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O TABU DA MENSTRUAÇÃO NA COMUNICAÇÃO

Seu reflexo no discurso das marcas de absorvente no Brasil e sua


influência na construção identitária feminina

Laura Añasco Orciuolo de Paula


Orientadora: Martha Terenzzo

“Cena do crime nas minhas calças”


Ilustração: Layla Ehsan
PROBLEMA
Como o tabu da menstruação é refletido na comunicação das
marcas de absorvente?

OBJETO
O reflexo do tabu da menstruação das campanhas “Aderente à
Calcinha” com participação de Marilia Pera, de 1973 e
“#TheSleepingTest” de 2016, das marcas, respectivamente,
Sempre Livre e Always.

Ambos os objetos partiram do recorte de um mapeamento,


explicado detalhadamente mais à frente.

“Na tenda vermelha”


Ilustração: Layla Ehsan
OBJETIVO GERAL
Compreender a construção das duas narrativas publicitárias:
“Aderente à Calcinha” de Sempre Livre e veiculada em 1973, e
“#TheSleepingTest” de Awalys, de 2016, e seus discursos de marca.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Entender o tabu como elemento de manutenção de uma
ordem social;
2. Compreender como o tabu se manifesta na mulher, na sua
relação com seu corpo e construção de identidade;
3. Compreender a construção do tabu da menstruação;
4. Entender a presença do tabu da menstruação nas narrativas
publicitárias.

“Surfando a onda carmesim”


Ilustração: Layla Ehsan
DISCURSO DE MARCAS DE ABSORVENTE MULHERES BRASILEIRAS E SUAS IDENTIDADES

Esse estudo considera os dois lados do processo de Ao mesmo tempo, seu corpus valoriza e tem a intenção de
comunicação, mas define uma prioridade: seu problema e iniciar a compreensão da influência dessas construções nas
objetivo englobam os discursos de marcas de absorvente mulheres, consumidoras constituídas de identidade e
com suas narrativas e construções de sentido detentoras subjetividade.
de uma ideologia.
PRINCIPAIS METODOLOGIAS APLICADAS
• Revisão bibliográfica
Temas constitutivos do projeto foram compreendidos a partir
de autores relevantes

• Pesquisa exploratória na internet


Construção de um mapeamento de narrativas publicitárias
de marcas de absorvente desde a década de 1930.
Fontes: Arquivo da Propaganda e Propagandas Históricas

• Análise de Discurso
Principal ferramenta para a compreensão da carga
ideológica dos dois objetos selecionados.

“Montando o pônei de algodão”


Ilustração: Layla Ehsan
PRINCIPAIS AUTORES DE REFERÊNCIA
Cada um deles me auxiliou na compreensão de uma parte específica do estudo:

Conceito de tabu e Historicidade dos A feminilidade como Terceira Onda do Construção Foi a principal
sua ressignificação tabus femininos desde um mecanismo feminismo e a identitária em um ferramenta de
nos tempos atuais o Brasil Colonial social de vigilância e vertente dos contexto de análise dos objetos
opressão chamados “radicais modernidade tardia selecionados.
da menstruação”
CONTEXTUALIZAÇÃO

No processo inicial de leituras, percebi que o meu estudo não poderia desvincular o tabu da

menstruação dos outros tabus estabelecidos social e culturalmente sobre o corpo feminino.

Todos eles nascem de uma mesma percepção sobre a figura da mulher como um ser reprodutor,

explicada mais a frente, e todos eles têm o mesmo resultado: o ciclo de opressão.
CONTEXTUALIZAÇÃO

Por isso, para seguir com as minhas


leituras e para construir o meu
MULHER
corpus, parti de um funil como esse
aqui.
CORPO
FEMININO
Meu estudo passou a se desenrolar
a partir da compreensão do
significa da figura feminina, do seu MENSTRUAÇÃO

corpo e, posteriormente, da
menstruação.

OPRESSÃO
Dividi, portanto, o meu corpus em
quatro principais partes:

CORPO IDENTIDADE
TABU FEMININO TABU DA
FEMININA
COMO TABU MENSTRUAÇÃO
TABU

Quando uma questão é considerada tabu, isso


significa que ela é silenciada e contornada em
conversas do cotidiano.
No meu estudo fui capaz de compreender que isso “É uma prática de codificação de comportamento e significados definida de
acordo com os interesses de determinado grupo social” (MARY DOUGLAS)
acontece porque o tabu, conceito ainda primitivo
estudado por Freud, sofreu uma ressignificação e
TABU DA
hoje age de acordo com a moralidade, socialmente
MENSTRUAÇÃO
construída.
RITUAIS
O grupo social considerado tabu –chamado de MORALIDADE
TABU
“bode expiatório”- tem uma diferença física – EMBASAMENTO
”poluição corporal”- apontada como a justificativa PUNIÇÃO
para tal e, a partir disso, a ação da moralidade se
inicia, com a criação de rituais.

De um lado, existe, portanto, o embasamento do


DIFERENÇA FÍSICA
tabu. Do outro, a punição por sua transgressão, o
que faz com que as pessoas o respeitem.
CORPO FEMININO
COMO TABU

Um dos elementos que têm sido alvo de tabu


em nossa sociedade é o corpo feminino.

Associação da mulher com dois papéis –doméstico e


A partir de Del Priore, fui capaz de reprodutivo- que vive até hoje e que ratifica as exigências
da feminilidade.
compreender que existe na História um
histórico de associação da mulher com seus
dois papéis: o doméstico e o reprodutivo. RITUAIS DE
TABUFEMINILIDADE
DA
MORALIDADE/
CONCEITO DE MENSTRUAÇÃO
MULHER
Antigamente, a identidade das mulheres era FEMINILIDADE
CICLO DE
percebida unicamente a partir dessas duas
OPRESSÃO
funções, uma vez que a perspectiva masculina
era a predominante: a medicina, por exemplo,
por ser um ambiente masculino, criou
percepções sobre o corpo feminino que
CORPO FEMININO
seguem vivas até hoje.

CORPO FEMININO
COMO TABU

Com isso, foi concebido o conceito de


feminilidade: “a verdadeira mulher”.

Criou-se exigências, regras e expectativas sobre Associação da mulher com dois papéis –doméstico e
a postura, comportamento e disciplina reprodutivo- que vive até hoje e que ratifica as exigências
da feminilidade.
femininas e o problema é que isso se estende
até hoje. Mesmo após a conquista da esfera
pública pelas mulheres, suas identidades RITUAIS DE
TABUFEMINILIDADE
DA
continuam a ser percebidas a partir desse MORALIDADE/
CONCEITO DE MENSTRUAÇÃO
MULHER
conceito. FEMINILIDADE
CICLO DE
OPRESSÃO
Antigamente, a feminilidade atingia as
atividades das mulheres no dia-a-dia, mas
depois que essas possibilidades foram abertas,
ela passou a atingir o corpo feminino e sua
CORPO FEMININO
sexualidade. Por isso, questões como assédio,
estupro e aborto ganharam força na Segunda
Onda do Feminismo.
CORPO FEMININO
COMO TABU

As exigências da feminilidade resultam na


chamada opressão psicológica, o que afeta
a identidade feminina.
Associação da mulher com dois papéis –doméstico e
reprodutivo- que vive até hoje e que ratifica as exigências
De acordo com Bartky, são três os modos de da feminilidade.

opressão psicológica, bastante conhecidos


por nós: a objetificação sexual, a dominação
RITUAIS DE
cultural e a estereotipização. TABUFEMINILIDADE
DA
MORALIDADE/
CONCEITO DE MENSTRUAÇÃO
MULHER
FEMINILIDADE
No meu estudo, a última se mostrou mais CICLO DE
OPRESSÃO
relevante porque se trata da criação de
estereótipos femininos, tanto positivos quanto
negativos, que se tornam os limites das
possibilidades de personalidades femininas.
CORPO FEMININO

É A Mulher Ideal vs. A Mulher Errada.


IDENTIDADE FEMININA

Toda essa questão se mostra relevante


quando consideramos o contexto de
modernidade tardia, definido por Giddens:
trata-se de um momento em que existe uma Existe uma simetria de responsabilidade entre todos os atores
na construção identitária.
simetria de responsabilidade entre todos os
atores na construção identitária. O eu assume
uma postura mais ativa e define a sua
TABU DA
identidade, mas também a tem definida pela OPRESSÃO SEM
MENSTRUAÇÃO
CENTRO DE
infinidade de diálogos cotidianos presentes no MORALIDADE/ IDENTIDADE EMISSÃO
CONCEITO DE FEMININA
meio social, inclusive os da publicidade. +
FEMINILIDADE
OPRESSÃO
INTERNALIZADA
Analisando a partir dessa perspectiva,
percebe-se que as noções de moralidade
vigentes na sociedade oprimem as mulheres
quando presentes nesses diálogos construtivos ESTEREÓTIPOS
de identidade.
IDENTIDADE FEMININA

Podemos compreender que uma vez que a Existe uma simetria de responsabilidade entre todos os atores
na construção identitária.
feminilidade, seus rituais e o estereótipos
passam a fazer parte dos nossos discursos e
não são questionados, é construído um
TABU DA
meio social em que as reais necessidades OPRESSÃO SEM
MENSTRUAÇÃO
CENTRO DE
das mulheres ficam em segundo plano e MORALIDADE/ IDENTIDADE EMISSÃO
que identidades são construídas em prol de CONCEITO DE FEMININA +
FEMINILIDADE
um formato, ignorando individualidades. OPRESSÃO
INTERNALIZADA

ESTEREÓTIPOS
TABU DA MENSTRUAÇÃO
Mas como isso entra na questão da
menstruação? A partir da compreensão
dessa construção sobre a mulher e o corpo
feminino, fui capaz de compreender como a
menstruação como processo biológico foi
A “etiqueta da menstruação” garante que a mulher
socialmente significado e se tornou tabu. menstruada não transgrida a feminilidade.

Podemos partir do ponto que a menstruação CORPO


dentro da nossa realidade social vem com TABU FEMININO
uma “etiqueta da menstruação”, apontada COMO TABU RITUAIS DE
por uma das vertentes da Terceira Onda do MENSTRUAÇÃO HIGIENIZAÇÃO
feminismo. Isso significa que as meninas e EMBASAMENTO E OCULTAÇÃO
mulheres são ensinadas que não devem falar
OPRESSÃO
sobre ou deixar a mostra as suas
menstruações. Somos ensinadas a levar o
absorvente escondido dentro da bolsa;
quando falamos com nossas amigas sobre
SANGUE
ela, falamos entre sussurros; no escritório ou na MENSTRUAL
escola ninguém pode saber que estamos
menstruadas, etc. Existe uma etiqueta. Mas
de onde ela vem? Da feminilidade.
TABU DA MENSTRUAÇÃO

Todos esses rituais que nos são ensinados


partem do princípio de que mulheres não
devem sangrar ou “se sujar”; a verdadeira
mulher feminina não passa por mudanças A “etiqueta da menstruação” garante que a mulher
de hormônios, não tem dores, nada a menstruada não transgrida a feminilidade.
impede de realizar as suas atividades de
modo perfeito todos os dias e o mais
CORPO
TABU FEMININO
importante: ela não entra em contato com
o seu sangue. O sangue menstrual, em geral,
COMO TABU RITUAIS DE
é percebido como um sangue diferente do
MENSTRUAÇÃO HIGIENIZAÇÃO
EMBASAMENTO E OCULTAÇÃO
que corre em nossas veias, justamente por
seu produto da menstruação, gerando OPRESSÃO
frequentemente reações como nojo e
aversão. Ele se torna a justificativa de toda
essa etiqueta de higienização, silenciamento
e ocultação. SANGUE
MENSTRUAL
TABU DA MENSTRUAÇÃO

Mas e se essa etiqueta não for respeitada?


Espera-se da mulher menstruada que ela aja
de modo discreto, a manter a sua
menstruação entre os limites determinados
pela feminilidade, mas caso isso não A “etiqueta da menstruação” garante que a mulher
aconteça, ela é punida. menstruada não transgrida a feminilidade.

A opressão em diferentes formatos e


CORPO
TABU FEMININO
discursos se manifesta de modo a
reestabelecer a ordem através do
COMO TABU RITUAIS DE
MENSTRUAÇÃO HIGIENIZAÇÃO
silenciamento e ocultação.
EMBASAMENTO E OCULTAÇÃO

A estereotipização, principal delas, OPRESSÃO


determina a “mulher menstruada” como o
oposto da “mulher verdadeira”: tudo o que
ela faz é reclamar sem motivos, ela se irrita
facilmente, ela não é capaz de realizar suas SANGUE
MENSTRUAL
atividades cotidianas plenamente, ela não é
feminina.
Nesse mapa da Femme
International, por exemplo, a
gente consegue identificar
uma série de rituais pelos
quais as mulheres passam
todos os meses em diversos
países, que envolvem desde
limites de alimentação, até
a exclusão temporária da
esfera pública.

Fonte: Femme International


Após a compreensão de todos esses conceitos e construções, eu passei para
a segunda fase da minha metodologia e realizei, a partir de uma pesquisa
exploratória na internet, um mapeamento das narrativas publicitárias de
marcas de absorvente desde a década de 30.

Essa análise permitiu que eu encontrasse pontos comuns nos discursos das
marcas, apresentados mais ao fim dessa apresentação como conclusão.

A partir dele fui capaz também de realizar o recorte dos meus objetos.
ANOS 30 ANOS 40 ANOS 1950 1973 1976

MAPEAMENTO
DE NARRATIVAS
PUBLICITÁRIAS
DE MARCAS DE
ABSORVENTE

1988 1992 2008 2015 2016 2015/2016/2017

Fonte: Arquivo da Propaganda e Propagandas Históricas


OBJETOS

1973

Defini os meus objetos: uma


peça de 1973, de Sempre
Livre, e uma de Always
43 ANOS Brasil, de 2016c

2016
OBJETOS CONTEXTO

1973

Para a Análise da carga ideológica de cada peça a partir da


Segunda Onda
ferramenta de Análise de Discurso, foi necessário que eu
Ditadura Militar
contextualizasse cada uma delas.

A primeira peça, de 1973, foi veiculada em uma época de Segunda


Onda do Feminismo. Como já foi mencionado, se tratava de um
momento em que as questões do corpo da mulher ficaram em
43 ANOS evidência e as desigualdades de gênero nesse sentido foram levadas a
questionamento. Além disso, considerando apenas Brasil, se tratava de
um momento de ditadura militar em que diversos formatos de discursos
2016 estavam sujeitos à censura. Essa peça, inclusive, por causa disso, possui
uma versão explícita e outra censurada.

Terceira Onda
Ambiente digital
OBJETOS CONTEXTO
Já #TheSleepingTest foi veiculada em um contexto de Terceira Onda
1973 do feminismo. Se trata de um momento do movimento em que existe
uma pluralidade inédita de vertentes. A partir da percepção de que a
diversidade de perfis femininos gera um diversidade de lutas,
Segunda Onda ramificações do movimento foram sendo criadas, de modo a criar uma
Ditadura Militar
grande rede do feminismo. Dentro dessa rede, inclusive, existe a
vertente dos “menstruadores”, cujos discursos me auxiliaram muito
nesse estudo: são pessoas que acreditam que a percepção sobre a
menstruação deva ser desvinculada do conceito de gênero, de modo
a fazer a sociedade perceber que nem toda mulher menstrua e nem

43 ANOS todo mundo que menstrua é mulher. É o extremo da desvinculação


entre menstruação e “feminino”.
Além disso, por se tratar de uma campanha que alcançou também o
digital (esse vídeo foi postado no canal de YouTube da marca), é
2016
importante considerar como contexto essa nova esfera pública. Se
trata de um ambiente em que os receptores de informações assumiram
Terceira Onda uma postura mais ativa e passaram a produzir seus próprios conteúdos.
Ambiente digital Diante de um discurso de marca que não o agrada, o consumidor é
capaz de uma reação espontânea em tempo real.
Na primeira, encontrei um discurso que apresenta a menstruação
OBJETOS como um problema para a mulher moderna: diante de uma nova
IMAGEM ÁUDIO rotina fora do ambiente doméstico, ela tem esse processo biológico
Marilia Pera está posicionada na frente Moça da produção: Marilia, você prefere como um obstáculo na realização plena de suas atividades, uma vez
das câmeras, se preparando para começar rodar direto ou vamos dar uma passada no
a gravação do comercial. Uma moça da texto? que ela causa dores e gasto de energia ao exigir que a mulher a
esconda. O absorvente é ofertado como a solução desse problema,
produção se aproxima.
Marilia: Eu queria dar uma passadinha no
texto para não errar. Eu quero ver se eu que permite que o seu sangue menstrual fique oculto, não vaze, e que
[incompreensível] de primeira.
Marilia pega o produto da mão da moça da Marilia: Deixa eu ver o produto.
ela consiga seguir com o seu dia normalmente.
produção e o analisa. Além disso, a ocultação da menstruação fica clara na parte visual da
Close no produto e em sua embalagem. Marilia: Sabe, vai ser muito fácil pra mim
fazer esse comercial de Sempre Livre peça: em nenhum momento o sangue é apresentado, ou o uso do
porque eu uso.
absorvente é demonstrado, mesmo se tratando de um formato inédito.
Volta a mostrar Marilia e a moça da Marilia: Você conhece?
produção conversando. Moça da produção: Não. O caráter didático que a peça deveria assumir fica limitado porque a
menstruação não pode ser mostrada.
Marilia começa a mostrar o produto para Marilia: Não? É muito bom. É o novo
a moça da produção. absorvente higiênico
Marilia abre o produto e mostra como é Marilia: Ele tem uma diferença. Quer ver?
seu uso, para a moça da produção. Vou te mostrar. Essa parte aqui você
destaca e ele adere à calcinha. Quer dizer
É importante apontar também que existe uma clara estereotipização:
que não tem que usar cintos, presilhas, a mulher moderna aparece como a mulher que de fato opta por uma
nada disso. Dá uma segurança e uma
proteção incríveis. vida fora do ambiente doméstico. A opressão aparece como falso
Marilia guarda o produto na embalagem Marilia: Sabe como eu descobri o Sempre
empoderamento: um discurso que apresenta um perfil como único
de novo. Livre?
Moça da produção: Me conta. possível descarta a possibilidade de escolha das mulheres e suas
Marilia: Eu estou sempre trabalhando
muito, né? Do teatro pra televisão, da
individualidades. Apesar disso, é possível dizer que existe uma
televisão pro teatro. No meio dessa coerência entre o que as mulheres como público exigiam na época e
correria toda, eu descobri que era muito
bom usar o Sempre Livre. a narrativa da marca.
Em #TheSleepingTest, mesmo 43 anos depois, podemos encontrar
semelhanças no discurso. Mais uma vez a menstruação é apresentada
OBJETOS
como empecilho na vida da mulher moderna: ela é incapaz de seguir
IMAGEM ÁUDIO
com a sua vida normalmente quando está menstruada, o que resulta
Texto: “Homens participando de um teste
sobre absorventes”
Música
na necessidade de higienização de sua menstruação.
Algumas cenas do teste ao fundo com o
Música
texto: “Quer saber por quê?”
Imagens da instalação em que foi
A estereotipização também aparece, mas de um jeito que acredito ser
realizada o teste e o texto: “Always
apresenta #TheSleepingTest” ainda mais problemático: o retrato da “mulher menstruada” –que
Imagens das mulheres que irão participar Voz feminina: “Como eu me sinto quando
do teste chegando à instalação. estou menstruada? Me sinto incomodada”
apenas reclama sem motivos- busca ser desconstruído a partir da
Débora (publicitária) sendo entrevistada.
Débora: É um desconforto realmente. Pra
perspectiva masculina. A tentativa de criar uma situação bem
mim, pelo menos.
Caru: Sem contar que a gente não humorada em que os homens “ficam menstruados” demonstra um
Caru (arquiteta) sendo entrevistada.
consegue trabalhar direito né?
Texto: “54% das mulheres brasileiras não
retrocesso no processo de dar espaço de fala para a mulher e de
Música
se sentem descansadas naqueles dias”
compreender as suas necessidades reais. Os discursos das mulheres
Texto: “A maioria acha que é só por causa
Música
das alterações hormonais” ficam em segundo plano e dão espaço pra banalização da
Evelyn: Eu acho que é um problema
Evelyn (blogueira) sendo entrevistada. hormonal porque muda completamente o menstruação.
nosso corpo.
Texto: “O que elas não sabem é que
também não dormem bem com medo de Música Além disso, a necessidade de validação do sexo oposto para as
vazamentos”
Texto: “Para mostrar isso fizemos um reações fisiológicas e hormonais das mulheres quando menstruadas se
descola dos discursos feministas que temos hoje em dia. A partir da
teste com quem não passa por essas Música
alterações hormonais:”
Imagens com os homens chegando à
Música
compreensão da Terceira Onda, fui capaz de entender que existe uma
instalação e texto: “Os homens”
Imagens com todos interagindo e texto: parcela de mulheres falando sobre a menstruação e exigindo que ela
“Uma simulação para eles sentirem só um Música
pouquinho como é dormir naqueles dias”
seja assunto discutido e retratado na esfera pública e colocar homens
Imagens dos casais se dirigindo cada um Música para falar sobre ela demonstra ser uma estratégia ultrapassada.
OBJETOS
IMAGEM ÁUDIO

Texto: “Homens participando de um teste


Música
sobre absorventes” Considerando a representação visual da menstruação, podemos
Algumas cenas do teste ao fundo com o
texto: “Quer saber por quê?”
Música
também perceber um retrocesso: o retrato do sangue menstrual na cor
Imagens da instalação em que foi
realizada o teste e o texto: “Always
azul e a substituição do corpo feminino por uma estrela só ratificam a
apresenta #TheSleepingTest” banalização da menstruação e o tabu sobre esse processo e o corpo
Imagens das mulheres que irão participar Voz feminina: “Como eu me sinto quando
do teste chegando à instalação. estou menstruada? Me sinto incomodada” feminino. O retrato não realista é a demonstração da contornação da
Débora: É um desconforto realmente. Pra
Débora (publicitária) sendo entrevistada.
mim, pelo menos.
menstruação nos discursos de marcas de absorvente.
Caru: Sem contar que a gente não
Caru (arquiteta) sendo entrevistada.
consegue trabalhar direito né?
Texto: “54% das mulheres brasileiras não Um outro ponto que deve ser acrescentado é que Always já foi
Música
se sentem descansadas naqueles dias”
Texto: “A maioria acha que é só por causa
reconhecida por utilizar discursos feministas para promover seus
Música
das alterações hormonais”
produtos. Em 2015, a marca ganhou diversos prêmios com a
Evelyn: Eu acho que é um problema
Evelyn (blogueira) sendo entrevistada. hormonal porque muda completamente o campanha “Like a Girl”, que buscava ressignificar a expressão
nosso corpo.
Texto: “O que elas não sabem é que
pejorativa “como uma menina” e mostrar para meninas na puberdade
também não dormem bem com medo de Música
que elas eram fortes do jeito que eram. Por isso, em 2016, a veiculação
vazamentos”
Texto: “Para mostrar isso fizemos um de uma campanha dessas no Brasil demonstra uma incoerência no
teste com quem não passa por essas Música
alterações hormonais:” posicionamento da marca e um possível sequestro do discurso
Imagens com os homens chegando à
Música feminista sem que haja propósito real.
instalação e texto: “Os homens”
Imagens com todos interagindo e texto:
“Uma simulação para eles sentirem só um Música
pouquinho como é dormir naqueles dias”
Imagens dos casais se dirigindo cada um Música
Retomando meu problema de estudo, meus objetivos geral e específicos,
fui capaz de chegar a algumas descobertas sobre o tabu da menstruação
na comunicação.

PROBLEMA
Como o tabu da menstruação é refletido na comunicação das marcas de
absorvente?

OBJETIVO GERAL
Compreender a construção das duas narrativas publicitárias: “Aderente à
Calcinha” de Sempre Livre e veiculada em 1973, e “#TheSleepingTest” de
Awalys, de 2016, e seus discursos de marca.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Entender o tabu como elemento de manutenção de uma ordem
social;
2. compreender o como tabu se manifesta na mulher, na sua relação
com seu corpo e construção de identidade;
3. Compreender a construção do tabu da menstruação;
4. Entender a presença do tabu da menstruação nas narrativas
publicitárias.

“Meu copo correu”


Ilustração: Layla Ehsan
1. O tabu da menstruação
está presente nas narrativas
de absorvente .
A partir da análise dos meus objetos e do mapeamento construído, pude perceber que existem elementos comuns entre todas as
narrativas que ratificam o tabu da menstruação desde a década de 30 até hoje.
1. Recorrentemente a menstruação é apresentada como um processo biológico que atrapalha a vida da mulher moderna.
Quando ela está menstruada, fica incapaz de realizar suas atividades cotidianas normalmente, principalmente pela
necessidade de ocultação do seu sangue menstrual. Desse modo, o absorvente é sempre ofertado como a solução para esse
problema.
2. A mulher moderna sempre tem um perfil estereotipado. Ela é aquela que optou pela vida pública ao invés de a vida doméstica,
ela quer se sentir livre e independente, ela quer trabalhar e focar em sua carreira. É necessário que a publicidade construa
.
diálogos que informem a mulher que ela tem a possibilidade de escolha, sem que haja a construção de estereótipos que
deixam as individualidades em segundo plano.
3. A menstruação nunca é retratada do jeito que de fato é. O sangue azul, os eufemismos para “menstruação”, os simbolismos
para o corpo feminino, são elementos comunicativos que demonstram uma tentativa de contornar o assunto e mantê-lo como
tabu.
4. A necessidade de higienização é sempre apresentada para que o absorvente seja ofertado como a solução disso. Com o uso
do absorvente, contudo, a menstruação assume um papel romantizado e é retratada como um momento em que a mulher
está plena consigo mesma, se sentindo bem, leve e feliz.
2. O tabu da
menstruação faz parte de
um grupo de tabus .

femininos causadores de
opressão.
Como vimos nesse estudo, o tabu da menstruação faz parte de um grupo maior de tabus que são construídos em cima do
corpo feminino e cujas transgressões resultam em opressão. Os rituais precisam ser questionados, assim como a tradição.

Há a necessidade de desvincular a figura feminina do seu corpo e do seu papel reprodutivo, aceitando as individualidades
das mulheres como elementos mor em suas construções identitárias. .

As sexualidades e sistemas reprodutivos ainda estão aquém da perspectiva e validação do olhar masculino e, por isso,
prevalece a necessidade da remoralização da vida social: o corpo da mulher precisa ser compreendido por todos e o
coletivo precisa ser construído garantindo a sua liberdade.
3. A opressão presente nos
discursos publicitários
ratifica tabus, influenciando .

a identidade de cada
mulher.
Ao ser responsável por iniciar diálogos que não apenas atingem os consumidores, mas interferem em suas construções
identitárias, a publicidade deixa de ter um acesso limitado ao meio social e passa exercer uma força na vida de cada
indivíduo.

A oferta de produtos através de construções discursivas que ratificam os tabus relacionados ao corpo feminino influencia
a vida de cada mulher presente no ambiente social e contribui para a construção de uma esfera pública opressora que .
lhes priva de certas liberdades.

A publicidade de absorventes, um dos elementos responsáveis pela abertura da discussão sobre a menstruação no
espaço público, possui o dever de iniciar diálogos que construam mulheres fortes, conhecedoras de seus próprios corpos.

.
4. Não se pode assumir
uma postura maniqueísta:
publicidade e mulheres .

têm a mesma
responsabilidade.
Ao estudar o processo de comunicação, sabe-se que a construção de discursos e narrativas publicitárias acontece a
partir de dois lados de um diálogo: marca e consumidor. O planejamento estratégico tem a função de realizar tais
construções a partir de análises de mercado e comunicação, mas também de pesquisas com o público-alvo.

O retrato não-realista da menstruação presente hoje na esfera pública e comunicação nos obriga a questionar a
responsabilidade das empresas, mas também a perspectiva das consumidoras sobre os seus próprios corpos.

É necessário que haja a transformação de ambos os lados.


CONCLUSÃO FINAL
A publicidade de marcas de
absorvente retrata uma mulher e
uma menstruação que não existem.
CONCLUSÃO FINAL
Fica claro que ainda não existe uma representação real da mulher, suas necessidades e sua menstruação
na comunicação de absorventes no Brasil. As marcas e suas narrativas publicitárias possuem uma
responsabilidade social mas continuam a retratar esse processo biológico de modo irrealista, na cor azul,
de forma higienizada, esteriotipizando corpos e o comportamento da mulher.

Por isso, é importante que estudos como esse proponham diálogos construtivos tanto para as mulheres
quanto para as marcas presentes no Brasil visando que os tabus analisados neste estudo, espeficiamente o
da menstruação, não sejam ratificados.

Do contrário, será alimentada a imposição de padrões limitantes e limitados a sociedade feminina,


influenciando a identidade de cada uma das mulheres brasileiras.
Obrigada.

“Eu estou no meu período”


Ilustração: Layla Ehsan

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