Você está na página 1de 2

Samico, quase retrospectiva

Gilvan Samico (1928-2013) está entre os artistas mais importantes do Brasil e suas xilogravuras
estão entre as mais originais e representativas dessa arte tão determinante para formação e
difusão de uma visualidade moderna no país. Seu nome hoje está alinhado aos de Lasar Segall,
Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo, fundadores e mestres da gravura brasileira no século XX,
juntamente com outros grandes de sua geração, como Fayga Ostrower, Marcelo Grassmann,
Arthur Luiz Piza e Evandro Carlos Jardim, que consolidaram esta prática artística como uma
potente estratégia poética e social.

Iniciado nas práticas artísticas no Atelier Coletivo do Recife (1952), Samico estuda com Lívio
Abramo em São Paulo, para onde se transfere em 1957, e depois, no Rio de Janeiro, em 1958,
com Oswaldo Goeldi. Na década de 1960 retorna a Pernambuco e fixa-se em Olinda, cidade
onde viveu e trabalhou até sua morte, exceto pelos anos 1968-70, quando residiu em Paris com
o prêmio do Salão Nacional de Arte Moderna. Nos anos 1970, Ariano Suassuna, criador do
Movimento Armorial, que tem como objetivo valorizar a cultura do Nordeste, buscando uma
arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura do país, aponta Samico como um
artista exemplar desse movimento, sua maior e mais completa realização.

Esta exposição reúne três grupos de gravuras representativos dos desdobramentos no processo
do seu trabalho. No primeiro conjunto, produzido entre 1958 e 1959, percebem-se referências
a obras de seus professores, mas, ao mesmo tempo o caráter abstrato de suas composições
jogando com linhas e formas figurativas, assim como o gosto por texturas elaboradas na
exploração da madeira. No segundo grupo, produzido na década de 1960, pode-se ver o
encontro do artista com as tradições populares da gravura e da literatura de cordel, com o
imaginário telúrico e fantástico das suas histórias e lendas. Em oposição ao branco e preto
tramado e denso do período anterior, o branco ganha força expressiva, enfatizando o caráter
planar da imagem, com o uso sóbrio e pontual de cores vibrantes; os gestos no talho da madeira
são mais profundos e econômicos, e a figuração se torna mais gráfica, simplificada, favorecendo
uma maior eficiência da imagem e da objetividade da representação. Nesse período
consolidam-se sua linguagem plástica e seu engajamento com a cultura vernacular, aliada à
grande tradição da arte ocidental, representada pela abordagem de temas bíblicos e mitos
clássicos da história.

O terceiro grupo tem início no final dos anos 1960 e vai até 2013, sendo que, a partir de 1977,
Samico define um tamanho padrão de matriz em madeira e passa a produzir apenas uma peça
por ano. Nessa última etapa, percebe-se um processo de depuração do seu trabalho, com a
adoção de composições articuladas a partir da divisão geométrica do espaço, a estruturação
hierática da imagem, constituída de pequenos campos com figuras, animais, elementos de
paisagens, frutas, vegetação, motivos decorativos. Resultam de um gesto disciplinado e
habilidoso do artista cavando a madeira, como um mantra repetido, silenciosamente, por um
longo tempo. Por vezes adquirem um caráter cinemático, como uma narrativa, mas
predominam nessas gravuras algo de um ícone religioso, com a entrega direta do seu sentido,
com nada para além da sua presença e materialidade.

Rua Ferreira de Araújo, 625 Pinheiros CEP: 05428-001 São Paulo | SP TEL: (11) 33137253
www.galeriaestacao.com.br contato@galeriaestacao.com.br
As gravuras estão dispostas em ordem cronológica, porém sem muito rigor. Trabalhos da
primeira etapa são justapostos a outros de períodos posteriores com o objetivo de pontuar
entre eles semelhanças formais, temáticas ou de procedimentos, assim como explicitar os
desdobramentos poéticos e conceituais da obra singular de Gilvan Samico.

Ivo Mesquita, curador

Rua Ferreira de Araújo, 625 Pinheiros CEP: 05428-001 São Paulo | SP TEL: (11) 33137253
www.galeriaestacao.com.br contato@galeriaestacao.com.br

Você também pode gostar