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1.

Livro do Apocalipse
"Eis que eu faço novas todas as coisas."
(Ap 21,5)

A linguagem codificada durante a ditadura militar


Durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-85), muitas pessoas
compunham poemas e canções para denunciar a perseguição e a tortura, para
incentivar a resistência e para anunciar a esperança. Era uma linguagem simbólica e
em forma de códigos, incompreensível para os opressores e torturadores, ma^jue
deu força a muita gente que resistia.
Caetano Veloso, por exemplo, quando estava no exílio, recebeu o seguinte
poema: "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, uma história pra contar de um mundo tão
distante...". E aqui no Brasil, as pessoas amigas e familiares de Caetano cantavam
esta canção para se fortalecer. Sabiam que ela falava do jovem de cabelos
cacheados expulso do país. Mas os militares não entendiam, pensavam que era
apenas um poema de amor.
Em alguns poemas, a linguagem era ainda mais codificada. Procure
identificar elementos históricos, de denúncia, de resistência e de Esperança na
canção abaixo: 0 Bêbado e a Equilibrista. Ela foi composta por João Bosco e Aldir
Blanc e muito bem interpretada por Elis Regina.
Caía
A tarde feito um viaduto,
E um bêbado, trajando luto,
Me lembrou Carlitos.
A lua,
Tal qual a dona dum bordel,
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel.
E nuvens,
Lá no mata-borrão do céu,
Chupavam manchas torturadas.
Que sufoco!
Louco,
O bêbado com chapéu coco

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Fazia irreverências mil Pra
noite do Brasil. Meu Brasil,
Que sonha
Com a volta do irmão do Henfil, Com
tanta gente que partiu Num rabo de
foguete. Chora
A nossa pátria, mãe gentil.
Choram Marias e Clarisses No
solo do Brasil. Mas sei
Que uma dor assim pungente Não há de
ser inutilmente. A esperança dança Na
corda-hamba de sombrinha, E, em cada
passo dessa linha, Pode se machucar.
Azar! A esperança equilibrista Sabe que o
show de todo artista Tem que continuar.

Semelhanças com o Evangelho e as Cartas joaninas


Sabemos que Éfeso, depois da queda de Jerusalém em 70, tornou- se um
importante centro de referência para as igrejas cristãs. Havia, ali, uma forte
presença das igrejas paulinas que as equipes missionárias da Igreja de Antioquia
haviam fundado naquelas paragens. No entanto, especialmente depois da guerra
judaico-romana, muitos grupos cristãos da Palestina migraram para essa região.
Entre eles, há tradições das igrejas petrinas e, de modo especial^ das igrejas
joaninas. Cada qual tinha uma forma particular de compreender e seguir a
Boa-Nova de Jesus. É natural, pois, que convivessem, naquela região, igrejas
domésticas de tradições diferentes. Era uma diversidade um pouco parecida como
a que ainda hoje vivemos. Como você sabe, há entre nós uma pluralidade muito
grande nas formas de seguir o Evangelho nas mais diferentes igrejas.
Naquele contexto, o Apocalipse é fruto de igrejas da área de Efe- so na Ásia
Menor (caps. 2-3), com influência da teologia paulina, mas de modo especial da
teologia das comunidades do Discípulo Amado. Vejamos algumas diferenças e
semelhanças na literatura atribuída a João.
Por um lado, há diferenças entre o 4o Evangelho, as três Cartas e o
Apocalipse, livros atribuídos ao apóstolo João. A principal diferença é quanto à

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linguagem. No 4o Evangelho e nas Cartas joaninas, não se usam os mesmos
códigos ou figuras como no Livro do Apocalipse.
No Evangelho, a presença de Jesus é uma realidade nas comunidades.
Quem a ele adere, já está ressuscitado, já passou da morte para a vida (Jo 5,24-25).
Não se (^pera pelo retorno iminente de Jesus. No Apocalipse e nas Cartas de João,
entretanto, a esperança pelo julgamento da história é muito enfatizada. Espera-se a
parusia de Cristo para alterar substancialmente as relações de opressão,
inaugurando os novos céus e a nova terra (Ap 1,7; 3,11; 22,10.12.20; ljo 2,18.28;
3,2; 4,17). Isso nos revela que, embora esses textos possam ser todos eles de igrejas
de herança do Discípulo Amado, os autores desses livros devem ser de
comunidades disdntas e de contextos diferenciados.
Por outro lado, há semelhanças entre o Apocalipse e os demais escritos
atribuídos a João. Vejamos alguns exemplos.
O título mais freqüente de Jesus no Apocalipse é Cordeiro e aparece 29
vezes. Veja algumas dessas citações: Ap 5,6.8.12.13; 6,1.16; 7,9.10.14.17;
21,9.14.22.23.27! Além do Apocalipse, esse título somente se encontra no 4o
Evangelho na boca de João Batista, quando vê Jesus se aproximando (Jo 1,29.36).
Outra semelhança entre o 4° Evangelho e o Apocalipse é que ambos fazem
referência à perseguição do império deste mundo (Jo 15,18- 16,4; Ap 12-13).
Quanto às divisões internas das comunidades provocadas pelas tendências
gnóstícas, tanto o Apocalipse como as Cartas atribuídas a João fazem referência a
elas (Ap 2-3; ljo 4,1-6).
Antes de você continuar aqui a sua leitura, sugerimos que reveja a
introdução à teologia apocalíptica que fizemos nas p. 59-64 do volume seis, como
introdução ao Livro de Daniel (p. 64-68). Aliás, é na literatura apocalíptica judaica,
especialmente em Daniel, que os autores do Livro do Apocalipse buscam a maioria
das figuras simbólicas.

O apocalipse é profecia em tempo de impérios


A palavra apocalipse quer dizer "tirar o véu" ou "revelação". Mas não é
revelação de coisas que acontecerão no futuro, como o fim do mundo, por
exemplo. Nem é previsão de catástrofes. Por isso, a postura de medo diante do
Livro do Apocalipse não se justifica. Ele não é uma casa de terror para encher de
pânico a quem nela entra.

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Muito pelo contrário, é um livro profético de denúncia das injustiças do
momento presente, pois ele revela a real situação de opressão exercida pelos
impérios, não só dos romanos naquela ocasião, mas de todos os tempos. É um
livro que estimula a resistência e a perseverança, promove a firmeza na fé e na
esperança. Alimenta a militância de quem resiste à opressão, confiante na ajuda de
Deus e de seu Cordeiro que age na história através de seus servos em favor da
libertação.
O Apocalipse é profecia em tempo de dominação de impérios. Por um lado,
denuncia sua violência, sua exploração e o uso que fazem da religião para se
apresentar como sagrados, exigindo culto ao imperador. Revela a consciência de
que não é possível fazer acordos com a Besta. Não há como conciliar o projeto de
Deus com o do Dragão. Portanto, o Livro do Apocalipse quer manter a
perseverança na fé em Jesus e na resistência diante da imposição da ideologia
idolátrica romana, que pretende cooptar as comunidades.
Em nossos dias, poderíamos dizer que um dos principais objetivos do
Apocalipse seria fortalecer a resistência contra os valores que o império do capital
globalizado nos quer impor, tais como o individualismo, a competição, o acúmulo
de bens materiais, o endeusamento das riquezas, a corrupção, etc. Quer também
motivar nossa perseverança em estabelecer uma economia solidária, novas relações
com base na justiça e na partilha.
Por outro lado, o Livro do Apocalipse anuncia o fim de toda opressão e
imposição ideológica. O julgamento que faz da história é uma proposta de total
transformação das estruturas injustas que geram sofrimento e morte. Em seu lugar,
propõe uma sociedade cidadã, um novo céu e uma nova terra. Este é seu projeto de
vida.
Tudo isso é expresso através de linguagem apocalíptica, muito comum
nojudaísmo desde a resistência dos macabeus contra o Império Grego por volta de
200 a.C. e que se prolongou até em torno do ano 200 d.C.
O gênero literário apocalíptico tem como característica principal o uso de
linguagem codificada. Comunica-se através de códigos compreensíveis somente às
pessoas que pertencem ao grupo de resistência. Desvela-lhes a realidade, gerando
consciência crítica e esperança para não desanimar na caminhada. Como estimula a
perseverança na luta contra os opressores, é texto subversivo, clandestino. E
mesmo que caísse nas mãos do império,♦lificilmente este compreenderia sua lin-

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guagem codificada, expressa através de símbolos, figuras, sonhos, visões, animais,
números e cores.
Autores do Apocalipse
Além do Livro de Daniel que se encontra na Bíblia, os principais
apocalipses apócrifos judaicos daquela época são: o Primeiro e o Segundo Livros
de Henoc, os Testamentos dos Doze Patriarcas, o Apocalipse de Esdras e o
Apocalipse siríaco de Baruc. Como você pôde perceber, todos esses apocalipses
foram atribuídos a personagens importantes da história de Israel.
Com os apocalipses cristãos não era diferente. Por isso, é inútil procurar
quem, de fato, são os autores. Atribuindo o livro ao profeta João (1,1.4.9; 22,8), é
provável que os redatores dessa obra quisessem homenagear o apóstolo João. Há
uma tradição antiga do historiador eclesiástico Eusébio de Cesaréia, falecido em
339, que afirma serem pessoas distintas o João Presbítero e o João Evangelista.
Certo é que o redator final dessa obra, escrita em diferentes épocas e
contextos, encontrava-se entre os exilados. Era um prisioneiro político por se
rebelar contra a dominação romana, por testemunhar a Boa-Nova de Jesus Cristo
(1,1-2.9). Por isso, encontrava-se na ilha de Patmos (1,9), transformada pelos
romanos em um grande presídio para todas as lideranças que resistiam ao culto
imperial e à opressão.

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Temas principais do Apocalipse
1. Por um lado, o grande tema desse livro é a denúncia profética (1,3; 10,11;
22,10.18) contra o Império Romano. O Apocalipse critica a violência imperial e a
exigência feita aos povos conquistados para que prestassem culto ao imperador, a
Besta cujo número é 666 (cap. 13), e a
Roma, chamada de Prostituta e "E foi dado o ela (a Besta) poder
Babilônia (caps. 17-18). para guerrear contra os santos e
Ao revelar a opressão e a idolatria do vencê-los." (Ap 13,7)
império, o Apocalipse quer
conscientizar as comunidades para que
não desanimem, mas perseve- rem na
resistência até conseguir implodir com
as relações opressivas do sistema do império. Desse modo, propõe reconstruir as
relações com Deus, com as pessoas e com a própria natureza, conforme descreve
seu projeto de sociedade no relato da nova Jerusalém (21,1-22,5). E um projeto de
felicidade plena, sem fim. Não é por acaso que o redator final distribuiu, ao longo
do texto, sete bem-aventuranças como propostas de felicidade (1,3; 14,13; 16,15;
19,9; 20,6; 22,7.14).
O Apocalipse quer também animar a mística das comunidades para que
continuem dando testemunho (martyria) do Evangelho de Jesus (1,2.5; 2,13;
6,9-11), mesmo que tenham que sofrer o martírio. O livro todo é uma imensa
liturgia, que celebra o poder do Cordeiro vitorioso por sua ressurreição (12,5) e que
ajuda as comunidades a vencer também a opressão do império que encarna o
poder de Satanás, o Dragão. Espalhados por todo o texto, há vários hinos e
elementos litúrgi- cos no Apocalipse (1,3.12-13.20; 4,8.11; 5,9-10.12-13; etc.).
Eram canções provavelmente cantadas nas comunidades e posteriormente reco-
lhidas pelos autores do livro.
O poder do mal persegue e mata. Por isso, o livro insiste na urgência da
transformação (1,3; 10,6; 16,17). Anuncia o julgamento do império, o fim da
opressão, de modo que ninguém mais precise morrer, mas todos tenham vida
digna na nova Jerusalém.
O Apocalipse não tem em vista a transformação da história somente num
futuro longínquo. A libertação que anuncia é atual, é para nossa história. E se faz
na luta contra as forças de morte, perseverando

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na resistência e na fidelidade ao projeto do Cordeiro (12,11). Todo o livro é como
que uma celebração antecipada da vitória final contra o Império Romano, contra
qualquer império. Celebra-se a derrota de Roma, simbolizada pela Prostituta e pela
Babilônia, embriagadas em suas imundícies, luxúrias e opressões (caps. 17-18).
Celebra-se o fim dos imperadores e dos seus defensores, simbolizados pelas
Bestas. Junto com eles, desaparecem também todos os seus seguidores (19,11-21).
Por fim, celebra-se a derrota final das forças do mal, do poder do demônio (cap.
20).
"Exultai por sua causa, ó céu, e vós, O Apocalipse não fala de
santos, apóstolos e profetas, pois forças abstratas. Refere-se a pessoas
julgando-a (a Babilônia) Deus vos fez bem concretas que encarnam o poder
justiççr " do Dragão. Chama-lhes de Bestas
* (Ap 1 8,20) (cap. 13). A primeira delas (13,1-10) é
o próprio imperador e toda a estrutura
imperial que ele representa. Segundo
o alfabeto hebraico, o número 666 é o resultado da soma do valor numérico das
letras que compõem o nome "César Nero". Durante a história, fez-se muita
polêmica em torno do número da Besta. Ora, além do significado desse código que
acabamos de ver, convém lembrar ainda que, sendo o número sete sinônimo de
perfeição e plenitude, o número seis significa imperfeição, pois ainda não chegou à
plenitude. Repetir três vezes o número seis (666) quer dizer que a Besta é o grau
máximo da imperfeição. Portanto, por mais que assuste, o poder dos impérios será
vencido pelo bem, que é perfeito. O número da Besta também pode ser uma
referência àqueles que oprimem os povos, acumulando as riquezas deles, como fez
o rei Salomão. Não deixe de ler lRs 10,14, que se refere a "666 talentos de ouro",
equivalentes a 23.300 quilos de ouro! Veja ainda como os imperadores e os
impérios de todos os tempos têm a mesma prática: Davi (2Sm 8,1-14), faraó Necao
(2Rs 23,31-35), assírios (Is 8,4), babilônios (2Rs 24,13), persas (Ne 9,36-37), gregos
(lMc 1,16-24) e romanos (Mc 10,42; Ap 17-18).
Além disso, o próprio Livro do Apocalipse nos convida a usarmos
sabedoria para descobrir quem são as sete cabeças dessa Besta (13,1.18). Pouco
adiante (17,9-11), ele mesmo esclarece que são as sete

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colinas de Roma sobre as quais os reis (Prostituta) construíram seus palácios. São
também os imperadores do primeiro século, cinco dos quais já caíram (Augusto
César, Tibério César, Calígula, Cláudio e César Nero), um existe (Vespasiano) e o
outro não vai durar muito (Tito). Chega-se, assim, ao sétimo imperador que é
Domiciano. Na verdade, ele encarna a crueldade de Nero (17,11; 13,3.14). É contra
Domiciano (81-96) que as comunidades estão bravamente resistindo no momento
em que esta parte do Apocalipse é escrita (caps. 12-22). E já sonham com a vitória
contra ele e todo seu império opressor, por isso, diabólico.
Vencidas todas as forças da opressão, segue, então, a celebração da vitória
do Cordeiro e de suas testemunhas (19,1-10), iniciando uma nova era, novos céus
e nova terra, a nova Jerusalém (21,1-22,5).
2. Por outro lado, o Apocalipse também quer manter a unidade interna das
comunidades. É que havia doutrinas que dividiam as igrejas. Provavelmente, eram
grupos cristãos que assimilaram elementos do movimento gnóstico. As sete cartas
às sete igrejas (caps. 2-3) revelam o desânimo diante da imposição da ideologia do
império e das perseguições. E as divisões nas comunidades fragmentavam ainda
mais a unidade, enfraquecendo a perseverança na resistência. Possivelmente, os ni-
colaítas (2,6.15-16) e a Jezabel (2,20-23), que seguem a doutrina de Ba- laão (2,14)
e que estavam convencidos de possuir o conhecimento das profundezas de
Satanás (Ap 2,24), eram cristãos gnósticos que provocavam divisões nas igrejas.
Desse modo, enfraqueciam a fé de membros das comunidades, a tal ponto de
prestarem culto ao imperador, prostituindo-se com as carnes a ele sacrificadas
(2,14.20). Havia também judeus da "sinagoga de Satanás" que criavam problemas
para as comunidades (3,9).
Nas sete cartas (caps. 2-3), Jesus exorta as comunidades para que retomem
o primeiro amor (2,4; 3,19), não tenham medo (2,10), convertam-se (2,16) e
perseverem (2,25; 3,11). Pede também que voltem novamente a viver em
intimidade com ele, vivendo unidas e na fraternidade. Deixar Jesus entrar em
nossas casas e comer com ele é fazer comunhão de vida, é deixar-se guiar por seu
Espírito. Por isso, ainda hoje, Jesus nos diz: 'Eis que estoujunto àporta e bato. Se alguém
ouvir a minha voz? e abrir a porta, então entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo." (Ap
3,20).
Tudo depende de nossa decisão para convidar Jesus a entrar. Ele apenas bate e
fala. Onde e como podemos sentir o seu toque e sua voz?

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Símbolos e imagens no Livro do Apocalipse
O Livro do Apocalipse é uma releitura cristã do Primeiro Testamento,
particularmente do Êxodo, de Isaías, de Daniel e, em parte, de Ezequiel. A grande
maioria dos símbolos presentes no Apocalipse provêm desses livros.
Transcrevemos aqui o apêndice do livro Apocalipse de João: esperança, coragem
e alegria, de Carlos Mesters e Francisco Orofino, editado pelo CEBI em co-edição
com Paulus.

a) Elementos cty natureza e do universo


1. Cores
Em todos os povos, de acordo com a sua cultura, as cores têm um
significado simbólico. No Antigo Egito, por exemplo,preto era a cor da esperança.
Em outros povos, branco é a cor do luto. Para nós, verde simboliza a esperança. No
Apocalipse as cores têm um significado.
* Branco (Ap 2,17): vitória, glória, alegria, pureza.
* t 'ermelho (Ap 6,4): sangue, fogo, guerra, perseguição.
* Amarelo-esverdeado ou baio (Ap 6,7): cor de cadáver em decomposição,
doença.
* Vúrpura e escarlate, vermelho vivo (Ap 17,4): luxo e dignidade real.
* Preto (Ap 6,5): fome.
2. Números
Entre nós, alguns números têm um significado simbólico. Por exemplo, sete
é a conta do mentiroso. Tre^e é número de azar. No ambiente apocalíptico, os
números também têm um significado simbólico:
3 Três vezes é o superlativo hebraico: plenitude (Ap 21,13) e santidade (Ap
4,8): 3 x Santo.
4 Número cósmico: os quatro cantos da terra, toda a terra (Ap 4,6; 7,1;
20,8); os quatro elementos do universo: terra, fogo, água, ar.
Quadrangular (Ap 21,16): sinal de plenitude e de perfeição.
7 É a composição de 3 + 4. Indica plenitude, perfeição, totalidade (Ap 1,4).
Metade de 7 é 3,5 (Ap 11,9). Às vezes se diz "um tempo, dois tempos,
meio tempo" (Ap 12,14; Dn 7,25), isto é, três anos e meio. É a duração
limitada das perseguições. E o tempo controlado por Deus.
10 "Dez dias de provação" (Ap 2,10) (cf. Dn 1,12.14), tempo de curta
duração.

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12 E uma composição de 3 x 4. Número de perfeição e de totalidade (Ap
21,12-14).
24 É uma composição de 2 x 12. Os 24 anciãos (Ap 4,4), isto é,
representantes do povo do AT (12 tribos) e do povo do NT (12
apóstolos), ou seja, a totalidade do povo de Deus.
42 Quarenta e dois meses (Ap 11,2) é igual a três anos e meio, é igual a 1.260
dias (cf. Ap 12,6), isto é, a metade de sete anos. Indica o tempo limitado
por Deus.
144 E uma composição de 12 x 12 (Ap 21,17). Sinal de grande perfeição e
totalidade.
666 E o número da besta (Ap 13,18). Em grego e em hebraico cada letra
tinha um valor numérico. O número de um nome era o total do valor
numérico de suas letras. O número 666 é do nome César-Neron
conforme o valor das letras hebraicas ou César-Deus conforme o valor
das letras gregas. E também o número de maior imperfeição: seis não
alcança sete, é só a metade de do^e, e isto por três vezes! O número 666 é
o cúmulo da imperfeição!
1.000 Designa um prazo de tempoxomprido e completo. Reino de mil anos
(Ap 20,2). As combinações: 7 x 1.000 = 7.000 (Ap 11,13), 12 x 1.000 =
12.000 (Ap 7,5-8), 144 x 1.000 = 144.000 (Ap 7,4).

3. Elementos da natureza
Entre nós, alguns elementos da natureza têm um significado simbólico. Por
exemplo: "Fulana tem uma boa estrelai, "João tem saúde de ferroY\ "Aquela menina
é uma pérolaV. Na Bíblia, os elementos da natureza têm variados significados
simbólicos:
* sole lua. "vestida com o sol, a lua debaixo dos pés" (Ap 12,1): criação servindo ao
povo de Deus.
* estrela (Ap 1,16): anjo ou coordenador da comunidade (Ap 1,20).
* estrela da manhã (Ap 2,28): Jesus, fonte de esperança (Ap 22,16).
* arco-íris (Ap 10,1): símbolo da onipotência e da graça de Deus. Evoca a aliança de
Deus com Noé (Gn 9,12-17).
* mar (Ap 13,1): caos primitivo (Gn 1,1-2), lugar de onde sai a besta- fera, símbolo
do mal.
* abismo (Ap 9,2): lugar debaixo da terra, onde os espíritos maus ficam presos.

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* água da boca da serpente, o vômito (Ap 12,15): Império Romano.
* Eu/rates (Ap 9,14): região de onde costumavam vir os invasores; aqui os partos.
* cristal (Ap 4,6; 22,1): clareza, ésplendor, transparência, ausência do mal.
* pedras preciosas (Ap 21,19-20): raridade, beleza, valor.
* pedra branca (Ap 2,17): usada no tribunal pelo juiz para declarar alguém inocente.
* ouro (Ap 1,13): riqueza.
* ferro, cetro de ferro (Ap 2,27): poder.
* barro, vasos de barro (Ap 2,27): fragilidade. Evoca Is 64,7 ou Jr 18,6.
* palma (Ap 7,9): triunfo.
* duas oliveiras (Ap 11,4): personagens importantes. Evocam a visão do AT (Zc
4,3-14).

4. Mundo animal
A convivência com os animais produz significados simbólicos.
Por exemplo, o povo diz: "Não ser papagaio", "Escutar como corujd',
"Meter o bico em tudo", "Fulano é um cavaloV. No Apocalipse, os bichos ou partes
do bicho têm vários significados simbólicos:
* dragão (Ap 12,3) ou "antiga serpente" (Ap 12,9): poder do mal hostil a Deus e a
seu povo.
* besta fera que sobe do abismo (Ap 11,7) ou do mar (Ap 13,1): Nero ou o Império
Romano.
* besta fera que sai da terra (Ap 13,11): o falso profeta que propaga o culto ao
imperador. O dragão, a besta-fera do mar e a besta-fera da terra são uma caricatura
da Trindade. O antideus, o anticristo e o antiespí- rito (falso profeta).
* pantera, leão e urso (Ap 13,2): crueldade, sem misericórdia. Evoca a visão de Daniel
(Dn 7,4-6).
* cavalos (Ap 6,2-7): poder, exército que arrasa. Evocam a visão de Zacarias (Zc
1,8-10).
* cordeiro (Ap 5,6): indica Jesus. Evoca o cordeiro pascal imolado no Êxodo (Ex
12,1-14).
* leão, touro, homem, águia, os "quatro seres vivos", literalmente: "animais", (Ap
4,6-7): indicam os quatro seres mais fortes que presidem o governo do mundo
físico. Indicam também os quatro elementos que formam o ser humano: touro
(instinto), leão (senümento), águia (intelecto), homem (rosto). Os quatro juntos
formavam o ser mitológico da Babilônia, chamado karibu ou Querubim, e a Esfinge

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do Antigo Egito. Evocam as visões de Isaías (Is 6,2) e sobretudo de Ezequiel (Ez
10,14 e 1,10).
* águia (Ap 12,14): evoca a proteção do Êxodo (Ex 19,4; Dt 32,11).
* gafanhotos (Ap 9,3): invasores estrangeiros, os partos. Evocam as pragas do Egito
(Ex 10,1-20) e a visão de Joel que fala de gafanhotos com aspecto de cavalos (]1
2,4; Ap 9,7).
* escorpião (Ap 9,3): perfídia, traição. Evoca o Êxodo conforme o Livro da
Sabedoria (Sb 16,9).
* cobra, serpente (Ap 9,19): poder mortífero.
* sapo (Ap 16,13): animal impuro (Lv 11,10-12); símbolo persa da divindade das
trevas. Evoca a praga das rãs (Ex 7,26 a 8,11).
* chifre (Ap 5,6): poder, particularmente o poder do rei.
* asas (Ap 4,8): mobilidade; velocidade em executar a vontade de Deus. Evocam
Ez 1,6-12.

b) A vida e as coisas da vida com suas instituições


1. Coisas da vida
* túnica longa (Ap 1,13): símbolo de sacerdócio (Ex 28,4; Zc 3,4). Roupa ou veste
evoca a realidade profunda das pessoas.
* Unho puro (Ap 15,6): a conduta justa dos cristãos (Ap 19,8).
* alfa e òmega (Ap 1,8): primeiro e último, princípio e fim (Ap 21,6; 22,13).
* chave (Ap 3,7): poder.
* livro (Ap 5,1): o plano de Deus para a história humana.
* livro da vida (Ap 3,5; 20,12): contém os nomes dos que vão viver sempre.
* selo (Ap 5,1): segredo.
* ladrão (Ap 3,3): Deus vem como ladrão, isto é, de maneira inesperada,
imprevisível.
* foice (Ap 14,14): imagem de julgamento divino.
* tromheta (Ap 8,2): voz sobre-humana que anuncia os acontecimentos do fim dos
tempos.
* carimbo, sinal, marca (Ap 7,2; 13,16-17): marca de propriedade e proteção.
* balança (Ap 6,5): escassez de comida, custo de vida.

2. Corpo e vida humana


* cabelos brancos (Ap 1,14): símbolo de eternidade.

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* olhos brilhantes (Ap 1,14): símbolo de ciência divina universal.
* pés de bronze (Ap 1,15): firmeza invencível.
* nome (Ap 3,5.8; 19,13): indica a própria pessoa.
* mão direita (Ap 1,16): símbolo de poder. Evoca a ação de Deus no Êxodo.
* mulher (Ap 12,1): povo santo dos tempos messiânicos; as comunidades em luta.
* filho da mulher (Ap 12,4): Messias, chefe do Novo Israel. Evoca Gn 3,15.
* prostituição (Ap 2,14): a infidelidade da idolatria.
* virgem (Ap 14,4): pessoa que rejeita a idolatria.
* noiva, esposa (Ap 19,7): igreja, povo de Deus (cf. Ap 21,2; 21,9-10).
* casamento do Cordeiro com a Noiva (Ap 19,7; 21,2): estabelecimento do Remo (cf. Is
62,5).
3. Jerusalém e seu templo
* candelabros de ouro (Ap 1,12): o povo de Deus, as comunidades.
* incenso (Ap 5,8): oração dos santos que sobe até Deus (Ap 8,4).
* coluna (Ap 3,12): firmeza e lugar de honra. Evoca a coluna do templo (lRs
7,15-22).
* templo (Ap 3,12): coração de Jerusalém, cidade santa, representa o povo de
Deus.
* Monte Sião (Ap 14,1): lugar do templo; trono de Deus.
* Nova Jerusalém (Ap 3,12; 21,2): o povo de Deus, finalmente reconciliado.
4. O Império Romano
* trono (Ap 1,4): majestade, domínio. Evoca o julgamento, anunciado no AT (Dn
7,9-14).
* trono de Satanás (Ap 2,13): altar do templo de Zeus no alto da montanha em
Pérgamo.
* espada afiada (Ap 1,16): palavra de Deus que julga e castiga (Ap 19,15). Evoca a
imagem usada por Isaías (Is 49,2) e, sobretudo, pelo Livro da Sabedoria (Sb
18,15).
* arco (Ap 6,2): arma característica dos partos; terror.
* cinto de ouro (Ap 1,13): símbolo de realeza.
* coroa (Ap 4,4): poder de rei.
* rei dos reis, senhor dos senhores (Ap 19,16; 1,5): título do imperador romano dado a
Jesus.

110
c) Elementos da Bíblia e da história do povo de Deus
Eis uma lista dos principais acontecimentos da história da Bíblia que são
descritos ou lembrados, evocados ou ampliados no Apocalipse de João:
* a criação (Ap 3,14; 4,11) ..................................................................Gn 1,1-2,4
* o paraíso, antes da morte e da maldição (Ap 2,7; 21,4; 22,3) ........ Gn 2,4-25
* a árvore da vida (Ap 2,7; 22,2) ...............................................................Gn 2,9
* a mulher e a serpente em luta (Ap 12,1-4) ......................................... Gn 3,15
* o arco-íris após o dilúvio (Ap 4,3; 10,1) ........................................Gn 9,13-16
* as pragas do Egito (Ap 8,6:12; 16,1-21)...................................... Ex 7,8-10,29
* o cordeiro pascal (Ap 5,6) .............................................................. Ex 12,1-14
* a morte dos primogênitos (Ap 19,11-21) .................................... Ex 12,29-34
* a saída do Egito e a travessia do Mar Vermelho (Ap 7,14) ....... Ex 14,15-31
* o cântico novo de vitória após a travessia (Ap 5,9; 14,3; 15,3)..Ex 15,1-21 a águia
que leva o povo ao deserto (Ap 12,14)................................. Ex 19,4; Dt 32,11
*
* o maná (Ap 2,17) .............................................................................Ex 16,1-36
* a caminhada pelo deserto (Ap 7,16-17; 12,6.14) ................. Nm 10,11-14,45
* as 12 tribos (Ap 21,12) e o seu recenseamento (Ap 7,1-8) ....... Nm 1,1-4,49
* a conclusão da Aliança ao pé do Sinai (Ap 21,3.7) ................. Ex 19,1-24,18
* a Arca da Aliança (Ap 11,19)....................................................... Ex 25,10-22
* a revelação do nome de Deus (Ap 4,8)............................................ Ex 3,1-20
* o objetivo do Êxodo: fazer do povo uma realeza e sacerdotes
(Ap 5,10) ..................................................................................... Ex 19,6
* as atividades de Balaão (Ap 2,14).......................................... Nm 22,1-24,25
* Moisés e Elias (Ap 11,3.6) ........................................... Ex 7,14-25; lRs 17,1
* Leão da tribo dejudá (Ap 5,5)....................................................... Gn 49,9-12
* Rebento de Davi (Ap 5,5)................................................................ Is 11,1.10
* a nova Jerusalém (Ap 3,12; 21,9-23)...Is 60,1-2; 66,5-17; Ez 48,30-35
* o Monte Sião (Ap 14,1).................................................... Is 2,3-5; 2Rs 19,31
* a rainha Jezabel (Ap 2,20) .................................................. lRs 16,31; 21,4-7
* os sete Espíritos (Ap 1,4; 4,5; 5,6) ......... ^ ........................................ Is 11,1-2
* o templo (Ap 3,12; 7,15; 11,1.19; 21,22) ................................em todo o AT
* as grandes promessas dos servos, os profetas (Ap 10,7) ................. -Am 3,7
* a visão do Filho do homem (Ap 1,13; 14,14) ............................. Dn 7,13-14
* Gogue e Magogue (Ap 20,8) ....................................................Ez 38,1-39,29
* Armagedon, a montanha de Megido (Ap 16,16) ..................... 2Rs 23,29-30

111
* a queda da Babilônia (Ap 14,8; 18,2.10) ...............................................Is 21,9
* a saída do cativeiro (Ap 18,4) ....................................................... Is 48,20-22
* o nascimento do Messias (Ap 12,5) ...................................... Is 66,7; SI 2,7-9
* o dia de Javé (Ap 6,17) ...................................................,J1 2,11; Am 5,18-20
* a nova criação (Ap 21,2) ................................................................Is 65,17-25

O plano do livro
Propomos a seguinte divisão para o Livro do Apocalipse, que passou por
um longo processo de redação:

1-3: Primeira parte. Junto com a quarta parte (22,6-21), estes primeiros
capítulos devem ser obra dos redatores finais no início do segundo século.
• 1,1-3: Título e resumo do Apocalipse.
• 1,4-8: Saudação inicial: Jesus é o centro da história.
• 1,9-20: Visão inaugural: Jesus vivo em meio às comunidades.
• 2-3: As sete cartas às igrejas exortam-nas a buscar a unidade em
torno de Cristo, diante dos falsos cristãos que produzem
sua divisão e seu enfraquecimento.
4-11: Segunda parte. Os caps. 4 a 11 certamente são a parte mais antiga do
Apocalipse. Desmascaram a opressão durante os últimos anos do imperador Nero
(54-68). Querem estimular as igrejas perseguidas a perseverarem com coragem na
resistência, confiando na vitória e no poder da ação libertadora do Cordeiro em
meio às comunidades que lutam.
• 4: Visão do trono de Deus.
• 5: Visão do Cordeiro e do livro com sete selos.
• 6-7: Abertura dos primeiros seis selos:
- 6,1-8: O passado (os quatro primeiros selos);
- 6,9-11: O presente (o quinto selo);
- 6,12-7,17: O futuro (o sexto selo): derrota dos opressores
(6,12-17) e missão das testemunhas de Jesus (cap. 7).
• 8-11: Abertura do sétimo selo, desdobrando-se em sete trom-
bctas que anunciam um novo êxodo:
- 8-9: Seis trombetas anunciam seis pragas libertadoras;
-10,1-11,13: Missão profética das comunidades (10), a
exemplo das testemunhas Moisés e Elias (11,1-13);

112
- 11,14-19: A sétima trombeta anuncia a vitória de Cristo e de suas
comunidades.
12,1-22,5: Terceira parte. O texto de 12,1-22,5 revela a violenta
perseguição desencadeada pelo imperador Domiciano nos últimos anos de seu
governo (81-96). Além da perseguição, o império colocava em perigo a fé das
comunidádes, impondo sobre elas a sua ideologia. Apresenta também o
julgamento e a derrota dos opressores do povo que sai vitorioso, construindo uma
nova sociedade.
• 12: O passado: a perseguição do Dragão contra a Mulher.
• 13,1-14,5: O presente: perseguição das Bestas contra o Cordei
ro e as comunidades.
• 14,6-20,15: O futuro: julgamento e condenação dos opressores:
— 14,6-13: Três anjos anunciam o que vai acontecer:
* 14,14-20: Chegada do julgamento, anunciada pelo l°anjo;
* 15,1-19,10: Queda de Roma, anunciada pelo 2o anjo;
* 19,11-20,15: Derrota final do mal, anunciada pelo 3o
anjo.
• 21,1-22,5: Novos céus, nova terra e a nova Jerusalém.
22,6-21: Quarta parte. Junto com a primeira parte (1-3), esta conclusão,
contendo recomendações finais, deve ser obra dos que fizeram a última redação do
livro, no início do segundo século durante o reinado de Trajano (98-117).

Riscos da apocalíptica
Quando não fazemos uma interpretação da linguagem codificada e
simbólica do Apocalipse, corremos o risco de cometer injustiças com a intenção
dos seus autores. Além disso, podemos reforçar atitudes já muito presentes diante
desse livro, como o medo e o fatalismo.
Chamamos de leitura fundamentalista aquela que nem chega a interpretar o
texto. Simplesmente pretende entendê-lo tal como está escrito, ao pé da letra. Ora,
nem se pode dizer que se "entende ao pé da letra", pois todo escrito (letra) só se
entende quando se tem em conta o contexto de vida que está por trás do relatado.
Não existe texto sem contexto. Por isso, é bom você reler 2Cor 3, onde o apóstolo
Paulo explica isso, chegando mesmo a dizer que a "letra" isolada pode até matar (v.
6).

113
A tendência do fundamentalismo é querer impor essa leitura equivocada
como a única verdadeira, absolutizando-a. Dessa forma, facilmente gera fanatismo
que, por sua vez, leva à intolerância, já conhecemos as conseqüências disso:
guerras, a Inquisição, suicídios coletivos, etc. Além disso, é necessário
compreender que os símbolos falam da realidade, mas através de imagens e figuras.
Por isso, precisam ser interpretados. Imaginar que sejam descrições da realidade é
um erro de interpretação e só produz medo nas pessoas.
Outra atitude equivocada a partir da leitura do Apocalipse é o fatalismo ou
determinismo. Quando não compreendemos bem a teologia e a linguagem
apocalípticas, corremos o risco de pensar que tudo na história já está determinado
por Deus e que nossa ação não consegue alterar seus rumos. Essa incompreensão
pode nos conduzir a um imobilismo, pensando que não é a resistência militante e o
engajamento social que transformam a vida e a história. Se assim nos
acomodamos, esperando uma intervenção mágica de Deus, as Bestas apocalípticas
de hoje continuarão globalizando cada vez mais a miséria, enquanto priva- tizam as
riquezas que Deus criou para todos os seus filhos e suas filhas.
Por fim, lembramos ainda que outra atitude diante do Apocalipse pode ser
a falta de ecumenismo, isolando-nos como o único grupo que presta, que é
"santo", enquanto todos os outros não prestam.

2. Evangelho segundo João


"Assim como o Vai me amou, tambéfn eu vos amei.
Permanecei em meu amor. "
(Jo 15,9)

Durante séculos, o Evangelho segundo João foi interpretado de forma


espiritualista, como se estivesse interessado somente na salvação da alma para
depois da morte. Fundamentava-se essa leitura, desligada da vida e de todas as
relações que estabelecemos em nosso cotidiano, em alguns textos que foram mal
interpretados. É o caso, por exemplo, das expressões "vida eterna" (6,40.47.54) e
"meu Reino não é segundo este mundo" (18,36). Mais adiante, voltaremos à questão da
vida eterna.
Quanto ao dito de Jesus de que seu Reino não é "segundo este mundo",
esclarecemos logo que estão incorretas as versões que traduzem por "meu Reino não
é deste mundo". Ao dizer que seu Reino não é segundo este mundo, Jesus, portanto,

114
afirma que o Reino de Deus não está baseado nos valores que fundamentam as
relações de exclusão deste mundo, como o egoísmo, a ambição, a ganância, o ódio.
Este é o mundo do Império Romano, representado por Pilatos naquele momento.
Os valores propostos por Jesus são os da partilha, do amor, da solidariedade, do
poder-serviço, do perdão, da promoção da vida e da paz. Leia Jo 17,14-17 e veja
como Jesus deixa claro que "não ser do mundo"

115

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