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IDENTIFICAÇÃO DA TESE

Como exemplo de textos de tipo argumentativo, tomemos os artigos de terceira página da Folha de S.
Paulo, intitulados "Tendências e debates": lendo qualquer um desses artigos, percebe-se que o autor faz várias
considerações, todas relacionadas com uma ideia principal, que é o centro do artigo, a tese do autor. Quanto
melhor o escritor, mais fácil identificar a tese central que ele quer demonstrar.
Ao escrever, devemos percorrer o caminho inverso: antes identificar a ideia que queremos defender, a
nossa tese, e sobre ela construir nosso texto.
O estudante sem prática de escrever, sem o hábito de planejar seu texto e identificar claramente sua
tese antes de começar a redação, frequentemente inicia os primeiros parágrafos sustentando uma ideia, mas
depois se contradiz defendendo outra que lhe vem à mente no decorrer da redação.
Um bom exemplo de texto argumentativo é a sentença de um juiz num tribunal; se interrogarmos um
juiz sobre o modo pelo qual escreve a sentença relativa a uma controvérsia entre duas pessoas, ele certamente
nos responderá que, antes de produzir o texto com o qual sustenta sua decisão, já tinha decidido a quem dar
razão. Através da definição dos termos do problema, realizada de modo claro e utilizando leis e sentenças
precedentes, o juiz conduz gradativamente o leitor a sua conclusão sobre a culpa de uma das partes mas, para
que a sentença seja bem-feita, eficaz e sem contradições, a decisão deve ser bem-motivada a priori e a
organização do texto completamente delineada antes de se iniciar sua confecção. É interessante notar que tanto o
juiz como o estudante inexperiente podem começar a escrever um texto que serão obrigados a interromper a uma
certa altura por falta de elementos a seu favor. Nessa hipótese, o juiz deve retomar o caso, procurando encontrar
outros elementos para sustentar sua sentença ou até mesmo decidir mudá-la.
As redações argumentativas não são muito diferentes da sentença do juiz; nosso objetivo também é
tentar mostrar uma opinião sobre o problema, só que, por sorte, com menos responsabilidade que um juiz. Há
quem pense ser possível apenas descrever o problema sem tomar partido algum, mas na realidade o leitor gosta
de ver surgir nossa opinião e de ler um texto claro e coeso pela presença de uma tese.
Dissemos que uma tese é uma ideia-guia, por isso é bom escrevê-la em uma frase ou em um parágrafo
para que ela fique bem clara. Quem tem experiência pode achar isso desnecessário, mas convém que os
principiantes explicitem as suas.
Examinemos mais uma vez a redação sobre o tráfego. Suponhamos que o aluno proponha como tese:
"Causas, consequências e soluções para o tráfego nas grandes cidades modernas." Essa frase, de fato, não
exprime uma tese: um texto que relacionasse apenas as causas, consequências e soluções em ordem,
provavelmente seguindo o mapa, talvez resultasse correto e organizado, mas sem dúvida pouco interessante,
porque seria um conjunto de informações sem um elemento unificador. Um artifício útil para criar uma frase-
tese é certificar-se de que ela tenha um sujeito e um verbo, isto é, que seja uma frase completa; ao exprimir uma
ideia, dizemos (predicamos) algo sobre um sujeito. Um outro bom artifício é antecipar à frase-tese a expressão
"penso que..."; se o novo texto funciona, então a frase é uma tese. Em nosso caso, obteríamos: "Penso que
causas, consequências e soluções para o tráfego nas grandes cidades modernas", que é um período sem sentido.
Uma tese possível, partindo de nosso material sobre o tráfego, é:

O tráfego das grandes cidades modernas torna a vida do cidadão insustentável porque estraga seu
sistema nervoso, faz com que ele perca tempo, suja sua casa e cria um ambiente nada saudável. A situação, no
entanto, pode ser melhorada se houver uma intervenção drástica sobre a cidade (e, por extensão, sobre os
cidadãos), aprimorando o transporte coletivo (o metrô, em particular), construindo marginais e proibindo o
tráfego particular no centro.

Essa tese enfatiza as soluções do mapa, mostrando, através de uma atitude ao mesmo tempo combativa
e otimista, que a situação do tráfego nas grandes cidades não é um problema sem solução. A tese abaixo é, por
sua vez, uma tese pessimista e individualista:

O tráfego das grandes cidades modernas como São Paulo é fruto da estratificação histórica de nossa
civilização, mas também há falta de planejamento urbanístico devido à corrupção e à falta de visão dos
governantes. A não ser que se destrua e se reconstrua a cidade, não vejo como melhorar a situação de um lugar
como São Paulo. Eu, pessoalmente, não quero deixar o conforto do carro particular e, quando puder, irei morar
numa cidade pequena ou no campo.
(SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. Rio de Janeiro: Globo, 1987. p. 43-45)

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