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TREINAMENTO FONÉTICO DE SEGMENTOS – AINDA ÚTIL?

Mara Silvia REIS (PG – UFSC/CAPES)


Rosana Denise KOERICH (UFSC)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA:

REIS, Mara Silvia. Efeitos de treinamento perceptual


na percepção e produção das plosivas não-vozeadas
do inglês. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS
LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007,
Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1658-1669.

1. INTRODUÇÃO

O ensino da pronúncia de língua estrangeira (LE) em sala de aula passou por


pontos de vista extremados nas últimas décadas do século XX—praticamente sem
função no método de Tradução Gramatical ao foco principal no método Audiolingual. A
partir do final dos anos de 1960 a efetividade do ensino da pronúncia de LE foi
fortemente questionada, os programas de ensino de pronúncia eram vistos como
atividades de repetição sem sentido e sem utilidade para a comunicação (Morley, 1991).
Além disso, alguns estudos (e.g., Suter, 1976; Purcell & Suter, 1980) concluíram
que a instrução da pronúncia tinha pouco efeito nos ganhos em proficiência e até mesmo
na melhora da acuidade de pronúncia, tanto nos níveis segmental como suprasegmental.
Fatores como a língua materna (L1) do aprendiz e sua motivação em aprender, que eram
considerados como influentes no aprendizado da pronúncia, pareciam não ser
beneficiados por atividades de sala de aula. Pennington (1989), entretanto, questionou
essa perspectiva sobre o ensino de pronúncia afirmando que não há bases firmes para
que se assegure categoricamente que a pronúncia não é possível de ser ensinada ou que
não seja de valia despender tempo nessa atividade.
A partir dos anos de 1980, devido ao Método Comunicativo de ensino de LE,
começa a haver uma tentativa de conciliação entre as vertentes no ensino de línguas
(Celce-Murcia, Brinton, & Goodwin, 1996). Morley (1991) afirma que o ensino de
pronúncia deve ser integrado à práticas contextualizadas, com ênfase no nível
suprasegmental, nas necessidades individuais de cada aprendiz, na interação do grupo e
na correção entre pares. Sob este ponto de vista, sem um mínimo de inteligibilidade na
fala a capacidade de comunicação seria extremamente limitada. Celce-Murcia (1987)
diz que se a pronúncia cai abaixo do nível de mínimo de inteligibilidade, a capacidade

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do aprendiz de se comunicar oralmente, independente de quanto ele domine a gramática
ou o vocabulário da LE, é fortemente afetada.
Nesta perspectiva de ensino de pronúncia, a intenção desse artigo é avaliar o livro
Guia de Pronúncia do Inglês para Brasileiros (Schumacher, White & Zanettini, 2002).
Para tanto, o artigo é organizado em cinco sessões: a sessão 2 apresenta uma breve
revisão da literatura no que concerne ao ensino de pronúncia; a sessão 3 descreve a
organização do livro; a sessão 4 apresenta a avaliação do livro e um experimento em
pequena escala conduzido a partir do uso do mesmo, e a sessão 5 apresenta algumas
críticas e recomendações.

2. REVISÃO DA LITERATURA

O problema de ensinar ou não a pronúncia de LE vai além das paredes da sala de


aula e chega a níveis nos quais os professores têm pouco ou nenhum controle. Primeiro,
existe uma relação entre sotaque e identidade cultural—estudos comprovam que pessoas
com pouca empatia pela cultura da LE, ou com o ‘ego pouco flexível’ (ego-
permeability, Guiora et al., 1972) resistem em alterar o sotaque na LE como forma de
manter o laço às suas comunidades de origem, independente de qualquer esforço por
parte do professor.
Segundo, há a questão da globalização e a importância que a língua inglesa
adquiriu como a língua franca contemporânea. Para diversos estudiosos, (e.g.,
Seidlhofer, 2004), uma pronúncia acurada é desnecessária e o modelo nativo não tem
utilidade alguma. Segundo ele, o ponto essencial seria alcançar inteligibilidade, o que
permitiria a comunicação entre falantes das mais variadas línguas, sobretudo por
motivações econômicas.
Além da perspectiva do inglês como língua franca, alcançar inteligibilidade parece
ser, atualmente, o propósito do Método Comunicativo de ensino de LE. Neste método, o
objetivo em se aprender uma língua reside na disposição em poder se comunicar desde
os estágios iniciais de aprendizado. Portanto, inteligibilidade seria, mais que nunca, o
foco do ensino de pronúncia da LE. Celce-Murcia et al.(1996) afirmam que pronúncia
inteligível é um dos componentes necessários para a comunicação oral efetiva.
Igualmente, Morley (1991) argumenta que um padrão único de ensino de pronúncia
deve ser modificado de forma a prover os aprendizes a possibilidade de alcançar
inteligibilidade, comunicabilidade e autoconfiança.
A questão que se apresenta diante desses argumentos diz respeito ao conceito
inteligibilidade—o que pode ser considerado inteligível entre alguns indivíduos de
mesma L1, pode ser incompreensível para outros falantes de inglês como LE ou para
falantes nativos de inglês. Portanto, o termo inteligibilidade necessita ser melhor
operacionalizado. Como Morley (1991) aponta, inteligibilidade pode estar muito mais
na mente do ouvinte que na boca do falante. Seligson (1998) diz não haver uma
definição simples e direta para o termo, embora ele afirme que o falante se torna
inteligível quando sua pronúncia não é facilmente detectada.
Inteligibilidade parece ser o propósito do Método Comunicativo, uma vez que
propõe que o desenvolvimento da LE se dê através da comunicação que sirva aos
interesses individuais do aprendiz e permita uma imagem positiva dele mesmo como
falante desta LE. De acordo com Morley (1991), no ensino da pronúncia é essencial
oferecer aos aprendizes condições para que eles desenvolvam estratégias de consciência
do próprio aprendizado e habilidades de automonitoramento, estratégias estas que

1659
podem ser usadas fora do ambiente de instrução. A estudiosa também argumenta que
sob o ponto de vista do Método Comunicativo o ensino da pronúncia deve envolver
globalmente o aprendiz, nos seus aspectos intelectual, afetivo e físico. Além disso, o
ensino da pronúncia seria mais efetivo se integrado à atividades comunicativas em sala
de aula, num currículo que enfatize a abordagem do nível suprasegmental, tais como a
entonação e o ritmo de fala, ligando a pronúncia à atividades de compreensão auditiva
(listening), e acima de tudo, se conduzido de maneira significativa, e não simples
repetições orais (Esling & Wong, 1983; Morley, 1994; Gilbert, 1994; Esling, 1994;
Pennington & Richards, 1985; Jenkins, 2004).
Apesar do atual método de ensino de LE focar em suprasegmentais, meu interesse
pessoal se concentra no nível segmental, particularmente na percepção e produção dos
fonemas fricativos interdentais do inglês—o não-vozeado // de palavras como theater,
e o vozeado //, como em there. Alguns estudos (e.g., Brannen, 1999, 2002; Hecht &
Mulford, 1987; Jamieson & Morosan, 1986; Reis, 2003, 2006) demonstram (i) que o
fonema não-vozeado é menos marcado1 que o vozeado tanto na percepção quanto na
produção (Reis, 2003, 2004); (ii) que haja um fator perceptual envolvido nos diferentes
padrões de substituição dos fonemas (Brannen, 1999, 2002), (iii) que tanto a
transferência da L1 quanto os fatores de desenvolvimento do aprendizado da língua
estejam envolvidos nas diversas substituições dos fonemas (Hecht & Mulford, 1987); e
(iv) que o treinamento na discriminação entre os fonemas melhora a distinção entre eles
(Jamieson & Morosan, 1986).
Entretanto, nenhum desses estudos se concentrou no ensino dos fonemas-alvo com
brasileiros aprendizes de inglês como LE. Portanto, os objetivos do presente estudo são
(i) oferecer uma crítica ao livro Guia de Pronúncia do Inglês para Brasileiros a partir
da perspectiva do Método Comunicativo, (ii) testar o material fornecido pelo livro no
que concerne ao ensino das fricativas interdentais, e (iii) verificar se há alguma melhora
na produção dos fonemas-alvo após a instrução dos mesmos.

3. ORGANIZAÇÃO DO LIVRO

Guia de Pronúncia do Inglês para Brasileiros é um livro dirigido para professores


e aprendizes brasileiros de inglês como LE que tenham interesse em aperfeiçoar a
pronúncia. Suas 244 páginas consistem em material autodidata, acompanhado de um
CD com modelos gravados por nativos de inglês para cada tópico tratado no livro. O
conteúdo é dividido em duas partes principais: a primeira aborda o nível segmental, o
qual enfatiza a comparação entre os sistemas sonoros entre o português brasileiro e o
inglês britânico e o papel da transferência da L1, e a segunda parte aborda o nível
suprasegmental, no qual entonação, ritmo e fluência são tratados.
A apresentação de cada tópico, tanto na parte segmental quanto suprasegmental,
acontece através do contraste entre os dois sistemas fonológicos. As explicações são
dadas em português, os exercícios fornecidos em inglês e somente alguns exemplos de
cada exercício estão disponíveis no CD. A principal abordagem ao ensino de pronúncia
recai sobre os tradicionais exercícios de repetição. Entretanto, os autores tentam integrar
este tipo de atividade a situações mais contextualizadas de comunicação—em se

1
Teoria da Marcação (Eckman, 1977, 1996): uma estrutura é mais marcada, ou difícil, se menos
freqüente que outra. A presença da forma mais marcada implica na presença de outra, considerada menos
marcada. No caso especifico dos fonemas-alvo deste estudo, a presença de // implica na presença de //.

1660
tratando de segmentos, eles aparecem em palavras inseridas em sentenças completas.
Porém, não há outros tipos de atividades além dos exercícios de repetição, o que implica
no não atendimento de diferentes tipos de aprendizagens, tais como a auditiva, a visual
ou a sinestésica. Somente no tópico de entonação e ritmo um método mais sinestésico é
utilizado, no qual é sugerido aos aprendizes que batam palmas enquanto tentam detectar
o padrão de tempo de acentuação da língua inglesa.

4. O ESTUDO

Devido ao meu interesse pessoal na área de segmentos, especificamente nos


fonemas fricativos interdentais, a primeira parte do livro foi utilizada como instrumento
para instrução de aprendizes brasileiros de inglês como LE. A apresentação dos
fonemas foi dividida em duas partes—primeiro o som não-vozeado, entre as páginas 57
e 61, seguido do fonema vozeado, conteúdo das páginas 62 a 64. Em ambas as partes os
autores enfatizam a não existência dos sons em português, argumentando que devido a
esse fato a produção dos fonemas se torna dificultada. Schumacher et al. (2002)
introduzem a produção dos sons não-nativos através de palavras em português que
contenham os fonemas /s/ e /z/, desde que os aprendizes articulem tais sons com a
língua entre os dentes. Em seguida, palavras isoladas em inglês são utilizadas, com os
fonemas-alvo em diferentes posições de palavras, e, finalmente, as palavras são
inseridas em sentenças e em trava-línguas. Os autores advertem que a substituição dos
fonemas-alvo pode causar certa confusão, e apresentam como exemplo alguns pares
mínimos, tais como thin-sin, three-tree e thirst-first para o fonema não-vozeado, e then-
den e breathe-breeze, para o fonema vozeado. A pronúncia específica do artigo definido
the é abordada, uma vez que os autores afirmam haver duas formas distintas de produzi-
lo: uma quando o artigo antecede vogais e outra antes de consoantes. Estudos anteriores
(Reis, 2003, 2006) mostram que a percepção e a produção acurada do artigo definido
parece ser extremamente irrelevante entre aprendizes brasileiros de inglês como LE.

4.1 Participantes

Seis aprendizes brasileiros de inglês como LE, 3 homens e 3 mulheres, com idades
entre 19 e 24 anos, participaram do estudo. Todos os sujeitos eram alunos do Curso
Extracurricular de Línguas da Universidade Federal de Santa Catarina. Com exceção de
um aprendiz provindo do primeiro semestre, os demais estavam no terceiro semestre de
estudos. Aleatoriamente o grupo controle (GC) e o grupo experimental (GE) foram
divididos em 3 homens e 3 mulheres, respectivamente.

4.2. Procedimentos

Na primeira aula a atividade inicial do GE foi gravar uma lista com 11 sentenças
contendo 11 exemplos de cada fricativa interdental, 22 itens com os fonemas-alvo,
portanto. Esse momento do experimento foi determinado tempo 1 (T1). Imediatamente
após a gravação os aprendizes tiveram cerca de 50 minutos de instrução e prática,
seguindo as orientações das páginas 57 a 64, para // e //, e páginas 173 e 174, para o
artigo the. Nenhuma informação além da contida no livro foi oferecida aos alunos. Após
a instrução, no tempo 2 (T2), os participantes gravaram as mesmas sentenças do T1, e
foram orientados a comparar as gravações de T1 e T2, numa tentativa de que eles

1661
pudessem se auto-avaliar quanto à melhora na produção dos fonemas-alvo. O GC não
participou da primeira aula.
As classes subseqüentes obedeceram ao mesmo padrão: (i) os aprendizes tinham
instrução sobre diferentes tópicos, (ii) seguido de gravação de sentenças contendo o
assunto praticado naquele dia, além dos sons das aulas prévias, sendo todas as sentenças
apresentadas de forma aleatória. O objetivo ao introduzir outros segmentos foi o de
distrair a atenção dos participantes quanto à instrução dos fonemas-alvo e, portanto,
verificar se houve alguma retenção da instrução. É importante mencionar que embora as
sentenças com os fonemas-alvo tenham sido diferentes entre uma sessão e outra, foi
utilizado o mesmo conjunto de vocabulário contendo // e //.
Na segunda aula, determinada tempo 3 (T3) e ocorrida uma semana após a
primeira aula, os participantes tiveram instrução sobre algumas consoantes em final de
palavras (p. 89-96), tais como /t/, /d/, /l/ e /f/. Na terceira aula, tempo 4 (T4), duas
semanas após a primeira aula, os aprendizes terminaram o capítulo de consoantes em
final de palavras (p. 96-98), e tiveram instrução sobre consoantes plosivas (p. 114-118)
e tonicidade da frase (p. 119-121). A acuidade de produção dos participantes foi julgada
por mim e por um nativo de língua inglesa com treinamento em fonética e fonologia.

4.3. Resultados e Discussão

A análise de dados consistiu em verificar se a produção dos fonemas-alvo


melhorou após a instrução e se essa melhora perdurou após uma e duas semanas. Os
resultados não foram tratados em termos de significância estatística devido ao limitado
número de participantes e itens produzidos, mas considerados em termos de
porcentagens.
No geral os resultados demonstram que o GE obteve uma melhora importante na
produção do segmento não-vozeado, considerado o menos marcado (Eckman, 1977,
1991). Para mais detalhes veja Figura 1, Figura 2, e Figura 3 para o GE, e Figura 4 para
os participantes do GC. Entretanto, os efeitos da instrução na produção do segmento
mais marcado, //, revelou-se menos eficiente, tanto para o GC quanto para o GE.

100
90
80
Accuracy

60 64
vl th
45 vc th
40 36
20

0 0 0 0
1 2 3 4
Time

Figura 1: Participante 1 do GE. Porcentagem de produção acurada.


vl: fonema não-vozeado. vd: fonema vozeado. T: tempos 1, 2 3, e 4.

1662
100
100
80 82
80

Accuracy
60 64
55 vl th

40 vc th

20

0 0 0
1 2 3 4
Time

Figura 2: Participante 2 do GE. Porcentagem de produção acurada.


vl: fonema não-vozeado. vd: fonema vozeado. T: tempos 1, 2 3, e 4.

100 100
100
90
80
73
Accuracy

60 vl th
40 vc th
27 27
20

0 0
1 2 3 4
Time

Figura 3: Participante 3 do GE. Porcentagem de produção acurada.


vl: fonema não-vozeado. vd: fonema vozeado. T: tempos 1, 2 3, e 4.
100

80
Accuracy

60 vl th

40 vc th

20

0 0 0 0 0
1 2 3 4
Time

Figure 4: Participantes 4, 5 e 6 do GC. Porcentagem de produção acurada.


vl: fonema não-vozeado. vd: fonema vozeado. T: tempos 1, 2 3, e 4

No que concerne à produção do fonema não-vozeado, as substituições mais


freqüentemente utilizadas foram /t/ por dois participantes, e /f/ pelos demais. Em T1
somente um participante atingiu 45% de acuidade, enquanto os demais produziram o
fonema incorretamente em todas as ocorrências. Talvez a substituição de // por /f/,
como Flege (1995) sugere, seja uma tentativa de ‘aproximação fonética’, uma vez que
ambos os fonemas são acusticamente muito similares (Ladefoged, 2001).
Os três participantes do GE terminaram o experimento produzindo o th não-
vozeado de forma mais precisa do que quando o começaram. Curiosamente, no entanto,
aqueles que produziam // como /f/ abandonaram essa estratégia de aproximação e
adotaram /t/ nos momentos em que não produziam // corretamente. Talvez, haja vista

1663
que // e /f são acusticamente semelhantes, estes participantes estivessem, a princípio,
tentando ajustar a produção com a percepção, assumindo que ouviam /f/ no lugar de //.
Talvez a instrução sobre a como se dá a articulação do fonema inexistente em português
tenha causado certa desorganização na relação que estes participantes tinham entre a
percepção e a produção deste som.
É intrigante, também, que dentre o GE o participante 1 (PA1), que começou o
experimento com os melhores índices de acuidade na produção de //, não tenha sido o
que apresentou a melhor performance ao final do estudo. Ao contrário, foi a PA3 quem
obteve mais benefícios da instrução, tanto para o fonema não-vozeado quanto para o
vozeado. Ela iniciou o experimento com nenhuma produção acurada de ambos os
fonemas e o terminou com os mais elevados índices de acuidade: uma média de 90%
para // e 27% para //, enquanto o PA1 obteve uma performance final de 64% para //
e 0% para //.
No que tange à produção do th vozeado, o padrão de substituição encontrado foi
/d/ para //, o que corrobora resultados anteriores (Reis, 2003). Dentre o GE nenhum
dos participantes apresentou qualquer ocorrência de produção acurada em T1. Em T2,
entretanto, todos tiveram uma melhora imediata importante. Porém, somente a PA3
obteve melhora ainda mais expressiva após a primeira semana, alcançando uma média
de 73% em T3, mas voltando ao patamar de 27% em T4, mesmo índice de T2. Os
outros dois participantes melhoraram após instrução, mas terminaram o experimento
cometendo o mesmo padrão de substituição de T1. O GC (Figura 4) não demonstrou
qualquer melhora, seja no fonema vozeado seja no não-vozeado, ou seja, eles
continuaram no mesmo patamar de acuidade entre T1 e T4 para ambos os fonemas-
alvo—0% de acuidade.
Yule e Macdonald (1994) reportam um estudo sobre treinamento em pronúncia e
argumentam que instrução pode ter um efeito retrasado e necessitar de algum tempo
para que ocorra a reestruturação do novo conhecimento na mente do aprendiz. Os
pesquisadores afirmam que o aprendiz pode não estar apto a produzir a nova informação
no período do estudo, mas que a melhora pode ocorrer algum tempo depois.
Igualmente, Ellis (1994) afirma que os aprendizes podem fazer uso da informação
recebida na instrução somente algum tempo depois da mesma. O autor lembra ainda que
mesmo que o aprendiz não esteja pronto para adquirir determinada estrutura, a instrução
poderá acelerar o processo de aprendizagem.
McLaughlin (1987) afirma que automaticidade é o único processo necessário para
que os aprendizes internalizem novas informações. Ele reconhece a importância da
repetição de tarefas de forma controlada para que se obtenha um certo nível de acuidade
da nova informação e argumenta que reestruturação é essencial para que se alcance esta
acuidade. Rumelhart e Norman (1978) definem reestruturação como um processo que
ocorre quando novas estruturas são utilizadas na interpretação de novas informações, o
que impõe uma nova organização do material já armazenado na memória. Yule e
Macdonald (1994) argumentam que instrução em pronúncia pode demandar algum
tempo para que a reestruturação ocorra, período no qual uma melhora imediata pode não
ser observada.
Estas explicações podem ser pertinentes para os achados do presente estudo. Os
participantes podem ter se beneficiado da instrução, especialmente no treinamento do
fonema menos marcado. De fato, alguns pesquisadores (e.g., Ellis, 1994; Hu, 2002;
Butler, 2002) argumentam que a instrução é mais efetiva para estruturas menos

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marcadas. Isto poderia explicar as diferenças na performance dos fonemas-alvo: uma
melhora importante na produção de ambos os sons, porém seguida de piora
considerável, sobretudo na produção do fonema vozeado.
Embora a produção do segmento vozeado não tenha apresentado uma melhora
continua no decorrer do experimento, existe a possibilidade de que certo incremento
aconteça algum tempo posterior ao estudo. Talvez, como Yule e Macdonald (1994)
apontam, a conseqüência da instrução apareça num tempo posterior à instrução, já que
um período de reestruturação talvez seja necessário, especialmente para sons marcados
como é o caso da fricativa interdental vozeada.
Igualmente importante é considerar a possibilidade de que entre os participantes
tenha ocorrido o despertar da consciência (consciousness raising, Sharwood-Smith,
1993) a respeito das particularidades dos fonemas-alvo, o que poderá promover uma
percepção e produção mais acurada dos segmentos no decorrer do processo de
aprendizagem.
Outro aspecto relevante é de que a fossilização dos fonemas-alvo já tenha ocorrido
entre os participantes do experimento. Embora eles não estejam envolvidos com o
estudo da língua por um longo período, os sons do th estão entre os mais comuns na
língua inglesa—o artigo the é a palavra mais freqüente no inglês (Butler, 2002). Se os
aprendizes não são instruídos a respeito da produção dos segmentos ou não recebem
correção (negative evidence) nas suas performances, é alta a possibilidade de que a
fossilização ocorra (Reis, 2003). Yule e Macdonald (1994) afirmam que se a
fossilização acontecer, a instrução pode ser irrelevante.
Finalmente, a forma de instrução utilizada neste experimento pode não ter sido
adequada ao tipo de aprendizagem de alguns participantes. Yule e Macdonald (1994)
dizem que os aprendizes podem se beneficiar mais ou menos dependendo do tipo de
instrução oferecida. Neste sentido, talvez para a PA3, por exemplo, esse forma de
ensino corresponda à sua maneira pessoal de aprendizagem, e por isso ela tenha
alcançado os melhores resultados entre todos os participantes.

5. CRÍTICA E RECOMENDAÇÕES

O Método Comunicativo de ensino de LE sugere que para que a pronúncia seja


ensinada e aprendida de forma efetiva, ela tem que ser integrada ao contexto geral de
aprendizagem, com ênfase nos aspectos suprasegmentais (Esling & Wong, 1983;
Morley, 1994; Gilbert, 1994; Esling, 1994; Pennington & Richards, 1985, Jenkins,
2004). Além disso, de acordo com Morley (1991), é de responsabilidade do professor
prover condições para que o aluno desenvolva consciência do seu processo de
aprendizagem e habilidades de automonitoramento, estratégias que o ajuda no uso da
LE além da sala de aula.
Entretanto, o livro Guia de Pronúncia do Inglês para Brasileiros está longe de
alcançar estes requisitos. Do total de 244 páginas, cerca de 180 são dedicadas ao nível
segmental—produção de consoantes, vogais, ditongos, e redução de vogais. Na segunda
parte do livro, com foco no aspecto suprasegmental, o ritmo e a entonação da língua
inglesa são muito superficialmente abordados—somente quatro páginas e com um
número limitado de exercícios.
Igualmente limitado é o conteúdo do CD que acompanha a prática oral: ao invés
de abarcar todos os itens dos exercícios, possui somente alguns exemplos de cada. Ou

1665
seja, através do CD o aprendiz provavelmente não tem insumo suficiente para provocar
uma percepção acurada do novo sistema fonológico.
Apesar desses aspectos que parecem desabonar o livro, ele apresenta algumas
características valiosas. Acima de tudo é um livro que contempla problemas específicos
de um público, composto por brasileiros aprendizes de inglês como LE, oferecendo
soluções também especificas para esse público. Além disso, o livro pode ser utilizado
como material autodidata, tanto para professores como para aprendizes. Uma vez que as
explicações do livro são escritas em português, ele se torna acessível aos aprendizes
inexperientes. Outro aspecto sobre as explicações é que elas são diretas, simples e
geralmente trazem comparações entre os dois sistemas sonoros, o que pode auxiliar os
aprendizes a perceber as diferenças entre os inventários mais facilmente.
Como profissional, o livro Guia de Pronúncia do Inglês para Brasileiros pode
servir tanto para professores de inglês nativos quanto não-nativos—estes últimos podem
utilizá-lo como instrumento de melhoramento de suas próprias produções e como
recurso para lidar com as dificuldades de seus alunos; já os professores nativos podem
utilizá-lo como uma fonte de compreensão das dificuldades que os brasileiros
encontram em alcançar uma pronúncia inteligível.
No que concerne ao experimento conduzido através da utilização do livro, ele
demonstra que Guia de Pronúncia do Inglês para Brasileiros é efetivo no ensino da
produção das fricativas interdentais, especialmente a não-vozeada. Uma vez que o
principal objetivo deste livro parece coincidir com o propósito do presente experimento,
proporcionar uma produção mais acurada no nível segmental, o livro se mostra um
instrumento muito adequado. Entretanto, é importante lembrar que o estudo é
extremamente limitado quanto ao número de participantes e no escopo de tarefas testes.
A retenção de resultados é uma questão aberta e que não pode ser respondida com os
resultados do presente estudo.
Embora o experimento tenha corroborado a pertinência do livro no ensino de
segmentos, a segunda parte do livro, que trata do nível suprasegmental, deveria ser
revisada e ampliada no sentido de oferecer mais exercícios, abordar outros tipos de
aprendizagem, como a visual e a sinestésica. Igualmente importante é a ampliação do
CD—ele deve garantir que todos os exercícios do livro estejam presentes, o que
ofereceria aos aprendizes mais oportunidades de modelos nativos.
Para concluir, Guia de Pronúncia do Inglês para Brasileiros não está de acordo
com os critérios atuais de ensino de pronúncia. Porém, se utilizado como material
complementar e em situações contextualizadas de aprendizagem, o livro se torna um
instrumento útil na aquisição do maior objetivo em aquisição de pronúncia de LE:
inteligibilidade.

REFERÊNCIAS

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