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ARTIGOS

Pagamento por serviços ambientais


Bruno Moraes Faria Monteiro Belém
Mestre em Ciências Jurídico-Políticas (Universidade de Lisboa/USP). Procurador do Estado de Goiás e Consultor Jurídico.

Resumo: A ausência de uma política nacional de pagamentos nele não há indicativo de que o pagamento por ser-
por serviços ambientais que disponha especificamente acerca
dos instrumentos econômicos e financeiros relacionados a pro-
viços ambientais deva levar em conta o percentual
gramas de pagamento por serviços ambientais representa um de redução de emissão ou de remoção de gases de
elemento importante de insegurança jurídica na regulação esta- efeito estufa (GEE). Vale observar que alguns en-
tal sobre tais atividades. Assim sendo, é fundamental analisar
quais seriam os elementos que necessariamente deveriam estar tes federados desenvolvem políticas ambientais de
presentes em programas de pagamento por serviços ambientais. redução de emissão de GEE por meio de incentivo
Em geral, são eles: (i) definição dos tipos de serviços ambien- (voluntário ou compulsório) à Redução de Emissões
tais; (ii) arranjo institucional; (iii) titularidade e natureza jurídica
dos direitos reconhecidos; (iv) incentivos administrativos, eco- por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).2
nômicos e financeiros; (v) requisitos de acesso; (vi) métricas e A principal distinção entre o Pagamento por
metodologias para a identificação, quantificação, valoração, mo- Serviços Ambientais (PSA) ligado à preservação, con-
nitoramento, verificação, validação e registro.
servação e uso sustentável de florestas (PSA “con-
Palavras-chave: Ambiental. Pagamento. Serviços ambientais.
servação florestal”) e o modelo de REDD é que, ao
Sumário: 1 Introdução – 2 Lacuna normativa em matéria de pa- contrário deste, não há naquele o reconhecimento de
gamento por serviços ambientais – 3 Elementos fundamentais
de programas ou políticas de pagamento por serviços ambientais direitos atrelados à efetiva redução de emissões ou
– 4 Conclusão – Referências aumento de remoções de GEE. Em outras palavras,
o modelo goiano não adota o critério da adicionali-
dade ambiental prevista no artigo 12 do Protocolo
1 Introdução de Quioto, que leva em consideração a redução real,
mensurável e de longo prazo de GEE para a mitiga-
O art. 70 da Lei goiana nº 18.104, de julho de
ção das mudanças climáticas, razão pela qual não se
2013 (Código Florestal Estadual – CFE) dispõe que
encontra aquele programa inserto em um sistema de
“[n]o prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual pe-
cap-and-trade ou de baseline-­and-credit.3
ríodo, o Poder Executivo implementará o programa
O Brasil ratificou em 1994, por meio do
de Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA)”.
Decreto Legislativo nº 2.652/1998, a Convenção-
No âmbito do Estado de Goiás, o modelo de
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) instituído
por meio do Decreto nº 8.672, de 15 de junho de 2
Alguns estados e municípios optaram por regulamentar o PSA
2016, que regulamentou o artigo 70 do CFE, não ver- juntamente com políticas públicas sobre mudanças climáticas que
sa sobre Cota de Reserva Ambiental (CRA) nem se mencionam atividades de REDD+. Um importante comparativo,
inclusive com a indicação da legislação supranacional, encontra-
relaciona diretamente com a Política Estadual sobre se em SANTOS, Priscila; BRITO, Brenda; MASCHIETTO, Fernanda;
Mudanças Climáticas (PNMC), que foi instituída, no GUARANY, Osório; MONZONI, Mário (Orgs.). Marco regulatório
âmbito daquela unidade da Federação, pela Lei nº sobre pagamento por serviços ambientais no Brasil. Belém, PA:
IMAZON; FGV. CVces, 2012. Disponível em: <http://imazon.org.
16.497, de 10 de fevereiro de 2009.1 Isso porque br/marco-regulatorio-sobre-pagamento-por-servicos-ambientais-
no-brasil/>, p. 23 et seq.
3
A respeito da distinção entre os dois modelos, cf. Lopes, L., T. Ricci,
1
Sobre mudança do clima convém mencionar a Convenção Quadro R. Oliveira Santos, T. Borma Chagas, M. Galhano, PENTEADO, L.F.
das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil em 1994 e promulgada de Freitas, M. COURROL, M. Fernández, M. Netto e C.E. LUDENA.
por meio do Decreto Federal nº 2.652/1998, que, em 1997 Estudos sobre Mercado de Carbono no Mercado de Carbono no
sofreu importantes alterações durante a Conferência das Partes Brasil: Análise Legal de Possíveis Modelos Regulatórios. Banco In-
(COP) realizada no ano de 1997 em Quioto, no Japão (Protocolo teramericano de Desenvolvimento, Monografia n. 307, Washington
de Quioto). DC, 2015, p. 26 et seq.

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Bruno Moraes Faria Monteiro Belém

(CQNUMC ou “Convenção”). Trata-se de tratado in- meio ambiente e combater a poluição em qualquer
ternacional resultante da Conferência das Nações de suas formas (art. 23, VI, da Constituição da
Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento República – CR). Por outro lado, compete à União,
realizada em 1992 (Rio-92 ou ECO-92). A CQNUMC aos Estados e ao Distrito Federal legislar concor-
busca “a estabilização das concentrações de gases rentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna,
de efeito estufa na atmosfera num nível que impe- conservação da natureza, defesa do solo e dos re-
ça uma interferência antrópica perigosa no sistema cursos naturais, proteção do meio ambiente e con-
climático”. trole da poluição (art. 24, VI, da CR).
Os países desenvolvidos e de economia No âmbito da legislação concorrente, a com-
em transição, que foram listados no Anexo I da petência da União limitar-se-á a estabelecer normas
Convenção, assumiram a obrigação de elaborar gerais, competência esta que não exclui a compe-
seus inventários de emissões e os submeter anual- tência suplementar dos Estados. Inexistindo lei fe-
mente à Conferência das Partes (ou COP). Aos paí- deral sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena para atender a suas
ses em desenvolvimento, por outro lado, coube
peculiaridades, de modo que a superveniência de
a obrigação mais branda de elaborar inventários
lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia
somente como parte integrante das respectivas
da lei estadual, no que lhe for contrário (§§1º a 4º
Comunicações Nacionais e de estabelecer ações
do art. 24 da CR).4
internas que auxiliem no atingimento dos objetivos
Há mais de oito anos tramita na Câmara dos
estabelecidos na CQNUMC.
Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 792, que dispõe
Naquilo que se mostra aplicável aos países
sobre a definição de serviços ambientais. Há, ainda,
em desenvolvimento (Não-Anexo I), o art. 12 do
outras propostas legislativas relacionadas à PSA e
Protocolo de Quioto define o que denominou de
outras modalidades de incentivo econômico para a
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Por
conservação dos recursos naturais, tais como a tri-
meio do MDL pretende-se contribuir para que as
butação ecológica. Umas ainda se encontram em
Partes não incluídas no Anexo I do Protocolo atinjam
fase de apreciação, outras já foram formalmente
o desenvolvimento sustentável e contribuam para o
editadas. Citem-se, como exemplos, o PL de REDD
objetivo final da Convenção, assistindo às Partes
(analisado na Câmara e no Senado), os PLs para
incluídas no Anexo I para que cumpram seus com-
tributação ecológica (PLC 73/2007, PEC 353/2009
promissos quantificados de limitação e redução de
e PLS 142/2007) e o artigo 41 do Código Florestal
emissões por elas assumidos.
Federal (CFF), assim como as políticas estaduais de
Sob o MDL as Partes não incluídas no Anexo
PSA e mudança climáticas.5
I beneficiar-se-ão de atividades de projetos que re-
Nesse contexto, a União editou a Lei nº
sultem em reduções certificadas de emissões e as
12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre
Partes incluídas no Anexo I podem utilizar as redu-
Mudança do Clima (PNMC), mas que, em relação
ções certificadas de emissões resultantes de tais
a instrumentos econômicos e financeiros, apenas
atividades de projetos para contribuir com o cumpri-
indica como diretriz o estímulo ao desenvolvimen-
mento de parte de seus compromissos quantifica-
to do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões
dos de limitação e redução de emissões.
(MBRE). Este, quando instituído, será operaciona-
No presente ensaio, pretende-se analisar, na
lizado em bolsas de mercadorias e futuros, bol-
generalidade, os principais aspectos relacionados
sas de valores e entidades de balcão organizado
especificamente a programas de pagamento por ser-
autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários,
viços ambientais, e, em especial, a política pública
ambiente em que se dará a negociação de títulos
que nesse domínio pretende-se implantar no Estado
mobiliários representativos de emissões de gases
de Goiás. Assim, serão objeto de análise a lacuna
de efeito estufa evitadas e certificadas (art. 4º, VIII,
que hoje se verifica no ordenamento jurídico brasilei-
e art. 9º).
ro em matéria de pagamento por serviços ambien-
tais e os principais aspectos que necessariamente
deverão ser objeto de análise para que referida po- 4
A respeito do tema “federalismo e meio ambiente”, cf. SILVA,
José Afonso. Direito ambiental constitucional. 9. ed. São Paulo:
lítica pública se apresente como adequada e eficaz Malheiros, 2011, p. 73-81.
para a proteção e promoção do direito fundamental 5
Sobre as leis, decretos e projetos de lei sobre PSA nas esferas
federal, estadual e municipal, cf. Marco regulatório sobre pagamento
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. por serviços ambientais no Brasil / Organização de Priscilla Santos;
Brenda Brito; Fernanda Maschietto; Guarany Osório; Mário Monzoni.
– Belém, PA: IMAZON; FGV. CVces, 2012, p. 18 e 19 e Lopes, L.,
2 Lacuna normativa em matéria de T. Ricci, R. Oliveira Santos, T. Borma Chagas, M. Galhano, L.F. de
pagamento por serviços ambientais Freitas Penteado, M. Courrol, M. Fernández, M. Netto e C.E. Ludena.
Estudos sobre Mercado de Carbono no Mercado de Carbono no
É competência comum da União, dos Estados, Brasil: Análise Legal de Possíveis Modelos Regulatórios. Banco
Interamericano de Desenvolvimento, Monografia n. 307, Washington
do Distrito Federal e dos Municípios proteger o DC, 2015, p. 62 et seq.

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Pagamento por serviços ambientais

Em âmbito estadual existem mais de 20 nor- O art. 41, inciso I do CFF, autoriza o Poder
mativas (entre leis, decretos e projetos de lei) re- Executivo federal a instituir, sem prejuízo do cumpri-
lacionadas à PSA. Algumas proposições versam mento da legislação ambiental, programa de apoio
especificamente sobre PSA (Acre, Espírito Santo, e incentivo à conservação do meio ambiente, bem
Minas Gerais), outras, sobre políticas de mudan- como para adoção de tecnologias e boas práticas
ças do clima atreladas a programas de PSA (Rio de que conciliem a produtividade agropecuária e flores-
Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Paraná). Há, tal, com redução dos impactos ambientais, como
ainda, leis que dispõem apenas sobre mudanças forma de promoção do desenvolvimento ecologica-
do clima (Amazonas, Bahia, Pernambuco e Goiás) e mente sustentável, observados sempre os critérios
outras cujo objeto é constituído por política específi- de progressividade, abrangendo algumas categorias
ca para REDD+ (Mato Grosso). e linhas de ação, como por exemplo o pagamento
Portanto, à exceção do quanto disposto nos ou incentivo a serviços ambientais como retribuição,
artigos 41 e seguintes do CFF, que não regula o monetária ou não, às atividades de conservação e
que se poderia considerar um mercado nacional de melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços
PSA, leis estaduais ou municipais podem, com fun- ambientais, tais como, isolada ou cumulativamente:
damento no artigo 24 da CR, legislar sobre políticas a) o sequestro, a conservação, a manutenção e o
públicas relacionadas a pagamentos por serviços aumento do estoque e a diminuição do fluxo de car-
ambientais, desde que naturalmente observada a bono; b) a conservação da beleza cênica natural; c)
competência privativa da União para legislar sobre a conservação da biodiversidade; d) a conservação
os temas mencionados no art. 22 da CR. das águas e dos serviços hídricos; e) a regulação
A ausência de uma política nacional de paga- do clima; f) a valorização cultural e do conhecimen-
mentos por serviços ambientais que disponha espe- to tradicional ecossistêmico; g) a conservação e o
cificamente acerca dos instrumentos econômicos e melhoramento do solo; h) a manutenção de Áreas
financeiros relacionados a programas de PSA tem de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de
sido identificada como um elemento importante de uso restrito.
insegurança jurídica na regulação estatal sobre tais Assim, com suporte, por exemplo, nos Prin­
atividades. A indefinição sobre regras de observân- cípios e Critérios Socioambientais de REDD+ ela-
cia voluntária ou obrigatória nos Estados, algumas borado em 2010 por diversas organizações da
inclusive objeto de compromissos assumidos pelo sociedade civil com atuação na Amazônia (Imaflora,
Brasil em negociações internacionais, é circunstân- 2010), em diretrizes apresentadas pelo BID e
cia que pode gerar inúmeros conflitos normativos.6 BM&FBOVESPA e por entidades como a WWF, é
De outro lado, ainda não há normas nacionais possível considerar, como referência, que os mo-
que padronizem os critérios para a identificação, delos regulatórios de PSA devem dispor acerca
validação, monitoramento e verificação de serviços dos seguintes elementos: (i) definição dos tipos de
ambientais, como, por exemplo, as reduções de serviços ambientais; (ii) arranjo institucional; (iii) ti-
tularidade e natureza jurídica dos direitos reconhe-
emissões de gases de efeito estufa (GEE).
cidos; (iv) incentivos administrativos, econômicos e
financeiros; (v) requisitos de acesso; (vi) métricas
3 Elementos fundamentais de programas e metodologias para a identificação, quantificação,
ou políticas de pagamento por serviços valoração, monitoramento, verificação, validação e
ambientais registro.
É comum a invocação do conceito de PSA for-
necido por Sven Wunder,7 de acordo com o qual PSA 3.1 Tipos de serviços ambientais e arranjo
seria uma “transação voluntária, na qual um serviço institucional
ambiental bem definido é comprado por um com- Todo programa de pagamento de serviço am-
prador de um provedor, sob a condição de que o biental deve definir as modalidades de serviços am-
provedor garanta a provisão deste serviço”.8 bientais que serão elegíveis. O Decreto goiano nº
8.672/2016, por exemplo, assimilando a distinção
entre serviços ambientais e serviços ecossistêmi-
cos, instituiu o Programa Estadual de Gestão de
6
LOPES, L., T. RICCI, R. Oliveira Santos, T. BORMA Chagas, Serviços Ambientais do Estado de Goiás (PEPSA),
M. GALHANO, PENTEADO, L.F. de Freitas, M. COURROL, M. com o objetivo de reconhecer, incentivar e fomentar
Fernández, M. Netto e C.E. LUDENA. Ob. cit., 2015, p. 75-78.
7
WUNDER, Sven. Payments for environmental services: Some nuts and
as atividades de preservação, conservação e recu-
bolts. Center for International Forestry Research, CIFOR Occasional peração ambiental, dentre as quais, principalmente:
Paper n. 42. Indonesia, Jakarta, 2005, p. 3 (tradução livre). I – conservação e melhoria da qualidade e dispo-
8
Marco regulatório sobre pagamento por serviços ambientais, cit.,
p. 22. nibilidade dos recursos hídricos; II – conservação,

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valorização e incremento da biodiversidade; III – emissões passam a ter um valor econômico e re-
conservação e melhoramento do solo e redução dos presentar automaticamente um direito para aquele
processos erosivos; IV – preservação, conservação que as cumpriu; ii) commodities: é possível também
a defesa da tese da RCE como commodity, cuja
e recuperação da cobertura florestal; V – fixação e
principal característica seria sua fungibilidade, ou
sequestro de carbono para fins de minimização dos
seja, a possibilidade de ser substituída por outra da
efeitos das mudanças climáticas. mesma natureza. No entanto, a classificação como
Ademais, o programa deve estabelecer um mo- commodity pressupõe a existência corpórea do
delo adequado de governança e regulação, o que bem. Além disso, pela ligação direta entre a RCE e
geralmente é feito por meio da criação de órgãos o projeto MDL, não poderia ser sempre considerada
ou entidades especializados e com atribuições bem fungível; iii) título de crédito: em direito os títulos de
definidas. Será no seio do modelo de organização crédito são regidos pelos princípios da cartularida-
instituído que serão definidas métricas e metodolo- de, literalidade e autonomia, ou seja, os títulos de
crédito somente são reconhecidos como tal se pre-
gias para a identificação, quantificação, valoração,
encherem os três requisitos, estiverem representa-
monitoramento, verificação, validação, registro e
dos por um documento (cártula), no qual contenha
negociação dos direitos originados no âmbito do literalmente a obrigação assumida que não poderá
programa de pagamento por serviços ambientais. ser oposta à terceiro de boa-fé, em decorrência da
No plano da estrutura jurídico-administrativa, autonomia desta obrigação. A crítica que se faz em
diferentemente do que se mostra recomendável do relação a esta definição seria a de que o ativo de
ponto de vista técnico, o Decreto goiano referido carbono não é uma obrigação oponível a terceiro,
não criou ou autorizou a criação de uma entidade constituindo-se, por si só, em um ativo; iv) título mo-
reguladora dotada de autonomia técnica, financei- biliário: conforme já explanado, as espécies de valo-
res mobiliários estão elencadas no artigo 2º da Lei
ra e administrativa, limitando-se a distribuir entre
Federal n. 6.385/1976, que teve posteriormente
órgãos já existentes as atribuições relacionadas à
seu rol ampliado pela Lei Federal n. 10.303/2001,
operacionalização do programa de pagamento por para acrescentar os títulos ou contratos de inves-
serviços ambientais. timento coletivo, quando ofertados publicamente
e gerem direito de participação, de parceria ou de
3.2 Titularidade e natureza jurídica sobre remuneração, inclusive resultante da prestação de
serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do
os direitos reconhecidos
empreendedor ou de terceiros, e em nenhuma hipó-
Ainda não há consenso sobre a titularidade e tese legal prevista se enquadra as RCEs.
natureza jurídica sobre determinados direitos reco-
nhecidos a partir de programas de pagamento por É importante observar que a CVM, nos pro-
serviços ambientais. A definição sobre a titularida- cessos administrativos CVM RJ 2009/6346 e CVM
de das unidades transacionáveis representativas de nº SP 2010/0107, considerou não serem passí-
tais direitos gera insegurança jurídica. veis de caracterização como valores mobiliários
Vale observar que o inciso XXVII do art. 3º do as RCEs. O Relator do segundo processo, Diretor
CFF, com redação dada pela Lei nº 12.727/2012, Otávio Yasbek, declarou o seguinte:
considera que o crédito de carbono constitui título
não me parece que quando o trecho acima [art. 9º
de direito sobre bem intangível e incorpóreo tran-
da PNMC] fale em ‘títulos mobiliários representati-
sacionável. Por outro lado, o art. 9º da PNMC, de
vos de emissões de gases de efeito estufa evitadas
2009, dispõe que o Mercado Brasileiro de Redução certificadas’ ele esteja se referindo os créditos de
de Emissões (MBRE) será operacionalizado em bol- carbono em si. Estes seriam as tais ‘emissões de
sas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e gases... evitadas certificadas’, enquanto os ‘títulos
entidades de balcão organizado, autorizadas pela mobiliários’ delas representativos já seriam coisa
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), onde se distinta, verdadeiros instrumentos de mercado.
dará a negociação de “títulos mobiliários” represen- Estes últimos, referidos na decisão do Colegiado
tativos de emissões de gases de efeito estufa evi- de 7.7.2009 como ‘certificados, instrumentos sin-
téticos ou derivativos’ poderiam ser reconhecidos
tadas e certificadas.
como valores mobiliários, atraindo para si a regula-
Com relação às Reduções Certificadas de
mentação da CVM.
Emissões (RCE) no âmbito do MDL, reproduz-se
uma síntese da polêmica ainda por ser dirimida: No modelo goiano, o pagamento por serviços
ambientais poderá ocorrer por meio da emissão de
[h]oje temos algumas correntes doutrinárias que as
classificam de forma diferente e demonstram cla-
Certificado de Serviços Ambientais quantificados,
ra divergência sobre o tema: i) bens intangíveis: de verificados, registrados e transacionáveis (CSA).
acordo com esta classificação, entende-se que, ao Nesse contexto, o CSA possui natureza de direito
se cumprir as exigências do MDL, as reduções de sobre bem intangível incorpóreo e transacionável,

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Pagamento por serviços ambientais

representativo de serviço ambiental provido por projetos admitem que os Certificados de Serviços
meio de projetos aprovados, registrados, monitora- Ambientais sejam emitidos em duas modalidades:
dos e validados pelo Estado de Goiás consoante I – de titularidade pública: quando vinculados a ser-
Padrões de Desenvolvimento de Sustentabilidade viços ambientais providos por órgão ou entidade da
previamente definidos. Administração Pública do Estado de Goiás; e II – de
Quanto à titularidade das RCEs, o primeiro titularidade privada: quando vinculados a serviços
caso que chegou aos tribunais foi a controvérsia ambientais providos por pessoa natural ou jurídica
verificada no Mandado de Segurança nº 26.326- de direito privado.
1, impetrado pela empresa Goiasa Goiatuba Álcool
Ltda. Neste caso discutia-se a aplicabilidade dos 3.3 Incentivos econômicos e financeiros
Decretos nº 5.025/2004 e nº 5.822/2006, que
regulamentaram a Lei nº 10.438/2002. Por meio A fim de criar demanda pelos serviços ambien-
destes atos normativos instituiu-se o Programa de tais, e não apenas oferta, o art. 14 do Decreto nº
Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica 8.672/2016, do Estado de Goiás, preceitua que os
(Proinfa), que estabelecia que a titularidade dos cré- certificados de serviços ambientais poderão ser uti-
ditos de carbono resultantes de projetos de MDL lizados para fins de:
beneficiados pelo Proinfa seria da Eletrobras.
I – conversão de multa simples em serviços de pre-
A empresa Goiasa contestou a legalidade dos servação, melhoria e recuperação da qualidade do
decretos que regulamentaram o Proinfa, pois, na meio ambiente, observado o disposto nos artigos
verdade, a determinação da titularidade dos crédi- 77 a 86 da Lei nº 18.102, de 18 de julho de 2013;
tos não estaria contemplada no contrato de compra II – cumprimento de medidas mitigadoras a serem
de energia firmado com a Eletrobras, nem na lei que estabelecidas pelo órgão estadual do meio ambien-
instituiu o Proinfa, mas fora posteriormente incluída te ou por regulamentações do Conselho de Meio
por meio dos decretos. Entretanto, antes que fosse Ambiente no caso de supressão de utilização, nas
julgado o mérito da demanda judicial, a empresa áreas passíveis de uso alternativo do solo, de ve-
getação que abrigue espécie da flora ou da fauna
Goiasa desistiu da ação, o que impediu que o Poder
ameaçada de extinção, segundo lista oficial publica-
Judiciário se pronunciasse acerca da titularidade
da pelos órgãos federais, pelo Estado de Goiás ou
dos créditos de carbono. por município, observado o disposto no artigo 66 da
Atualmente, mesmo após o advento da PNMC Lei nº 18.104, de 18 de julho de 2013;
e das políticas estaduais, não há normas que de- III – cumprimento de medidas mitigadoras a serem
finam as regras de titularidade, por exemplo, das implantadas pelo próprio empreendedor, consoante
reduções verificadas de emissões de GEE ou quais- valor apurado no Estudo de Valoração Ambiental,
quer outros créditos de carbono. Assim, a titularida- nos casos de licenciamento ambiental de empreen-
de de tais direitos tem sido objeto de deliberação dimentos de significativo impacto que afetem a fau-
no âmbito privado, geralmente em favor dos pro- na e a dinâmica da população de qualquer espécie
silvestre, observado o disposto no art. 10, caput e
ponentes do projeto que deu causa a reduções de
§1º, inciso I, da Lei nº 14.241, de 29 de julho de
emissões de GEE.
2002;
Com relação à titularidade do Poder Público
IV – garantia fornecida pelo Estado de Goiás em
sobre os direitos de comercialização e negociação contratos de concessão comum ou especial, nos
dos créditos resultantes das reduções verificadas termos da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de
de emissões, algumas políticas estaduais analisa- 2004, e Lei nº 14.910, de 11 de agosto de 2004.
das, a exemplo das desenvolvidas nos Estados do
Acre e do Amazonas, admitem que o poder público Eis, portanto, uma forma de atrair o interesse
aliene os créditos gerados a partir de projetos de de potenciais interessados pelos títulos representa-
sustentabilidade por eles executados ou implemen- tivos de serviços ambientais providos e certificados.
tados com sua participação. Neste caso, o poder
público poderia atuar como participantes do projeto, 3.4 Requisitos de acesso, métricas e
tanto como proprietários de áreas ou como próprios metodologias para a identificação,
desenvolvedores de projetos de provisão de servi-
quantificação, valoração,
ços ambientais.
monitoramento, verificação, validação
No Estado de Goiás consideram-se provedores
de serviços ambientais pessoas naturais ou jurídi- e registro
cas que promovam ações legítimas de preservação, Como já mencionado, o CSA possui natureza
conservação, recuperação e uso sustentável de de direito sobre bem intangível incorpóreo e tran-
recursos naturais, adequadas e convergentes com sacionável, representativo de serviço ambiental pro-
os objetivos e diretrizes ambientais. Os mesmos vido por meio de projetos aprovados, registrados,

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monitorados e validados consoante padrões de ambientais. Por pagamento de serviços ambientais


desenvolvimento de sustentabilidade previamente se entende a “transação voluntária, na qual um
definidos. serviço ambiental bem definido é comprado por um
No Estado de Goiás, são requisitos gerais para comprador de um provedor, sob a condição de que o
participar do PEPSA: I – adesão a um ou mais pro- provedor garanta a provisão deste serviço”.9
gramas ou subprogramas de pagamento por servi- Nada obstante, todo programa de pagamento
ços ambientais; II – aprovação, pelo Comitê Gestor de serviços ambientais deve dispor acerca das se-
e Regulador, após manifestação técnica conclusiva guintes questões: (i) definição dos tipos de serviços
da Câmara Técnica, do Documento de Concepção ambientais; (ii) arranjo institucional; (iii) titularidade
do Projeto, consoante os padrões de desenvolvi- e natureza jurídica dos direitos reconhecidos; (iv) in-
mento de sustentabilidade definidos para o tipo de centivos administrativos, econômicos e financeiros;
serviço ambiental selecionado. (v) requisitos de acesso; (vi) métricas e metodolo-
Os padrões de desenvolvimento de susten- gias para a identificação, quantificação, valoração,
tabilidade serão definidos pelo Comitê Gestor e monitoramento, verificação, validação e registro.
Regulador, mediante a realização de consulta pú- Sem o enfrentamento adequado de tais elementos
blica com duração de, no mínimo, 30 (trinta) dias, de informação, dificilmente se alcançará, por meio
que deverá ser iniciada e encerrada por meio de de referida política pública, a esperada proteção e
audiência pública. promoção do direito ao meio ambiente ecologica-
Ao se estabelecer a regulação de um merca- mente equilibrado.
do de PSA, é necessário que se determinem os cri-
térios e requisitos para a elegibilidade de projetos
Abstract: The absence of a national policy of payments for
de provisão de serviços ambientais, os métodos environmental services is an important element of legal uncertainty
padronizados de identificação, quantificação, mo- in public regulation. Therefore, it is crucial to analyze what are
nitoramento, validação e verificação dos serviços the elements that must be present in programs of payment for
environmental services. In general, they are: (i) definition of the
ambientais. A título informativo, citem-se, relati- types of environmental services; (ii) institutional arrangements;
vamente a mecanismos de controle de emissão e (iii) ownership and legal nature of the rights; (iv) administrative,
economic and financial incentives; (v) access requirements; (vi)
resgate de GEE, as seguintes normas que hoje são
metrics and methodologies for the identification, quantification,
de observância voluntária: (i) a norma ABNT NBR valuation, monitoring, verification, validation and registration.
(15948:2011), a qual fornece requisitos para a ele- Keywords: Public-private partnerships. Procedure. Expression of
gibilidade das reduções de emissões, transparência interest.
de informações, registro de projetos e dos ativos;
(ii) as orientações do GHG Protocol para a elabora-
ção de inventários de emissões de GEE, por meio Referências9
de um processo de padronização de métodos de LOPES, L., T. RICCI, R. Oliveira Santos, T. BORMA Chagas,
quantificação das emissões de GEE; (iii) o padrão M. GALHANO, PENTEADO, L.F. de Freitas, M. COURROL, M.
Fernández, M. Netto e C.E. LUDENA. Estudos sobre Mercado
ISO 14.064, no que tange às orientações sobre
de Carbono no Mercado de Carbono no Brasil: Análise Legal
quantificação, monitoramento, reporte, validação e de Possíveis Modelos Regulatórios. Banco Interamericano de
verificação das emissões de GEE. Desenvolvimento, Monografia n. 307, Washington DC, 2015.
No caso da política pública goiana referida, SANTOS, Priscila; BRITO, Brenda; MASCHIETTO, Fernanda;
os requisitos específicos para que seja possível GUARANY, Osório; MONZONI, Mário. (Orgs.). Marco regulatório
sobre pagamento por serviços ambientais no Brasil. Belém, PA:
a participação nos programas e subprogramas do IMAZON; FGV. CVces, 2012. Acessível em: <http://imazon.org.
PEPSA, as condições de elegibilidade e o conteúdo br/marco-regulatorio-sobre-pagamento-por-servicos-ambientais-
no-brasil/>.
mínimo do documento de concepção do projeto para
cada programa ou subprograma de serviços ambien- SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 9. ed. São
Paulo: Malheiros, 2011.
tais serão definidos em ato normativo expedido do
WUNDER, Sven. Payments for environmental services: Some
Comitê Gestor e Regulador. Ademais, esse ato nor-
nuts and bolts. Center for International Forestry Research, CIFOR
mativo deve estabelecer a infraestrutura e a adoção Occasional Paper n. 42. Indonesia, Jakarta, 2005.
de sistemas e instrumentos de medição, análise,
mensuração, validação, verificação e valoração do
programa, subprogramas e projetos de serviços am-
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002
bientais providos no âmbito do PEPSA. da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BELÉM, Bruno Moraes Faria Monteiro. Pagamento por serviços


4 Conclusão ambientais. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo
Horizonte, ano 15, n. 89, p. 9-14, set./out. 2016.
No Brasil ainda se verifica importante lacuna
normativa em matéria de pagamento por serviços 9
WUNDER, Sven. Ob. cit., p. 22.

14 ARTIGOS Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 15, n. 89, p. 9-14, set./out. 2016

FDUA_89_miolo.indd 14 25/10/2016 15:02:22

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