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1: edição 2004
2: edição 2010
'Ikadueo
KARIIdrA JANNINI
Revisão da tradução
Eurides Avance de Souza
Acompanhameutoeditorial
Luzia Aparecida dos Santos
Revisões grfficas
R e ~ t da
o Racha Carlos
Saridra Regina de Souza
Dinarte Zorzanelli da Silva
Produeo gráfica
Geraldo Alves
Pagina~ãolFotolitos
Prefácio .................................................................. 1
Shidio 3 Desenvolvimento Editorial
Moderagão justificada. Existem respostas pós-me-
Dados Inkmachmk de &khga@o na Publiqão (CIP)
tafísicas para a questão sobre a "vida correta"? ......
(Câmara Brasilenã do J.Avro, SP,Brasil) A caminho de uma eugenia liberal? A discussão em
Habennas, Jiutgen, 1929- . tomo da autocompreensão ética da espécie ............
O futuro da natureza humana : a caminho de uma eugenia libe-
, ral?1 Jiirgen Habennas :tradução Karina Jannini ;revisão da tradu- I. O que significa moralização da natureza hu-
ção Ewides Avance de Souza. - 2. ed.- São Paulo :Editora WMF mana? ...............................................................
Martins Fontes, 2010. - (Biblioteca do pensamento moderno)
11. Dignidade humana vs. dignidade da vida hu-
Tíiulo original: Die Zukunít Der Menschlichen Naiur :Auf Dem
Weg Zu Eier Liberalen Eugenik? - Glaube und Wissen
mana.................................................................
Bibliografia. 111. A inserção da moral numa ética da espécie
ISBN 978-85-7827-263-0
humana ............................................................
-
1. Ética 2. Eugenia Aspectos morais e éticos I. Título. Ii. Série.
IV. Crescimento natural e fabricação...................
10-02001 CDD- 179.7 V. Proibição de instrumentalizaqão, natalidade
fndices para catálogo sistemático:
1. Eugenia : Respeito e desrespeito pela vida
e poder ser si mesmo ......................................
humana : Ética 179.7 VI. Limites morais da eugenia ..:..........................
VII. Precursores de uma auto-instrumentalização
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora WMF Martins Fontes Ltda.
. da espécie?.......................................................
Rua Conselheiro Ramalho, 330 01325-000 São Paulo SP Brasil Posfácio: (final de 2001linício de 2002) ....................
Tel. (11)3293.8150 F m (11)3101.1042 Fé e saber ....................................................................
e-mail: info@wmfmartinsfontes.com,br http:llwww.wmfmartinsfontes.com.br
A secularização na sociedade pós-secular ............
22 O FUTURO DA NATUREZA H U W A
o-genética com fins terapêuticas. Hoje, o Do contrário, não abandonariam a perspectiva de partici-
--- - ----
em-- ------a
---.
público geral dos cidadãos também se vê confrontado com pantes do discurso normativo pela de observadores. No
questões cujo peso moral ultrapassa em grande medida que concerne à conservação prolongada de óvulos arti-
o teor usual dos debates políticos. Do que se trata? ficialmente fecundados, ao uso permitido de inibidores de
O diamóstico genético deqré-implanta@o
-- --- torna possí- nidação (espirais que não impedem a concepção, mas a
fixação do Óvulo no útero) e à regra existente para a inter-
_ I - _ -
- a um exame gen&sgde precaução. Inicial- rupqão da gravidez, esses autores acrescentam "que, com
-- a introdução da fertilização artificial, deu-se um passo
mente, esse processo é colocado à disposição de pais que
querem evitar o risco ----da transmissão de doenças heredí-
importante nessa questão e que seria irrealista acreditar
Gias. Caso se confirme alguma doença, o e-mbrião-ana- que nossa sociedade pudesse, num contexto em que já
foram tomadas as decisões relativas ao direito à vida do
lisado na proveta não é reimplantado na mãe; desse mo-
embrião, retroceder ao status quo ante". Enquanto prog-
do, ela é poupada de uma interrupção da gravidez, que,
nóstico sociológico, isso até pode ser comprovado como
do contrário, seria efetuada após o diagnóstico pré-natal. verdadeiro. Já no âmbito de uma reflexão jurídico-políti-
op
- ---p e s ~ u i s a ~ o & e e c é l u ~ atotipotentes
A s - ~--n ~ também se move
--aA
Para os processos políticos de autocompreensão, que, práticas, esse limite entre as duas é flutuante e, portanto,
com razão, precisam de tempo, a falta de perspectiva é o a intenqão de conter as intervenções genéticas que beiram
maior perigo. Eles não podem se agarrar ao estado atual esse limite do aperfeiçoamento genético de características
da técnica e à necessidade de regulamentação, mas pre- nos confronta com um desafio paradoxal: justamente nas
cisam ter como objetivo o desenvolvimento global. -um dimensões em que os limites são pouco definidos, preci-
provável cenário do desenvolvimento de médio prazo po- samos traçar e impor fronteiras precisas. Atualmente, esse
deria se apresentar da seguinte forma: napop~lação,~ na argumento já serve para defender uma eugenia liberal,
- -- ---- --
esfera pública da pol&ca e na esfera
---- -
parlâmentar, impoe-
- '
___.
aue nao reconhece uKGmite entre
-
intervencõestGa~êu~
-; -r
se inicialmente a
1 _____-- - .L--
i
casos d;----doenEas -- &aves ----c~uenão - --
- poderGG e
Federal Alemã tinha em mente ao advertir em seu discur-
_-I _I
- -- pessoa potencialmente
ser suportadas pela própria - -- ---- em ques-
tno. Posteriormente, em virtude dos avansos so de 18 de maio de 2001: "Quem começa a fazer da vida
-------biotécnicos humana um instrumento e a distinguir entre o que é dig-
-
-_< I
aenétiGi Gcelulas somáticas (ou no ou não de viver perde o freio."4 Esse "argumento do
efeito bola-de-neveM*soa menos alarmista se pensarmos
no uso retrospectivo que
-=-=---- ?-r--,----- -- os lobistas da t é ~ n i i a ~- ética
segundo p a s s _ ~ , ~ q ~ e a p _ e n a saprescua
não od;je@es fazem de casos precedentes,
-------- --.---
que não
----- despertaram nenhu-
_
I
I
-X_
I
II _-
à$remissas da p- ma reflexão, e a e praticas que se to~r~a_r~m-habituais
--==-"----I_ - --- sem
a_1_^ _ --
surge-a-~ecessidadede separar essa
--I__
-- eugenia "negativa"
aue
LI____
nos déssemos conta (como o atual diamóstico
u
~ré-
-parece_ll'ustíficada)
L . A - -
contar com uma tamos se gostaríamos de viver numa sociedade que ad-
receptividade razoável numa-sociedade ideologicamente aze consideracaõ-nãiciSic!~el~próprias Gzferências
___--
pluralista. & preso
-- -- -
"'
da
-"A
insensibilidade em
L
relação
1-r
aos
_ --h-mentos --
A aplicação da t é u d vincula-se normativos
_ " -*__I^-
e naturais da
-- m a .
a seguinte questão normativa: "E compatível com a dig- Ambos os temas, o do DGPI e o da pesquisa sobre
nidadethumana ser gerado - -
mediante ressalva e, somente células-tronco, partem da perspectiva da auto-ínstnimen-
__- um
após -- exame genético
- _J ser c o n ~ Ô - & ~ - o 7 ~ Z a talização e da auto-otimização, que o homem está a pon-
to de acionar com os fundamentos biológicos de sua exis-
tência, dentro do mesmo contexto. A p&-tir desse ponto,
5. Partiiho da opinião de colegas que confiam na rapidez e no destaca-se a combinação normativa e discreta entre a in-
bom aproveitamento biotécnico das ciências biológicas: "Science so tangibilidade da pessoa, ordenada moralmente e garantida
often confounds the best predictions, and we should not risk finding
ourselves unprepared for the genetic engineer's equivalent of ?3- juridicamente, e a indisponibilidade do modo natural de
roshima. Better to have principles covering irnpossible situations than sua representação corporal.
no principles for situations that are suddenly upon us" ["Muitas Com o diagnóstico genético de pré-implantação, hoje
vezes, a ciência confunde os melhores prognósticos, e nós não pode- já é difícil respeitar a fronteira entre .a seleção de fatores
mos correr o risco de nos encontrarmos despreparados para o que hereditários indesejáveis e a otimização de fatores dese-
poderia ser um equivalente genético de Hiroshima. E melhor ter prin-
cípios que dêem conta de situações impossíveis do que não ter princí-
jáveis. Quando existe a possibilidade de escolher mais de
pios para situações com as quais deparamos repentinamente"]. N.
Agar, "Liberal Eugenics", ia:H. Kuhse e P. Singer (2000), pp. 171-81, 6. R. Kollek, Praimplantationsdiagnostik, Tubingen e Base1 (A.
nesta citação: p. 172. Francke), 2000, p. 214. .
O FUTURO DA NATUREZA HUMANA .
. td P A CAMINHO DE U M A EUGENLA LIBERAL?
um único "composto multicelular" potencialmente "exce- biologia, mas do afrouxamento, que se fundamentou ao
dente", não se trata mais de uma decisão binária entre ,6- mesmo tempo na medicina e na economia, dos "grilhões
sim e não. O limite conceitual entre a prevenção do nas- sociomorais" do avanço biotécnico. É nessa frente que as
-------- i
cimento de uma criançag-vemen-doente e O apzgG"- concepqões políticas de Schroder e Rau, do FDP* e dos
çoamento "Verdes" se embatem.
-- ---- do patrimônio hereditário,
-%
-- - .- - -ou-
seia,Ide uma de-
É claro que também não faltam especulações ferozes.
cisão
-__
eugênica, não é mais demarcado7. Isso
-
passa a ter
uma importância prática --..L---
_ - - - _ I _
taologo
-_ se cumpra a expectati-
--- Um punhado de intelectuais alienados tenta ler, a partir
va crescente de intervir de forma corretiva no genoma hu- da borra de café, o futuro de um pós-humanismo que se
--- ----- --- - - ----A--- tornou naturalista, apenas com o intuito de continuar di-
mano e deque as doenças
- - condicionadas mo~nen&c_a-
-- ----- -
-
. .
h
-
-
mente possam ser evitadas. com isso, o ~roblema vagando, diante de uma suposta barreira do tempo - "hi-
I ' L -concei-
--- - -.. permodernidade" contra a "hipermoralidade" -, sobre os
-
hia&oposto pela de%mitação entre preVençEe - eggenia
transforma-se numa questão de legislação política. ~ u a n - motivos amplamente conhecidos de uma ideologia bas-
do se consi~erâqüe~õs outsiders da me&cina já estão tra- tante alemãg. Felizmente, a elite conformada em ficar sem
balhando em clohes reprodutores de organishos huma- a "ilusão de igualdade" e sem o discurso sobre a justiça
nos, impõe-se a não apresenta condições suficientes para exercer sua
de que em pouco tempo a
espécie humana talvez possa controlar ela mesma sua contaminação. As fantasias nietzscheanas dos que se
autopromovem, que enxergam "na luta entre os peque-
evolução biológicag. "Protagonistas da evolução" ou até
nos e grandes cultivadores do ser humano" o "conflito
"brincar de ~ e & "são as metáforas para um; autotrnnç-
básico de todo o futuro" e encorajam "os principais seg-
fomzação da espécie, que - -parece iminente. mentos culturais" a "exercer o poder de seleção que eles
Com efeito, não é a primeira vez que as sugestões de conquistaram de fato", satisfazem, de modo provisório,
uma teoria da evolução inseridas no mundo da vida for- apenas o espetáculo da mídialo. Partindo de premissas
mam o horizonte associativo das discussões públicas. sucintas do Estado constitucional numa sociedade plura-
Hoje, a mistura explosiva do darwinismo com a ideologia listall, eu gostaria, em vez disso, de tentar contribuir para
do livre-comércio, que se disseminou na virada do século o esclarecimento discursivo dos nossos sentimentos mo-
XIX para o século XX, sob a proteção da Pax Britannica, rais desencontradosl*.
parece renovar-se sob a influência do neoliberalismo que
se globalizou. Certamente, não se trata mais da superge-
neralização social-danvinista de conhecimentos sobre a * Freie Demokratische Partei: Partido Liberal Democrata [N. da T.].
9. A esse respeito, cf. o comentário esclarecedor de Thomas As-
sheuer, "Der kunstliche Mensch", in: Die Zeif, de 15 de março de 2001.
7. A. Kuhlmann, Politik des Lebms, Politik des Sferbms, Berlim, 10. Cf. Zeit-Dokument 2,1999, pp. 4-15.
2001, pp. 104 S. 11. J. Habermas, Faktizitüt und Geltung, Frankfurt am Main, 1992;
8. James D. Watson, "Die Ethik des Genoms. Warum wir Gott id., Die Einbeziehung des Anderen, Frankfurt a m Main, 1996.
nicht mehr die Zukunft des Menschen uberlassen durfen", in: FAZ, de 12. Vide como exemplo as contribuições à discussão realizada
26 de setembro de 2000. entre filósofos em Die Zeit, nP 4 a 10, 2001.
32 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA
AW H O DE U M A EUGENIA LIBERAL? 33
Contudo, esse ensaio é literalmente uma tentativa de sa especialmente a questão que trata do modo como a
neutralização biotécnica da distinção habitual entre "o
tornar um pouco mais transparentes intuições difíceis de
decifrar. Eu mesmo estou bem longe de acreditar que tam- que cresceu naturalmente" e "o que foi fabricado", entre
o subjetivo e o objetivo, muda a autocompreensão ética
bém só consegui chegar a meio caminho desse propósito.
da espécie que tínhamos até agora (IV)e afeta a autocom-
No entanto, vejo que também são poucas as análises mais
preensão de uma pessoa geneticamente programada 0.
persuasivasl3. O fenômeno inquietante é o desvaneci-
mento dos limites entre a natureza que somos e a dispo- Não podemos excluir o &to de--que - o cõnh&imento de
--- - -- --- -"
Üma programação eugênica do pr-rio~atrimônio--
here-
sição orgânica que nos damos. A questão sobre o signifi- ~ á r i o ~ ~ ~ c o n f i g ; u r a ç ~ o ~da~vida
-
Ô n do
-
omindi-
a
-.
.
-- - -- -_-___
duais encontram-se
.
. unidas. Como a crescente liberdade
- _.-I------"
pêutica, à "bamga de aluguel" e à "eutanásia", permitidas deescolha incentiva a autonomia privada do indivíduo,
em outros países. Por enquanto, as intervenções técnicas J a ciência e a tkcnica estiveram até o momento informal-
na linhagem germinativa e na clonagem de organismos mente aliadas ao princípio liberal de que todos os cida-
humanos chegam a ser mundialmente proscritas, obvia- dãos devem ter a mesma chance de moldar sua própria
mente não apenas devido aos riscos a elas relacionados. vida de maneira autônoma.
Com Wolfgang van den Daele podemos falar da tentativa Do ponto de vista sociológico, a aceitação social não
de uma "moralizacãoAa natureza humana": "Aquilo que
--------.-. deverá diminuir no futuro, enquanto a tecnicização da na-
se tomou tecnicamente disríonível Dor meio~Ci^enciãde-
.- --- -. - .- tureza humana puder ser fundamentada pela medicina
ve voltar a ser -normativ
", -- -
. .. ..- .
-.
com a expectativa de uma vida mais saudável e mais lon-
controle moral."14
ga. O desejo por uma conduta de vida autônoma une-se
Com o ~ n o v o desenvolvimentos
s técnicos, surge, na
sempre aos objetivos coletivos de saúde e de prolonga-
maioria das vezes, uma nova necessidade de regulamen-
mento da vida. Por essa razão, no que conceme às tenta-
tação. No entanto, até agora, as regras normativas sim-
tivas de uma "moralização da natureza humana", o olhar
plesmente se ajustaram às transformações sociais. As
da medicina histórica exorta ao ceticismo: "Desde as pri-
mudanças ha sociedade, desencadeadas pelas inovações
meiras vacinações e operações feitas no coração e no cére-
técnicas nos campos da produção e do intercâmbio, da
bro, passando pelo transplante de órgãos e pelos órgãos
comunicação e dos transportes, do exército e da saúde,
artificiais, até chegar à terapia genética, sempre se discu-
estiveram sempre à frente. A clássica teoria social ainda
tiu se já não se havia alcançado o limite em que mesmo os
descreveu as concepções pós-tradicionais do direito e da
fins terapêuticos não podiam mais justificar outras tecni-
moral como resultado daquela racionalização cultural e
cizações do homem. Nenhuma dessas discussões dete-
social, que se realizou paralelamente aos avanços da ciên- ve a técnica."l5 A partir dessa perspectiva ---egiricamente
cia e da técnica modernas. A pesquisa institucionalizada desenganadora, as intervenções le@slativas surgem na
é considerada como o motor desses avancos. A autono-
hrerdade da pesquisa-- biológica e no desenvolvimKtÓda
I_____ -
--- -
mia da pesquisa adquire proteção a partir da perspectiva
--C_
sentido de uuna ressacralizaação discutível. Depois que a A destradicionalização dos mundos da vida constitui
-- ---__ um aspecto importante da modernização social; ela pode
ciê-nda e a técnica -- "----. ampliaram nossa -- --
margem de libe2ãr:
i_
- - - - sgreveh.
ultrapassando seus próprios limites,
17. U. Beck, Risikogesellschaft, Frankfurt arn Main, 1986; J. A
-
"--..._
_
.- &necessidadede saber
-~~~~isG,^o-tlma"fiC.a"Ili;nitado
___ -
Habennas, "Konzeptionen der Modeme", in: id., Die Postnationale
Konsfellation, Frankfurt am Main, 1998, pp. 195-231. se a proteção
- da i
38 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A -H0 DE UA4A EUGENIA LIBERAL? 39
não-manipuxdoq&xrptificada com a indisponi- a alteração das características, bem como a pesquisa ne-
bilidade
_ A _--- dos fundamentos bio3Zicõs ciaidenlfiaãZTE%- cessária para tanto e destinada a terapias genéticas futuras
(pesquisa essa que quase não permite uma diferenciaqão
entre a pesquisa fundamental e a aplicação médicalg)
constituem uma nova espécie de desafioslg. Elas colocam
à disposição aquela base física, "que somos por nature-
za". Aquilo que Kant incluíra no "reino da necessidade"
transformou-se com a visão teórico-evolucionista num
o caso, esta poderia restringir, por
- - itivos "reino do acaso". A técnica genética está deslocando a
ie@TS,Tdireifõ-funCTamentalaaum
-A---- -- --patrimônio hereditário fronteira entre essa base natural indisponível e o "reino da
não-manipul~o,
- --
se
-
a pondergção
--
moral e a f&-rnK$õ de- liberdade". A distinção entre essa "ampliação da contin-
mocrática
-- da vontade conduzissem
-,-I----- --- --- a esse-riujtado. gência", relativa à natureza "interna", e as ampliações
A restriçao temática a intervencões que implicam I
semelhantes da nossa margem de opção está na circuns-
modificação genética não leva em consideração outros tância de a primeira "modificar a estrutura geral da nos-
temas biopolíticos. Do ponto de vista liberal, as novas téc- sa experiência moral".
nicas de reprodução, tanto quanto a substituição de Ór-
gãos ou a morte medicamente assistida, apresentam-se
como um aumento da autonomia pessoal. Muitas vezes, 18. L. Honnefelder, "Die Herausforderung des Menschen durch
Genomforschungund Gentechnik", in: Fomm (Info der Bundeszentrale
as objeções dos críticos não se voltam contra as premis- fir gesundheitliche AujMarun@, caderno nP 1,2000, p. 49.
sas liberais, mas contra determinados fenômenos ligados 19. Pelas razões indicadas anteriormente, concentro-me na
à reprodução assistida, contra práticas duvidosas na cons- seguinte questão fundamental: queremos mesmo caminhar na dire-
tatação da morte e na retirada de órgãos, bem como con- cão de uma eugenia liberal, que ultrapassa objetivos rigorosamente
terapêuticos? Não entro em questões sobre o que seria uma irnple-
tra conseqüências sociais paralelas e indesejadas da orga- mentação justa de tais procedimentos. Esses consequentes~roblemas
nização jurídica de uma eutanásia, que talvez se devesse normativos de urna eugenia em princípio aclamada são tratados por
deixar para a avaliação profissional, regulamentada pela Buchanan et al. (2000), p. 4, do ponto de vista da teoria da justiça, ela-
ética da profissão. Além disso, há boas razões para se con- borada por Rawls: "The primary objective of this book is ... to answer
testar a utilização institucional de testes genéticos e o a sinele auestion: What are the most basic moral principles that would
V I
guide public policy and individual choice concemiq the use of pene-
modo como as pessoas lidam com o conhecimento ofere- tic interventions in a just and humane society in which the powers of
cido pelo diagnóstico genético preditivo. ( genetic intervention are much more developed than they are today?"
Essas importantes questões bioéticas certamente es- ["O objetivo principal deste livro é ... responder a uma única questão:
tão ligadas ao aumento da acuidade do diagnóstico e ao Quais são os princípios morais mais básicos que poderiam guiar a
política pública e a escolha individual em relação ao uso de interven-
domínio terapêutico da natureza humana. No entanto, ções genéticas numa sociedadejusta e humana, em que os poderes da
somente a técnica genética, que tem em vista a seleção e intervenção genética serão muito mais desenvolvidos do que hoje?"].
40 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA 41
A CAMINHO DE UMA EUGENiA LIBERAL?
-- - à -vida interromge
te50 -- ----a -
discussão,
- da qual não podekos
- --
- ,.
estrutura geral da nossa experiência moral. Isso nos per- nos---
essui_var se_quisermos
- - -----
.. - -- -- - a- um acordo político so-
--chegar -.
mitiria entender que, em alguns aspectos, a técnica gené- bre essas auestões fundamentais, levGdo em conta o aúe
tica irá nos confrontar com questões práticas, que se refe- é constitucionalment
. __l____.I___
^
. ~. .
rem a pressupostos de julgamentos e agões morais. O des- 1ÓP;icoda nossa sociedade.
locamento da "fronteira entre o acaso e a livre decisão"
afeta de modo geral a autocompreensão de pessoas que
agem de forma moral e se preocupam com a própria exis- 11. Dignidade humana vs. dignidade
tência. Ele nos torna conscientes das relações entre nos- da vida humana
sa autocompreensão moral e o pano de fundo da ética da
espécie. De certo modo, também depende da maneira _O debate filosófico21em
--tomo da admissibilidade
_-.__ _ do
como nos entendemos antropologicamente enquanto se- uso- -de embriões
__ -- --exclusivamente
_I__ - para
-- _ e do DGPI
pesquisa
res da espécie o fato de nos enxergarmos como autores
responsáveis por nossa própria história de vida e de po- 21. Não levo em conta em nosso contexto a discussão jurídica
sobre as implicações da aplicação vigente do 5 218 do Código penal
alemão. A corte constitucional federal tomou a nidação como o
20. R. Dworkin, "Die falsche Angst, Gott zu spielen", in: Zeii-
momento a partir do qual o feto deve receber proteção. Os juristas
Dokument'(1999), p. 39; cf. também "Playing God. Genes, Clones, and
consideram discutível e eu mesmo acho duvidosa a possibilidade de
Luck", in: id., Sovereign Virtue, Cambridge, 2000, pp. 427-52.
transferir essa decisão, sem mais, conforme supõem Herta Daubler-
42 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A CAMINHO DE U M A EUGENM LIBERAL? 43
dez --- em
- aspectos relevantes.lCom a r e j e i ç ã o d e ~ m ~ g r - r
to esse conflito determina a discussão atual, a polarização videz indesejada, - --- - dg mulher b +todetemina-
--- -o- -direito
entre os partidários "Pro Life" e aqueles "Pro Choice" cão ~ -_----
õ ~ i ' = a necessidade de
-ll---__ - _proteção
i _ do embrião.
- _-. -
dirige a atenção para o statw moral da vida humana da- No
- - - outro
- caso, a proteção da vida do feto entra em con-
I
quele que ainda não nasceu. O lado conservador espera flito com as considera~õesCòS-jai$i?jüe,
-
-
-F- - _-___- --ponGãndo
- ---- - -- a-
poder impedir os temidos desenvolvimentos da técnica 9 -uestão como se fosse um
,- - bem material, desejam ter um
genética, apelando para a proteção absoluta do óvulo filho -mas recusam a implantaçao
+---- "- .--
se o embrião não cor-
fertilizado. Mas as supostas paralelas enganam. Em rela- responder
- a determinado
-- -- -- -
ção à questão atual sobre a admissibilidade do DGPI, as flito, os pais não são envo
mesmas convicções normativas não dão origem às mes- desde o princípio o embate ao mandarem fazer um exa-
mas tomadas de partido como na questão do aborto. Ho- me aenitico do embrião.
V
je, o campo liberal daqueles que privilegiaram o direito Esse tipo de controle deliberado da qualidade colsa
de autodeterminaçãoda mulher em relação à proteção da um kÕvo aspecQe_mjogo ins~meptalih~$jqckyma
vida do embrião em seus primeiros momentos está divi- vida__ _---
humana,-- produzida sob condições e em-- função de
dido. Quem se deixa conduzir por intuições deontoló- preferências e orien-;ões--_ axioló@cas
l_l_l___l___------- _- de-terceiros.
-
-e- ---A A deh-
gicas não quer simplesmente dar seu aval aos atestados são de seleção orienta-se pela composição desejada do
genoma. Uma decisão sobre a existência ou a não-exis-
tência se dá conforme o critério da essência potencial. A
Gmelin e Emst Benda, à esfera de merecimento de proteção absoluta decisão existencial de interromper a gravidez tem tão pou-
da vida humana a partir da fecundação; cf. M. Pawlik, "Der Staat hat
dem Embryo d e Trümpfe genommen", in: FAZ, de 27 de junho de
co a ver com essa disponibilização orientada para as ca-
2001. Quanto à variedade das constatações jurídicas, ver R. Erlinger, racterísticas e com essa seleção da vida pré-natal como
"Von welchem Zeitpunkt an ist der Embryo juristisch geschutzt?", in: com a consumpção dessa vida para fins de pesquisa.
Suddeutsche Zeitung, de 4 de julho de 2001. De resto, a interpretação Apesar dessas diferenças, podemos tirar uma lição
da constituição é um processo lento de aprendizado, que sempre levou dos debates sobre o aborto, conduzidos ao longo de déca-
os tribunais superiores à correção de suas próprias decisões anterio-
res. Quando ocorre de novos fundamentos morais encontrarem situa-
ções jurídicas existentes à luz de outras circunstâncias históricas, os 22. Cf. R. Merkel, "Rechte fiir Embryonen?", in: Die Zeit, de 25
princípios constitucionais - até moralmente fundamentados - exigem de janeiro de 2001; U. Mueller, "Gebt uns die Lizenz zum Klonen!",
que o direito siga as idéias morais. in: FAZ, de 9 de março de 2001.
44 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A CAMlNHO DE UMA EUGENIA LIBERAL? 45
das com grande seriedade. Nessa controvérsia, fracassa pológico profundo, não ultrapassariam campo das ques-
toda tentativa de alcançar uma descrição ideologicamente - tões morais comuns. Sendo assim, as hipóteses ontológi-
neutra e, portanto, sem prejulgamentos, do status moral cas fundamentaisdo naturalismo científico, das quais deri-
da vida humana prematura, que seja aceitável para todos va o nascimento como cesura relevante, não são de forma
os cidadãos de uma sociedade secular23. Um alguma mais triviais ou mais "científicas" do que as hi-
- lado descre-- póteses metafísicas ou religiosas, do pano de fundo, que
ve o embrião no estágio prematuro de desenvolvimento
cÕm~uEi"amontoado
- de células" e o sugerem uma conclusão contrária. Ambos os lados refe-
pessoa do recém-nascido, a quem primeiramente comoe- rem-se ao fato de que a toda tentativa de traçar um limite
te a dignidade humana no sentido estritamente mkal. preciso e moralmente relevante em algum ponto entre
O outro lado considera a fertilização
_ _ I do óvulo humano a fecundação ou a junção dos gametas, de um lado, e o
--
como o início relevante nascimento, de outro, une-se algo arbitrário, pois a par-
--_1_
- que o______ -
ser natural se transforma ao mesmo
--com-___ --
-v--- l__
Na rede simbólica das relações de reconhecimento nos do feto na tela que faz da criança que se move no
recíprocas entre pessoas que agem visando à comunica- útero materno um destinatário, no sentido de uma antici-
ção, o recém-nascido é identificado como "um" ou "um patory socialization [socialização por antecipação]. Obvia-
de nós" e aprende aos poucos a identificar-se a si mesmo mente,
-- temos para com ela e em consideração a ela deveres
- ao mesmo tempo em que se identifica totalmente como -
morais e jurídicos. Além disso, a vida pré-pessoal, anterior
pessoa, como parte ou membro de sua(s) comunidade(s) a um estágio em que se pode atribuir a_____-_
I ela o papel
--- destina-
social(is) e como indivíduo único e inconfundível, sendo do-.s.a u m-a _ g .---
u n d a p ~ s s ~ aa, quem se pode dirigir a pala-
também moralmente insubstituível*9. Nessa diferencia- ma, também conserva um valor integral para a totalidade
ção da auto-referência reflete-se a estrutura da comunica- de üriiãI-Ec,ima Tevida eticamenteconstituída. -- -- ~ e s s as-e
ção lin@ística. Somente aqui, no space of reasons [espaço pecto, d á z a dis6nSFeZre --- - -- -. -
a dignidade da-ada huma-
das razões] colocado em discussão (Sellars), é que o patri- na
-- e a di--ana-garantida- juriclxam@e
- -- -a --toda
.---
mônio cultural da espécie representado pela razão pode p esoa - uma
-
_
^
- -- -distingáo
-- que, de resto, reflete-see_at_noo-
desenvolver sua força unificadora e formadora de con- menologia
_ ..-_ da nossa maneira sentimentalizada
_ l l _ _ _ _ _ _ _ _ ~ _ _ --de-tratar
-.- -- - -
senso, na diferença das múltiplas perspectivas de si pró- os mortos._
A -
A diferença entre direitos, ponderados de maneira &a, podemos de nossa parte nos esquecer de que mesmo a
e bens, que podem ser considerados prioritários ou não comunidade moral dos sujeitos livres e iguais de direitos
dependendo de cada nova ponderação, não deveria ser humanos não forma um "reino dos objetivos" no além
confundida32. numenal mas permanece inserida em formas concretas
O, caráter dos entraves morais, difíceis de definir, que de vida e no seu éthos.
---
--------_._-
-- -
bíaáde do
I-___-----L - - uso de embriões exclusiv%ente
-- - - - - para pes-
se trata da cultura, que é diferente de um lugar para autocompreensão ética da espécie, inscrita em determi-
outro, mas da imagem que as diversas culturas fazem nadas tradições e formas de vida, não permite mais que
"do" homem, que, na sua universalidade antropológica, dela se deduzam argumentos que suplantem as preten-
é o mesmo em toda parte. Quando avalio corretamente sões de uma presumida moral válida para todos. No en-
a discussão sobre a "utilização" de embriões para fins tanto, essa "primazia do justo em relação ao bom" não
de pesquisa ou sobre a "geração de embriões com res- pode perder de vista o fato de que a moral abstrata da ra-
salvas", vejo manifestar-se nas reações afetivas menos a zão, pertencente aos sujeitos de direitos humanos, apóia-
indignação moral do que a aversão a algo obsceno. É se, por sua vez, numa anterior autocompreensEo ética da
como sentir vertigens quando o chão que acreditávamos espécie, compartilhada por todas as pessoas morais.
firmemente existir escapa sob os nossos pés. Sintomática Assim como as grandes religiões universais, as dou-
é a repugnância diante da lesão quimérica de limites da trinas metafísicas e as tradições humanistas também for-
espécie, que ingenuamente havíamos considerado como necem contextos em que a "estrutura total da nossa ex-
"inalteráveis". Os "novos horizontes éticos", aos quais se periência moral" está inserida. Elas articulam, de um ou
refere Otfried Hoffe33 com razão, consistem em tornar outro modo, uma autocompreensão antropológica, que
incerta a identidade da espécie. Os desenvolvimentos se adapta a uma moral autônoma. As interpretações reli-
notórios e temidos da tecnologia genética afetam a ima- giosas de si mesmo e do mundo, surgidas na época axial
gem que havíamos constnúao de nós enquanto ser cul- das grandes civilizações, convergem, de certo modo, numa
tural da espécie, que é o "homem", e para o qual parecia autocompreensão ética mínima da espécie, que sustenta
essa moral. Enquanto estão em harmonia uma com a ou-
não haver alternativas.
tra, a primazia do justo sobre o bom não é problemática.
Certamente, essas imagens também se apresentam
de maneira plural. A formas de vida cultural pertencem saber se-..".-a tecnic
sistemas de interpretação, que se referem à posição do -- .--,,
modo, recentemente notáveis autores de livros técnicos apenas como exemplo de uma tecnicização da natureza
nos confrontam com o aperfeiçoamento do homem por humana, que provoca uma altera~ãoda autocompreensão
meio de implantes de chip ou com a substitui~ãodo ho- ética da espécie - uma autocompreensão que não pode
mem por robôs mais inteligentes. mais ser harmonizada com aquela autocompreensão nor-
Para os processos vitais do organismo humano, assis-
mativa, pertencente a pessoas que determinam sua pró-
tidos tecnicamente, os nanotecnólogos projetam, pela fu-
são do homem à máquina, a imagem de uma estação de pria vida e agem com responsabilidade.
produção, que é submetida a uma supervisão e a uma re- Os avanços da tecnologia genética, realizados nesse
novação auto-reguladas, além de passar por reparo e aper- meio-tempo ou previstos de forma realista, não provocam
feiçoamento constantes. Segundo essa visão, os micror- nada que chegue a esse ponto. No entanto, as analogias
robôs capazes de se autoduplicar circulam pelo corpo hu- não devem ser totalmente desconsideradas34. A manipu-
A -
mano e unem-se aos tecidos orgânicos, por exemplo para
deter processos de envelhecimento ou estimular funções 34. Por exemplo, Buchanan et al., pp. 177 s, mencionam o cená-
do cérebro. Os engenheiros de computação também não rio fantasmagórico de um "Genetic Communitarianism" [comunita-
são de trabalhar pouco nesse gênero e, a partir do robô do rismo genético], no qual diferentes subculturas levam adiante a auto-
futuro, tornado autônomo, projetam a imagem de má- otimização eugênica da espécie humana em diferentes direções, de
quinas que condenam pessoas de carne e osso ao mode- modo que a unidade da natureza humana enquanto base de referên-
cia, na qual, até agora, todos os homens se compreenderam como
lo fora de linha. Essas inteligências superiores deverão membros da mesma comunidade moral e puderam se reconhecer
superar as limitações do hardware humano. Elas prenun- reciprocamente, é questionada: "We can no longer assume that there
ciam ao software extraído de nosso cérebro não apenas a will be a single successor to what has been regarded as human nature.
imortalidade, mas também a perfei~ãoilimitada. We must consider the possibility that at some point in the future, dif-
O corpo repleto de próteses, destinadas a aumentar ferent groups of human beings may follow divergent paths of deve-
lopment through the use of genetic technology. If this occurs, there
o rendimento, ou a inteligência dos anjos, gravada no dis- will be different groups of beings, each with its own 'nature', related to
co rígido, são imagens fantásticas. Estas apagam as linhas one another only through a common ancestor (the human race), just
fronteiriças e desfazem as coerências que até o momen- as there are now different species of animals who evolved from com-
to se apresentaram a nosso agir quotidiano como trans- mon ancestors through random mutation and natural selection" ["Não
cendentalmente necessárias. De um lado, o ser orgânico podemos mais presumir que haverá um único sucessor para aquilo
que foi concebido como natureza humana. Precisamos considerar a
que cresceu naturalmente se funde com o ser produzido possibilidade de que, num certo momento do futuro, diferentes gnipos
de forma técnica; de outro, a produtividade do intelecto de seres humanos poderão seguir caminhos divergentes de desenvol-
humano separa-se da subjetividade vivenciada. Pouco im- vimento usando a tecnologia genética. Se isso ocorrer, haverá diferen-
porta se nessas especulações se manifestam idéias malu- tes grupos de seres, cada qual com sua própria 'natureza', relaciona-
cas ou prognósticos dignos de serem levados a sério, ne- dos uns com os outros somente por meio de um ancestral comum (a
raça humana), exatamente como hoje existem diferentes espécies de
cessidades escatológicas postergadas ou novas variedades animais, que evoluíram a partir de ancestrais comuns por meio de mu-
de uma science-fiction-science. Para mim, tudo isso seke tação aleatória e pela seleção natural"].
60 O FUTURODA NATUREZAHUMANA A CAMINHO DE UMA EUGENIA LIBERAL? 61
lação da composição do--"-genoma humano, progressiva- A autolimitação normativa no trato com a vida em-
mente
-- decifrado, e a expectatiVZd2-muitas
-- pesquisadores brionária não pode se voltar contra as intervenções da téc-
nica genética em si. Obviamente, não é essa técnica, mas
O tipo e o alcance de seu emprego que constituem o pro-
Ò ~ ~ u i e ~ c ~ ~ n a t u r ã Iemo que
e+.---
X eeTab-rrc-iõ'einEfe?<s--- -__
- - A
% "
- pessoa que ele u m @E@. Essa atitude clínica recebe
saber, as condições naturais de c r e T i E n t o ~ a G n t T % - s sua força legitimadora da suposição contrafactual e justifi-
qu,l,
- podemos nos c--o _ p r e e n ~ e ~ c 6 m ~ ~ ~ i ~ o ~ i ~ ~ t o r e s
-
a
-
cada de umpossível consenso com um outro, que - pode di-
de nossas p r ó p r i a s m h e como memb~os da comunida-
----- ___._s_____.-
zer "sim" ou "não". Com isso o Ônus norm
de moral com direitos iguais. Suponho que saber que o va recai sobre o direito de a
próprio genoma foi programado possa perturbar a auto-
evidência em virtude da qual existimos enquanto corpo
@iia7TfiõdFGrxb6do no ---- - -
intervenção terapêutica no embrião, esse _ _ _ - -___
- _ consentimento
vivo ou, de certa forma, que nos faz "ser" nosso corpo, o poderia, na melhor das&-&eses--cser_-_ - a postg
ratificado
-.
que daria origem a um novo tipo de relação particular- --
-z(õqi;é;n~Gdi se evitar preventivamente o nas-
mente assimétrica entre as Dessoas. cimento, iamais ocorrerá). Inicialmente, não se sabe ao
É oportuno que nos ceAifiquemos para on4p_nos__xm
_-
reflexões nos têm c o n = ~ ~ ~ & e n t o Por . um lado,
certo o essa exigência pode significar para uma prá-
tica que, como o DGPI e a pesquisa com embriões, está
~ E r a condições
s ----- rn
do pluralismo
-- --i --
ideológico, não podemos voltada, apenas de forma hipotética ou nem assim, a um
atZuir ao- embrião, "desde o início", a proteção absoluta
---A--
------ --
*" futuro nascimento.
dXm"cyã;-de aue as Dessoas enauanto Dortadores de direi- Em todo caso, um suposto consenso só pode ser evo-
cado em caso de prevenqão de um mal indubitavelmen-
-t_-qu~opO~FK~SSimplèSEFfit~~di~po~
da vida huma- te extremo, que, como é de esperar, é rejeitado por todos.
napré-pessod
- --- como deum bem submetidõà concofrên- Sendo assim, a comunidade Aoral, cpe'no âmbito profa-
~ i aPara
. esclarecer essa intuição, escolho o desvio aue
@&a pela possibilidade, hoje ádmitida apenas de forma
teórica, de uma eugenia liberal, que nos Estados Unidos 35. Por essas idéias decisivas, agradeço a uma discussão com
já é discutida pormenorizadamente. A partir dessa pers- Lutz Wingert. O projeto proposto por ele para o Instituto Científico-
Cultural de Essen foi igualmente instrutivo: "O que torna humana
pectiva pré-projetada, a controvérsia sobre os dois casos uma forma de vida? Nossa cultura entre a biologia e o humanismo"
atuais assume contornos mais precisos. (Manuscrito, 2001).
O FUTURO DA NATUREZA HUMANA I A CAMINI-IO DE UMA EUGENlA LIBERAL? 63
no do quotidiano político exprime a feição sóbria de na- natureza ao empregar meios e consumir materiais; e, por
ções democraticamente constituídas de cidadãos, também outro, ele a distingue da atitude prática das pessoas que
pode, por fim, julgar-se capaz de desenvolver, a partir de agem de forma inteligente ou ética e se encontram nos
nossas realizações espontâneas, critérios sempre suficien- contextos de interação - seja na atitude objetivante de
temente convincentes para considerar uma existência cor- um estrategista, que julga as decisões antecipadas de seus
poral como fraca ou saudável. É o ponto de vista w g l_I____--
adversários a partir da perspectiva de suas próprias pre-
de uma relação não instrumentalizadora
--. --
-
com- a segunda
---e- - ferências, seja na atitude performativa de um agente co-
_ ___ __-
-
A
das e reestruturadas, durante seu processo de aquisição ram o que é_- - ----- -e o que se_--
produzido
-I -.__-_I_tmnçfoma
- . por
-- - natureza
___^_^.
de cientificidade, pela "lógica" da aplicação de tecnolo- assam a nao se _--_
diferenciar mais.
- Essa
I_=.-I"
contraposiçao
"
= I
nos
gias científicas. mostra sua evidencia apartir das formas conhecidas de
A adaptação das formas sociais de produção e cir- ação relativas ao processamento técnico de materiais, por
culação aos avanços científicos e técnicos certamente fez um lado, e, por outro, ao trato com a natureza orgânica
prevalecer os imperativos de uma única forma de ação, e para fins terapêuticas ou de criação. O manejo cuidadoso
justamente a instrumental. Não obstante, a própria ar- de sistemas que mantêm seus limites e cujos mecanismos
quitetônica das formas de ação permaneceu intacta. Até de autocondução poderiam ser perturbados por nós, não
hoje, a moral e o direito conservam, nas sociedades com- se distingue apenas devido a uma consideração cognitiva
plexas, suas funções de regulação normativa da práxis. O pela dinâmica própria do processo vital. Ele também se
equipamento e a preparação tecnológica de um sistema vincula a uma consideração prática, a um tipo de respeito,
de saúde, que depende de uma indústria farmacêutica e e quanto mais próximas as espécies tratadas estiverem de
de aparelhagem médica, certamente levou a crises, tanto nós, mais claras serão. A empatia ou a "compreensão ma-
quanto a mecanização da agricultura racionalizada pela nifestada" em relação à vulnerabilidade da vida orgânica,
economia empresarial. Todavia, essas crises mais trouxe- que cria um entrave moral ao manejo prático, funda-se
ram à memória a lógica da ação médica ou do trato eco- abertamente na sensibilidade do próprio corpo e na dis-
lógico com a natureza de que a eliminaram. A força legi- tinção entre uma subjetividade, embora rudimentar, do
mundo de objetos manipuláveis.
timadora das formas "clínicas" de ação, clínicas no senti-
A intervenção biotécnica, que substitui o tratamento
do mais amplo, cresce à medida que sua relevância social
clínico, interrompe essa "correspondência" com outros
diminui. Atualmente, a pesquisa genética e o desenvol-
seres vivos. Todavia, o modo de ação biotécnico distingue-
vimento da técnica genética são justificados à luz de ob-
se da intervenção técnica do engenheiro por meio de uma
jetivos biopolíticos relativos à nutrição, à saúde e ao pro- relação de "colaboração" - ou de "bricolagem"36 - com
longamento da vida. A esse respeito, é comum que se
esqueça do fato de que a revolução da práxis de criação,
mediante o uso da técnica genética, não se realiza mais 36. Certamente, há uma diferença se interpretarmos nossas
intervenções biotécnicas na natureza sob condições de laboratório ou,
no modo clínico da adaptação à dinâmica própria da natu- conforme F. Jakob (Das Spiel des Moglichen, Munique, 1983), se inter-
reza. Ela sugere, antes, a neutralização de uma distinção pretarmos a evolução da natureza em si de acordo com o modelo da
fundamental, que também participa da constituição de bricolagem. Essa diferença torna-se normativamente relevante quan-
nossa autocompreensão enquanto seres da espécie. do uma interpretação for ligada à outra de modo legitimador, a fim de
Na medida em que a e~olução aleatória das espé- sugerir o paralogismo naturalista de que a biotécnica é apenas uma
-- - _ _ _ - - - -- continuação da evolução natural com seus próprios meios. Baseio-me
__ move-se
----r
cies I - para
- - _ -_ o campo --
de
-
intervenção
"-
da tecnologia num manuscrito de P. Janich e M. Weingarten, Vuantzuortung ohne
---------e, por conZeguinte, da ação que é de nossa res-
genética Vwçtiindnis. Wie die Ethikdebatte zur Gentechnik uon deren Wissenschaftç-
ponsabilidaJe, as categorias que, no mundo da irida, sepa- theorie abhangt, Marburg, 2001.
O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A CAMINHO DE UMA EUGENIA LIBERAL? 67
uma natureza tornada .disponível: "No caso da matéria e uma compreensão universalista da moral. Jonas expressa
morta, o produtor é o único a agir na relação com o ma- essa inquietação com a seguinte questão: "Mas de quem
terial passivo. No caso de organismos, a atividade depa- é esse poder - e sobre quem ou o quê? Obviamente, tra-
ra com a atividade: a técnica biológica colabora com a ta-se do poder atual sobre o que está por vir, que são os
automaticidade de um material ativo, com um sistema objetos indefesos de decisões prévias, tomadas pelos pro-
biológico que funciona naturalmente, ao qual deve-se in- jetistas de hoje. O reverso do poder atual é a servidão pos-
corporar um novo elemento determinante. E.. ] O ato téc- terior dos vivos em relação aos mortos."
nico tem a forma da intervenção, não da construção"37. Com essa dramatização, Jonas desloca a tecnologia
A partir dessa descrição, Hans Jonas conclui que a auto- genética para o contexto de uma dialética autodestrutiva
u
referencialidade característica e a irreversibilidade da in- do esclarecimento, segundo a qual a dominação da natu-
tervenção num fato complexo e auto-regulado terão con- reza faz com que a espécie volte a ficar à mercê da na-
seqüências bastante incontroláveis: "'Produzir' significa tureza". O coletivo singular da "espécie" também forma
aqui liberar na corrente do devir, em que o produtor tam- o ponto de referência para a discussão entre a teleologia
bém se move"38. natural e a filosofia da história, entre Jonas e Spaemann,
Q u ~----t mais
o - despreocupada for a intervenção - --- na - de um lado, e Horkheimer e Adorno, de outro. No entan-
composição
-- ----- _ __ ___-
do genoma humano, tanto mais o estilo clíni- to, o nível de abstração em que essa discussão se realiza é
--__do estitcibicstécniro-daintervenção
-I-t------
kento é caracierízãdo por Jonas da seguinte forma: "En- zões m o r - e pr~íbem~jn~~@mentalizar ---indivíduos
-- - - - en-
quanto dominada tecnicamente, a natureza volta agora a
quanto exemplares- da espécie -- esse objetivo c&d-
incluir o homem, que (até então) havia se contraposto a
__i _LI_I~___
.
C_l__
--A-
rian eugenicists sought to produce citizens out of a single cretion why should genetic intervention to enhance nor-
centrally designed mould, the distinguishing mark of the mal offspring traits be any less legitimate?"" Esse a r p -
new liberal eugenics is state neutrality. Access to informa- mento deve iustificar a ampliação -- -- da
-- tutela
--- - educativa
--- -- - - -dos
-
-w
tion about the full range of genetic therapies will allow pais, assegurada pelos direitos constitucionais. sobre -i-
prospective parents to look to their own values in selec- Gerdabe
-
- ----
eu~ênicapara melhorar a estrutura genética-dos
V -
ting improvements for future children. Authoritarian próprios filhos.
eugenicists would do away with ordinary procreative C o n t u d o , a liberdade e u g & i e @ _ t r r m m a r w a l -
freedoms. Liberals instead propose radical extension of va de não poder colidir
them."?O Contudo, e s s e q ~ o g r a ~ - ~ - ~ O _ é ~ ~ c g~ ~ m
~p_ati~l 0 s defensores da eugl
os fundamentos do liberalismo político, s s & e ~ - f--z- o de s e as d i ~ - ~ d t i c a ~ S ~ m pintggggm re
ções eugênicas positivas em pessoas tratadas u~enetica- com _ o ambiente - ----
de modo contingente e se transformam
- .
mente naolEmitkem nem as p o ~ s i b i - t ã a ~ ~ ~ ~ m i ~ 6 ~ - em II
partir de um único molde central proietado, marca distintivad_ng~ tutela de monitores especiais
-- --e em programas de formaçã-, e e a t é z s -
sugenia liberal é a neutralidade do Estado. O acesso à informaqão so- mo a ~ossibilidadede administrar o~hormôniosde crescimento, para i _ _ _ - E
-
ser menos legítima?"]
-
-..
-mb7 -; -7---
zd. p 173. O mesmo paralelismo encontra-se em Buchanan
et al., pp. 156 ss. ["A conexão liberal da liberdade eugênica com o cri-
70 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A CAMINHO DE UMA EUGENLA LIBERAL? 71
to depende de um paralelismo controverso, que se apóia O modo de experienciar esse corpo vivo é primário e,
no nivelamento da diferença entre o que cresceu natural- "dele", também vive a subjetividade da pessoã humana44.
mente e o que foi fabricado, entre o subjetivo e o objetivo. Na medida em que o indivíduo em crescimento, ma-
-- - .
Conforme vimos, a manipulação estendida ao pa-
-A---
nipulado
- ---
de forma - -
eugenica, d e s c ~ b ~seu - e- - corpo
-- vivo-
trimônio hereditário do homem anulga --- distinção
- -- entre tafiem como &o fabricado, a perspectiva do partici-
------
_
azão clínica e produfão i é i i c a , no que diz respeito à
--- -- p ~ " v i c y a a v l % d Z---- ' l ~ c õ ~ ~c
- -F
õ---L-3 p<rçpeçtivar&ficah-
-L ---- -
natureza interna. Para aquele que trata de um embrião, te dos produtores ou----artesãos. -- !?'o-decidir -
sobre-- Seu
a natureza, por assim dizer, subjetiva deste Último mo- programa genético, os pais formularam - -intençEs que
ve-se na mesma perspectiva da natureza externa e obje- mais tarde se converterão --- em--expectativas
_- em relação ao
tivada. Essa visão sugere a idéia de que influir na com- rsdecgo-- ao-u-destinat ário; o filho,
posição de um genoma humano não é muito diferente a $osibilidade As inEnções de
de influir no ambiente de uma pessoa em crescimento: programação de os a experiências,
a essa pessoa atribui-se a própria natureza como "am- ou também dos apenas preocupados, têm o status carac-
biente interno". Mas será que a atribuição, realizada a terístico de uma expectativa unilateral e inapelável. As in-
partir da visão do interventor, não colide com a auto- tenções que de fato se transformaram surgem na história
percepção do atingido? de ;da do atingido como componente nÕrmal das inte-
Uma pessoa só "tem" ou "possui" seu corpo (Kover) rações mas escapam das condições de reciprocidade da
na medida em que ela "é" esse corpo vivo (Leib) - na rea- compreensão comunicativa. Os pais tomaram-a decisão, I---
-
lização da sua vida. Partindo desse-fenômeno de ser e ter sem supor um consenso e somente em hinção de-suas *
" -,- -e
b-____-_
ã g o ser
capacidade, adquirida na juventude, de contemplar de 1 ----- L
Ao estabelecerem __ --um paraMoxntrg Q&=O natu- bordinação ao consenso transforma a ação orientada por
ral <aquele relacionado à socialização, os eugenisG'T6é-
I- -- considerações egocêntricas em ação comunicativa. O ge-
----as coisas.
rais simglificain
--e neticista que realiza intervenções em seres humanos, en-
A equiparação da açao clínica a-----ii.ite~enq@e_e ma- _9
quanto entende que está no papel de médico, não preci-
n i p ~ i ~ P a -- -s- -seguinte
-- s - - opara o
sa examinar o embrião com a mesma atitude objetivante
nivelamento da importante diferença-entre - a eugenia ne-
c--
_ -__-_ Grtamente, objetivos altamentegerere-
gativa e__ a positiva.
I-
do técnico que observa uma coisa que será produzida,
ralizados, como oac1kioif consertada ou direcionada a um rumo desejado. Na ati-
tude performativa de um participante da interação, ele
-
naçoes positivas e -..encontram-se, não obsta&_n__ linha pode antecipar o fato de que a futura pessoa aceitaria o
de 3 e t i v o s clínicos.- Por mais difícil que possa ser, no
caio
- -- isolado, --distinguir intervenções terapêuticas e, por-
A 'I objetivo em princípio discutível do tratamento. Nesse caso
também, obviamente, não se trata da determinação on-
tológica do status, mas somente da atitude clínica da pri-
tanto, que
de
---
----visam evitar males,
aperfeiçoamento, a idéi
- -
a s ~ m i t a c õ e almejadas
s
--
*-
jetivos. Intervenções que alteram as características gené- soa e determina seu com_r_ogamento,
---- . é o conhecimento
ticas constituem um fato d ã e u g e n i ã p o s i t i ~quando --
ur- posterior que essa pessoa toma
A-- - da situação que poderia
frapassam os limites estabelecidos pela "lógica da cura", intervir na sua auto-relação com sua existênciacorporal
--
ou seja, da
-------------------
ação,
-+-
supostamente
.
aprovada,
------*- ---- .-
de evitar males.
"
tuiiTmente e o que é fabricado, entre - o subjetivo e o ob- -- observador, a partir da qual o próprio corpo foi transfor-
uências-para - sua
-- -conduta..--e-
mado em objeto de uma intervenção anterior ao nasci-
autocompreensão
-- --- moral. mento. Quando o indivíduo em crescimento paççaa ---saber
proceder a uma avaliação - - projetou para ~'e,aJg-dealt~-
do de~i&-~ueoutr&essoa
normativa antes de adotarmos a perspectiva das pessoas rar características,em sua c ~ ~ t u l ç k - g e ~ n é t 1 c ~ ~ ~ ~ . n a 1 u a
envolvidas. autopercepção objetivante I,a perspectiva& te~iLog_ro--
duzidopode sobrepor-se iiqueladx ser u m c~oOuivo_gue
cresce naturalmente. Com isso, a neutralização da distin-
V. Proibição de instrumentalização, natalidade ção entre o que cresce naturalmente e o que é fabricado
e poder ser si mesmo alcança o modo de existência próprio. Essa neutralização
poderia desencadear em nós a consciência vertiginosa de
Aquilo que confunde nossos sentimentos morais que, após uma intervenção da técnica genética anterior a
diante da idéia de uma programação eugênica é o que nosso nascimento, a natureza subjetiva, vivida por nós de
Andreas Kuhlmann apresenta na seguinte fórmula obje- modo indisponível, seria h t o da instrumentalização de
tiva: "Obviamente, os pais sempre nutriram fantasias a res- uma parte da natureza externa. A rememoração da ante-
peito daquilo em que seus descendentes um dia irão se rior programação de nosso patrimônio hereditário de ter-
tornar. No entanto, é diferente quando as crianças são to modo exige de nós, no âmbito existencial, que subme-
confrontadas com idéias de pré-fabricação, às quais, em tamos e subordinemos, como uma realidade ulterior, o
última análise, elas devem sua existência."47 Essa intuição fato de ser um corpo vivo ao de ter um corpo.
seria mal entendida se a ligássemos a um determinismo Diante de uma dramatização imaginária desse estado
genético48.Pois, indepeendentemente da extensão com
C I I de coisas, surge certamente alguma dúvida. Quem pode
que uma p r o ~ a m a ç ã ogenética--r __._-
e a l m e n t m saber se a ciência do fato de que outra pessoa projetou
qm~ A V - -
disposições e as cagac-sda futura pes-- o desip para a composição do meu genoma deva ter algu-
ma importância para minha vida? É antes improvável que
47. A. Kuhlmann (2001), p. 17. a perspectiva de ser um corpo vivo perca a primazia em
48. Buchanan et al. (2000), pp. 90 ss. relação a ter um corpo que foi objeto de preparo genético.
76 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A CAMINHO DE U M A ELIGENLA LIBERAL? 77
A perspectiva de participante da experiência de ser um ção na atitude da ação comunicativa. Devem adotar a
corpo vivo só pode ser trnnsposta de forma intermitente perspectiva do participante em primeira pessoa e consi-
para a perspectiva externa de um (auto-)observador. O derar o outro como segunda pessoa, com a intenção de
conhecimento da anterioridade do ser produzido não tem entender-se com ele em vez de tratá-lo como objeto a
necessarinmente nenhum efeito de auto-alienação. Por que partir da perspectiva de observação de uma terceira pes-
I
o homem também não pode se acostumar com um "So soa e de instrumentalizá-10 para seus próprios objetivos.
what?" ["E daí?"] dito com um encolher de ombros? Após O limite moralmente relevante da instrumentalização é
as ofensas a nosso narcisismo, que Copérnico e Darwin marcado por aquilo que, no confronto com a segunda pes-
nos infligiram com a destruição de nossa imagem geo- soa, necessariamente escapa de todas as intromissões da
cêntrica e antropocêntrica do mundo, talvez passemos a primeira, enquanto a relação de comunicação, ou seja, a
acompanhar com mais serenidade a terceira descentrali- possibilidade de resposta e de posicionamento, permane-
zação de nossa imagem do mundo - a submissão do cor- ce absolutamente intacta - e, portanto, o instrumento e o
po vivo e da vida à biotécnica. meio pelos quais uma pessoa é ela mesma quando age e
Um indivíduo~r - se jushfica perante os críticos. O "si mesmo" do objetivo
conviver
--- com a consci em si, que devemos considerar na outra pessoa, manifes-
ditário
- foi manipulado co ta-se especialmente na autoria de uma conduta de vida,
---
influência
-- em sua manifés que se orienta segundo exigências próprias. Cada um in-
dexd~rmosafeçpeifo de uma avaliação normativa desse terpreta o mundo a partir de sua própria perspectiva, age
fato, precisamos esclarecer os critérios que poderiam ser conforme os próprios motivos, esboça os próprios pro-
violados por tal instrumentalização. Como dissemos, con- jetos, persegue os próprios interesses e intenções e é a
vicções e normas morais têm sua sede em formas de vida, fonte de pretensões autênticas.
que se reproduzem sobre a ação comunicativa de seus Certamente, os sujeitos agentes não estarão obede-
protagonistas. Uma vez que a individuação se realiza no cendo à proibição da instrumentalização mediante o sim-
meio socializante de uma densa comunicação verbal, a ples controle da escolha de seus objetivos (no sentido de
integridade do indivíduo depende, de modo especial, do Harry Frankfurt), segundo objetivos próprios de ordem
caráter cuidadoso de seu trato com outras pessoas. De-- superior - ou ainda segundo objetivos gerais, ou seja, va-
L
todo modo, ambas as formulações que Kant confere ao loies. O imperativo $egórico exige de cada um q - r e - H-
princípio da moral podem ser compreendidas. nunci& perspectiva da primeira pessoa em favor de uma
"
_____I"_
I _ - ~ ~ --
- - - - - i- I I
"_-
da humanidade nos obriga a adotar aquela Cers~ectiva
I L versais não restringir a margem de configuração dos pro-
do nós, a partir da qual n& consideram#s uns aos outros
jetos individuais de vida. Na própria universalidade das
como membros de uma comunidade inclusiva, que não normas válidas, é necessária a manifestação de uma cole-
exclui ninguém. tividade não-assimiladora e livremente intersubjetiva, que
A formulação legal do imperativo categórico, que nos leve em consideração a fundada diversidade de interes-
leva a vincular a vontade às máximas que todos podem ses e de perspectivas de interpretação em toda a extensão,
querer como uma lei universal, determina de que modo ou seja, que não nivele ou reprima a voz dos outros - dos
um entendimento normativo é possivel nos casos de con-
estranhos, dos dissidentes e dos impotentes -, nem a
flito. Conseqüentemente, quando se dá um desacordo em marginalize ou exclua.
relação a orientações axiológicas subjacentes, sujeitos que Para tanto deve bastar a aprovação racionalmente
agem com autonomia precisam entrar no discurso para motivada de sujeitos independentes, que podem dizer
descobrir ou desenvolver juntos as normas que, com vis- não: toda aprovação discursivamente obtida tira seu poder
tas a uma matéria que necessita de regulação, mereçam a de validade da dupla negação das objeções fundadamen-
aprovação fundamentada de todos. As duas forrnulaçóes te rejeitadas. No entanto, essa concordância obtida no
esclarecem a mesma intuição em diferentes aspectos. Por discurso prático só deixa de ser um consenso impositioo
um lado, trata-se de uma "finalidade em si mesma" da quando inclui toda a complexidade das objeções elabo-
pessoa, que enquanto indivíduo deveria poder levar uma radas e considera a variedade ilimitada dos interesses e
vida própria e insubstituível; por outro, trata-se do igual perspectivas de interpretação. Por essa razão, para a pes-
respeito que cabe a toda pessoa em sua qualidade de pes- soa que emite juizos morais, o próprio poder ser si mes-
soa. Desse modo, a universalidade das normas morais, mo é tão importante quanto para a que age moralmente
que assegura a todos um tratamento igual, não pode per- é 0 ser si mesmo do outro. É no poder do participante do
manecer abstrata; ela precisa permanecer sensível para discurso de dizer "não" que a compreensão espontânea de
levar em consideração as situações e os projetos indivi- si mesmo e do mundo, pertencente a indivíduos insubsti-
duais de vida de todos os indivíduos. tuíveis, precisa ser verbalizada.
É isto o que o conceito de uma moral que entrecruza Assim como na ação, também no discurso seu "sim"
uma individuação e uma universalização leva em conta. A e seu "não" contam, porque e na medida em que é a pró-
autoridade da primeira pessoa, que se manifesta em suas pria pessoa que está por trás de suas intenções, iniciativas
O FUTURO DA NATUREZA HUMANA
A CAMINHO DE UMA EUGENIA LIBERAL?
81
- - ----- -
agimos e iulgamos, in propria persona, de maneira insubs-
- - nossa
- - -- -, precisa fazer com que sua própria procedência remonte a
tituível - de que n e n h u m i l o ~ t ~vozalem&
a pro-
-um
- iniciò indisponível - ou s e j a ~ ü m i n i c i oque s6 não
pria nos f&. Em primeiro lugar, é considerando essa
- - -- --- - - prejulga sua liberdade se - como Deus ou a natureza -
"possibilidade de ser si mesmotque "a ic~nc:ã~Oa~heia",
escapar à disposição de outras pessoas? A naturalidade ,.
que se--imiscui na-a~ssíikiistória
-------_- de vida _com
_ o programa
____--
do nascimento também cumpre o papel conceitualmente -,
r_ .X_-----
genético,poderia rep-sentar um fator de t>er&rbacão.
-
-
e I
ações e pretensões está entrelaçada à intuigão de que te- de entender a intenção do programador, inserida nela por
\ meio do penoma alferadõ(t~&ôu~-fiito
.2 - natural ou como
uma circunstância contingente,
- que limita seu campo de
50. H. Arendt (1959), pp. 15 S .
51. Bid., p. 243, cf. também pp. 164 S .
acão.
:---Com sua intenção, o programador
- - intervém antes
como protagonista de uma interação, sem se apresentar
O FUTURO DA NATUREZA HUMANA
4 CAMINHO DE U M EUGENLA LIBERAL? 85
como antagonista no campo de ação da pessoa progra-
mada. Todavia, o que é moralmente preocupante no cará- tico, não faz muita diferença, tão logo a pessoa em questão
ter notadamente inapelável da intenção de um peer, que transforme essa expectativa em suas próprias aspirações
intervém na história de vida de outro peer por meio da e conceba sua reconhecível vocação sintomática como
.. - uma chance e um compromisso com seu próprio esforço.
modificação genética?
No caso de uma intenção da qual o indivíduo se
f'apropriou" assim dessa forma, pode não ocorrer um efei-
VI. Limites morais da eugenia to de alienação da própria existência psíquico-corporal,
nem uma limitação correspondente da liberdade ética para
Em sociedades liberais, todo cidadão tem o mesmo se conduzir uma vida "própria". Por outro lado, não po-
--- demos excluir a poçsibil;dade de casos dissonantes enquan-
direifo de seguir---seus planosde yida individuais"dae-
l h o ~ g = & a posçív&'. Esse espaqo ético de liberdade
para fazer o melhor de uma vida que pode fracassar tam-
bém é determinado por capacidades, disposicões e qua-
- -
lidades condicionadas geneticamente. com vistas à iiber- natural e o determinado pela socialização distinguem-se
dade ética de levar uma vida própria sob condições or- num aspecto moralmente relevante52. 0 s processos de
gânicas iniciais --------
não escolhidas-- por
- ela--- mesma, a pe%oa socialização somente se dão na ação comunicativa e de-
p r ~ ~- -____
a ~----n c o n t r a -inicialmente,
s e , -- num<- situação
- --- -- --
__ _ _ que
senvolvem sua força formadora no âmbito de processos
--- é diferente
não --- da pessoa gera- de -forma natural. Con- de compreensão e decisões, que, por parte das pessoas
- - -- adultas de referência, também se unem a razões internas,
eugênica de
---
qualidades e dispo-
- - -- _ _
_- mesmo quando o "espaqo das razões" ainda não se tiver
c& considerações morais sobre o
52. Buchanan et al. (2000), pp. 177 s: "Even if an individual is no
more locked in by the effects of a parenta1 choice than he or she would
--- ----- -- -_ --
própria. Obviamente, de maneira semelhante--à tradição have been by unmodified nature, most of us might feel differently
about accepting the results of a natural lottery versus the imposed
profissional dos pais, por exemplo, o indivíduo em cresci- values of our parents. The force of feeling locked in may well be diffe-
mento pode apropriar-se da intenção "alheia", que pais rent" YMesmo que um indivíduo não esteja mais limitado pelos efei-
cuidadosos vincularam antes do nascimento a uma E- tos de uma escolha dos pais do que ele ou ela teria ficado pela nature-
disposição para deter- aptidões. Se, porém, o en- za não modificada, a maioria de nós pode sentir algo diferente em
contro desse indivíduo com a expectativa dos pais de, por relação a aceitar os resultados de uma loteria natural em contrapartida
a aceitar os valores impostos por nossos pais. A força desse sentimei-i-
exemplo, tirar partido de um dom para a matemática ou a to de limitação pode ser muito diferente"]. Curiosamente, os autores
música, se dará na reflexão sobre a-densa malha da socia- utilizam esse argumento apenas contra o que chamam de "communi-
lização familiar ou no confronto com um programa gené- tarian eugenics" [eugenia comunitária], e não contra a prática de uma
eugenia liberal em geral, a que são favoráveis.
86 O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A CAMINHO DE UMA EUGENiA LIBERAL? 87
foi
-- voluntária, de maneira que reveja sua autocompreen-
.- 7
Gráter de seus filhos. Visto que mesmo uEã7G1egaçao" são e encontre uma resposta vrodutiva para sua situação
------------
psiquicamente interessante das crianças só pode ocorrer inicial. De resto, essa situação assemelha-se à do clone,
no âmbito das razões, os indivíduos em crescimento têm, ----'-r
que e privado de um verdadeiro futuro próprio pelo olhar
em princípio, uma chance de responder e de se -- libertar - modelador voltado à pessoa e à história de vida de um
Ftroativamente53.'Eles podem equilibrar a assimetria da "irmão gêmeo" tardio54.
dependência infantil de modo retrospectivo e se libertar As intervenções eugênicas de aperfei~oamento~e-
-- --
dos processos de socialização que limitam a liberdade por judicam a liberdade ética na medida - emgue--- submetem a
meio de uma renovação crítica da gênese. Até mesmo fi- pessoa em questão a intenções fixadas por terceiros, que
_I
em questão, importa apenas a intenção que estava liga- Diferentemente da dependência social da relação pais-
da ao propósito da programação. Somente no caso de se e-filhos, que sempre se desfaz com o acesso das crianças
evitar males extremos e altamenti
_^
.-
--
-
- - generalizados-é que
_ à idade adulta, na medida em que as gera~õesvão se su-
suLgem ~ i m t i v opara s se aceitar o fatode-que o indi- cedendo, por certo a dependência ge~zealógicados filhos
--- --
víduo afetado concordaria com o ob' em relação aos pais não é reversível. Os pais geram os
- ---- --
Por certo, uma eugenia libera filhos, mas os filhos não geram os pais. Todavia, essa
---".A---
ilimitado poder &r si----mesmo, - pertencente à pessoa pro- dependência refere-se unicamente à existência, que po-
gramada. Tal prática produziria, ao mesmo tempo, uma de ser censurada apenas de forma notadamente abstra-
relaqão interpeSsoal, para a qual não há nenhum caso de ta, e não à essência dos filhos, nem a alguma determi-
precedência. Com a decisáo irreversível, que uma pessoa nação qualitativa de sua vida futura. Em comparação
toma sobre a composição desejada do genoma de outra, com a dependência social, a dependência genética da pes-
surge entre ambas um tipo de relação, que questiona um soa programada
A - concentra-se num único ato imputável
pré-requisito até então evidente da autocompreensão ao programador. Porém, no âmbito de uma prática eugê-
moral de pessoas que agem e julgam de maneira autôno- nica, atos desse tipo - omissõeç bem
___-_____ H------- - como - açoes
-. - ---fun-
-
I
to parte da idéia de que nenhum impedimento de prin- daxer' habitual "entre- - - pessoas
"
que nasceram do mesmo
cípio se opõe a uma ordem igualitária de relações inter- modo"55.
-- - O planejador do programa dispõe unilateral-
pessoais. Obviamente, nossas sociedades estão marca- mente, sem supor o consenso fundamentado, da consti-
das por uma violência manifesta e estrutural. Elas estão tuição genética de uma outra pessoa, com o propósito
impregnadas com o micropoder de repressões silenciosas paternalista de dar um encaminhamento relevante
1- - para
---A
e são deturpadas pela opressão despótica, pela privação a h i s t ó r i a ' ~ ~ & ~ e p e n d e nAt eintenção
. -- .ser
--.-pode ..
dos direitos políticos, pela destituição dos poderes sociais intemretada por este último, mas não revista nem desiei-
I I
e pela exploração econômica. Não poderíamos nos indig- ta. Irreversíveis são as cõnsequênciãs, pois ã intençãõ pa-
nar a esse respeito se não soubéssemos que essas situa- térnalista sintetiza-se num {rograma
- - genético desarma-
ções humilhantes também poderiam ser diferentes. A con- do, e não numa prática socializante, mediada pela comu-
vicção de que todas as pe&oas recebem mesmo stahrs nicação, que pode ser recuperada pelo "pupilo".
A A
--
rém, será que ela precisa significar de per si para a pessoa adequados para se tentar compensar a reciprocidade que
atingida uma limitagão ~ p n o m i morar? a ~ o d aass falta entre as gerações com uma institucionalização jurí-
pessoas, mesmo as nascidas naturalmente, dependem do dica do processo adequado e restabelecer a simetria per-
seu programa genético de uma maneira ou de outra. A turbada, instituindo normas que tendam à universalidade.
dependência em relago a um prog~ama - genético
- - - -e -s t a b c
-e--
Será que tal instituição de normas sobre a ampla base de
lecido intencionalmente é rebte_pa__aa autocompreen- uma formação ético-política da vontade não poderia exi-
s ã i o g a a m a d a - p o r--outra - razão. Por mir os pais da responsabilidade questionável de uma de-
princípio, nega-se-lhe a possibilidade de trocar de papel cisão individual, tomada somente em função de suas pre-
com seu progamador. Em poucas palavras, o produto ferências pessoais? Poderia a legitimidade de uma vonta-
pode não esboçar um d e s -i p para
-
o seu designer. Nesse de geral e democrática absorver os pais, que moldam o
Caso, interessa-nos a programação não sob o ponto de destino genético de seu filho conforme suas próprias pre-
vista de ela limitar ou não o poder ser si mesmo e a liber- ferências, da mácula do paternalismo e restituir às pes-
dade ética de outra pessoa, mas sob o aspecto de se e soas afetadas um statuç de alguém que nasceu sob igual
como ela eventualmente impede uma relação simétrica condição? Com -- efeito, e2sas pessoai poderiam deixar de
entre o wrouamador
l u e o produto "desenhado" de tal ma-
I
se2nsiderar -pen;as~~a-entes, -- -__ -__X_.__ _-
tão logo fossem r___
a entre
@ eassgeraçoes, que se -- --instau- pais
_--- da- responsabilidade
----- moral pela escol
__l___l____ll
- - -
raria pessoal de objetivos eugênicos, uma vez que a conse-
- verticalmente por meio da modificação-jttencional __I_&-- *- - *
âmbito de uma sociedade pluralista e democraticamente direitos humanos- - um contexto de inserfão que não po-
~~f -- -- - igual
c õ n s t i ' - f u l d ã ~ s y u e ~ oatoda-eidadão - -. direito a de ser rompido, se não quisermos que a própria moral
u-
. i i a autônoma, porque a selèçaõ das dis- venha a derrauar.
1
cura para doenças genéticas graves. O que essa intuição seE Vivias e a não-digna ainda permanece inquietante.
pode exprimir seqartirmos da idéia de que
__.__.____--- - - a vida huma- -a-
Será que os pais que querem satisfazer-séu-desejo-de
. ..- - ter
co em rela~ãoao uso de embriões exclusivamente para da mesma forma como com uma segunda p_essog - su-
- - - --
pesquisa. Duas coisas nos impedem de legalizar o DGPI: pondo que ela mesma diria "não"- _a-um~&stência
_ _ _ _-_-I _ _ _de certo
a geração de embriões mediante ressalva e a própria for- -
modo limitada? Eu mesmo não estou seguro; todavia, mes-
ma dessa ressalva. Provocaruma situacão eGqgu-gvs--
tualmente nos desfazemosd c u m embrião dpm-ntz-é- tão 56. Enquanto os defensores do DGPI tiverem como modelo a
questionável quanto a seleção a partir de critérios esta- indicação médica válida para o aborto, eles se proibirão de mudar a
bèEd=zefõGa Ün8at&1-Ã-s~ee1_ã~ só ser fei- perspectiva daquilo que não é recomendável para a mãe para aquilo
ta -mia-- unilateral e, até certo popto, instrumentak- que se supõe que seja insuportável para a futura criança. .
- -- -
57. Quando não se leva em conta o aspecto da seleção realizada
zadora,. pois não se pode supor
A - um consentimento ante- v
- para qualquer o
um modo supostamente prejudicado de vida humana. uma expressão ao se exigir que ele
Uma situação diferente surgirá quando a evolução da damente F6Ko uma segunda pessoa,
técnica um dia permitir que se associe uma in- ria ter sua própria atitude com rela
tervenção genética de caráter terapêutico ao diagnóstico -- -
Todavia, a atividade puramente experimental ou "de con-
de doenças hereditárias graves e, com isso, que a seleção sumo" no laboratório de pesquisa não visa absolutamen-
se torne desnecessária. Desse modo, ter-se-ia ultrapas- te a um nascimento. Em que sentido essa atividade pode
sado o'limiar da eugenia negativa. Contudo, as razões então "perder" a atitude clínica perante um ser, cujo con-
mencionadas, que hoje são apresentadas em favor da li- sentimento, a ser obtido posteriormente, pode pelo me-
beração do DGPI, poderiam se tornar válidas para as in- nos ser suposto a princípio?
tervenções que alteram os genes, sem que fosse necessá- A referência ao bem coletivo de métodos de cura, que
rio colocar na balança uma deficiência indesejada e a pro- possivelmente poderiam ser desenvolvidos, encobre a cir-
teção da vida de um embrião "rejeitado". Uma alteração cunstância de uma instrumentalizaçãoincompativel com
genética (de -___
Cpreferêncianas cél~l~çomáticas),
---- que fos- a atitude clínica. Obviamente, o uso de embriões exclu-
Çelii'iiitãCTa a objetivos
_- claramente
- terapêuticos,
- pode ser
..-- - sivamente para pesquisa não pode ser justificado sob o
=parada ao combate de epidemias e-pandernias. A pro- ponto de vista clínico da cura, pois este é talhado para o
fundidade da intervenção
__-----------__ __ de meios___operacionais
- -_________ não jus-
IA
trato terapêutico com a segunda pessoa. É o ponto de vis-
ta cdúUo, corretamente compreendido, que individualiza.
ento mais com- Contudo, por que na pesquisa de laboratório deveríamos
plexo sobre a aversão à idéia de que o uso de embriões adotar o critério de uma relação virtual entre médico e
exclusivamente para pesquisa venha a instrumentalizar a paciente? Se essa outra pergunta não nos remete à dis-
vida humana para satisfazer as expectativas de tirar pro- cussão essencialista sobre a definição "verdadeira" da vida
embrionária, ao final parece restar apenas uma ponde-
-
veito (e benefícios) de um avanço científico que nem pode
ser seguramente prognosticado. Nesse sentido, manifes- ração de bens com o desenlace em aberto. Essa questão
controvertida só não pode culminar num processo normal
ta-se a opinião de que "um embrião - ainda que seja ge-
de ponderação, caso a vida pré-pessoal, conforme tentei
_ -vitro
rado_ - in -_--- é u m f u k o filho de 5tuTospais e nada esclarecer na parte 111, tenha um peso sui genens.
mais. Ele-não está disponível -- para outros fins" (Margot
Neste ponto, entra em ação o argumento, preparado
von-Renesse).-o essa opinião se dê indepeaentemen-
- -- - - -
durante muito tempo, de que o desenvolvimento da téc-
_ __-
te de~conviciões onÍnlÚgicas
98 O FUTURO DA NATUREZA HUA~ANA A CAMINHO DE U M A EUGENIA LIBERAL? 99
nica genética, no que se refere à natureza humana, torna de uma auto-instrumentalização da espécie para - diga-
poucó nítida a distinção categoria1 e profundamente se- mos, na extensa preocupação ética da espécie consigo
dimentada do ponto de vista antropológico entre o sub- mesma - manter intacta sua forma de vida, estruturada
jetivo e o objetivo, entre o que cresceu naturalmente e o na comunicação.
que foi fabricado. Por essa razão, para mim, junto com a A pesquisa com embriões e o DGPI acirram os âni-
- ---- ---- i-_ _ -- _r-__
instrumentalização da vida pré-pessoal está em jogo uma - mos sobretudo porque exemplificam um perigo, que se
-- - --
autocompr~çâo&-ética
--?- -. dáespécie, que determina- - - - se
- une à perspectiva da "criação de humanos". Junto com a
.
a i n d a ~ d e m o continuar
s a nos compreender como seres contingência da fusão de duas seqüências de cromosso-
que agem.e - - julgam de ~uandó mos por vez, a relação entre as gerações perde a natura-
razões morais que nos - ---- .- determinamu- lidade que até então pertencia ao pano de fundo trivial de
de,
----
temos de-nos ater aos----indicadores éG
.
nossa autocompreensão ética da espécie. Se renunciar-
Suponhamos que, com o uso de embriões exclusiva- mos a uma "moralização~~ da natureza humana, poderia
mente bara pesquisa, se imponha uma prática que trate a surgir uma densa corrente de ações entre as gerações,
proteção da vida humana pré-pessoal como algo secun- que transpassa as redes de interação contemporâneas de
dário em relação a "outros objetivos" e mesmo em rela- forma unilateral e na direção vertical. Conforme mostrou
ção à perspectiva do desenvolvimento de bens coletivos Gadamer, enquanto a história dos efeitos das tradições
de grande importância (por exemplo, novos métodos de culturais e processos de formação se desenvolve em meio
A dessensibilização
cura).-_________ - do nosso olhar em --..-- relagão à a perguntas e respostas, os programas genéticos não dão
natureza humana, que caminharia
--- -------- de mãos---- dadas com
a palavra aos nascidos. O costume de se dispor biotec- ---A-
o- -fato
__
d e m
____
~ h d G G tal
a prática, prepararia
-
o cami-
----_-_-
nicamente da vida humana, segundo --
certas preferências,
_ _--
nho para uma eugenia l i b e ~ lNesse . sentido, hoje já po- 620 tem como deixar -- de_afexxnossa autocompree~sáo --- - -
faz sentir nos dias de hoje. Barreiras normativas no tra- sem totalmeXfèFfmanZpaaãS~
- -- - - -- - contexto de uma ativi-
to com embriões produzem-se a partir da visão de uma d~cl~~ap_eiatic-avo1tadã p a r a ~ ~ I ~ ~ d i veí dseutomassem
o
comunidade moral de pessoas, que rejeita os precursores -
habituais.
I_---------- - Nesse
----. caso,
--
~ ã o - spo&
e ma&_xcluir o f&o-de
que, com as
-------i-------
intervenções- eugênicas de a~erfe&oamento,
intesoes -"alheias",
- --
d ggne-ticamente estabelecidas,- apro-
58. Rainer Forst tentou convencer-me com argumentos perspi- - A
cazes de que, por esse caminho, eu estaria me desviando sem necessi- priem-se da- história de vida das - pessoas programadas.
- -- -
dade da trilha da virtude deontológica. %gs intenções, realizadas de modo instrumental, não
O FUTURO DA NATUREZA HUMANA A CAMINHO DE U M A EUGENM LIBERAL?
estão manifestas as pessoas, diante das quais os indiví- vida no vácuo moral, numa forma de vida que não co-
duos afetados poderiam se posicionar como interlocuto- cinismo moral, não valeria a pena.
res. Por essa razão, saber se e como tal ato reificante afeta Esse julgamento ~ p p r i m e s @ e s m e n t e _ d i m P ~ ~ ~deb ~ '
çepreferir uma existência &dignidade humana - à frieza
nosso poder ser si mesmo e nosso relacionamento para - - L .
com os outros é uma questão inquietante. Conseguiremos & F m a E m a de vida insensível às considerações
- - morais,
./ Còm SSF meTmo impulso explica-se a transição históri-
ainda continuar
._ -- a- nos
-- compreender
--
como pessoas,
--- - que se
--- -- ca para o nível pós-tradicional da consciência moral, que
---I
-. ---.
entendem
- - como a u t ~ r - ~ i--n-
i c Gsua
T e-própria- vida e tra-
se repete na ontogenese.
tam
--
todas
- - - --- as outras pessoas,--sem -- -
exceção, como
I
- ---se ti- Quando as imagens religiosas e metafísicas do mun-
vessem
_ __- nascido ---sob as &mas condições? Com isso, en- do perderam sua força universal, após a transição para
tiam em jogo dois pressupostos essenciais da ética da es- um pluralismo ideológco tolerado, nós (ou a maioria de
pécie, relativos à nossa autocompreensão moral. nós) não nos tornamos cínicos frios nem relativistas in-
C e r t m t e , essa s~tuaçãoacirra a discussão atual diferentes, pois nos mantivemos no código binário de
apenas --- enquanto
- ainda tivermos ãl@im intéTesçèeTus- julgamentos morais de certo e errado - e assim quisemos
tencial em pertencer a uma comunidade moral. Não é
-- -- _ nos manter. Adaptamos as práticas do mundo da vida e
ezdente aue deseiemos receber o-sZtus de membro de
I
gação e da culpa, da c e n s u r e
m<5Eda&>&ío conferido p
sensação gratificante proporcionada pelo apoio solidário
__-
e_ s C ~ ~ r & f a l k â - m o r d , sem a"qabilidade7' -que -
nos
-- permite -
abordar situa~ões de confli
corn-a_múiim_od-e- civilidade, perceberíamos necessaria-
mente - e é assim qÜe ainda pensamos - o universo po- 59. J. Habermas, "Richtigkeit versus Wahrheit", in: id., Wahrheit
und Rechtfwh'gttng, Frankfurt am Main, 1999, pp. 271-318.