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Fluidoterapia em Equinos

Article · October 2013

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4 authors:

Geraldo Eleno Silveira Alves Paulo De Tarso Landgraf Botteon


Federal University of Minas Gerais Federal Rural University of Rio de Janeiro
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SEE PROFILE SEE PROFILE

Jose D. R. Filho Humberto Pereira Oliveira


Universidade Federal de Viçosa (UFV) Federal University of Minas Gerais
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(Fluid Therapy
RESUMO in Equines) ABSTRACT
A fluidoterapia constitui um recurso tera-
pêutico dos mais importantes e freqüentes em
.......................... The fluid therapy is of vital impor-
tance and is a frequent resource in
medicina eqüina. Seu objetivo principal é Geraldo Eleno Silveira Alves equine medicine. Its main aim is to
corrigir desequilíbrios hidroeletrolíticos e áci- Professor, Doutor, Escola de Veterinária correct dehydration, electrolytes and
do-basicos comuns em eqüinos enfermos. DCCV-UFMG - Belo Horizonte, MG. acid-base imbalances, commonly
geufmg@gmail.com
Seus benefícios máximos dependem de co- seen in ill horses. Its maximal bene-
nhecimentos sobre a distribuição dos líqui- Paulo de Tarso Landgraf Botteon fits depend on the knowledgement
dos corporais e da fisiopatologia dos dese- Professor Doutor, Instituto de Veterinária about body fluids distribution and
DMCV-UFRRJ - Seropédica, MG
quilíbrios hidroeletrolíticos e ácido-basicos. paulobotteon@gmail.com pathophysiology of the imbalances.
Tais conhecimentos permitem adotar as me- Furthermore it knowledgements is
José Dantas Ribeiro Filho
didas oportunas em cada situação, priorizan- Professor, Doutor, Departamento de
crucial for convenient manege of
do corretamente o tipo de solução a ser em- Veterinária - UFV - Viçosa, MG each clinical situation, when should
pregada e o ritmo adequado de administra- be choose the correct kind of fluid
Humberto Pereira Oliveira
ção para cada caso em particular. Professor, Doutor, Escola de Veterinária and adequate ritm of administration.
Unitermos: hidratação; desidratação; cava- DCCV-UFMG - Belo Horizonte, MG. Keywords: hydration, dehydration,
lo. horse.
Introdução fusão tecidual, resultando em fornecimento tracelular (CEC) possui dois ambientes,
A fluidoterapia é a mais fundamental limitado de oxigênio aos tecidos e dimi- o intravascular, que ocupa de 1/4 a 2/3
forma de tratamento clínico, necessária e nuição na excreção de íons H+ pelos rins4. do fluido extra celular (FEC) ou 25 – 33
utilizada nas mais diversas situações clí- A hipóxia tecidual aumenta a biossíntese litros e o extravascular que ocupa 2/3 a 3/
nicas, cirúrgicas, e na manutenção da ca- do ácido láctico, originário do metabolis- 4 do FEC, equivalente a 66,7 a 75 litros.
pacidade física durante competições espor- mo anaeróbico, mais rápido do que pode No extravascular encontram-se os flui-
tivas. A administração de fluido é neces- ser oxidado ou reconvertido em glicose ou dos: intersticial, peritoneal, cérebro-espi-
sária para manter o volume vascular, a glicogênio pelo fígado5. Esse evento é um nhal, gastrointestinal, bile, saliva, lágri-
performance cardiovascular, a perfusão e dos principais responsáveis pela acidose ma e sêmem. O fluido gastrointestinal
oxigenação dos tecidos, bem como corri- metabólica em eqüinos desidratados. Aci- (FG) que constitui cerca de 10% de todo
gir desequilíbrios eletrolíticos e ácido-bá- dose láctica é uma desordem metabólica o fluido do corpo tem pelo menos quatro
sicos1. comum em eqüinos com cólica6. Entretan- funções importantes:
Essa realidade permite afirmar, que o to, alcalose metabólica também pode ocor- a) A ocorrência dos processos digestivos
clínico deve dispor de conhecimentos su- rer em uma minoria destes casos. Um Es- químicos e biológicos;
ficientes que ultrapassem o diagnóstico tudo demonstrou que 66,7% dos eqüinos
b) A manutenção do equilíbrio da micro-
banal da necessidade de fluidoterapia, fa- com forma grave de cólica, apresentaram
biota intestinal;
zendo-se necessário definir o volume, o acidose metabólica7. Entretanto, a maio-
ria dos eqüinos com cólica não apresen- c) A absorção dos nutrientes;
déficit de eletrólito, a solução apropria-
da, a velocidade de administração, a efi- tou de acidose metabólica grave8. Em d) A reposição do volume plasmático e de
cácia e os possíveis efeitos adversos. Pro- eqüinos com compactação do cólon mai- eletrólitos durante atividades físicas inten-
piciando ao paciente os benefícios da flui- or, foram observados casos tanto de aci- sas, assim como em situações críticas de
doterapia, minimizando ou abolindo as demia e alcalose respiratória como com enfermidades que acarretam hemoconcen-
conseqüências de sua falta que variam alcalinemia e acidose respiratória , com- tração.
consideravelmente. O equilíbrio orgânico provando a necessidade de apoio labora-
depende da condição hídrica adequada de torial para um diagnóstico preciso9. Avaliação clínica e laboratorial
cada indivíduo. Na prática clínica, não Os diversos parâmetros sinalizadores
raramente, faz-se diagnóstico de uma en- Distribuição dos fluidos de desidratação devem ser avaliados em
fermidade, do agente dessa enfermidade, A idade, sexo, estado nutricional e saú- conjunto no curso do exame clínico. É im-
porém não dos desequilíbrios acarretados de, atividade física e condições ambien- portante lembrar que esses parâmetros
pelo déficit hídrico, o qual, muitas vezes tais são fatores influentes na taxa total de apesar de terem alguma sensibilidade para
é negligenciado. Muitos pacientes pade- fluidos (TF) do corpo animal 10. Fisiologi- refletir a presença de desidratação, não
cem e vão a óbito, não por falta de diag- camente é aceito que a taxa total de flui- deixam de ter uma parcela variável de sub-
nóstico e combate específico do agente, dos (TF) em eqüinos, varia em torno de jetividade e influência de vários fatores de
mas por inexistência ou ineficiência da 60 a 70% de seu peso, atingindo 80% em confundimento. A maioria dos parâmetros
identificação e controle do déficit hídrico neonatos 1Um eqüino de 500 Kg de peso clínicos sinalizadores de desidratação re-
e desequilíbrios consecutivos. possui aproximadamente 300 litros de flui- flete o estado hídrico do compartimento
Por diversas particularidades, os eqüi- do (TF = 300 L). A distribuição do TF em extracelular. Adicionalmente é oportuno
nos possuem uma fisiologia hidroeletrolí- eqüinos varia dentro de a uma relação salientar que, de modo geral só a partir da
tica que funciona sob dinâmica veloz e crí- onde o compartimento intracelular detém taxa de 5% é que a desidratação começa
tica, o que leva com facilidade e rapidez à cerca de 2/3 do total de fluidos do corpo a ser evidenciada pelos referidos parâme-
ocorrência de desequilíbrios. O exercício ou 200 L em um cavalo de 500 Kg e o tros clínicos.
físico induz mudanças na homeostase de compartimento extracelular corresponde a Na prática, um eqüino adulto pode ter
fluidos e eletrólitos proporcionais à inten- 1/3 do total de fluidos ou 100 L em um um déficit próximo de 20 litros de fluido
sidade e ao tempo de exercício, e oscilam cavalo de 500 Kg. O compartimento ex- antes de manifestar sinais clínicos11. Logo,
desde trocas rápidas e fugazes, até défi-
cits importantes e duradouros2. Este défi-
cit pode chegar a 10 l/h durante o enduro, Tabela 1: Parâmetros físicos utilizados na avaliação do grau de desidratação
e perdas maiores podem ocorrer sob con- Porcentagem de Prega de Membranas
dições de alta temperatura e umidade. Em TPC (s) FC (bpm) Outros
Desidratação pele (s) Mucosas
um enduro de 50 milhas, que dura mais de
5 horas, pode resultar em perda hídrica de Ligeiramente Normal
5% 1–3 <2 Débito urinário
­

50 l, ou 10% do peso vivo3. aderente


Adicionalmente, eqüinos afetados por
8% 3–5 Aderente 2–3 40 – 60 Pressão arterial
­

enfermidades gastrointestinais encontram-


se muitas vezes desidratados e desenvol-
10 – 12% >5 Seca >4 _ 60
> Distensibilidade jugular;
vem uma variedade de desequilíbrios ele-
­

olhos fundos
trolíticos 4 A hipovolemia decorrente da
desidratação induz a uma redução da per- TPC = Tempo de preenchimento capilar; FC = Freqüência cardíaca.
quando existem sinais clínicos de desidra- Tabela 2: Conduta da fluidoterapia baseada na concentração do lactato,
tação, é importante lembrar que, a sua taxa segundo FIELDING (2005)
encontra-se acima de 5%. Para acessar a
necessidade de fluidoterapia deve-se con- Lactato Lactato após a
Conduta
siderar o histórico e avaliar a umidade das inicial administração de fluido
mucosas, o turgor da pele, o volume uri- >2 mmol/L 20 ml/kg em bolus de solução cristalóide isotônica por 1h.
nário (Tabela 1) e se há debilidade mus-
cular Se regredir Instituir fluidoterapia de longo prazo
< 4 mmol/L
Clinicamente a desidratação é classi- _ 2 mmol/L
Se > Repetir procedimento acima
ficada como discreta, quando apresenta
_ 4 mmol/L
> Aplicar dois bolus de 20mL/kg de solução cristaloide iso-
uma taxa de 5-7%; moderada, quando se tônica por 1h.
situa na faixa de 8-10%; e severa, quando
a perda de fluidos está acima de 10% do Se regredir Instituir fluidoterapia de longo prazo.
peso total do animal. Quando existe gran- Se não regredir de 4 mmol/ Aplicar um terceiro bolus de 20 mL/kg
de perda de fluido, podem ocorrer sinais < 8 mmo/L
clínicos de hipotensão, incluindo redução Mantém 4 mmol/L após o Exames complementares; uso de colóides e
terceiro bolus acompanhamento hospitalar
da produção de urina, aumento da freqüên-
cia cardíaca, do tempo de preenchimento Considerar o uso de salina hipertônica; colóides; e mais
capilar, pulso filiforme (Tabela 1) e di- de um cateter para aplicação de 40mL/kg em bolus
minuição da temperatura das extremida- _ 8 mmol/L
>
Se regredir Instituir fluidoterapia de longo prazo
des.
O hematócrito (VG) e concentração Se o valor for _> ao original Repetir o procedimento
das proteínas plasmáticas totais (PPT) são
avaliações laboratoriais mais usadas como
indicadores de desidratação. Densidade ao final da fluidoterapia podem determi- tions) deve ser igual à soma de todos os
urinária, uréia, creatinina, L-lactato séri- nar se o tratamento foi eficaz em restau- íons com cargas negativas (ânios). Os ele-
co também são utilizados12. Entretanto, é rar o volume circulatório. Similarmente, trólitos Na, Cl, e K, e também a proteí-
importante lembrar que, além do estado os pacientes anêmicos, hipoxêmicos, e nas séricas, juntamente com o pCO2,
hídrico do animal, essas variáveis podem endotoxêmicos podem ter as terapias es- compreendem os principais elementos en-
ser influenciadas por diversos fatores. pecíficas instituídas baseadas em concen- volvidos nos desequilíbrios ácido-basicos.
Como exemplo, o VG normalmente é al- trações de lactato e na avaliação clínica. Em animais sob condições fisiológicas, as
terado pela contração esplênica, enquan- Concentrações de lactato sanguíneo ele- concentrações médias de cátions e ânions
to as PPT são alteradas por perdas pela vadas, associadas com baixa oxigenação no soro são equivalentes14.
via gastrintestinal ou urinária ou por re- tissular, contra-indicam o uso de grandes
dução da produção hepática11. A concen- volumes de fluido, devido à insuficiência Cátions ([Na+]+[K+]) = Ânions
tração sangüínea de lactato em eqüinos cardíaca ou insuficiência renal anúrica/ ([Cl-]+[HCO3 -] + [A–] )
adultos normais varia entre 0,6 e 1,5 oligúrica. A resposta ao tratamento pode
mmol/L. Concentrações de lactato supe- ser calibrada na melhoria clínica e bio- Ânion gap: Consiste na diferença en-
riores a 1,2 mmol/L sugerem oxigenação química13. A concentração de lactato as- tre cátions e ânions extracelulares medi-
inadequada e podem indicar a necessida- sociada a outros sinais clínicos de hipo- dos:
de de reposição hídrica, quando a desidra- volemia pode servir de parâmetro para a
tação é a causa primaria desta hiperlacta- fluidoterapia (Tabela 2). Ânion gap (A–)=
temia12. A análise destes exames labora- ([Na+]+[K+] ) – ( [Cl–]+[HCO3–])
toriais permite, adicionalmente, averiguar Princípio da eletroneutralidade
se há correspondência entre esses parâ- Quando pretendemos instituir junta- Em condições normais este valor va-
metros, o que não ocorre em pacientes gra- mente com a fluidoterapia, uma terapêuti- ria de 12 a 18 mEq/L. A função prelimi-
ves com perdas de proteínas concomitan- ca visando a correção dos desequilíbrios nar da medida do ânion gap é permitir a
te a desidratação. Tais pacientes devem salinos e ácido-basicos presentes, alguns identificação das possíveis causas da aci-
receber soluções colóides a fim de equili- indicadores como o Ânion gap ou a Dife- dose metabólica diagnosticada no pacien-
brar a pressão oncótica. rença de íons fortes (SID), podem contri- te.
As concentrações do lactato são muito buir para a identificação e correção do
úteis como fator de avaliação da eficácia problema. O fundamento principal para a Interpretações e Causas
da fluidoterapia. Ao se fazer o exame de avaliação destes indicadores está direta- Ânion gap pode ser classificado como
um paciente hipovolêmico, por exemplo, mente relacionado ao principio da eletro- elevado, normal ou, mais raramente, bai-
pode-se considerar os valores do lactato neutralidade. xo. Um ânion gap elevado (> 18) indica
como uma referência inicial. Se o pacien- A lei da eletroneutralidade determina que há uma diminuição principalmente de
te apresentar hiperlactatemia e o animal que, em qualquer solução aquosa, a soma HCO3-, logo teremos uma acidose meta-
está sendo hidratado, os teores do lactato de todos os íons com cargas positivas (cá- bólica. A electroneutralidade é mantida
pelo aumento na produção de ânions como potônica, isotônica ou hipertônica15. Esse com acurácea o potássio corpóreo total,
corpos cetônicos, lactato, PO4-, e SO4-; tipo de desidratação pode ser determina- porque a maior concentração de potássio
estes ânions não fazem parte do calculo da por mensuração direta no soro ou plas- encontra-se dentro da célula. Se o potás-
do ânion-gap não influindo na elevação do ma através de um osmômetro (osmolari- sio sérico está baixo em presença de aci-
resultado do ânion gap. E pacientes com dade plasmática medida)16,17, ou pela de- dose, o déficit corpóreo total será severo.
ânion gap normal (12 a 18 mEq/L) a que- terminação da concentração das principais Desequilíbrios multivariados invariavel-
da em HCO3- é compensada por um incre- substâncias osmoticamente ativas presen- mente ocorrem com perdas de potássio e
mento em Cl-, acarretando uma acidose tes no sangue, Na+, K+, glicose e uréia (os- podem ser acompanhados por alterações
hiperclorêmica. molaridade plasmática calculada)17. no funcionamento neuromuscular, inclu-
Na desidratação isotônica, há redução indo miocádio e trato gastrointestinal. A
Diferença de íons fortes (DIF) do líquido extracelular, sem modificação concentração de potássio sérico é rigoro-
Os cátions e ânions que entram na da pressão osmótica, assim, o líquido in- samente controlada pelos mecanismos de
equação são: (Na+ + K+ + Ca++ + Mg++) – tracelular não se altera. defesa contra os riscos de hipercalemia.
(Cl– + lactato–). Isto é geralmente referi- Quando ocorre desidratação hipotôni- Isso faz com que a hipercalemia seja ra-
do como DIF aparente (DIFa) já que há ca, ocorre maior perda de eletrólitos do ramente vista no eqüino exceto em casos
alguns ânions não-mensurados que podem que de água, há diminuição de sódio no de falha renal e acidose severa.
estar presentes. LEC o meio extracelular se encontra hi-
potônico em relação ao intracelular. Com c) Hipocalcemia:
DIF = ([Na ] + [K ]) – ([Cl ] +
+ + – isto, há passagem de líquido para o interi- A hipocalcemia é freqüente, particu-
[lactato–]) ou or das células possibilitando a ocorrência larmente em animais anoréticos e/ou com
DIF = ([Na+] + [K+]) – [Cl–] de edema, que pode incluir o SNC e se diarréia severa e, principalmente nos con-
(quando lactato não é mensurado) manifestar como agitação, convulsão e valescentes de cirurgias gastrointestinais
coma. com restrição alimentar. Sinais clínicos
Em eqüinos saudáveis este valor é de Uma desidratação hipertônica cons- comuns associados à hipocalcemia consis-
38 a 44 mEq/L. De acordo com o princí- titui-se em outra forma perigosa de desi- tem em depressão, fascilulação muscular,
pio da eletroneutralidade, DIF deve ser dratação, corresponde a 2-10% dos casos. taquicardia, ileus, e flutter diafragmático
contrabalançado por uma carga oposta e Observa-se perda de água maior do que a sincrônico18.
igual, definida como DIF efetivo (DIFe) de eletrólitos.
(aproximadamente – 40 mEq/L). O valor As principais causas são: reposição d) Hipocloremia:
do DIFe é principalmente determinado com soluções hipertônicas, diabetes insi- A hipocloremia normalmente ocorre
pelas moléculas dissociadas de proteínas pidus e uso de diuréticos osmóticos. Nes- devido a perdas pelo suor, em eqüinos du-
plasmáticas (A–), aproximadamente 78% ta situação o líquido extracelular apresenta rante provas de enduro de longa distân-
albumina, e fosfato, aproximadamente osmolaridade superior a do líquido intra- cia, sem condicionamento adequado e re-
20%. celular. Com isto, há passagem de água posição eletrolítica ou pelo refluxo gás-
do meio intracelular para o meio extrace- trico, em casos de íleus e enterite proxi-
A–(mEq/L) = lular. A desidratação intracelular é mani- mal11.
(proteína g/dl) x (0,175 mEq) festa como febre alta, sede intensa, irrita-
bilidade, convulsões e coma. Plano de fluidoterapia
Quando DIFa e DIFe são iguais, o pH O estabelecimento de um plano de flui-
do plasma é exatamente 7,4 a uma PCO2 Distúrbios eletrolíticos doterapia diminui a possibilidade de com-
de 40 mmHg. Quando DIFa e DIFe são plicações decorrentes da insuficiência (vo-
diferentes, esta diferença é chamada a) Hiponatremia/hipernatremia: lume) e da impropriedade (tipo de fluido).
strong ion gap (SIG) (DIFa – DIFe, nor- A hiponatremia é mais comum em pa- O volume de fluido e a velocidade de ad-
mal = 0). cientes com diarréia, em que uma quanti- ministração dependem de cada situação
SIG positivo indica que ânions não- dade elevada de sódio é perdida e somen- clínica. Em pesquisa visando verificar a
mensurados (sulfato, cetoácidos, citrato, te uma reposição parcial é possível pela necessidade de corrigir a desidratação em
piruvato, acetato, gluconato etc.) devem ingestão de água. A hipernatremia não é 583 eqüinos com cólica por diferentes dis-
estar presentes determinando o pH medi- comum, contudo, pode ocorrer como re- túrbios, foi observado que o déficit hídri-
do (acidose). Assim como SIG negativo sultado de um erro de administração de co aumentou na medida em que a freqüên-
indica a presença de cátions não-mensu- fluido particularmente de solução de bi- cia cardíaca (FC) se tornou crítica19. Ani-
rados (alcalose). A detecção de ânions não- carbonato de sódio, provocando também mais com FC acima de 80 batimentos por
mensurados em pacientes críticos pode hiperosmolaridade. minuto apresentaram maior necessidade de
identificar melhor a origem dos distúrbi- reposição de fluido. Em casos de desidra-
os ácido-básicos. Evitando-se o agrava- b) Hipocalemia/hipercalemia: tação devido a diarréia, a reposição deve
mento destas alterações. Potássio é um íon intracelular que pode ser rápida. Já em casos de íleus, a rapi-
estar diminuído em cavalos com anorexia, dez de administração pode influir na in-
Tipos de desidratação refluxo gastrintestinal, ou enterocolite, tensidade de refluxo, sobretudo se a desi-
A desidratação é classificada em hi- avaliação do potássio sérico não reflete dratação é acompanhada de hipoproteine-
mia. Com freqüência, no início de uma para eqüinos com alcalose, principalmen- sada a 5%. Na maioria dos pacientes sem
fluidoterapia de reposição a velocidade te em eqüinos de enduro. sinais clínicos de desequilíbrios importan-
deve ser maior que durante a fase de ma- b) Solução hipertônica de NaCl a 7.2% tes, a proporção dessas soluções é de
nutenção. também é cristalóide não balanceada, o 3:2:1. Isso significa que para cada três
O volume de fluido a ser administrado que aumenta a contratilidade do miocár- frascos de solução de Ringer com lactato
pode ser determinado multiplicando-se o dio, o débito cardíaco e a pressão arterial. de sódio, administram-se dois frascos de
peso corporal do animal pela taxa de de- Porém, durante a sua administração ob- solução fisiológica 0,9% e, um de solu-
sidratação, acrescido do volume requeri- servou-se uma pré-hipotensão transitória ção glicosada 5%. Em caso de desequilí-
do de manutenção diária, que está em tor- que poderá ser nociva quando já existe brio ácido-basico, suspeitado pelo exame
no de 40-60mL/kg/dia. Ou seja, hipotensão severa23. A solução é utilizada clínico ou diagnosticado pelo exame de
como expansora plasmática de curta du- gasometria, essa proporção deve ser ajus-
Volume da fluidoterapia = ração em pacientes hipovolêmicos, em tada conforme exigir o tratamento do de-
(% de desidratação x peso corporal) sequilíbrio presente.
estado de pré-choque hemorrágico ou en-
+ ( 40 a 60mL/kg)
dotoxêmico24. Visando aumentar o volu-
me circulante e combater a hipotensão Fluidoterapia enteral (FE)
Para um animal com 500 Kg, e 10%
durante a anestesia geral. O aumento da A FE administrada por sonda nasogás-
de desidratação, a necessidade de reposi-
volemia com redução do VG e das PPT trica constitui um método de tratamento
ção em 24h será de 50 L + 20 a 30 L por
resulta da redistribuição de fluido do com- prático, eficiente e barato28, sendo benéfi-
dia (70 a 80 L/dia). A estes valores de-
partimento intracelular para o extracelu- ca para eqüinos com cólica que não apre-
vem ser somadas ainda todas as perdas de-
lar23,25,26. Por outro lado, desidratação de sentam mais de 2-3 litros de refluxo e im-
correntes de diarréias ou refluxo nasogás-
células cerebrais e hipernatremia, podem pedimento de absorção18. A FE recupera e
trico. Assim, a necessidade de reposição
acarretar excitação e até convulsões, hi- mantém a hidratação e os equilíbrios ele-
diária em um eqüino com diarréia pode
pocalemia e falha renal são efeitos cola- trolítico e ácido-basicos, promove a diu-
ultrapassar 100 L por dia. No plano de
terais reportados23. rese, aumenta a secreção pulmonar, esti-
fluidoterapia, 50% deste volume devem
c) Solução de Ringer com lactato de só- mula a motilidade intestinal e aumenta a
ser administrados nas primeiras 6 h e o
dio é cristalóide balanceada, sendo a mais hidratação do conteúdo intestinal29. Entre-
restante distribuído pelas 18 h restantes.
usada em eqüinos. Não deve prevalecer tanto, em casos de desidratação severa a
A fluidoterapia está contra-indicada ou
como solução principal na fluidoterapia de FE isolada não é suficiente30. Além disso,
deve ser administrada com cautela em ca-
animais com alcalose e com acidose seve- a FE pode acarretar complicações como
sos de edema cerebral insuficiência car-
ras. falsa via, acidentes de intubação, descon-
díaca congestiva, doenças respiratórias e
forto abdominal, ruptura de estomago,
anemia severas, bem como pressão oncó- d) Solução glicosada a 5% é uma solu- desequilíbrio eletrolítico e edema pulmo-
tica baixa devido à hipoproteinemia20. ção necessária para compor fluidoterapia nar28.
principalmente em eqüinos durante o pe- Em volume adequado em animais sem
Tipos de fluido ríodo pós-operatório de cirurgias de cóli- íleus, a FE estimula o reflexo gastrocóli-
Basicamente os fluidos são classifica- ca. Algumas vantagens dessa solução de- co, induzindo motilidade intestinal, que
dos como soluções cristalóides e soluções vem ser ressaltadas, como a redução do pode até representar risco de ruptura em
colóides. As cristalóides se distribuem por estresse devido ao jejum. Melhora a ca- eqüinos com compactação cecal severa28.
todos os compartimentos do corpo. São pacidade detoxicante hepática; aumenta a Adicionalmente, há risco da FE, adminis-
as mais usadas para corrigir desequilíbri- concentração de insulina, facilitando a trada em volume elevado ou cumulativo,
os hidroeletrolíticos e ácido-básicos. Já as translocação de potássio para o comparti- induzir ou agravar a dor. Isso ocorre devi-
soluções colóides possuem elevado peso mento intracelular. do à distensão visceral ou tração mesen-
molecular e se mantém no compartimento e) Solução de bicarbonato de sódio tem térica na medida em que o fluido acumu-
intravascular. São administradas para res- sua principal indicação quando há perda lado no lume do intestino delgado, resulta
taurar a pressão oncótica principalmente de bicarbonato. Pode não ser indicada em em força com tendência a direcionar o in-
quando há hipoproteinemia21. Como exem- casos de cólica ou choque em que a aci- testino para o assoalho abdominal. Se exis-
plos podem ser citadas o plasma, o dex- dose é resultante de baixa perfusão com te gás em outro segmento de intestino, a
tran e o hidroxi-etil-starch. conseqüente aumento da produção de lac- diferença de densidade dos conteúdos pre-
a) Solução de NaCl 0.9% é cristalóide tato. Essa solução pode resultar em hiper- dispõe a ocorrência de deslocamentos.
não balanceada. Por isso não é apropria- natremia, hipocalemia e alcalose metabó- Para evitar esses riscos e garantir os be-
da para ser administrada em grandes vo- lica27. Portanto, sempre que a solução de nefícios, só se deve administrar FE em
lumes isoladamente, pois, suas concentra- bicarbonato for usada deve-se administrar pacientes sem distensão abdominal gaso-
ções de sódio e cloro são maiores que as também 20 mmol de cloreto de potássio sa e sem íleus. Entre as causas de cólica,
do plasma, o que pode acarretar hipocale- por litro de fluido22. a compactação do cólon maior (ICM)
mia e hypercloremia, resultando em aci- Durante o pós-operatório em eqüinos constitui a maior indicação da FE. Entre-
dose metabólica22. Em outras palavras, a operados de cólica é freqüente conduzir a tanto, nem todo caso de ICM deve ser tra-
solução fisiológica é acidificante, e assim fluidoterapia com soluções de Ringer com tado com FE.
sendo, deve constituir o fluido de eleição lactato de sódio, fisiológica 0,9% e glico- Em média, a capacidade do estômago
de um eqüino adulto varia de 8 a 10 litros rapy. In: Current therapy en equine medici- p.396-398, 1981.
e, o tempo de esvaziamento varia de 20 a ne. 4, Philadelphia: Saunders, 1997, p.227-231.
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