” para áreas mais distantes e afastadas dessas áreas ditas nobres, ora com o
intuito de reestabelecer a dita ordem social e a sua reorganização territorial, ora também
com a pretensão de povoar e provocar maior crescimento também nessas áreas afastadas
dos centros urbanos.
82

Em 1896 dá-se início a uma campanha de repressão policial com o fechamento


de inúmeros bordéis, bem como a prisões de cafetões, prostitutas e homossexuais. As
reformas urbanas instituídas pelas autoridades fizeram com que muitas casas de tolerância
fossem demolidas e o fechamento de bordeis e prostíbulos. Assim, as prostitutas se viram
forçadas a utilizar as ruas para se prostituírem. No entanto, vale salientar que durante esse
período de intervenções contra a prática da prostituição, as casas de tolerância
praticamente não sofreram mudanças significativas, pois esses locais eram lucrativos para
a pequena burguesia que se beneficiava com a cobrança dos alugueis desses
estabelecimentos. Alguns bordeis, pensões e cafés conseguiram se reerguer e
sobreviverem às perseguições desse período. Outros locais de prostituição que não foram
afetados pelas repressões policiais foram as chamadas pensions d’artistes (pensões e
bordeis de luxo) pois, eram frequentadas pelas ditas francesas e pela “nata da sociedade
carioca – constituída por barões do café, políticos, artistas de projeção, empresários e
outras pessoas influentes[...]” (MATTOS, 2011, p.54).
Um fator relevante a ser considerado durante esse período de repressão é o
aumento significativo da formação de organizações criminosas do comércio de escravas
brancas. De acordo com Mattos (2011, p.56)

À medida que aumentava a repressão ao submundo das ruas, verificava-se


contudo a formação de verdadeiros sindicatos do crime, organizados e
disciplinados na mesma proporção em que o comércio de escravas brancas
tornava-se um empreendimento lucrativo. [...] Além da existência desses
sindicatos, o Rio de Janeiro contava também com algumas organizações
secretas internacionais encarregadas do contínuo suprimento de escravas
brancas aos bordeis cariocas da área central da cidade e da zona do Mangue.

É preciso ressaltar ainda um acontecimento importante que foi responsável por


significativas transformações nos meretrícios da área central do Rio de Janeiro. A partir
de 1920 algumas indústrias se deslocam para áreas afastadas do centro da cidade, afetando
assim na queda dos faturamentos dos locais e ruas ligados à prostituição, pois com a
transferência das indústrias, há consequentemente a diminuição da clientela formada
pelos operários que frequentavam o meretrício. Com isso, vê-se o início do declínio do
tráfico das polacas. Com o início da Segunda Guerra Mundial acaba por completo a
importação de escravas brancas no mundo. Concomitante as políticas de urbanização e
repressão policial, foram também criadas políticas de higienização das cidades,
aumentando ainda mais as perseguições contra as prostitutas.
83

Tomando a cidade do Rio de Janeiro como exemplo onde a prostituição se fazia


presente em diversos espaços públicos, para o governo a cidade se encontrava em meio a
comportamentos pervertidos e extravagantes, violando os princípios morais da sociedade.
Para as autoridades “a cidade estava doente e precisava ser tratada” (BARRETO, 2008,
p. 44), sendo a prostituição considerada como uma doença social que precisava ser
estudada e compreendida no intuito de ser combatida.

Uma primeira visão da prostituição se ligava à noção de sexualidade


pervertida, como dimensão física do corpo doente. [...] Prostituição era vista
como sexualidade pervertida, não natural, por estar relacionada ao prazer
excessivo e desvinculada da reprodução. Assim, era identificada tanto como
sintoma da doença como quanto foco de degeneração física. Destarte, era algo
perigoso, associado à contaminação, por via das doenças venéreas e também
do estímulo aos instintos de outros corpos (BARRETO, 2008, p. 44).

Aos médicos coube a tarefa de atuarem como higienizadores públicos,


responsáveis por “limparem” a cidade e conduzirem a população a hábitos apropriados,
pois as doenças venéreas eram associadas à prostituição. Desse modo, as mulheres foram
divididas pela sociedade entre as honestas e as ditas mulheres públicas ou de “vida fácil”.
Ás mulheres honestas da sociedade cabem a elas o papel de procriarem e serem esposas,
em contrapartida às prostitutas lhes era negada a função de reprodutora (assexuada) e
esposa, frutos de uma vida desregrada e de comportamentos indecentes e indevidos para
o convívio social. Assim, o fenômeno da prostituição era associado a todos os tipos de
estigmas, estereótipos e preconceitos atribuídos a figura da mulher que oferecia serviços
sexuais em troca de dinheiro. Apesar de ser uma atividade remunerada, não era
considerada legítima, sendo associada ao crime e ao delito.
Era preciso, portanto, delimitar os espaços voltados a prática da prostituição,
tanto no intuito de retirar essa atividade das áreas nobres da cidade, como uma forma de
restabelecer a moral e os bons comportamentos sociais. Como forma de se ter maior
fiscalização da prostituição e maior controle do próprio contato das prostitutas com o
restante da população, houve institucionalização dos bordeis. Segundo Barreto (2008, p.
49), neles “a prostitua poderia cumprir seus deveres profissionais, mas sem sentir prazer
ou gostar da atividade sexual. Além disso, os bordéis deveriam ser em bairros distantes e
as prostitutas deveriam ter pouca permissão para sair.” Contudo, esse sistema
regulamentarista não teve muito êxito em relação à contensão e ao controle da atividade
da prostituição, pois o que se verificava era o crescente aumento da prostituição
84

clandestina, pois muitas prostitutas se negavam a se registrarem nos bordeis


regulamentados.
Fica evidente, portanto, por meio dessas tentativas de regulamentação dos
meretrícios, que a sociedade sempre procurou manter o controle dos espaços ocupados
por determinados grupos sociais, como no caso, a prostituição.
Para Weeks (2000), os significados que damos a sexualidade vai depender das
formas de controle que defendemos. Para a abordagem absolutista é quando consideramos
que o sexo é perigoso, perturbador e fundamentalmente antissocial, assim adotamos
posições morais de controle e autoritário e rígido. Quando consideramos que o desejo
sexual é benigno, vitalizante e liberador, seguimos uma posição libertária. Em uma
vertente intermediária, estar a posição liberal, onde acredita que há desvantagens do
autoritarismo moral quanto do excesso.
Dessa forma, ao fazermos uma concisa abordagem histórica acerca da
prostituição feminina no Brasil, historicizando o acontecimento e problematizando a
experiência, acreditamos que, conforme afirma Rago (2008), constitui em uma forma de
nos aproximarmos de tal realidade, enfrentando-a e buscando novos elementos para lidar
com ela.

3.2 O trabalho e a prostituição feminina no Brasil

A prostituição no Brasil não é considerada como uma profissão formal, haja vista
não estar incluída na classificação dos setores das atividades econômicas identificadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, conforme a
Classificação Brasileira de Ocupações – CBO/2002, Portaria nº397, onde “descreve e
ordena as ocupações dentro de uma estrutura hierarquizada que permite agregar as
informações referentes à força de trabalho, segundo características ocupacionais que
dizem respeito à natureza da força de trabalho” (SILVA, 2008), a prostituição é
classificada como uma ocupação.

Essa versão da CBO sofreu inúmeras mudanças em relação às anteriores.


Agora, ocupações são organizadas e descritas através de “famílias”, que
abrangem um conjunto de ocupações semelhantes relativas a um domínio de
trabalho mais amplo. Para a descrição da família “profissionais do sexo”,
foram entrevistados homens e mulheres que responderam sobre o que fazem,
o que é distintivo de sua profissão, o nome usado e o mercado de atuação pelas
discussões em torno da prostituição enquanto um trabalho, feitas por
organizações de prostitutas. Dessa forma, algumas importantes lideranças,
integrantes da APROSBA, Davida, GAPA-MG, GEMPAC e NEP estiveram
85

presentes no momento de elaboração dessa categoria (BARRETO, 2008, p.


69).

Para Russo (2007, p. 501),


Ao vivenciar a prostituição, a mulher se insere em uma relação comercial; o
sexo é percebido como um produto a ser negociado. Nesse sentido, a
prostituição remete a uma profissão, uma vez que exige qualificações
específicas, remete a um mercado particular e se concretiza a partir do
pagamento por um serviço prestado.

Aos sujeitos “profissionais do sexo” são associados a esta família outros


conceitos também são utilizados como garota de programa, meretriz, michê, prostituta,
trabalhadora do sexo. É possível observar que a esta categoria de ocupação, muitas são
as definições a ela atribuídas, evidenciando assim o seu caráter heterogêneo quanto aos
variados termos utilizados. Piscitelli (2011, p.547) traz à discussão o termo programa,
onde a mesma afirma que,

No Brasil, a expressão programa é um termo genérico que alude à prostituição,


no sentido de acertos explícitos de intercâmbios de serviços sexuais por
dinheiro, envolvendo práticas e períodos de tempo delimitados, que podem ter
diferentes valores, dependendo da modalidade e do estilo da prostituição e do
local no qual os encontros têm lugar.

Assim, conforme a descrição sumária estabelecida pela CBO/2002, as


profissionais do sexo “Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes;
participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas
seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”
(MINISTÉRIO). Para Barreto (2008, p. 72) “A variedade de atividades evidencia ainda a
existência de um saber fazer próprio a profissionais do sexo. Não basta fazer sexo, é
preciso saber como seduzir e satisfazer o ego do cliente, por exemplo”.
No que tange a questão criminal, a atividade da prostituição no Brasil não é
considerada ilegal, deste modo não sendo enquadrada enquanto delito a prática de se
prostituir. O ato criminal está em manter casa de prostituição ou ser cáften, ou seja,
mediar, aproveitar e se beneficiar economicamente da prostituição, se caracterizando
desse modo como um feito criminoso de acordo com os Artigos 227 a 230 do Código
Penal.
Tendo em vista à diversidade dos termos utilizados como forma de conceituação
para as mulheres que trabalham com serviços sexuais, consideramos ser mais apropriado
para a nossa pesquisa utilizarmos a expressão profissionais do sexo e, por vez prostitutas,
86

tendo em vista que as demais expressões por vezes soam de maneira pejorativa, não sendo
inclusive bem aceita por parte de algumas profissionais. Também foram levadas em
consideração as declarações das entrevistadas pois as mesmas se auto identificaram como
profissionais do sexo.

3.3 Identidade e representação social das mulheres profissionais do sexo

O termo prostituir é uma palavra que provém do latim prostituere, que significa
oferecer serviços sexuais em troca de dinheiro. Barreto (2013, p. 1) considera que a
prática da prostituição “abrange a negociação de práticas eróticas e afetivas mediadas por
trocas de recursos materiais e simbólicos em ambientes de comércio sexual”. Para Meihy
(2015, p. 25), o termo prostituta, expandiu-se pelo mundo por intermédio da matriz
romana.
Originando-se do latim prostitũo, is, ĩ, ũtum, ẽre, significa “colocar-se diante”,
“expor”, “apresentar-se à vista” e também “pôr à venda”, “mercadejar”.
Decorrência natural, prostituir carrega o significado de “divulgar”, “publicar”,
derivado de pro mais statuẽre.

Para Piscitelli (2011), a prostituição envolve uma diversidade de modalidades,


onde os programas podem ser realizados nos mais variados espaços, como em
apartamentos, bordéis, casas de massagem, possuindo em cada um desses espaços,
diferentes graus de organização. Acrescentamos a esse conjunto de espaços, a prostituição
realizada nas ruas, casas noturnas, hotéis e motéis.
Conforme pesquisas realizadas por Ribeiro e Oliveira (2015) sobre a dimensão
espacial da prostituição na cidade do Rio de Janeiro, estes tem identificado um outro tipo
de prostituição surgida na década de 90 e bastante costumeira nos dias de hoje, a chamada
prostituição “fechada”. Neste tipo de prostituição “os seus serviços informais e
marginalizados são oferecidos através de anúncios classificados de importantes jornais,
em revistas especializadas, folhetos, folders e, principalmente, pela internet, através de
sites” (RIBEIRO e OLIVEIRA, 2015, p.94).
De acordo com os autores, a prostituição “fechada” “apresenta características
distintas daquela verificada nos espaços públicos – a prostituição de rua –, a saber: quanto
ao tipo de prostituta, no tocante aos atributos físicos e ao nível social; o preço
(dependendo do tipo do programa) e a forma de pagamento, muitas vezes realizada
através do sistema de cartão de crédito [...]” (RIBEIRO e OLIVEIRA, 2015, p. 95).
87

Assim, se tem observado que o perfil e a própria identidade das profissionais do


sexo tem passado por mudanças quanto às suas definições, sendo por vezes intituladas de
acompanhantes de luxo, o que lhes coloca de uma certa forma em uma posição social
superior às demais, pois seus programas costumam ser mais caros. Para Barreto (2010, p.
194), “As palavras prostituição e prostituta, antes de traduzirem uma realidade única,
dizem respeito a um grande número de práticas, de significados, de identidades”.
Na atualidade, tem se verificado, por exemplo, ser cada vez mais comum o uso
de perfis em páginas de redes sociais e de aplicativos de bate papo como ferramenta para
facilitar o contato entre as profissionais do sexo e seus possíveis clientes. Desse modo,
acredita-se que a utilização desses novos recursos tecnológicos têm diminuído a atuação
da figura do cafetão e do agenciador, como também tem provocado mudanças na atuação
das profissionais nas ruas e bordeis, tornando as profissionais mais independentes. No
entanto, é importante frisar que os próprios agenciadores também tem assumido novas
formas de atuação no segmento da prostituição, intermediando a ligação entre as
profissionais e os seus clientes.
Entre as profissionais que entrevistamos, como já descrito anteriormente, os
contatos que são estabelecimentos entre elas e os seus clientes, ocorrem principalmente
através da troca de números de celulares, seja feita pela própria profissional, ou através
de terceiros, geralmente através de amizades e/ou conhecidos.

Eu pego o contato. Ai tem o lugar específico que a gente vai que é um motel
ou hotel. Esses são os lugares. Mas eu já peguei altos contatos. Não é muito
eu que pego. A maioria são eles que pegam. Que dizem que lembram de mim.
Amigas que fazem me indicam. Ai eles pegam e falam comigo. Ontem mesmo
um homem falou comigo, mas eu falei pra ele que não estava afim, então não
ia fazer. (Entrevista realizada com Ágata em 22/07/2015).

Somente uma das entrevistadas trabalha em um estabelecimento fixo, uma casa


noturna da cidade, onde a negociação pelo serviço a ser prestado se dá ali mesmo. Porém,
mesmo assim, ela mantém contatos com os clientes através de celulares. Nas demais
entrevistadas a negociação acontece através do celular, onde geralmente os clientes já são
“fixos”.
É indicação né! É indicação de outra amiga, ou um amigo indica, entendeu!?
Eu geralmente fico lá dentro (boate), só que muitos pegam o meu contato e
depois ligam pra mim, ou muitos dão meu contato na rua e depois eles ligam
pra mim. Então assim, eu vou na boate mas tenho contatos particulares.
(Entrevista realizada com Claudinha em 23/05/2015).
88

O fenômeno da prostituição apresenta-se de forma muito diversificada e


dinâmica espacialmente, pois inúmeros são os fatores que condicionam suas
características. Barreto (2012, p. 2) nos aponta que “a ilegalidade e ausência de
regulamentação fazem com que adquira características muito variáveis de acordo com a
cidade e com o local (rua, boate, hotel) em que está inserida”. E ainda complementa “que
a diversidade da ocupação se relaciona ainda com a forma de interseção de categorias
sociais como o gênero, a raça, a classe, a sexualidade”. Assim, conformidade com esse
pensamento, Burbulhan et al. (2012, p. 670) apresenta o fenômeno da prostituição como
um campo de estudo amplo e complexo, onde inúmeros são os debates, opiniões,
preconceitos, interesses e nomenclaturas em torno dessa temática.

Em vista de sua abrangência, é possível entender a razão de ser esta temática


perpassada por tantos discursos e abordada de maneiras tão distintas. Entre as
diferenças encontradas nas várias formas como a prostituição é entendida e
tratada em nossa sociedade destacam-se a sua denominação e a de suas
representantes, que vão desde termos de cunho pejorativo até nomes com
muito “enfeite” e pompa.

Segundo Goffman (2004) a sociedade procura criar meios de categorizar os


indivíduos e os seus atributos considerados normais e comuns, a isso o autor define como
identidade social. De maneira normativa e rigorosa, a sociedade cria assim expectativas
quanto ao comportamento que “deve” ser seguido pelas pessoas, a todo instante fazemos
afirmativas “em relação àquilo que o indivíduo que está à nossa frente deveria ser”
(GOFFMAN, 2004, p. 6), sendo designado pelo autor como a identidade social virtual.
Os indivíduos cujos atributos não correspondem às expectativas de normalidade dentro
de uma determinada categoria e apresentando-se de forma ao que ele realmente é, são os
chamados de “estranhos”, pois mostram-se em sua identidade social real. Vê-se,
portanto, que as condutas são construções sociais, onde a própria sociedade procura
deixar claro quais são os comportamentos estabelecidos como certos e que devem ser
seguidas pelos indivíduos e quais são os errados.
A prostituição é vista como uma atividade reprovável socialmente pois rompe com
os modelos e padrões de gênero e sexualidade instituídos às mulheres ao longo do tempo.
A marginalização e a condenação a qual são submetidas às mulheres que se prostituem,
são reforçadas quando levamos em consideração as questões das desigualdades de gênero
vigentes em nossa sociedade. A construção dos papéis sociais são pré-estabelecidos e
legitimam as relações desiguais de gênero. A recusa em seguir tais papéis, condicionam
às prostitutas ao destino de serem vistas como pessoas não dignas.
89

Em geral, a prostituição se liga a uma forma indesejada de ser mulher, seja


porque vai de encontro aos papéis historicamente atribuídos a ela, seja porque
remete à vivência livre de uma sexualidade que, ao longo do tempo, aparece
aprisionada a rígidos padrões de comportamento, à maternidade e à negação
do prazer. (RUSSO, 2007, p.501).

Assim sendo, é possível verificarmos que as representações sociais relacionadas


a prostituição e às mulheres que se oferecem serviços sexuais, são profundamente
marcadas por preconceitos e estereótipos, pois envolve comportamentos considerados
imorais pela sociedade.

Eu acho que as pessoas não sabem. Porque geralmente eu tenho uma amiga
que eu ando com ela e ela faz programa, entendeu!? E eu ando com ela ai eu
acho que as pessoas pensam que eu também faço, mas eu nego. Porque não
precisa ser todas as pessoas que precisam saber. Ah, eles veem com
preconceito. Garota nova se prostituindo. (Entrevista realizada com Ágata em
22/07/2016).

Eu penso, sinceramente, eles acham que a gente é vagabunda [...]. Nova,


bonita, tem capacidade de trabalhar. Há cidades que você chega já te apontam
como mulher da zona, puta... (Entrevista realizada com Índia em 22/07/2015).

Em uma das entrevistas feitas, uma profissional do sexo relatou que não gosta
de ir a determinadas boates que tem na cidade, casas noturnas onde as pessoas costumam
frequentar para dançarem, beberem, enfim, se divertirem; pois considera serem locais
para pessoas ricas e que por saberem que ela é profissional do sexo, a rejeitam.

Todo muito já conhece né! Já é de muitos anos. Já conhece a gente. Mas assim,
o único lugar que a gente chega e a gente é maltratada, é em um lugar, por
exemplo...aqui em Vilhena tem... (boates dançantes), esses lugares são de
gente rica. Então assim, gente rica ela sabe se vestir bem, veste roupa de marca.
E a gente lá na noite trabalha com roupas escandalosas. Então se a gente sair
da nossa casa noturna e for em uma festa dessas, a gente é maltrata, a gente é
até jogada para o lado de fora. Entendeu? [...]. Por isso que eu vou mais nesses
lugares assim, eu gosto de ir as chácaras, balneários, que dá muita gente e é um
lugar assim que você não é tão rejeitada [...]. Evito! Evito lugares luxuosos. Eu
não vou a lugares luxuosos. A não ser que eu pegue um cliente que vá,
entendeu!? Tem cliente que se ele pegar você para ficar a noite inteira com ele,
você tem que ir aonde ele for. (Entrevista realizada com Claudinha em
25/05/2016).

Uma outra garota de programa que entrevistamos nos afirmou que não vai a
certos boates dançantes da cidade por achar que não faz parte do perfil das pessoas que
costumam frequentar esses locais. Para ela, nesses lugares vão muitas “praticinhas” e ela
não se considera como tal, “eu me considero como uma pessoa normal e penso que
90

‘praticinhas’ se acham demais” (Entrevista realizada com Ágata em 22/07/2015). Já me


falaram muito “nega não vai lá porque lá não é da nossa raça”. Assim, Ágata prefere ir
para as chácaras que se localizam no entorno da cidade e a uma casa noturna específica,
que costuma ser frequentada por garotas de programas.
Fica evidente, portanto, levando-se em consideração o conceito de estigma de
Goffman (2004), que em relação a prostituição feminina a mesma é apontada como uma
atividade desviante, pois as pessoas que as praticam não estão correspondendo ao
comportamento esperado pela sociedade. Barreto (2008) afirma que a sociedade sempre
procurou separar as mulheres boas, consideradas apropriadas para o casamento e à
maternidade, por serem ditas como dóceis, dedicadas ao lar e obedientes. As mulheres
más, em contrapartida, são vistas como inadequadas para serem esposas e mães, por
serem independentes e utilizarem da sua sexualidade para fins lucrativos. Por outro lado,
Mattos (2009, p. 174) acredita que “o estigma social contra a prostituta expresse, de modo
aberto porque estigmatizado, toda uma violência simbólica dirigida, de modo velado e
nunca admitido, às mulheres como um todo”.
Para a educadora e antropóloga Dolores Juliano (2016), manter os modelos
estabelecidos pela ideologia dominante reduz os conflitos sociais, evitando assim o
surgimento de pequenos problemas. Porém, para aqueles que se distanciam e transgridam
esses modelos e condutas estão sujeitos a castigos e sanções. A prostituição, por exemplo,
representa um setor especialmente desvalorizado, visto se tratar de uma prática social
onde as mulheres transgridam seu papel de gênero. “A prostituta representa, ao contrário
dos ideais românticos, um tipo de sexualidade predominantemente pulsional, ligado
exclusivamente à satisfação dos instintos, à separação das almas” (MATTOS, 2009, p.
174). Desta maneira, para Dolores Juliano o trabalho sexual “é o setor como maior carga
de estigma social, pois se relacionam a uma conduta na qual a sexualidade é algo que se
vende, não algo que se presenteia e que está ligada ao cuidado” (PRZYBYSZ, 2016, p.
159). A sexualidade voltada a fins comerciais é estigmatizada, desvalorizando quem as
pratica.
Assim, pela pressão exercida sobre as pessoas estigmatizadas, busca-se
persuadir as demais a agir conforme a norma, evitando que infrinjam os
modelos vigentes, o que teria como pena o rechaço social reservado às
“mulheres desviantes”. A participação escassa ou marginal das mulheres no
mercado de trabalho ou o não reconhecimento de sua atividade como digna se
coloca a todas como um obstáculo para que adquiram direitos e deveres
(BARRETO, 2008, p. 91).
91

O universo da prostituição feminina é bastante complexo e diverso, onde a


própria construção de uma identidade das mulheres que exercem as práticas
prostitucionais também mostram-se de forma multifacetada, onde seus sujeitos não se
apresentam de maneira homogênea, havendo distinções umas das outras sob vários
aspectos. Louro (1997, p. 24-27) compreende “os sujeitos como tendo identidades plurais,
múltiplas; identidades que se transformam, que não são fixas ou permanentes, que podem,
até mesmo, ser contraditórias [...]. As identidades estão sempre se constituindo, elas são
instáveis e, portanto, passíveis de transformação”.
De acordo com Silva (2008), a construção da identidade de profissionais do sexo
é relacional no sentido que para ser construída depende de algo fora dela, ou seja, a
identidade é marcada pelas diferenças entre o “eu” e o “outro”. Essas diferenças são
marcadas por símbolos, aspectos como conduta, os hábitos e a própria postura adotada
pelas profissionais, iriam ocasionar a diferenciação entre elas e as “demais” mulheres da
sociedade, como também entre as próprias profissionais do sexo. Para o autor, no
processo de representação da identidade pode haver contradições, não sendo portanto
padronizada. Barreto (2008) afirma que as identidades além de serem marcadas pelas
diferenças, são também hierarquizas e opostas, ou seja, uma possui um conceito positivo
e a outra negativo. Portanto, a autora esclarece que “A identidade considerada ‘normal’ é
vista também como natural, desejável e forte, sendo naturalizada. A outra passa então a
corresponder ao local do desvio, daquilo que não é normal” (BARRETO, 2008, p.85).
No intuito de compreender como esse processo identitário se dá entre as
profissionais do sexo, foi perguntado durante a entrevista o que é ser uma prostituta para
ela e como a mesma se identificava, se era como uma garota de programa, uma
profissional do sexo, uma trabalhadora do sexo, uma prostituta. Desse modo, durante a
pesquisa buscou-se investigar como as profissionais do sexo se auto representam, qual a
concepção que as mesmas possuem de si mesmas seja quando ela está exercendo sua
atividade sexual ou não.

É assim... a maioria das mulheres na noite, é... para nós é tudo negócio,
entendeu? É tudo negócio. Tanto que, quando a maioria dos caras chegam na
boate, a gente fala assim para eles “o seu bolso é o seu guia, é o nosso guia”
porquê quanto mais ele pagar, mas...entendeu? Se ele chegar lá e pagar só uma
dose, mal a gente conversa com ele. Mas tem cliente, por exemplo que gasta
2, 3, 4 mil ai a gente tem que dar a devida atenção para ele gastar e voltar,
entendeu? Se não a gente também não ganha. É... digamos que seria
profissional do sexo. Se a gente não se desempenhar, não tratar o cliente devido
o jeito que ele gosta, jamais ele vai voltar e jamais ele vai querer gastar com
92

você, entendeu? A gente tem que fazer por onde eles gastarem e retornarem,
entendeu? (Entrevista realizada com Claudinha em 23.05.15).

Eu diria que é profissional, porque o que se faz é profissionalismo. Eu trabalho


como você trabalha porque precisa né? Você vai dar o melhor daquilo que você
está fazendo pelo seu trabalho para ter renda, né? Eu acho que o sexo é a mesma
coisa. Se você está precisando e tem que fazer como uma profissão, tem que
pegar e agarrar mesmo. [...] Eu nunca me considerei como uma garota de
programa, eu nunca me considerei pela tal maneira de me vestir, do meu jeito
de ser. Agora tem gente não, ela nasceu pra isso, ela tem aquela alma, ela tem
aquele espírito de garota de programa, ela nasceu para aquilo e ela vai morrer
daquele jeito. [...] Por isso que eu digo para você que eu não me chamo garota
de programa, eu sou profissional do sexo, porque eu sei ser profissional lá
dentro eu sei conquistar o meu cliente, eu sei ser profissional na cama com ele
e partir dali, daquele momento que eu sair fora dali eu sei mudar, mudar
completamente. (Entrevista realizada com Bruna em 18.11.15).

O termo profissionais do sexo, conforme falas das entrevistadas, expressa uma


conotação relacionada ao trabalho, mesmo que no contexto brasileiro seja considerado
como uma prática profissional informal. É importante salientar também que ao
relacionarem suas práticas sexuais enquanto algo profissional, buscam desse modo
evidenciar que as suas identidades e condição feminina não estão propriamente e
exclusivamente vinculadas a prostituição.
De acordo com Russo (2007, p.501), “ao se ligar ao mercado do sexo, ocorre
uma certa ‘invisibilização do ser feminino. A mulher com suas necessidades,
dificuldades, sonhos e emoções é substituída pelo estereótipo da prostituta, e suas
vivências e situações reais são desconsideradas”.
Isto posto, “A ocupação é vista como parte da vida das pessoas e não como
única atividade definidora de sua identidade” (KEMPADOO, 1998, apud BARRETO,
2008, p.70). “Se eu vou a um restaurante, eu já vou bem mais vestida. Com uma
maquiagem mais leve. A gente tem que saber se pôr no lugar da gente.” (Entrevista
realizada com Índia em 22/072015).

Tem muitas meninas que não sabem se comportar. Tem umas meninas que não
sabem se vestir. Porque eu...na minha opinião, se você é uma garota de
programa, você não precisa se vestir como uma garota de programa,
entendeu!? [...]. Toda vida eu sempre fui comportada [...]. Tem muita amiga
minha de lá de dentro (boate), hoje são mulheres de família, que você olha nela
e não acredita que ela já ‘desceu’ aquele negócio lá (pole dance), que já fez
stripes, hoje é uma mulher de família. Ela consegue trocar o seu perfil de
pessoa. (Entrevista realizada com Bruna em 18/11/2015).
93

Para as entrevistadas, há uma expressiva separação entre o que ela faz, ou seja
trabalhar com serviços sexuais, e sua identidade fora da atividade. Para elas, a forma como
se vestem, se comportam, se expressam e falam nos espaços públicos, configuram-se
sinais de identificação dentro da prostituição.

3.4 Sexo e afeto. Dinheiro e amor. A sexualidade na vida das profissionais do sexo.

Louro (1997) utiliza o termo identidades sexuais para designar as formas como
os sujeitos vivem a sua sexualidade. A sexualidade das profissionais do sexo é muito
complexa e diversificada, sendo marcada por contradições relacionadas ao que é certo ou
errado na sociedade. O privado e o público. Sexo e afeto. Dinheiro e amor.
Para a pesquisadora Borghi (2015) a sexualidade normativa estabelece o que a
sociedade considera ser ‘normal’ e ‘correto’, merecendo assim ser incluído nos espaços
públicos. Em contraposição, temos a sexualidade considerada pela sociedade como sendo
‘anormal’ e ‘errada’, como as para fins comerciais praticadas pelas profissionais do sexo.
“Muitas vezes pensamos que o que consideramos ruim é ruim para todos, como é o caso
da prostituição. Essa visão dotada de preconceitos muitas vezes nos impede, inclusive, de
escutar as próprias prostitutas.” (BARRETO, 2008, p.100).

A sexualidade é modelada na junção de duas preocupações principais: com a


nossa subjetividade (quem e o que somos); com a sociedade (com a saúde, a
prosperidade, o crescimento e o bem-estar da população como um todo). As
duas estão intimamente conectadas porque no centro de ambas está o corpo e
suas potencialidades. Na medida em que a sociedade se tornou mais e mais
preocupada com as vidas de seus membros — pelo bem da uniformidade
moral, da prosperidade econômica; da segurança nacional ou da higiene e da
saúde — ela se tornou cada vez mais preocupada com o disciplinamento dos
corpos e com as vidas sexuais dos indivíduos. (WEEKS, 2000, p.36).

O autor considera ser a sexualidade um fenômeno social e histórico, onde utiliza


o termo sexualidade como uma “série de crenças, comportamentos, relações e identidades
socialmente construídas e historicamente modeladas [...]” (WEEKS, 2000, p. 29). Desse
modo, acreditamos que os indivíduos vivem a sua sexualidade das mais variadas maneiras
e em diferentes contextos. Nesse sentido, a sexualidade não deve ser vista como algo
natural aos sujeitos e imutável, ao contrário, é passível de mudanças num processo de
construção e reconstrução.
No que se refere a questão de gênero, é possível observarmos as diferentes formas
em que é vista e vivida a sexualidade feminina e a masculina. A vida sexual das mulheres
94

e dos homens é organizada pela sociedade de maneira distinta, onde o significado que
damos a sexualidade feminina diferencia-se da sexualidade atribuída aos homens, sendo
resultante portanto de inúmeras influências e intervenções, conforme aponta Weeks
(2002, apud BARRETO, 2008, p.98),

No caso da prostituição e dos seus significados, podemos perceber claramente


algumas dessas articulações. A sexualidade, tanto das mulheres que se
prostituem como dos homens que as procuram, é profundamente influenciada
por esses pontos. Assim, as ideias que se tem do papel da esposa podem levar
ao fato de que algumas práticas sexuais não possam ser desempenhadas no
casamento. Já a influência da organização social e econômica se faz presente,
por exemplo, quando as cidades começam a pensar o lugar da prostituição [...].

Pesquisar sobre o universo da prostituição é buscar compreender, conforme


aponta Pereira (2014, p.314), como as profissionais do sexo “agenciam sua sexualidade,
usam de seus corpos, seduzem, constroem suas fantasias e seus desejos, praticam sexo e
estabelecem relações conjugais [...].” Przybysz (2013) assinala que ao se abrir para as
discussões acerca do fenômeno da prostituição, estamos automaticamente relacionando-
a com o próprio debate das práticas sociais, estando estas sempre relativas ao tempo e ao
espaço.
Desse modo, para que possamos compreender a sexualidade vivenciada pelas
profissionais do sexo, se faz necessário também que compreendamos como as mesmas
vivenciam o ato sexual enquanto prática comercial e enquanto ato amoroso com seus
parceiros.

Tudo lá...na noite paga não é tudo100%. O cara pega a gente, compra a gente
pra levar a gente pra sair com ele, tipo assim! Geralmente você nem beija ele
direito, você acabou aquele ato ali...O homem geralmente, por exemplo, leva
você pra dormir a noite toda com ele, você acabou, o homem gozou, você deita
lá de um lado e ele deita do outro, pronto, acabou! É só o tempo dele se
satisfazer, acabou ali, não tem carinho, não tem troca de afeto, não tem nada.
(Entrevista realizada com Claudinha em 23.05.15).

É totalmente diferente. Porque com ele (namorado) eu consigo ter ejaculação,


né! Ele me toca eu sinto nojo, entendeu?! Já os outros não. Os outros tocam dá
uma nojeira. Dá vontade de vomitar sinceramente [...]. Porque assim, com ele
é tudo sem preservativo, porque a gente já se conhece. (Entrevista realizada
com Índia em 22.07.15).

Há diferenças. Eu acho assim, quando a gente está com uma pessoa séria, a
gente tem amor por aquela pessoa. Quando a gente está com ‘outro lado’, não
é aquela coisa assim que você vai amar aquela pessoa. Aquela pessoa não pode
ser sua, entendeu? (Entrevista realizada com Ágata em 22.07.15)
95

A partir das narrativas das profissionais do sexo a respeito de como elas percebem
a prática sexual com os clientes e o com o parceiro, foi possível verificar que em todas
elas há um consenso quanto a diferença entre o sexo ‘amoroso’ e o sexo comercial. O ato
sexual com os clientes é apontado por elas algo onde é preciso usar do profissionalismo,
proporcionando aos mesmos momentos de bem estar, prazer, relaxamento, companhia,
porém sem que haja envolvimento de sentimentos por ambas as partes. No entanto,
algumas relataram que há clientes que “misturam” as coisas e acabam, com o decorrer do
tempo, se envolvendo emocionalmente, propondo inclusive um relacionamento sério à
elas. Outros querem uma certa “exclusividade” e sentem ciúmes em relação aos outros
clientes. Tivemos também relatos de envolvimento sentimental por parte da própria
profissional, ou seja, interesse pelo homem por trás do cliente.

Ah! Minha filha, é claro. Gostei! Gostei mesmo. Ele até falava assim pra mim:
‘tu não faz programa comigo, você se entrega pra mim. É isso que eu gosto em
você.’ E eu séria...aquela coisa! Pra você ver ne como eu sou profissional.
Morrendo por dentro, mas não podia dizer a ele que gosta dele. Porque a partir
do momento que você fala para um seu cliente que gosta dele e ele já não vai
querer pagar. (Entrevista realizada com Bruna em 18.11.15).

Se apegam! Eu considero todos como namorados (risos). Me tratam como se


eu fosse sua namorada. Me dão presentes. Fixos hoje? To com poucos, porque
dei uma boa parada. Hoje to uns oito mais ou menos. Tem ciúmes demais. Eu
nem comento nada. Perguntam ai falo “não baby, to só contigo baby. To
parada, to parada” [...]. São ciumentos, querem só pra eles, entendeu?! Só que
não é assim, a gente sabe que também tem a família deles, a gente também
não... Eles misturam bastante as coisas. A gente sim é profissional pra caramba.
Só que eles misturam demais. Se apegam mesmo. Mas é muito bom. (risos).
(Entrevista realizada com Bruna em 18.11.15).

Os relatos das profissionais sobre a relação entre aspectos materiais (trocas de


serviços sexuais por dinheiro) e afeto, nos mostram que por mais que elas procurem
manter o profissionalismo, como elas mesmo declaram, haverá situações em que um dos
dois, ou ambos (cliente e prostituta), poderão desenvolver um sentimento mais forte um
pelo outro.
Estudos sobre prostituição em diferentes partes do país mostram que essas
modalidades de trocas sexuais e econômicas, às vezes, envolvem afeto e
prazer, um entrelaçamento que pode, inclusive, promover deslocamentos nas
relações entre pessoas que, no início dos encontros, eram prostitutas e clientes.
(PISCITELLI, 2011. p.549).

E, ainda, conforme ratifica Russo (2007, p. 499),


96

Na troca, mesmo naquela notadamente econômica, à medida que há algum tipo


de relacionamento entre os seres humanos, o contato com o outro sempre
ultrapassa a dimensão econômica. Nela, cria-se uma relação social e, muitas
vezes, se engendra um determinado tipo de sociabilidade, que pode ou não
tomar contornos mais duradouros ou pautados em sentimentos específicos, de
acordo com a forma como as pessoas envolvidas conduzem e vivenciam a
relação.

Tal realidade nos indica que mesmo estando as práticas sexuais comerciais
fundamentadas na troca por dinheiro, é possível que tenhamos situações em que há a troca
de afetos, ultrapassando a lógica meramente econômica e puramente racional
frequentemente apresentado na atividade da prostituição, afinal, “toda relação existente
entre seres humanos é pautada na existência de emoções, e isso não é diferente com a
prostituição”. (RUSSO, 2007, p. 511). Ainda, conforme afirma Pereira (2014, p. 318) “O
lucro que se obtém a partir dela também não é o mesmo e, dentro de um local de
prostituição, se estabelece uma economia da sedução em que as principais moedas de
troca são sexo, afeto e dinheiro.”
Russo (2011) nos apresenta uma reflexão acerca da inter-relação entre amor e
dinheiro na nossa sociedade contemporânea. A pesquisadora nos afirma que esses dois
elementos se apresentam na sociedade como polos ao redor dos quais a vida gira,
representados de forma antagônicas ou separadas, no entanto, quando vistos sob uma
outra ótica, ou seja, pensar o amor como um mediador das relações sociais, tornam-se
desejos que se complementam.

Relacionar sentimentos e dinheiro vai de encontro a tudo que se aprendeu e


introjetou sobre esses dois elementos. Socialmente, reafirma-se o discurso
social do amor como algo sagrado, e o dinheiro como uma coisa ao mesmo
tempo necessária e suja, impregnada por uma dimensão negativa, que não
deveria estar ligado a um sentimento tão “puro” como o amor. (RUSSO, 2011,
p. 123).

No que tange ao fenômeno da prostituição, a relação entre os elementos dinheiro


e amor encontra-se no cerne das discussões desta temática tendo em vista se tratar de uma
prática hipoteticamente voltada pela compra e venda de serviços sexuais. Relações
íntimas e pessoais que se dão sob o viés mercantilista.

Compreendo a prostituição como uma forma de troca econômica e sexual que


ultrapassa a si mesma. Nela, uma sociabilidade específica é construída;
identidades são erigidas; constroem-se relações perpassadas não apenas por
valores econômicos, mas também pela afetividade, pelo encontro com o outro,
pelo rompimento com a solidão corporal e ainda com a solidão típica da
metrópole, em que, mesmo com o outro, se está só. (RUSSO, 2007, p. 499).
97

Desse modo, para a pesquisadora Russo (2007), a presença do dinheiro na


prostituição possui aspectos simbólicos tanto enquanto mediador quantitativo na relação
que se estabelece entre a profissional e o seus clientes, mas também qualitativo.

Assim, pressuponho que o dinheiro, em meio ao labirinto de sensações e


atitudes que a sua presença ao tempo gritante e silenciosa impõe, valora a
prostituição, não apenas no sentido de ser um mediador quantitativo e, como
tal, representante de um preço específico, mas também qualitativamente, como
representante do valor. As variações de preço dos serviços prestados pelas
prostitutas não expressão apenas as leis econômicas da oferta e da procura, mas
aparecem, dentre outros elementos, como medida de um tipo específico de
competência e feminilidade. Em outras palavras, o dinheiro é também valorado
pela prostituição; é um valor que remete a outros valores. Nela, ele assume um
significado específico; em meio à relação que se quer puramente racional, os
elementos quantitativos, que estariam na sua essência, são transmutados em
qualitativos. (RUSSO, 2007, p.508).

Nesse sentido, o dinheiro pode ter diversos significados para as mulheres que se
prostituem, como por exemplo, simbolizam a independência e autonomia pessoal e
financeira, possibilitando a elas o poder de consumo que não existia antes de entrarem na
prostituição. Se faz oportuno analisar, em consoante com o pensamento proposto pela
pesquisadora Russo (2007) quando declara por intermédio do dinheiro o trabalho da
prostituta é valorado, como também é valorado as mulheres que exercem tal atividade.

Antigamente, quando eu peguei e me separei, que eu já estava solteira, antes


de virar garota de programa, ai eu andava nas festas, eu vivia nas festas,
dançava, e assim, o povo não me tratava igual trata agora, entendeu!? O povo
me tratava de um jeito assim... que eu era ‘rodadinha’, entendeu!? Eu era
rodadinha. Eu ia nas festas, dançava, as vezes ‘agarrava’ um garoto, ai vamos
supor, domingo eu ia em um forró, ou eu ia em um balneário, ai eu estava com
outro garoto, ai o povo ficava comentando, entendeu!? E agora é diferente.
Agora as pessoas elas olham pra gente e respeitam a gente. Porque pra pegar a
gente tem que pagar [...]. A gente é e não é valorizada, entendeu!? (Entrevista
realizada com Claudinha em 23/05/2015).

Um outro aspecto evidenciado nos relatos das profissionais, refere-se a liberdade


de ser fazer o que quer, não precisando dar satisfações a ninguém (no caso a um
companheiro), “prostituir-se é ser de todos e de ninguém exclusivamente”. (RAGO, 2008,
p.27). A liberdade é também relacionada por elas quanto a posse de dinheiro, pois não
precisam de “um homem” para sustentá-las, ou seja, são livres dessa condição tão comum
na sociedade.

Não vou mentir, é bom! Eu gosto por que eu não tenho compromisso com
ninguém. Eu não sei se foi a separação que me deixou meio fria [...]. Eu
98

acredito, assim...que pelo menos eu não tenho compromisso com ninguém


sabe! Eu faço, eles me pagam. Tipo assim, eu saio e volto a hora que eu quero.
Isso é que é o bom, isso é o que eu gosto. (Entrevista realizada com Bruna em
18.11.15).

Essa minha vida, eu morando sozinha, eu vivendo assim, eu tenho dinheiro,


sabe! Eu não preciso de homem pra me bancar, pra me dar comida.
Principalmente para me dar presentes, principalmente pra me ir a uma festa,
sabe! Eu não preciso. É uma vida que você vive sozinha. Ao contrário, ao invés
de você arrumar um namorado, os homens é que vêm correndo atrás de você.
Entendeu! Isso é bom para nossa autoestima. (Entrevista realizada com
Claudinha em 23.05.15).

Vê-se, portanto, que o dinheiro apresenta-se como principal elemento positivo na


prostituição. Segundo afirma Russo (2007, p. 511), ao descrever que, “é por ele, ou
melhor dizendo, por aquilo que ele representa, pelos conteúdos simbólicos a que ele
remete, que as mulheres entram e se mantêm na prostituição”. É através do dinheiro
obtido por intermédio da prostituição que muitas profissionais garantem sua
sobrevivência e, em alguns casos, dos seus próprios filhos, afinal, como afirma
pesquisadora, “sem dinheiro não é possível sobreviver [...]. Trocam o prazer que ele pode
proporcionar por uma quantia em dinheiro capaz de lhes garantir, mesmo que, em alguns
casos, minimamente, a manutenção das necessidades do dia-a-dia.” (RUSSO, 2007, p.
502).
Uma das profissionais entrevistadas afirmou que sua mãe sempre pede uma
“ajuda” financeira a ela e por essa razão, a filha considera ser este um dos motivos da mãe
não se incomodar muito que ela se prostitua. Para ela o dinheiro que ganha por meio da
atividade da prostituição é ao mesmo tempo bem-vindo, porém “maldito”, pois afirma
que quanto mais se ganha mais se quer gastar com roupas de luxo, joias, ostentação nas
festas, sendo considerado um vício para ela. Cita exemplos de amigas dela que conseguem
fazer suas economias e guardar uma certa quantia na conta, mas para isso precisa ser “pão
duro”.

3.5 Prostituição feminina em Vilhena – RO: Uma abordagem espaço-temporal

3.5.1 Passado

Conforme informações coletadas em campo, a atividade da prostituição na


cidade de Vilhena, em meados da década de 80 e 90, foi marcada pela presença e
intermediação das atividades econômicas madeireiras no estado e principalmente pela
existência da atividade do garimpo de diamantes em Juína, no estado do Mato Grosso.
99

Durante os períodos de maior intensidade nas atividades dos garimpos, as


mulheres que ofereciam serviços sexuais nessa época, se deslocavam para essas áreas.
Algumas mulheres moradoras da cidade que exerciam a atividade como empregadas
domésticas, durante esse período migravam para as áreas garimpeiras e lá permaneciam
por certo tempo para também praticar a atividade prostitucional.
Nessa época, de acordo com nossa informante-chave, a rotatividade das garotas
de programas era comum, geralmente vindas de outras regiões próximas ao município,
cobrando valores bem baixos pelos seus serviços (baixo meretrício). Essas utilizavam os
locais dos postos de gasolina da cidade, principalmente os que se localizam as margens
da BR 364, para exercerem sua atividade, pois se tratavam de locais de parada de
caminhoneiros, boiadeiros, etc. Havia também inúmeros bares localizadas as margens da
BR 364, conhecidos popularmente como “boca do lixo”, onde os mesmos eram utilizados
pela atividade da prostituição.
Quanto aos bordéis existentes na cidade nessa época, havia alguns que se
destacam pela seu tamanho, como um que se localizava no bairro São José, um casarão
com inúmeros quartos onde as mulheres praticavam sua atividade, como também
residiam nele. Este bordel, por ser considerado mais popular, os programas eram de
valores bem baixos. Hoje, onde era esse antigo local funciona uma escola estadual.
Havia também nesse período uma casa noturna mais “elitizada”, em virtude do
lugar ser frequentado por pessoas da alta sociedade da cidade, onde os valores dos
programas já eram bem mais caros, nestes inclusive havia também shows de strip-tease
de profissionais vindas de outros estados do Brasil. Localizado próximo a conhecida
“Casa de Rondon”, a proprietária desse bordel tinha uma proposta diferenciada dos
demais bordéis mais populares da cidade, pois a mesma mantinha um certo “cuidado” em
relação a saúde das mulheres que trabalhavam em seu estabelecimento. Conforme
declarações a partir da nossa informante-chave, ao relembrar a época em que iniciou seus
trabalhos de cuidados da saúde na cidade, principalmente referente a prevenção das
DST’s/Aids, “A gente esteve lá dentro ministrando cursos tanto de prevenção, como
fazendo oficinas para prepará-las para a prevenção”. (Entrevista realizada com
informante-chave em 03.06.2015). Havia uma rotatividade das mulheres nesse prostíbulo,
onde depois de um certo período a própria proprietária se encarregava de “redistribuí-las”
para outros bordeis do mesmo nível deste. Uma das profissionais que entrevistamos
iniciou sua prática prostitucional nesta boate, no início como cozinheira, por volta do ano
de 2006, trabalhando por um período de um ano aproximadamente.
100

Era muito organizada. Cada uma tinha seu quarto e cada quarto possuía cama,
guarda-roupa e banheiro. E ali eu fiquei um ano ganhando dinheiro [...]. Tinha
show, tinha estripe [...]. Eu na época era150 reais o meu programa e ela (dona
do bordel) cobrava o quarto dela. 80 reais ela cobrava do quarto. 80 reais do
quarto dela e o meu era o meu [...]. Ganhei...Ganhei bastante dinheiro. Mas
olha, sempre, sempre, todo dia sempre fazia 150, 200 reais. Tinha shows
também que eu participava, fazia estripe. Era 50, 80 reais. Eu já cheguei a fazer
um cálculo uma vez. No ano que eu fiquei lá, eu tirei 60 mil reais. Eu já tive
noite de eu tirar, num cliente só dá 2500 reais. (Entrevista realizada com Bruna
em 18.11.2015).

A rotatividade de mulheres dentro dos bordéis era uma característica comum nos
locais voltados prostituição, pois visava não “cansar” seus clientes, oferecendo a esses
um serviço mais diversificado. Além dos bordéis mencionados havia também outros
locais, bares e lanchonetes, onde a atividade da prostituição era desenvolvida de forma
mais discreta e disfarçada.
Ainda nesse período, tinha uma parada de ônibus onde em seu entorno era
possível encontrar algumas prostitutas, geralmente as mais de idade que tinham filhos e
maridos, como também algumas travestis. Já as prostitutas que ficavam nos postos de
gasolina eram as mais jovens, onde aproveitavam as caronas dos caminhoneiros,
deslocando-se para cidades próximas a Vilhena, onde nessas cidades realizavam seus
programas e depois retornavam a cidade, em processo migratório temporário de idas e
vindas. Em relação as travestis também havia esse tipo de migração, geralmente fazendo
o percurso Comodoro – Pontes e Lacerda – Porto Velho.
Uma outra prática sexual antiga na cidade e comum na alta sociedade era a troca
de casais. Por meio do chamado “jogo das chaves”, casais reuniam-se em festinhas e
encontros geralmente em suas próprias residências, onde em um determinado momento
jogavam as chaves sobre a mesa e aquele que pegasse uma determinada chave também
levaria consigo a mulher do outro. Neste caso, não temos a troca de serviços sexuais por
dinheiro.
Vê-se, portanto, que a prostituição feminina existente no município de Vilhena
por volta dos anos 80 e 90, comumente se dava em espaços fechados, em sua maioria das
vezes em bares e lanchonetes, que tinham quartos destinados ao desenvolvimento dos
serviços sexuais. Geralmente estes se localizavam na Av. Melvin Jones (rua do cemitério
municipal); na Av. Paraná e às margens da BR 364, próximos a saída da cidade sentido a
Porto Velho, capital.
101

Com o passar do tempo verificou-se que as profissionais do sexo passaram a


morar em repúblicas, pequenos apartamentos ou quitinetes, onde muitas delas saiam da
casa dos seus pais para que pudessem ter a “liberdade” de se prostituírem. Porém, é
preciso ressaltar que esses espaços não eram utilizados para a atividade da prostituição,
apenas como moradia.

3.5.2 Presente

Conforme relatos da nossa informante-chave, há na cidade profissionais do sexo


que mantém contatos com grandes hotéis não somente de Vilhena, mas também de
cidades vizinhas, por exemplo, como Colorado d’Oeste e Cabixi. Nesses casos, através
de intermediadores, pessoas que já possuem os contatos delas, ao sinal de clientes entram
em contato com as mesmas viabilizando tais encontros. É preciso destacar, que aquelas
que participam desse esquema são justamente as que possuem programas mais caros,
onde os clientes, precisam inclusive pagar pelos deslocamentos das mesmas, bem como
as despesas com o hotel. Todo esse processo reduz a exposição tanto das profissionais do
sexo, como dos clientes, geralmente homens da alta sociedade que não querem ser vistos
em outros ambientes procurando esse tipo de serviço. Já o uso dos motéis é mais comum
entre os mais jovens, rapazes e moças que não possuem esse vínculo com os hotéis e que
também não se preocupam muito em manter sigilo e discrição.
Algumas chácaras, que se encontram próximas as margens do rio Piracolino,
onde as vezes promovem festas dançantes, costumam serem locais frequentados por
profissionais do sexo, pois além delas irem para se divertirem e dançarem, as mesmas
aproveitam para estabelecerem contatos com possíveis clientes. Há também na cidade
uma casa noturna onde as profissionais do sexo costumam frequentar para dançarem e
divertirem.
Hoje é possível verificar um tipo de prostituição muito comum entre as jovens
da cidade, servir de acompanhantes para homens nas boates em troca do pagamento de
bebidas, uso de drogas, enfim arcarem com suas despesas da noite. Em sua maioria elas
não categorizam essa prática como prostituição.
É importante salientar que se tem observado que em virtude do crescente
aumento do uso de drogas na cidade, tem também crescido o sexo entre jovens, inclusive
menores de idade, motivadas somente pelo consumo das drogas, pois em muitos casos
essas jovens provém de famílias da classe média alta, não necessitando a troca do sexo
102

por dinheiro. “Eu conheço mulher casada que faz programas. As meninas mesmo que
fazem faculdade, a maioria fazem programas [...]. Fazem porque gostam. Eu tenho amigas
minhas que têm casa própria, tem condições e trabalham durante o dia”. (Entrevista
realizada com Índia em 22/07/2015).
Uma prática antiga na cidade que ainda permanece nos dias de hoje dentro da
atividade da prostituição é a existência dos chamados “books.” Coletâneas de fotos de
mulheres reunidas em um álbum, hoje geralmente arquivadas em celulares, onde supostos
agenciadores, pois esses ganham uma certa porcentagem com a prestação dos serviços,
intermediam o contato dessas profissionais com os seus clientes. Vale ressaltar que essa
estratégia é utilizada também pelos garotos de programa, onde suas clientes, geralmente
mulheres da alta sociedade da cidade na faixa dos seus quarenta anos, buscam o serviços
desses rapazes, em alguns casos homossexuais, pagando-os muitas vezes com roupas,
calçados, celulares, etc. Ademais, existem casos onde homens de meia idade que pagam
para manterem programas com garotas, por vezes menores, com o conhecimento e
consentimento de suas esposas, garotas essas inclusive com orientação homossexual.
Para a nossa informante-chave, ao se analisar os motivos que têm condicionado
a atividade da prostituição no município de Vilhena têm sido os mais diversos possíveis.
Ela atribui, por exemplo, ao crescente aumento no uso de drogas; a carência e limitação
no mercado de trabalho; o intenso fluxo migratório para a cidade, agravando mais ainda
a questão do desemprego; a própria Br 364 que corta a cidade torna-se fator condicionante
pois passa a ser uma via de tráfego constante de pessoas; a apelação do comércio para o
intenso consumismo; a vontade e o desejo de frequentarem ambientes caros; tudo isso
tem sido apontado como fator motivador da prostituição na cidade. Contudo,
abordaremos no tópico a seguir os motivos pelas quais as profissionais que entrevistamos
entraram no mundo da prostituição.

3.5.3 Como tudo começou!

As razões e motivos que levam as mulheres entrarem para a prostituição são


muitas, assim como também é preciso considerar que muitas são as razões que levam os
clientes a buscarem os serviços prestados pelas profissionais do sexo. Não entraremos em
detalhes quanto a essa discussão, mas abriremos um parêntese para a declaração tão
pertinente de Bruns (2001, p.15, apud Burbulhan, et al, 2012, p. 670), quanto a esta
questão, onde expressa que “Se existe quem vende prazer, é porque existe quem compra
103

prazer. Não há negócios estabelecidos unilateralmente. Não seria o poder de compra o


desencadeador do desejo ou necessidade de venda?”.

A busca pela prostituta é, assim, a procura por um tipo específico de mulher,


prazer ou fantasia sexual. Não se trata de um serviço que qualquer outra pessoa
poderia exercer, mas a busca pela vivência de uma relação peculiar, inserida
em um contexto particular, que proporciona determinadas sensações e está
ligada a um leque de possibilidades e experiências específicas. (RUSSO, 2007,
505).

Partindo do pressuposto que a atividade da prostituição é, na maioria dos casos,


lucrativa, presume-se então que o outro lado dessa díade, ou seja, os clientes, constituem
como parte para que a prostituição exista. Não faz sentindo, portanto, atribuirmos a
existência da prostituição somente à prostituta.

Eu sou muito comunicativa e eu não atraiu uma pessoa só por sexo. Porque se
um cliente, se um rapaz, vai em uma casa dessas de meninas, procurar uma
menina, algum problema ele tem. Ou é na família, alguma coisa ele tem. Ele
não ali procurar só enfim o sexo. Ele vai ali pra conversar, ele vai ali pra
desabafar, alguma coisa é, entendeu!? E se a menina ela for inteligente e saber
tratar o seu cliente, nossa! Seu cliente vai ficar muito satisfeito e vai gostar
muito de você e ele vai saber te gratificar completamente. E eu acho que isso
era o meu caso. Eu não ia lá só pra me deitar com ele. Eu ia lá não só pra dar
o prazer pra ele. Eu ia conversava. As vezes eles estavam com problemas, me
perguntavam opinião. Eu sempre conversava, entendeu!? Ficava como uma
amizade. E é isso. Eu sempre tive muito cliente. (Entrevista realizada com
Bruna em 18/11/2015).

Levando-se em consideração as declarações já relatadas das entrevistadas onde


as mesmas reconhecem a importância atribuída ao dinheiro obtido através da prostituição
e toda a simbologia que ele representa, se faz necessário abordarmos as razões por elas
mencionadas que motivaram sua inserção na prostituição.

Ah deu na cabeça! Eu falei eu vou fazer isso e não to nem ai. Pra mim eu tinha
muito medo disso. Até hoje eu fico meio assim! porque não são todas que
entram pra esse lugar, né! Então eu fiquei meio assim! Eu procurei saber, ai
me falaram. Olha lugar aqui em Vilhena não! Eu ficava em Pontes e Lacerda.
Eu fazia lá. (Entrevista realizada com Ágata em 22/07/2016).

Pra ser sincera, vou te passar uma história mais real. Uma coisa mais do
começo. Eu engravidei com 15 anos. Tive o meu guri. Tinha um namorado,
engravidei dele e ele simplesmente foi embora e me deixou. Daí falou que o
menino não era dele. A minha mãe não quis me questionar muito e depois
acabamos fazendo um DNA, deu que era filho dele e mesmo assim não quis
saber. Só pagava a pensão e pronto. O que que acontece, com 16 anos eu
casei...casei com 16 anos meu guri já tinha um aninho. Com 6 meses que eu
estava casada descobri que meu marido era um dependente químico de crack.
E eu ainda lutei com ele 4 anos pra sair da dependência, levei pra recuperação.
Tentei fazer de tudo. O que eu pude fazer por aquele homem, eu fiz. Não deu
104

certo! Eu sofri demais. Eu passava fome. Até o leite da criança ele não
comprava [...]. Eu sofri 4 anos nas mãos desse homem com dependência
química. Então eu traumatizei. Se hoje eu sentir o cheiro eu conheço e eu fico
nervosa, alguma coisa [...]. Aí como eu tava te falando, não deu certo! 4 anos
lutando, levando pra recuperação, não deu certo, larguei. Daí, menina nova,
meio sem juízo por ali, ai meu menino foi morar com minha mãe, casei com
outro rapaz. Quando vi, advinha?! Droga também envolvido [...]. Fiquei 1 ano
com ele [...]. A gente morava de aluguel (me lembro como se fosse hoje) e ele
foi embora no dia que o aluguel venceu e não deixou o dinheiro do aluguel, o
gás acabou, tudo no mesmo dia. Não tinha nada, sabe o que aconteceu? Com
2 dias depois vieram e cortaram a luz da casa. Eu fiquei luz (que Deus sabe da
minha vida), sem gás e sem pagar o aluguel. E ai? Desempregada. E ai? O que
eu faço agora? Um dia eu tava triste, minha amiga chegou e disse “em tal lugar,
numa boate, ta precisando de uma cozinheira” [...]. Cheguei lá, tudo bem,
comecei a trabalhar, trabalhei 15 dias. Com 15 que comecei a trabalhar,
apareceu um rapaz lá na cozinha, cliente da casa, bebendo e começou a
conversar comigo [...]. Daí ele disse “você é uma menina tão bonita, seu lugar
é lá no salão e não aqui na cozinha”. Esse rapaz me atentou três dias [...]. Ai
eu falei, “tudo bem, hoje no final do meu expediente da cozinha eu fico com
você pra tu me dar os R$ 350.” Pronto, terminei meu expediente e fiquei com
ele [...]. Ganhei R$ 300 naquela noite, fora o que ganhei com o rapaz. E
comecei, menina! Todo dia. Com 4 dias eu já não queria trabalhar na cozinha.
Porque o dinheiro era mais fácil. (Entrevista realizada com Bruna em
18.11.15).

Então, foi assim! eu geralmente comecei a ficar sem dinheiro. E assim, as


contas veio pra mim pagar e eu tinha muito problema. Ai uma amiga minha já
trabalhava dentro da boate ai ela falou “porque você não faz um teste? Vem
trabalhar junto com a gente, você vai ter dinheiro”. Ai eu fui e comecei. Já...já
fiquei por dinheiro antigamente. Eu já tive relacionamentos com homens
casados que me bancavam. Só que assim, ele me bancava e não podia ficar
com ninguém. Ele tinha a esposa dele e ficava comigo. Ele queria
exclusividade. Ele tinha bastante dinheiro. Ele me bancava, me dava tudo que
eu precisava. Me dava dinheiro, pagava minhas contas. Tudo o que eu queria
ele nunca negou nada pra mim. (Entrevista realizada com Claudinha em
23/05/2015).

Então, saindo da casa de detenção, eu peguei e pensei assim: ‘pra onde eu vou
agora? Eu já tinha 18 anos, foi quando eu conheci uma amiga minha e ela me
levou para a prostituição. (Entrevista realizada com Índia em 22/07/2015).

Observa-se, portanto, que, os motivos apontados pelas profissionais que


justificam, de uma certa forma, sua iniciação na vida prostitucional, são pautados pela
necessidade financeira, apesar de verificarmos que cada uma delas tinha suas razões
particulares, inerentes ao seu contexto de vida, onde estava em jogo a garantia do seu
próprio sustento, há que se considerar, contudo, em concordância com a afirmação de
Burbulhan et al. (2012, p.671), quando declara que “é imprescindível reconhecer que o
aspecto financeiro constitui apenas um desdobramento dessa temática, que de forma
alguma pode se encerrar unicamente na questão do dinheiro”.
105

3.5.4 Sonhos e expectativas para o futuro

Em todas as entrevistas realizadas com as profissionais do sexo, optamos por


finalizarmos com a seguinte pergunta: Tem algum sonho? Qual é? Qual sua expectativa
para o futuro?

Tenho sonhos. De ter minha casa e comprar minhas coisas. Eu vejo no meu
futuro que eu vou ser uma boa mãe para minha filha, vou ter um serviço digno,
ne! Vou ter minha casa e vou viver minha vida. É isso! Eu não pretendo casar
tão cedo. (Entrevista com Ágata realizada em 22/07/2016).

Meu futuro não é isso aqui não. Meu futuro é fazer uma faculdade. Arrumar
um emprego digno e acabar de vez. Isso aqui é só uma passagem. Não é uma
coisa que eu quero ter pro resto da vida, nunca! (Entrevista realizada com
Bruna em 18/11/2015).

Assim, isso não vai ser pra sempre, né! Eu penso assim que isso é só por um
tempo. Sempre eu falo isso. Isso é só por um tempo. Chega as pessoas e te
convidam para sair dali, não viver mais aquilo ali. Então vai chegar um
momento que a gente vai acabar cedendo. Que aquilo ali é para as pessoas
novas. Vai chegando a idade e você vai vendo realmente o que você quer.
Porque eu acho que a pessoa com 25, 26 anos é a idade geralmente de você ter
uma família. Não é a idade de você ta zoando, entendeu! [...] Eu queria casar
de verdade de vestido de noiva. E quando isso acontecer, todo o meu passado
será apagado. Só não o da minha filha. Mas o resto, do meu passado inteirinho.
Começar uma nova vida. (Entrevista realizada com Claudinha em 23/05/2015).

Desse modo, podemos verificar que sair da atividade da prostituição é um desejo


que todas almejam, pois acreditam ser esta atividade algo passageiro em suas vidas. Todas
elas foram mães muito jovens e logo pensam no futuro com seus filhos, onde a
prostituição não fará parte das suas vidas. Mencionam o medo dos filhos chegarem a
descobrir um dia o que elas fazem. Desejam trabalhar em outra atividade e, como
mencionado por uma delas, fazer uma faculdade.
106

Figura: Henri de Toulouse-Lautrec – No Moulin Rouge (1895, óleo sobre tela)

Fonte: http://www.toulouse-lautrec-foundation.org/at-the-moulin-rouge-large.html
107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lang (2000, p. 123) parte do princípio que a realidade social tem incontáveis
aspectos, sendo que o seu conhecimento é inesgotável, onde a missão da pesquisa consisti
em “contribuir para o conhecimento, sabendo contudo que o resultado de uma pesquisa
não é uma verdade final, um resultado inquestionável”. Para Nascimento Silva e Silva
(2014, p.16) “[...] as respostas capazes de serem produzidas em um determinado campo
científico são sempre provisórias, circunstanciais e posicionadas.”
Assim sendo, acredito que a pesquisa aqui apresentada não encerra em si as
discussões e análises que podem ser produzidas acerca da prostituição feminina na cidade
Vilhena. Apesar do município não constituir um lugar onde o referido fenômeno seja algo
aparentemente tão expressivo, é suma importância considerarmos que o fato das
profissionais não se encontrarem concentradas em determinados espaços fechados, como
bordeis e casas noturnas, ou espalhadas entre ruas e avenidas, não significa que as mesmas
não existam e que não fazem parte da organização espacial do lugar.
É importante destacarmos que a pesquisa em tela abre para o debate a relevância
de se produzir trabalhos acadêmicos a respeito da prostituição feminina em contextos
diferenciados, como por exemplo, em pequenas cidades e no interior do país. Nascimento
(2014) aponta para a escassez de pesquisas voltadas a prática prostitucional em áreas não
metropolitanas.

Apesar do crescimento da produção nas ciências humanas e sociais sobre a


temática nos últimos anos, tem-se como pressuposto de que são nas grandes
cidades, local propício ao individualismo e onde as normas que regulam as
relações de gênero supostamente são mais flexíveis, que diferentes formas de
prostituição têm lugar. (NASCIMENTO, 2016, p. 73).

Desse modo, acreditamos ser de suma relevância proporcionarmos a abertura


para se pensar a prostituição para além das formas comumente apresentadas em pesquisas,
onde vemos a prostituição associadas aos espaços das ruas, bares, bordéis, etc.
Acredito na relevância da presente pesquisa por representar um grupo de
pessoas da cidade de Vilhena, Rondônia, que até então não tinham sido objetos de estudo
em um trabalho acadêmico. Mulheres que fazem parte de um universo marginalizado
marcado por inúmeros preconceitos, estereótipos e estigmas e que tem sido invisibilizadas
nos estudos geográficos. Foi possível verificar através deste trabalho o quão diverso e
complexo é a prostituição feminina, apresentando-se multifacetado e por vezes
108

contraditória. Por essa razão, optamos por investigar as experiências espaciais


vivenciadas pelas profissionais do sexo no município de Vilhena, Rondônia, onde
tínhamos enquanto objetivo compreender a relação entre o espaço e tais vivências
cotidianas.
Foi possível observar, através do trabalho de campo, que o espaço em questão
estudado, compõe diferentes de tipos de prostituição, desde bares, casa noturna, posto de
gasolina, etc. porém há uma predominância na cidade do tipo de prostituição feita de
forma discreta e sigilosa, ou seja, há uma certa invisibilidade espacial para com os
clientes, onde as profissionais do sexo procuram manter em segredo quanto a atividade
que exercem.
Nesse sentido, verificamos que pelo fato delas morarem em uma cidade
relativamente pequena, as pessoas podem reconhecê-las caso elas resolvam se exporem
publicamente enquanto garota de programa. Elas apontam como elementos identitários
da prostituição feminina principalmente elementos como a forma de se vestirem, de se
comportarem nos espaços públicos, o modo como falam e se expressão, etc. Desse modo,
quanto mais elas mascararem tais elementos, menos elas serão identificadas. Quanto
maior é o nível de sigilo e discrição, menos problemas com preconceito elas terão nos
ambientes públicos.
Mesmo sendo considerado por elas enquanto um trabalho como outro qualquer,
elas reconhecem o quanto a sociedade discrimina quem pratica a prostituição, por esse
motivo tentam manter o máximo possível de discrição, pois tenho consciência que podem
ser alvo de opressão e preconceito por parte da sociedade. Conforme aponta Barreto
(2008, p.138) quando afirma que “a prostituição é desvalorizada como trabalho, as
prostitutas como mulheres, pelas lógicas de gênero, e como depravadas, pelas práticas
sexuais”. Por isso, vemos que uma característica comum entre as mulheres que se
prostituem é se deslocarem para outras cidades para prestarem seus serviços sexuais
distante das suas cidades, uma forma de manterem oculta e latente sua prática
prostitucional.
É desse modo que nossas entrevistadas estabelecem e vivenciam suas
espacialidades, um impasse constante entre o que é visível e o que está oculto aos olhos
da sociedade. Entre o que é considerado moralmente correto e o que é visto como
comportamento desviante socialmente.
109

Consideramos que a presente pesquisa possa servir enquanto objeto para a


promoção de mudanças sociais mais equitativas e menos discriminatória para com as
mulheres que oferecem serviços sexuais em troca de dinheiro.

[...] Se o mundo da prostituição se transformou em grande parte, nessas últimas


décadas, também mudou a maneira de percebê-lo. Já não é mais possível
responsabilizar a prostituta pela existência da prostituição, como ocorria no
passado, menos ainda aceitar que seja presa ou espancada pelas autoridades
públicas pela prática da comercialização sexual do seu próprio corpo. Ao
contrário, a prostituta é um efeito, produto de um meio que beneficia a muitos
setores sociais envolvidos, especialmente os homens, que, aliás, jamais foram
objetos de problematização ou de ataques quando se tratou dessa experiência.
(RAGO, 2008, p. 14).

É preciso discutirmos com mais veemência no meio acadêmico e através de


produções científicas a respeito dos estereótipos em relação condição dicotômica do ser
prostituta, enquanto mulheres depravadas e pervertidas que não conseguem controlar
seus desejos sexuais, e o ser mulher, com seu papel feminino esperado pela sociedade,
com um padrão de conduta sexual admitido. Assim, consideramos que “as abordagens
feministas são vitais, não somente para ampliar o conhecimento, mas para os objetivos
que são alcançados por meio daquilo que fazemos” (MONK, 2011, p.12).
Faz-se necessário desconstruirmos tais visões acerca das mulheres que se
prostituem, no sentido em que a sociedade desconsidera que essas mulheres são seres
humanos, ou melhor, são mulheres singulares, com vivências as mais diversas possíveis.
Mães que, como todas as ‘outras’ pensam no futuro e bem estar dos seus filhos. Mulheres
que, como todas as demais que compõe a sociedade, merecem respeito.
110

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APÊNDICES
119

APÊNDICE 1

LES DEMOISELLES D'AVIGNON

“CLAUDINHA”

Claudinha é natural de Vilhena, tem 22 anos e mora sozinha em um apartamento


(quitinete) alugado há mais ou menos um ano. Aos 15 anos deixou a casa dos seus pais e
casou-se pela primeira vez. Seus pais também residem no município e de acordo com ela
nasceram no município e ambos tem conhecimento que a filha faz programas. Sua mãe
descobriu desde o início e lida de forma tranquila inclusive com a situação. Conforme
afirmou na entrevista, considera que esta postura da sua mãe se dá em virtude dela se
beneficiar também com o que ela faz, pois sempre pede dinheiro e ajuda financeira para
a filha. Já para o pai, ele não concorda com a atitude da filha, por achar incorreto o que
ela faz, uma forma de exploração na opinião dele. Para Claudinha o seu pai tem uma certa
razão pois afirma que alguns homens casados e pais de família ao receberem seu salário
vão lá na boate e gastam todo o dinheiro com bebidas e programas, o que lamenta pois a
família irá se prejudicar com o “erro” do pai.
Claudinha tem uma filha que mora com seus pais. Há um ano Claudinha trabalha
durante o dia como empregada doméstica na casa de um casal (local onde realizamos a
entrevista) e a noite faz programas em uma boate da cidade há mais ou menos 5 meses.
Em seu modo de ver, ela se define dentro da atividade como profissional do sexo
pois para a mesma o que faz é um negócio, determinado pela quantia de dinheiro que o
cliente tem no bolso, onde quanto mais ele gastar com ela, maior será a sua atenção para
com ele, numa lógica onde a satisfação do cliente lhe garantirá o seu retorno, tornando-
se assim um cliente assíduo. Claudinha afirma que alguns clientes que frequentam a boate
onde ela trabalha chegam a gastar cerca de 3 a 4 mil reais por noite com bebidas e
programas.
Nesta boate, os programas não são feitos em seu interior, por se tratar de uma
prática “ilícita”, mas é o lugar onde as mulheres mantêm os contatos com seus clientes.
Lá ela ganha uma certa “comissão” pelo consumo de bebida dos clientes no ambiente,
também recebe uma quantia pelos estripes que faz que variam entre R$100,00 a R$150,00
reais, dependendo do movimento da noite. Ela explica que os estripes são abertos para
todos que estiverem na boate possam ver, diferente de outros ambientes que já frequentou,
120

onde eram privados, somente ela e o cliente. O valor dos programas cobrados por ela e
pelas demais garotas que trabalham na boate variam entre R$ 300,00 (uma hora) à R$
800,00 reais a noite inteira. Quanto ao seu rendimento semanal médio, afirma que há
garotas de programa (aquelas bem mais “animadas” e “insistentes”) que chegam a lucrar
de R$ 3000,00 a R$ 4000,00 mil por semana, porém ela não deixou muito claro ser esse
o seu rendimento semanal.
Claudinha afirma que há garotas que trabalham nesta boate há mais ou menos 6
anos, segundo ela essas em sua maioria ganham muito bem, tem casa e carro próprio.
Considera que por estar há menos tempo na boate, ainda não esteja ganhando bem, como
também por se considerar uma pessoa com determinadas restrições em relação as suas
escolhas para com os clientes.
Para Claudinha, o mais importante para ela não é o tempo em que esteja na
atividade da prostituição, mas a forma como as profissionais tratam os seus clientes, a
preferência muitas vezes deles se dá pela maneira como elas se dedicam a eles.
Exemplifica que quando algum cliente não é bem tratado por alguma delas, logo este
procura uma outra garota na próxima vez, o que provoca uma certa rixa entre elas.
Confessa que há clientes assíduos, onde toda semana estão na boate e querem ficar
somente com ela. Esse tipo de situação para ela torna-se desconfortante quando começa
a surgir ciúmes por parte dos clientes, o que leva as vezes a ter confusão dentro da boate
por disputarem preferência de determinadas garotas.
Por considerar essa boate de alto luxo e respeitada pelos seus frequentadores,
Claudinha ao comparar este espaço com outros barzinhos da cidade onde se desenvolve
a atividade da prostituição, afirma ser bem melhor estar trabalhando nesta boate, pois lhe
assegura programas mais lucrativos. Segundo ela, a cidade de Vilhena encontra-se
atualmente com muitas mulheres exercendo a atividade da prostituição, desde as mais
jovens (média de 13 anos), que fazem sem o conhecimento dos pais, as que estão há mais
tempo na profissão, inclusive algumas usuárias de drogas.
Por se tratar de um espaço fechado onde o consumo de bebidas é muito caro, por
exemplo uma dose de uísque custa R$ 35,00 reais, e os valores dos programas também
serem elevados, de acordo com ela este ambiente é frequentado por pessoas que tem
elevado poder aquisitivo, empresários ricos da cidade e de outras cidades, alguns solteiros
mas em sua maioria casados, onde segundo ela há homens que estão lá quase todas as
noites.
121

Claudinha desde muito jovem trabalhou como empregada doméstica, porém de


acordo com ela o dinheiro que ganhava não estava mais dando para manter suas dívidas,
assim os problemas com contas e despesas começaram a aumentar, foi então por
intermédio de uma amiga que já trabalhava dentro da boate, que ela passou a frequentar
e trabalhar também neste local. Antes de ir trabalhar na boate, Claudinha já havia mantido
relações com homens por dinheiro. Relembra de um caso onde a pessoa queria uma certa
“exclusividade” por parte dela para com ele, mesmo sendo ele casado com outra mulher.
Para ela é preferível trabalhar na noite do que ser amante, pois exercendo a posição de
amante ela acredita ser muito arriscado e ainda está fazendo o “mal” para outra pessoa.
Já fazendo programas e trabalhando na boate durante a noite é muito diferente, pois para
ela “você é de todo mundo, você é de quem paga mais”, lá a escolha com quem irá ficar
fica por parte dos clientes.
As experiências vividas por Claudinha nesta boate como trabalhadora do sexo
são as mais diversas possíveis. Recorda que logo quando começou a trabalhar na boate,
um rapaz solteiro e bem sucedido insinuou em manter um relacionamento “sério” com
ela, chegando a questionar o porquê dela estar ali. Perante a esse tipo de situação, ela
afirma reagir de forma cautelosa, pois teme um relacionamento sério visto já ter sido
casada duas vezes e não ter dado certo.
Claudinha prefere viver sozinha e independente, não precisar de nenhum homem
para lhes garantir seu sustento é mais vantajoso do que viver com algum parceiro e este
ter que depender financeiramente dela, do seu trabalho como prostituta.
Na boate onde Claudinha trabalha, há também a busca pelo serviço sexual por
parte de mulheres, onde ela diz se tratar de pessoas ricas e em alguns casos são até
casadas. Porém, para ela não há nenhum problema em praticar uma relação sexual com
outra mulher, com casais ou até mesmo com vários homens ao mesmo tempo. Confessa
que em certos momentos é complicado aceitar todos os tipos de clientes que aparecem,
como pessoas velhas, bêbadas e até fedidas, mas afirma que é preciso ser tolerante e
aceitar a todos que buscam seus serviços.
No que se refere a opinião que as pessoas apresentam em relação a ela, por se
tratar de uma garota de programa, Claudinha relembra quando ela se separou do esposo
e passou a viver como solteira, ia a festas e balneários, dançava, “ficava” com rapazes e
os outros a viam como uma “rodadinha” e comentavam entre si, porém percebe que hoje
é diferente o tratamento, por ser uma profissional do sexo e as pessoas terem
conhecimento disso, há um maior respeito para com ela atribuído ao fato de que ela só irá
122

ficar com alguém se tiver dinheiro para isso, como também pelo fato dela ter dinheiro e
ostentar nos locais que chegar.
Em relação a sociedade de modo geral, declara que por parte de alguns há o
respeito e por outros não. Relata o exemplo de um relacionamento que teve com um rapaz,
e que gostava muito dele, porém quando ele soube que ela fazia programas, a deixou,
alegando que jamais teria um relacionamento sério com uma garota de programa. Ao
mencionar esse fato ocorrido, Claudinha concorda que de fato pessoas casadas querem e
desejam ter seus parceiros somente para si, não os dividindo com outros. Pensa que seria
complicado conciliar sua atividade com um suposto casamento, pois para ela há
diferenças entre as práticas sexuais amorosas com as práticas comerciais. Diz que o ato
pago é sem carinho, afeto, quase não há beijos, diferentemente das práticas com pessoas
onde predomina o sentimento amoroso. No entanto, ao refletir novamente sobre manter
um relacionamento sério estando ela na atividade da prostituição, declara que é possível
sim viver dessa forma, pois o que faz enquanto profissional do sexo é unicamente um
negócio. Toma como exemplo uma amiga que mora com um companheiro, e que ele lida
de forma tranquila em relação a atividade que ela exerce, inclusive ajudando a cuidar do
filho. Diz que ele é de uma família de classe média e que tem uma boa faculdade. Todavia,
declara que não são todos que aceitam de bom grado a condição de garota de programa
nos relacionamentos, muitos ainda carregam o preconceito em relação a esta atividade.
Ainda sobre a questão dos relacionamentos amorosos, Claudinha declara ter
rompido um namoro há pouco tempo com um homem, antes de começar a trabalhar na
boate. Este homem, de acordo com a mesma, era dono de uma “zona”, porém ele não
colocava ela para fazer programas nem para beber com clientes, sua função era ficar no
balcão do bar atendendo aos clientes. Afirma que se tratava de um negócio lucrativo, pois
considera que seu ex namorado hoje é uma pessoa que tem bastante dinheiro, possuindo
imóveis e carro de luxo. Atualmente ela está solteira.
Ao abordarmos sobre a questão da vivência cotidiana entre as prostitutas dentro
do local da prostituição, Claudinha declara não considerar um espaço de confiança e
amizade, por se tratar de um espaço onde a disputa predomina, “ninguém é amigo de
ninguém”, afirma ela. No entanto, é um lugar que ela considera como bom e agradável
para ela exercer sua profissão, pois possui uma certa liberdade de não ser obrigada a ir
todas as noites, bem como não permanecer lá a noite inteira. Também afirma ser um lugar
seguro, bem mais do que a rua.
123

Finalizamos nossa conversa falando dos seus sonhos e expectativas para o


futuro. Pensa ser essa sua atividade algo passageiro, onde as mais velhas vão cedendo
lugar para as mais jovens. Sonha em se casar de vestido de noiva e constituir uma família
com alguém. “Quando isso acontecer eu acho que todo o meu passado será apagado, só
não o da minha filha”, diz Claudinha com um sorriso e brilho nos olhos.

“ÍNDIA”

Índia nasceu no Paraguaí, tem 25 anos e quando criança veio morar com os pais
no Brasil, na cidade de Tancará da Serra, no Mato Grosso. Quando tinha 8 anos de idade,
mudaram-se para Vilhena, Rondônia. Hoje mora sozinha em Vilhena, em uma casa
alugada. Quando era adolescente diz ter passado por um período de rebeldia, parou de
estudar na 6ª série do ensino fundamental e aos 13 anos teve um filho cujo pai veio a
falecer posteriormente.
Por motivo não revelado afirma ter passado um período presa. Quando saiu da
casa de detenção, disse que ficou sem rumo e, por intermédio de uma amiga, iniciou a sua
vida como garota de programa na cidade de Sapezal, no Mato Grosso. Nessa época ela
tinha 18 anos.
Índia fala que seus pais sabem que ela faz programas. Desde o início sua mãe
sempre soube que ela trabalhava na prostituição, hoje pede para ela sair dessa vida,
alegando que ela já tem 25 anos, diz que ela “precisa criar juízo”. Relata que no começo
ela mentia para sua mãe dizendo que viajava com o namorado, porém depois “abriu o
jogo” para ela. A partir de então quando viaja para fazer seus programas procura manter
contato com sua mãe, informando o lugar onde está, inclusive repassando o número e o
nome dos donos das boates, pois se caso algo acontecesse com ela eles iriam se
responsabilizar.
Índia fala que no início de sua atividade enquanto garota de programa chegou a
ganhar muito dinheiro, pois era jovem e nova nos locais de prostituição (boates). Com o
dinheiro que ganhava nesses primeiros momentos, comprou móveis para a casa dos seus
pais.
Índia conheceu muitas cidades do estado do Mato Grosso através da atividade da
prostituição. Suas idas ao Mato Grosso para fazer programas se davam do final de cada
mês para início do outro mês, ficando em média 12 dias fora de Vilhena. Ela nunca fez
programas na rua, mesmo tendo sido convidada por uma amiga para fazer programas nas
124

ruas da cidade de Cuiabá, mas ela não aceitou, pois prefere fazer somente em lugares
fechados, no caso em boates. Em Villhena afirma que já recebeu proposta do dono de
uma boate, mas preferiu não aceitar devido ao fato de ser muita conhecida na cidade.
Como está namorando, os amigos pensam que ela não mais faz programas, desse modo
ela precisa manter o sigilo e a discrição.
Para ela a vida como profissional do sexo não é fácil, pois é um dinheiro que “vem
fácil e ele vai fácil”. Diz que já conseguiu muito dinheiro com as viagens que fazia ao
Mato Grosso para fazer seus programas, porém gastava tudo com roupas, calçados, salão
e festas. Também ao se referir ao lado ruim da prostituição, diz já ter visto de tudo; como
garota de programa ser morta por cliente; “menina” ir para programa e não mais voltar,
de modo que isso tudo a levava a sentir medo.
Índia diz que é comum os clientes se apaixonarem pelas garotas, onde costumam
não compreender que aquilo que elas fazem é o seu trabalho. Para ela muitos
frequentadores das casas de prostituição procuram garotas para ter um bom papo ou para
servir apenas de companhia. Certa vez um cliente pagou a ela cinco mil reais para ela
ficar com ele 15 dias, e mesmo após ela ir embora ele continuou mandando dinheiro para
ela por um certo tempo. Diz que se sente muita culpa por fazer programas com homens
casados, pois pensa nas mulheres deles e em toda a situação familiar.
Índia relata que as vezes se cansava de fazer as viagens para realizar programas e
também sentia nojo dela mesmo por estar deixando pessoas estranhas lhes tocarem. Se
sentia “um monstro”, sentia ódio e nojo de si mesma e por diversas vezes se perguntava
o porquê de estar fazendo tudo aquilo, pois estava acabando com sua vida. Para ela “uma
garota de programa não vive, ela vegeta, entendeu?! porque ela estar ali por dinheiro”.
Quando está namorando com alguém ela para de viajar para fazer programas. Faz
mais de quatro meses não viaja, pois está com um relacionamento sério. Atualmente ela
faz seus programas somente por meio dos contatos que mantem com seus clientes por
telefone; quando eles ligam marcam um horário com ela, e geralmente o programa ou é
feito na casa deles ou em um motel. Mas sempre avisando a eles sobre o cuidado ao
ligarem para ela a noite, por causa do seu namorado. Índia também mantém uma outra
forma de contato com os clientes que é por intermédio de amigos. Nesse caso esses
amigos ganham uma certa quantia por terem indicado um cliente. Em média 15 a 20 reais
a cada contato.
Hoje Índia cobra 200 reais por programa, e o pagamento é feito antecipadamente.
Antes do namoro conseguia uma média de 600 reais por semana quando seus clientes
125

estavam na cidade. Atualmente faz bem menos programas, mas ainda mantém contatos
com os seus antigos clientes do Mato Grosso, pois quando estão na cidade a procuram
para marcarem programas.
Para ela é preferível fazer programas da forma como faz hoje, somente por
contatos, do que por meio das boates, pois considera mais seguro. Ela considera que as
casas de prostituição geralmente são mais perigosas, sujeitas a assaltos e a atos de
violência. Relata que certa vez em uma boate na cidade de Campos Novos dos Parecis,
no Mato Grosso, onde ela fazia programas, uma profissional do sexo foi rendida do lado
de fora por bandidos, sendo obrigada a levá-los para dentro dos quartos delas e pegaram
todo o dinheiro que elas haviam lucrado durante a noite.
Nas boates em que a Índia trabalho, cada “saída” delas para fazer os programas,
os clientes precisam deixar pago ao dono uma certa quantia do programa a ser realizado
anteriormente, em média de 150 a 200 reais a cada 1 hora de programa. Quando os
programas são feitos dentro das casas de prostituição, os clientes também precisam pagar
antecipadamente aos donos a “chave” dos quartos. Os valores dos programas variam
conforme o padrão da boate e dos seus frequentadores e o porte da cidade. As garotas de
programa também ganham com a venda das bebidas.
Índia não se considera uma profissional do sexo, pois durante um período em que
ela esteve casada, onde ficou quatro anos com esse homem, nesse período ela não fazia
programas. Ao término do casamento, voltou a viajar e fazer seus programas. Depois se
envolveu novamente em outro relacionamento ficando também por um tempo sem fazer
programas. Assim, para ela a profissional do sexo é aquela que está todos os dias na
atividade. Porém, durante o transcorrer da entrevista ela reconsidera a sua opinião e diz
ser sim uma profissional, pois aquilo que faz é o seu trabalho.
Em relação ao que a sociedade pensa a respeito de quem trabalha com sexo, Índia
afirma que o povo pensa que todas são vagabundas, por serem novas, bonitas e com
capacidade para trabalhar. Menciona a questão de outras mulheres falarem isso delas, por
elas fazerem programas com seus maridos. Porém diz que essas mulheres deveriam
pensar diferente pois quem vai a procura delas (prostitutas) são os maridos e não elas.
Afirma já ter sofrido com preconceitos em determinados lugares, e que em certas cidades
as pessoas apontam para ela como puta, mulher de “zona” (forma como são denominadas
nos bordéis em determinados lugares), porém em outras cidades já não há tanto
preconceito, referindo a elas como profissionais do sexo.
126

No que se refere a forma como se veste, diz que depende muito do lugar. Quando
vai a lojas ou a restaurantes, por exemplo, se veste mais “comportada”, já nos espaços em
que irá praticar sua atividade enquanto garota de programa, veste-se com roupas mais
ousadas, com maquiagem pesada, usa salto alto, pois nesses espaços a competição entre
as profissionais do sexo é muito grande. “É uma competição de mata-mata”.
Índia não acredita haver amizade dentro desta atividade, cita exemplos de ter
vivenciado situações em que garotas colocaram soda cáustica no shampoo da outra
colega, colocaram drogas na bebida da outra, pó de mico no quarto e até cortaram o cabelo
de uma outra garota. Rixas surgem geralmente por questão de disputa de clientes. Sobre
a forma como se veste nesses espaços da prostituição, para ela é uma forma de
identificação enquanto profissional do sexo.
Em se tratando das relações amorosas, Índia afirma que há diferenças entre os seus
relacionamentos amorosos e as pessoas com quem ela se relaciona profissionalmente,
pois com o seu namorado, por exemplo, ela consegue gozar, não sente nojo quando ele a
toca. Já com os outros a sensação é ruim quando eles a tocam. Revela que com ele é sem
preservativo, pois ao iniciarem o namoro ambos fizeram exames e já se conhecem. Ao
falar sobre cuidados com a saúde, Índia acredita que uma garota de programa hoje se
cuida bem mais do que qualquer outra mulher. Para ela o cuidado maior a ser tomado
pelas garotas de programa é para não se envolverem com drogas, por que a primeira coisa
que acontece é o envolvimento com drogas e com bandidos. Afirma já ter usado drogas
nas boates, ou sozinha com clientes.
Índia diz acreditar muito em Deus, costuma ir à igreja e fazer suas orações.
Costuma frequentar salões de beleza e afirma que as cabeleireiras sabem que faz
programas e as tratam com respeito. Também costuma frequentar outros espaços como
lojas, restaurantes, etc. e diz que quando eventualmente se depara com um dos seus
clientes com suas esposas nesses ambientes, fingi não os ver. Diz já ter trabalhado como
ajudante de balcão e venda de bebidas em alguns barzinhos e boates da cidade, em uma
dessas boates trabalhou como bailarina. Quando não estava com namorado, costumava
aproveitar suas idas as danceterias para estabelecer contato com possíveis clientes, caso
surgisse oportunidade. Mas hoje quando vai a boates ou bares prefere entrar de mãos
dadas com o seu namorado para que as pessoas saibam que ela está acompanhada e não
disponível para programas.
Índia considera a da atividade da prostituição algo muito errado, e até desumano.
Para ela há outras formas de sobrevivência. Também alega que muitas fazem programas
127

sem necessitar e simplesmente por que gostam, inclusive universitárias e mulheres


casadas, ditas de “família”. Conhece também mulheres que trabalham durante o dia e a
noite fazem programas. Índia considera que para essas que trabalham, a prostituição seria
dispensável, pois daria para sobreviver somente vivendo do salário que ganham. Índia
afirma também a existência de meninas menores de idade envolvidas na prostituição,
inclusive as ditas “patricinhas”.
Quando pergunto sobre sonhos e futuro, afirma que tem vontade de se converter
e passar a frequentar a igreja, pois se sente bem e em paz, para ela é um lugar em que se
sente tranquila. Porém, às vezes pensa em relação as regras que existem nas igrejas,
principalmente em relação às vestimentas. Pensa no futuro e menciona a questão do filho,
hoje com 11 anos, já um pré-adolescente. Como ele não sabe que ela faz programas, diz
sentir medo dos questionamentos futuros que ele possa a vim fazer sobre o que ela faz da
vida. Pensa em um futuro onde não mais possa está fazendo programas, sair
definitivamente da prostituição.

“ÁGATA”

Ágata é uma jovem de 19 anos natural da cidade de Vilhena. Mora na casa do


seu padrasto com sua mãe, o irmão e sua filha de um ano e nove meses, que teve aos 17
anos. Aos 16 anos se casou, ficando durante três anos com seu companheiro, e há sete
meses está solteira. Morou por um tempo com uma amiga, mas como a convivência não
estava dando certo, resolveu voltar a morar com sua mãe.
Atualmente Ágata não estuda, parou no 9º ano, mas afirma que pretende voltar
a estudar. Estar fazendo programas há pouco tempo, somente dois meses. Confessa que
anteriormente nunca havia praticado relação sexual em troca de dinheiro. Através de uma
amiga iniciou a prática da prostituição, porém deixa claro que a consciência de cada
pessoa é o que vale na tomada das decisões. Ágata considera a atividade da prostituição
um “trabalho” bom e ao mesmo tempo ruim, mas como está há pouco vai “indo”, pra ver
no que vai dar. Recentemente a mãe dela descobriu e, de acordo com Ágata, ela não
aprova o que a filha faz. Mas em conversa com a mãe, Àgata deixou claro que era maior
de idade e havia decidido pela “profissão”. A mãe não achou correto, porém aceitou a
decisão da filha. Hoje não exerce nenhuma outra atividade remunerada além da
prostituição.
128

Ágata diz quando início na prostituição procurou saber como era a atividade pois
tinha muito medo “desse mundo”, onde até hoje afirma ter certos receios quanto ao que
faz. Cita um exemplo do que ela chama de facehacker, isto é, homens que se passam por
uma outra pessoa nas redes sociais. Diz que tem muito medo dessas pessoas que buscam
entrar em contato com ela por esse meio.
De modo geral hoje ela lida de forma tranquila com a prostituição, mesmo
afirmando, durante a nossa conversa, que sempre nega ao perguntarem se ela é garota de
programa, pois para ela, não são todas as pessoas que precisam saber o que ela faz.
Ultimamente faz programas somente em Vilhena ou raramente em outra cidade próxima,
antes se deslocava para a cidade de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso. Segundo ela
resolveu dar uma “parada” por estar morando com sua mãe.
Os contatos com seus clientes se dar por meio de telefones. Geralmente utilizam
os hotéis ou motéis da cidade. Por considerar ter muitos amigos, isso tem facilitado ter
vários contatos de clientes, mas afirma que em sua maioria das vezes são eles que pegam
o contato dela por indicação de amigos.
Ágata cobra em seus programas 200 reais, mas diz que já conseguiu 450 reais
por um programa que fez em outra cidade. Em média ela acha que consegue fazer uns
1000 a 1200 reais por mês, mas não tem certeza de quanto faz, pois à medida que vai
ganhando vai gastando comprando coisas para ela e sua filha. Confessa que os motivos
que a leva a fazer programas não são as questões financeiras, mas porque simplesmente
gosta de sexo, e se considera uma mulher fogosa. Para ela ser uma garota de programa é
uma diversão.
Para Ágata a sociedade vê a prostituição de forma preconceituosa,
principalmente as garotas mais jovens e afirma que quando escuta determinados
comentários sobre esse assunto, rebate dizendo que cada um tem a sua opinião. Diz nunca
ter sido alvo de preconceito. Gosta de frequentar “baladas”, mas ultimamente diz que tem
ido a poucas.
Atualmente Ágata não mantém nenhum relacionamento fixo e afirma que há
diferenças entre o relacionamento amoroso e os relacionamentos profissionais. Para ela
no relacionamento se cria um amor pela outra pessoa, já com o cliente você não pode
amar, pois “aquela pessoa não pode ser sua”, assim não pode envolver sentimentos.
Recorda de um caso em que o cliente se apaixonou por ela na cidade de Pontes e Lacerda,
dizia que queria mudar a vida dela mas para ela isso se tornou um problema pois ele era
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casado foi o único homem casado com quem ela ficou, por esse motivo ela resolveu voltar
para Vilhena. Diz que até hoje mantem contato com ele por telefone.
Sobre disputas e concorrência entre garotas de programa, Ágata relembra que
presenciou algumas vezes garotas brigando por causa de clientes na boate que foi
trabalhar na cidade de Pontes e Lacerda, no Mato Grosso, ela acha que é devido a alguns
clientes pagarem mais do que outros.
Ágata sonha em ter uma casa própria e viver nela com sua filha.

“BRUNA”

Bruna tem 28 anos nasceu na cidade de Vilhena. Mora sozinha em uma casa
alugada, ela tem um filho de 12 anos que mora com seus pais, fruto de um relacionamento
que teve quando ela tinha somente 15 anos. Foi casada quatro vezes, seus pais também
são de Vilhena e afirma que nunca morou em outra cidade.
A maior preocupação demonstrada por Bruna para me conceder a entrevista era
em relação ao sigilo e segredo que precisa manter em relação aos seus pais, pois até hoje
eles não sabem que ela faz programas.
Iniciamos nossa conversa sentadas em um banco de praça, onde logo começou a
me contar que retornou a atividade da prostituição há quatro meses, pois se separou do
seu último casamento de seis anos e, ao se ver desempregada resolveu voltar a fazer
programas para complementar sua renda, já que ela também possui uma outra renda sendo
manicure.
Bruna se auto define como uma profissional do sexo, pois para ela o que faz é
com profissionalismo, trabalha nesta atividade porque precisa, sempre procurando fazer
o melhor possível, igual a qualquer um outro trabalho.
Aos 16 anos Bruna se casou e seis meses depois ela descobriu que seu parceiro
era um dependente químico, usuário de crack. Por quatro anos manteve-se no casamento
e, durante esse período procurou retirar seu parceiro da dependência química, tentando
levá-lo inclusive para uma clínica de recuperação, mas afirma que foi em vão pois ele
continuou consumindo drogas. Confessa que sofreu muito, pois passava por necessidades
financeiras, chegando a passar fome ela e o seu filho.
Após esse relacionamento, ela se casou novamente com uma outra pessoa
usuária de drogas, ficando com este apenas um ano. Relembra que no dia que eles se
separam, ele foi embora largando-a com contas de aluguel, água, luz e gás para pagar e
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ela não tinha emprego e nem de onde tirar dinheiro. Viu-se em uma situação em que não
sabia o que fazer.
Um dia, em sua casa, encontrava-se triste e uma amiga lhe informou que havia
uma vaga de cozinheira em uma casa noturna na cidade, esta voltada para a atividade da
prostituição. A princípio disse ter ficado receosa por se tratar de um local de prostituição,
mas depois resolveu ir trabalhar lá. Na época, isso por volta dos anos de 2006/2007, ela
iria ganhar 350,00 reais por mês. Trabalhou durante 15 dias e num certo dia chegou um
homem no balcão e falou que o lugar de uma moça bonita como ela não era sendo
cozinheira e sim no salão fazendo programas.
O gerente do estabelecimento também falava que o lugar de uma moça bonita
como ela era no salão, ele sempre afirmava que ela iria ganhar em uma hora de programa
o mesmo que iria ganhar em um mês de trabalho sendo cozinheira. No terceiro dia seguido
em que o cliente estava lá tentando convencê-la a fazer um programa com ele, ela resolveu
aceitar sua proposta e a partir de então iniciou sua atividade enquanto profissional do
sexo.
Com dois meses que ela estava trabalhando no local resolveu se mudar definitivo
para lá, pois para ela seria mais cômodo, pois tinha os quartos para as garotas morarem.
Segundo ela eram bem organizados, pois todos possuíam cama, guarda-roupa e um
banheiro, comida e além do mais não iria mais pagar aluguel. Este local era considerado,
na época, de luxo, pois a maioria dos frequentadores era formada de pessoas ricas da
cidade. Havia quinze garotas trabalhando durante o período em que a Bruna esteve
trabalhando lá.
Como precisava manter segredo dos pais em relação ao que fazia, ela saiu de
casa para morar no bordel alegando que iria morar em Rondonópolis, Mato Grosso, com
uma amiga. Bruna trabalhou neste local por um ano, sempre procurando manter segredo
dos pais e das demais pessoas da cidade, exemplifica que por algumas vezes se escondia
quando chegava algum cliente que ela conhecia. Como esse bordel não se encontrava
dentro da cidade, ela não sai lá de dentro e cada mês visitava seus pais.
Na época o programa da Bruna custava 150 reais e havia mais o valor de 80 reais
que o cliente pagaria a dona do bordel pelo uso do quarto ou pela saída da moça quando
eles faziam o programa fora do local. Durante o período em que esteve na boate, Bruna
calcula que chegou a ganhar muito dinheiro, uma média de 60 mil reais, mas confessa
que gastava muito com roupas, calçados, salão, etc.
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Lá Bruna e as demais garotas faziam também estripes, que custava 80 reais


quando era o cliente que pagava e 50 reais quando a casa pagava. Lembra que em uma
determinada noite chegou a lucrar 2500 reais somente com um cliente.
Bruna se considera uma pessoa comunicativa e afirma que ela não busca atrair
seus supostos clientes apenas para lhes dar somente sexo. Para ela os homens ao
procurarem os serviços das garotas de programa, algum problema eles têm, seja por
questões na família ou um outro motivo. Acredita que nenhum cliente busca unicamente
o sexo, eles geralmente desejam também conversar, ter alguém para desabafar. Neste
momento, entra em jogo o que ela considera a garota ser inteligente. Para ela é preciso
tratar bem os clientes, fazer com que ele se sinta bem e retorne outro dia e a procure.
Desse modo, sempre procurou tratar bem seus clientes, sendo uma boa ouvinte e
confidente daqueles que buscam seus serviços, o que lhes garantia muitos clientes.
Hoje ela tem uma média de oito clientes fixos, onde semanalmente procuram
seus serviços. Ela procura manter o sigilo absoluto no que faz, fornecendo apenas o
número do telefone para eles. Assim quando precisam dos seus serviços, eles ligam para
ela e ela vai ao encontro deles, nunca o contrário, para não correr o risco deles saberem
onde ela mora. Costuma fazer seus programas em uns hotéis da cidade, onde lá os
recepcionistas mantém também contato com ela intermediando seus programas. Cobra
300 reais por uma hora de programa, porém não revela quanto costuma render seus
programas mensalmente, só que “dá pra tirar”.
Bruna parece lidar com uma certa tranquilidade o que faz. Em meio a sorrisos,
ela diz que seus clientes são seus namorados. Eles a tratam também como se fossem seus
namorados, dão presentes, querem exclusividade, sentem ciúmes dela, mas ela procura
manter o controle da situação. Relata que um dos seus clientes lhe propôs relacionamento
sério, onde, inclusive, iria se separar da sua esposa para ficar só com ela. Porém ela afirma
que não quer destruir famílias. Para Bruna eles (clientes) misturam demais as coisas,
diferentemente delas, profissionais do sexo, que procuram manter o profissionalismo,
pois sabem que eles têm suas famílias e nada pode existir além daquilo.
Confessa que gosta de ser profissional do sexo pois não tem compromisso com
ninguém, o que lhe garante liberdade para sair e fazer o que quiser sem dar satisfação a
ninguém. Acha que os casamentos que teve a deixaram fria em relação aos sentimentos
por alguém. Deixa claro que durante seus casamentos não fazia programas.
Bruna diz preferir não trabalhar nesses lugares fechados, como os bordeis pois
dentro desses locais as profissionais se expõem demais, sujeitando-se a todo tipo de
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cliente e situação, sem direito de escolha. Já da forma como faz seus programas hoje é
preferível pois lhe assegura o direito de escolher seus clientes. As disputas por clientes
por parte das profissionais também é um problema das boates o que torna o local
arriscado. Temia na época que alguma garota fizesse algo de ruim à ela. O uso de drogas
também é apontado como um ponto negativo desses locais para as profissionais que ali
trabalham, pois elas mesmas consomem drogas, tornando-as também perigosas.
Por manter sua vida sexual em sigilo, Bruna afirma que frequenta todos os
espaços sem nenhum problema, pois pouquíssimas pessoas sabem o que ela trabalha na
prostituição. Mas relembra que certa vez quando trabalhava na boate, ela e as demais
garotas foram a um bar conhecido da cidade e ao chegarem lá as pessoas ficaram olhando
para elas e fazendo comentários entre si. A esse tipo de atitude por parte da sociedade,
ela associa muito à forma como as prostitutas se vestiam e se comportavam no ambiente.
Para ela não porque a pessoa é uma garota de programa, que ela precisa se vestir como
tal em ambientes que não convém. Roupas sensuais seriam restritas às boates e não ao
espaço público, afirma Bruna. Ela afirma não aprovar determinadas posturas adotas pelas
garotas, como o jeito falar, de tratar as pessoas, a maneira de andar, enfim gestos e sinais
que em sua opinião denunciam a identidade enquanto prostituta. Foi então nesse
momento que ela falou não se considerar como uma garota de programa, mas como uma
profissional do sexo, por sabe diferenciar qual o comportamento que ela deve adotar
dentro e fora da prostituição.
Acredita que há prostitutas que nasceram para serem o que são. Já há aquelas
que ela diz terem mudado seu “perfil”, mantendo hoje uma personalidade totalmente
diferente de quando eram prostitutas. Julga que ser prostituta não é feio, mas sim o jeito
como se comportam nos espaços públicos.
Para se divertir, Bruna costuma frequentar “normalmente” casas de danceteria
da cidade sem ser reconhecida nem abordada enquanto profissional do sexo. Porém,
quando sai para as chácaras, nesses locais ela costuma ser abordada por homens
interessados em programas. Afirma que raramente marca encontro nesses locais, pois está
ali para se divertir e não trabalhar, o máximo que faz é passar o telefone para eles.
Durante toda a nossa conversa é perceptível o quanto Bruna demonstra ser
importante para ela manter o que faz com discrição e sigilo. Afirma ainda ter certeza que
“aparentemente” ninguém ao olhar para ela a vê como uma pessoa que trabalha com sexo.
Também costumar frequentar uma igreja evangélica.
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Pensa em seu futuro concluir o ensino médio (no momento está frequentando a
escola regularmente), fazer uma faculdade, trabalhar em um emprego “digno” e acabar
de vez com a vida de prostituição, pois para a mesma o que faz hoje é algo passageiro.
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APÊNDICE 2

Roteiro das entrevistas feitas às profissionais do sexo

Roteiro Entrevista
Identificação

Nome: Nome Fictício para Identificação na Entrevista:


Cidade de Nascimento: Quanto tempo mora em Vilhena:
Mora com: ( )familiares ( )companh. ( )amigos ( )sozinha Quantos residentes: Onde mora:
Idade: Mora em casa: ( ) própria ( ) alugada ( ) cedida
A quanto tempo mora nesta residência:
Desde que ano se prostitui em Vilhena?
Tem filhos? Idade? Sexo?
Onde se prostituía antes de vir a Vilhena?
Rendimento semanal médio do trabalho: Escolaridade:
Trabalhou em outra atividade: ( )sim ( )não ( ) trabalha Rendimento dessa atividade?
Qual:_________________

Constituição do Sujeito Dia__/__/__.

01. Poderia resgatar o processo de início na atividade da prostituição?

 Como foi este processo? Houve algum momento marcante?


 A família sabe?
 Como sua família reagiu? Antes e hoje...
 O que você acha que as pessoas pensam sobre você?

02. Se você pudesse diferenciar as práticas pessoais / amorosas das comerciais, como
descreveria? (ATO SEXUAL / USO DO CORPO: 1º PRIVADO-PESSOAL / 2º
PÚBLICO-COMERCIAL)

 Como são os relacionamentos amorosos das prostitutas?


 Você tem um algum companheiro(a) hoje?

03. O que é o ser uma prostituta para você?


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Constituição da Atividade da Prostituição Dia__/__/__.

01. Tem conhecimento da história da prostituição em Vilhena? (Nomes, locais, tempo,


contexto).

02. Quais os critérios de escolha de um local de prostituição?

03. Você faz programas também com mulheres?

04. Tem clientes fixos?

05. Qual a média de idade dos seus clientes?

06. Conhece a história do local onde se prostitui? Como foi a relação com clientes e
policiais?

07. Paga a algum policial ou a outra pessoa a sua segurança para trabalhar?

08. Existe alguma divisão entre as prostitutas? Alguma divisão de poder...

09. Como as prostitutas vivenciam entre si o cotidiano do local da prostituição?

10. Quais são os locais que você frequenta, além do local da prostituição?

11. Como é o tratamento das pessoas nos locais que você frequenta, além do local da
prostituição?

12. Tem algum sonho? Qual é? Qual sua expectativa para o futuro?
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APÊNDICE 3

Notas sobre a utilização das obras de arte no interior do trabalho

As obras de arte expostas no referido trabalho fazem parte de uma mostra


temporária realizada no Musée d'Orsay na cidade de Paris que esteve em cartaz entre os
dias 22 de setembro de 2015 até 20 de janeiro de 2016. A exposição, através de suas
pinturas, esculturas, artes decorativas, fotografias e vídeos, buscou explorar a fascinação
de artistas franceses e estrangeiros sobre as pessoas e lugares relacionados à prostituição
e o lugar ocupado por esse tema no desenvolvimento da arte moderna. Intitulada
Splendeurs et misères, Images de la Prostitution (1850-1910) – Esplendores e Misérias,
Imagens da Prostituição (1850-1910), é considerada a primeira mostra de arte cujo tema
é a prostituição. O período abordado (de 1850 à 1910), mostra o outro lado da Belle
Époque de Paris, indo desde o esplendor da prostituição de luxo, as conhecidas cortesãs,
à miséria de mulheres que viam esse como o único meio de sobrevivência. O próprio tema
remete essa realidade ambígua vivida pelas prostitutas nos espaços públicos de Paris. O
fato é que nessa época, apesar de da atividade ser rigidamente regulamentada pelo
governo, o fenômeno social da prostituição era algo central na rotina da cidade de Paris,
um negócio privado com ramificações públicas.

Capa do catálogo da exposição, com imagens tiradas do

quadro "No Moulin Rouge" de Henri de Toulouse Lautrec (1895)


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A capa do catálogo da exposição, No Moulin Rouge, de Henri de Toulouse


Lautrec, é uma obra que representa o famoso cabaré parisiense Moulin Rouge. O homem
pequeno e barbudo ao fundo, entre uma mulher e outro homem, ambos sentados, é o
próprio Toulouse, considerado o artista dos cabarés, pois era costumeiro pintar
prostitutas, cabarés e cervejarias.

Figura 1 – Olympia, Edouard Manet (1863)

A obra Olympia, do pintor francês Edouard Manet, causou muita polêmica


quando foi exibida no 'Salon de Paris' em 1865, sendo considera uma pintura imoral e
vulgar. Para os críticos da época, a representação de uma cortesã nua não se enquadrava
no conceito de um nu clássico. Na realidade a mulher que serviu de modelo para a pintura
de Manet não era uma prostituta, mas uma pintora chamada Victorine Meurent que já
havia aparecido em outros quadros dele.

Figura 2 – Ms. Valtesse de la Bigne, Henri Gervex (1879)

A obra é um retrato de Valtesse de la Bigne, uma das mais famosas cortesãs de


Paris. Vestida com um longo vestido branco com babados, segurando um guarda-chuva
também branco e um leve sorriso no rosto, a obra representa um exemplo do mundo das
cortesãs, consideradas o topo da hierarquia na prostituição. Viviam em mansões luxuosas
e recebiam dos seus ricos clientes presentes caríssimos em troca dos seus serviços sexuais.

Figura 3 – Rolla, Henri Gervex (1878)

A obra Rolla foi inspirada em um poema de Alfred de Musset publicado em


1833, onde narra a história de Jacques Rolla, um jovem burguês que cai na vida da
ociosidade e libertinagem. Este conhece Marie, uma adolescente que encontrou na
prostituição uma fuga da miséria. A cena retratada na pintura mostra o personagem
Jacques Rolla olhando para sua amante-prostituta pela última vez, pois o mesmo irá se
suicidar com veneno. A obra foi julgada pelos críticos da época como indecente não pelo
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fato de mostrar a nudez de uma mulher, mas por se retratar uma cena de cena de sexo
com uma prostituta.

Figura 4 – Les Demoiselles de Avignon, Pablo Picasso (1907)

O pintor espanhol Pablo Picasso retrata na referida obra as prostitutas em um


bordel na Avignon, nome de uma rua de Barcelona onde havia um prostíbulo muito
conhecido, conhecido por ele e seus amigos. A princípio a obra tinha recebido de seus
amigos o nome de O Bordel de Avignon e, por muitos anos ela ficou conhecida somente
pelos seus amigos que frequentavam seu ateliê em Montmartre, Paris. Somente em 1925
ela foi reproduzida pela primeira vez em uma revista chamada Révolution Surréaliste, e
em 1937 foi apresentada ao público. A pintura levou nove meses para ser concluída.

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