ECONOMIA E INTER-RELACIONAMENTO COM DIREITO Antonio Cavalcante Filho João Pessoa-PB Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do UNIPÊ Cavalcante Filho, Antonio Economia e inter-relacionamento com direito/ Antonio Cavalcante Filho. – João Pessoa: Gráfica do UNIPÊ, 2005. 48 p. Bibliografia 1- Economia - relações jurídicas I - Título CDU: 346.12 Coleção Autônoma (Volumes publicados) – Brasil - Uma Síntese de 500 Anos (Do Descobrimento a FHC) - José Octávio de Arruda Mello/Clóvis Roberto – O Nordestino Tobias Barreto no espelho alemão - Mario G. Losano – Três Documentos na/da Literatura Indígena do Século XVII - Manuel Batista de Medeiros – Desenvolvimento e Subdesenvolvimento na Atualidade - José Loureiro Lopes – Coletânea Depoimentos - Manuel Batista de Medeiros – Manual da disciplina Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia – Manual da disciplina Prática de Ensino do Curso de Pedagogia – Homilia para a Missa de Ação de Graças pelos Oitenta anos do Mons. José Trigueiro do Vale - Dom José Maria Pires – Um Arcebispo na Academia de Letras - Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Homilia de Dom Aldo para o início do Ministério Episcopal na Arquidiocese da Paraíba - Dom Aldo Di Cillo Pagotto – Economia e Inter-Relacionamento com Direito - Antonio Cavalcante Filho – Desenvolvimento e Subdesenvolvimento na Atualidade (2ª Edição) - José Loureiro Lopes C376e ASSEMBLÉIA GERAL DO IPÊ – Afonso Pereira da Silva – Flávio Colaço Chaves – José Loureiro Lopes – José Trigueiro do Vale – Manuel Batista de Medeiros – Marcos Augusto Trindade REITOR: – Monsenhor Marcos Augusto Trindade PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO: – Profa. Dra. Maria do Céo Costa de Oliveira PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO: – Prof. Dr. José Loureiro Lopes PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO: – Prof. Ms. Flávio Colaço Chaves CONSELHO EDITORIAL – José Loureiro Lopes (Presidente) – José Octávio de Arruda Mello (Secretário-executivo) – Maria Antônia Alonso de Andrade – Walmir Rufino – Luiz Bueno da Silva – Paulo Andriola – Maria do Espírito Santo Brito Endereços eletrônicos do UNIPÊ: http://www.unipe.br info@unipe.br Endereço eletrônico do autor: cavalcante_antonio@bol.com.br APRESENTAÇÃO O professor Antonio Cavalcante Filho oferece aos seus alunos do Curso de Direito do UNIPÊ esta plaquete, intitulada “Economia e Inter-Relacionamento com Direito”, objetivando tratar, de forma atraente e sintética, da interação entre essas duas ciências sociais. Ministrada, desde longa data, nos antigos cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, a disciplina, então denominada Economia Política, tinha sobretudo o caráter informativo sobre as diversas teorias econômicas. Hoje, com a predominância cada vez maior das relações econômicas, o ensino da Economia exige conceituações mais precisas, para melhor esclarecer o seu funcionamento e informar as suas relações com as demais ciências, especialmente a do Direito. Ainda que o antigo Código Civil Brasileiro – calcado, como diversos outros códigos modernos, no Código Civil Francês, elaborado sob a influência direta de Napoleão Bonaparte –, contivesse quase oitenta por cento de suas disposições voltadas ao disciplinamento de relações econômicas, a complexidade e abrangência destas ampliou ainda mais, no novo Código Civil de 2002, esse disciplinamento, passando a incluir, entre outras inovações, normas sobre as sociedades mercantis, antes restritas ao Código Comercial e as disposições de leis esparsas, como a das Sociedades Limitadas e a das Sociedades por Ações, ou Anônimas.Vieram acrescentar-se ainda ao ordenamento econômico-jurídico nacional outros diplomas específicos, dentre os quais avulta o Código de Defesa do Consumidor. Desse breve esboço, exsurge o cada vez maior inter-relacionamento entre a Economia e o Direito, tema que o professor Antonio Cavalcante Filho busca abordar com exatidão científica, embora preservando a clareza e simplicidade inerentes a um texto destinado a estudantes que se iniciam no estudo dessas ciências. O plano da obra, expresso no seu sumário, evidencia essa orientação assumida pelo autor, ao partir de conceitos gerais e históricos relativos à ciência econômica para, em seguida, procurar esclarecer o seu relacionamento com a ciência do direito, inserindo-se ambas no campo de conhecimento das chamadas Ciências Sociais. Passa, então, a analisar os aspectos microeconômicos e suas relações com o direito, abordando o disciplinamento das interrelações do dia-a-dia das pessoas e das empresas, disciplinadas pelas normas jurídicas. Refere-se ainda às repercussões da lentidão do judiciário, como fato complicador e inibidor da maior fluidez nas relações econômicas hodiernas. Finalmente, faz incluir, com a própria redação original de dois dos seus alunos, a resposta que deram à sua indagação preliminar sobre o interrelacionamento da Economia com o Direito, que a plaquete procura esclarecer. Embora concebida, precipuamente, como instrumento de orientação aos seus alunos, a plaquete elaborada pelo professor Antonio Cavalcante Filho, ora publicada pela UNIPÊ Editora, serve também como abordagem desse tema, cada vez mais importante no mundo dos aplicadores do Direito, a quem será também de grande utilidade, principalmente por explicitar, numa linguagem acessível, os balizamentos teóricos fundamentais das relações entre a Economia e o Direito, da maior importância para a compreensão das relações sociais e a aplicação correta das normas que as disciplinam. Francisco das Chagas Lopes Bel. Em Ciências Jurídicas e Assessor de Planejamento do UNIPÊ RESUMO O presente trabalho versa sobre a Economia e o Direito. Destina-se basicamente aos alunos do Curso de Direito do UNIPÊ, razão pela qual procuramos apresentá-lo de forma conceitual, principalmente por se tratar da interação existente entre essas duas importantes ciências sociais. A curiosidade nos leva, de imediato, a uma pergunta. Quem surge primeiro, o fato econômico ou a norma jurídica que lhe dá sustentação? Será que encontraremos respostas? É o que nos propomos, sem a pretensão de resgatar plenamente o assunto. Trata-se apenas de uma pequena contribuição para reflexão sobre estes dois campos do conhecimento humano, tendo em vista sua influência na vida das pessoas, empresas e da própria sociedade como um todo. Sumário Introdução ......................................... 13 Surgimento da Economia como ciência ....................................... 15 Principais leis que asseguram a Economia como ciência ..................... 17 O fato econômico, uma das definições da ciência econômica e algumas colocações relativas aos princípios básicos da ciência do direito ................. 21 Posição da Economia no quadro das demais ciências ................................... 25 A Economia é uma ciência social .......... 27 Inter-relacionamento com o Direito ....... 29 12 A visão microeconômica na relação Direito/Economia ................................. 33 Por que o fato econômico é também social? Onde o Direito se insere nesse contexto? ........................................... 35 O entrelaçamento da Economia com o Direito na visão parcial do alunado ........ 41 Referências ........................................ 47 13 INTRODUÇÃO Há necessidade de perguntarmos inicialmente: o que entendemos por ciência? Todos nós leitores — particularmente os que tiveram a oportunidade de freqüentar um curso de nível superior — diremos que, sinteticamente falando, é um conjunto organizado de conhecimentos a respeito de determinado assunto. A Economia é uma das ciências que seguramente atendem a esses pré-requisitos. Relativamente à interação com o Direito, queremos lembrar que se trata apenas de uma abordagem do assunto, assim mesmo de forma resumida, uma vez que os livros textos de Economia não costumam enfatizar que as relações econômicas estão condicionadas a um arcabouço de normas jurídicas, editadas por um Estado soberano, para um certo povo, em determinado território. Entretanto, é impossível imaginar 14 se uma sociedade moderna funcionando sem a existência de um sistema jurídico cuidadosamente formulado, com suas normas, tribunais e sanções legítimas, conhecidas e aceitas pela população. O professor Peluso (1999, pg. 62), assim se refere ao inter-relacionamento da economia com o direito: “Compete à lei jurídica situar o homem, a empresa e a sociedade diante do poder político e da natureza, definindo seus direitos e suas responsabilidades, fixando as suas balizas dentro das quais poderá ser exercida a liberdade de ação de cada um desses agentes da atividade econômica”. 15 SURGIMENTO DA ECONOMIA COMO CIÊNCIA O marco histórico que determina o surgimento da Economia como ciência é a publicação da obra de Adam Smith, intitulada A Riqueza das Nações, em 1776. Anteriormente a esse fato, a Economia não passava de um simples ramo da Filosofia. É o que nos ensina Nali de Jesus de Souza (2000, pg. 40). Com o Mercantilismo e a Fisiocracia, as idéias econômicas conheceram algum desenvolvimento. Mas na Idade Média as relações econômicas eram bastante simples, para despertar maior interesse dos estudiosos da época. Em reforço a estas colocações, é interessante observar que, em nota de contracapa, da edição de 1981, de A Riqueza das Nações, da Hemus Editora Limitada, registra-se que a obra representa a sistematização inicial de todas as definições básicas da ciência econômica, considerada a primeira a se destacar da Filosofia. 17 PRINCIPAIS LEIS QUE ASSEGURAM A ECONOMIA COMO CIÊNCIA Para firmar-se como ciência, qualquer linha ou ramo do conhecimento humano há de ter as suas leis comprovadas e definidas. Neste sentido, a Economia conta com diversas leis econômicas, algumas das quais bastante conhecidas por vários segmentos da sociedade, mesmo aqueles distanciados da convivência com os problemas envolvidos ou do interesse direto sobre o seu conteúdo. Dentre as leis econômicas, consideramos como mais importantes as seguintes: a) Lei da Oferta e Procura, também conhecida como Lei da Formação dos Preços. Refere-se a um conjunto de conceitos que relacionam a disponibilidade de bens e serviços à venda no mercado, 18 por um lado, e sua demanda solvável, por outro; b) Lei dos Rendimentos Decrescentes, também conhecida como Lei da Produtividade Marginal Decrescente, que pode ser assim conceituada: ampliando-se a quantidade de um fator variável, permanecendo fixa a quantidade dos demais fatores, a produção, de início, aumentará a taxas crescentes; a seguir, após certa quantidade utilizada do fator variável, passará a aumentar a taxas decrescentes; continuandose a aumentar a utilização do fator variável, a produção decrescerá. c) Lei de Malthus. Afirma que, enquanto a população cresce numa progressão geométrica, os meios de subsistência crescem em progressão aritmética, o que significaria uma falta crônica de alimentos e a condenação da população à fome e à miséria, se medidas de controle do crescimento populacional não fossem tomadas. 19 d) Lei dos Três Setores. Na medida em que uma economia se desenvolve, a população economicamente ativa tende a se deslocar do setor primário para o setor secundário e, em seguida, para o setor terciário; e) Lei de Gresham. Lei econômica segundo a qual, quando duas moedas têm circulação legal num país, a “moeda má” expulsa a “moeda boa” de circulação. Isso acontece porque a moeda considerada boa tende a valorizar-se cada vez mais e desaparece de circulação, ou porque é entesourada ou porque é reservada para transações futuras. É interessante observar-se que lei econômica é sempre uma relação necessária, que se repete constantemente entre os diversos elementos do processo produtivo, com repercussão na produção, circulação, troca e consumo dos bens e serviços. 21 O FATO ECONÔMICO, UMA DAS DEFINIÇÕES CONSISTENTES DA CIÊNCIA ECONÔMICA E ALGUMAS COLOCAÇÕES SOBRE OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA CIÊNCIA DO DIREITO A Economia tem como objeto de estudo a atividade econômica do homem, caracterizada por sua finalidade, como a obtenção e o emprego dos bens e serviços úteis. Nesse sentido, o homem, além de empenhar-se na sua própria existência, entra em relação, de um lado, com a natureza, da qual tira as matérias-primas e as diversas formas de energias e, de outro lado, com os outros homens, com os quais interage e adquire, através da troca, o que não pode fazer sozinho. Segundo o Prof. Rosseti (1994, p. 49:73): “A Economia tem como objetivo a organização racional dos fatores produtivos, com vistas à produção 22 dos bens e serviços, para efeito do atendimento das necessidades humanas. Enquanto que o Direito é um conjunto orgânico de preceitos, normas e leis que regem as relações dos homens em sociedade”. Portanto, os fatos econômicos só encontram substância de legalidade quando são respaldados em normas jurídicas. Particularmente, sobre a ciência do Direito, que se diferencia da Economia quanto à declinação de suas leis, é interessante noticiar aqui o que produziu o eminente jurista Almir de Andrade, constante do Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro – J. M. de Carvalho Santos, vol. VIII, p. 213:215, segundo o qual os princípios básicos da ciência do Direito se resumem a: 1. o sujeito da relação jurídica; 2. os fatos sociais que fornecem material para a formação das relações jurídicas; 3. o direito, que a relação jurídica cria em favor de alguém; e 4. a obrigação, que dela deriva para alguém. Como método científico em geral, o da ciência do Direito, envolve várias fases: 23 1. a observação das relações sociais que têm caráter jurídico; 2. a análise dessas relações para discriminação do seu conteúdo e caracterização da sua natureza; 3. a configuração das diversas relações jurídicas; 4. a indução dos princípios gerais que correspondem à constância dessas relações; 5. a formação das regras; 6. a classificação das relações jurídicas, segundo sua natureza, seus gêneros e espécies; e 7. a sistematização dos princípios, para que se possa obter, afinal, a construção jurídica de uma instituição, ou de um grupo de instituições. Acrescenta ainda o Dr. Almir Andrade que, na vida do Estado, a ciência do Direito fornece, a cada instante, os grandes princípios, as normas e a orientação que se vai concretizar em leis, em decretos, e que se aplica à solução dos diversos casos particulares. Sem a ciência do Direito, não seria possível obter-se a coerência das 24 instituições. Por fim, o autor reafirma, com todo o seu domínio do conteúdo aqui expresso, que a ciência é fruto de uma experiência secular, que abrevia o tempo das construções humanas e enriquece as novas gerações com as conquistas já feitas pelas anteriores. Tal é a missão – a grande missão social e econômica da ciência do Direito. 25 POSIÇÃO DA ECONOMIA NO QUADRO DAS DEMAIS CIÊNCIAS Vários autores, especialmente o Prof. Carlos Galves (1972, p. 73), esclarecem que as ciências, tomado o termo em sua acepção mais ampla, classificam-se em cinco grupos: 1) as ciências matemáticas, cujo objeto de estudo são a quantidade e a grandeza; 2) as ciências físicas, cujo objeto de estudo são os fenômenos do mundo mineral; 3) as ciências biológicas, cujo objeto de estudo são os fenômenos da vida; 4) as ciências humanas, cujo objeto de estudo é o próprio homem, com suas diferentes atividades, representadas pela Psicologia, Sociologia, Economia, Direito, História, Política, entre outras; e 26 5) ciências filosóficas, cujo objeto de estudo é a explicação última de tudo quanto existe. Neste contexto, entram a Economia e o Direito no quarto grupo, das ciências preocupadas com o estudo da vida humana, em especial na atividade econômica e sua regulamentação através do Direito. 27 A ECONOMIA É UMA CIÊNCIA SOCIAL Acreditamos que tenha ficado bastante claro que a Economia pertence ao grupo das ciências sociais, utilizando-se, como as demais ciências, dos mesmos métodos de raciocínio para construção de suas teorias e determinação da investigação da verdade. O tratamento dado aos fenômenos observados e às leis deles resultantes não exigem o mesmo rigor numérico típico das ciências experimentais. O laboratório da Economia é a própria sociedade humana. As leis econômicas, na sua maior parte, são mutáveis no tempo e no espaço. Portanto, seu grau de precisão não pode ser equiparável ao alcançado nas ciências exatas. A ciência econômica faz parte do enfoque multidisciplinar, daí sua inserção no grupo das ciências sociais, pois o conhecimento econômico exige a interpretação de ocorrências históricas, geográficas, jurídicas, sociológicas, contábeis e outras. 29 INTER-RELACIONAMENTO COM O DIREITO É inquestionável a existência de uma convivência profunda entre a Economia e o Direito. O eminente jurista e mestre de todos nós, Miguel Reale (1998, p. 20:22), afirma com a precisão que lhe é peculiar: “Há, pois, entre Economia e Direito uma interação constante, não se podendo afirmar que a primeira cause o segundo, ou que o Direito seja mera “roupagem ideológica” de uma dada forma de produção. Há, em suma, uma interação dialética entre o econômico e o jurídico, não sendo possível reduzir essa relação em simples nexos causais, nem tampouco a uma relação entre forma e conteúdo”. 30 Citando Rudolf Stammler — segundo ele um dos renovadores da Filosofia do Direito Contemporâneo, ao contrapor-se, em fins do século passado, ao materialismo histórico —, afirma que “se o conteúdo dos atos humanos é econômico, a sua forma é necessariamente jurídica”. Outros autores, por outro lado, seguindo esse mesmo entendimento, confirmam que todos os fatos econômicos têm raízes e condicionamentos, que os situam também na área específica do Direito. A ação econômica tem por sujeitos os indivíduos, as empresas e o setor público. Esses três sujeitos definem três diferentes esferas de interesse, cada uma das quais em conflito potencial com as outras duas. A liberdade de organização e de concorrência das empresas, bem como a liberdade de escolha dos indivíduos para o trabalho, o consumo e a acumulação, serão permanentemente ajustadas pela ordem jurídica, de tal forma que se conciliem os interesses e as responsabilidades de cada um. Reconhecidamente, nenhuma ordem econômica é possível sem que o Direito limite as liberdades em função das responsabilidades recíprocas, solucionando claramente os conflitos potenciais observados. 31 Há quem sustente que desde a Segunda Grande Guerra se enriqueceram as inter-relações entre as realidades jurídicas e econômicas, diante das dimensões assumidas pelo setor governamental no meio econômico, contribuindo para que as relações entre as ciências do Direito e da Economia adquirissem novo status. É de se reafirmar cada vez mais que, com o Direito, a ordem jurídica e a ordem econômica mantêm entre si vínculos da mais completa interdependência. O Direito não pode mesmo ser encarado com abstração da matéria econômica, do mesmo modo que a produção e, notadamente, a circulação das riquezas, conforme já colocado anteriormente, dependem, estreitamente, de normas jurídicas. Por conseguinte, todos os ramos da ciência jurídica mantêm pontos de contato com a Economia (Direito Constitucional, Comercial, Civil, Tributário, Administrativo, Penal, do Trabalho, Financeiro, Internacional, etc.). Tanto que o Prof. Carlos Galves, em sua obra já citada, afirma: “O Direito regula as mais diversas matérias que interessam à vida social dos homens, como a 32 liberdade, a honra, a vida, a política, a família, os bens, as atividades econômicas etc.” “Os assuntos econômicos constituem o conteúdo de uma enorme parte da legislação — complementa o autor, afirmando que SAVARIER, jurista francês, constatou que o Código Civil de seu país dedica 1.776 de seus 2.273 artigos ao tratamento de assuntos econômicos. E conclui dizendo que o estudo da Economia fornece ao Direito os elementos para novas soluções de problemas econômicos, assim como os elementos para a exegese das regras do direito vigentes com conteúdo econômico”. 33 A VISÃO MICROECONÔMICA NA RELAÇÃO DIREITO/ECONOMIA Sob o ângulo microeconômico, dois enfoques são encontrados: de um lado, estuda-se o comportamento dos produtores e dos consumidores quanto às suas decisões de produzir e consumir; de outro, além de se conceituar os agentes das relações de consumo — consumidor e fornecedor, do ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor — colocam-se os direitos do consumidor frente aos deveres do fornecedor dos bens e serviços. Por sua vez, aqui recebemos a luz dos professores Marco Antonio S. Vasconcelos e Manuel E. Garcia (1999, p. 23 ss), revelarem que, quando se estuda o estabelecimento comercial e o papel do empresário, novamente duas visões emergem da análise: a econômica e a jurídica. A visão econômica enfatiza o 34 papel do administrador na organização dos fatores de produção — capital, trabalho, recursos naturais e tecnologia — combinando-os de modo a minimizar seus custos ou maximizar seu lucro. A jurídica, extraída do Direito Comercial, apresenta várias concepções, que enfatizam que o estabelecimento comercial é um sujeito de direito distinto do comerciante, com seu patrimônio elevado à categoria de pessoa jurídica, com capacidade de adquirir e exercer direitos e obrigações. 35 POR QUE O FATO ECONÔMICO É TAMBÉM SOCIAL? ONDE O DIREITO SE INSERE NESSE CONTEXTO? Tanto os economistas como os juristas concordam que todo fato econômico é também considerado social, pois seus efeitos sempre se refletem na sociedade. É o determinante das mudanças institucionais em todas as fases da história da humanidade. É o mundo girando em torno do econômico, responsável pela maior parte do ordenamento jurídico nos contratos e processos. O disciplinamento jurídico é o resultado do econômico, precisam caminhar juntos, mas isto nem sempre acontece no mesmo ritmo. Registra-se, freqüentemente, um descompasso entre as mudanças econômicas e o seu correspondente disciplinamento jurídico, fazendo com que haja um retardamento no avanço do processo econômico. 36 Como foi colocado anteriormente, o fato econômico gera o social e este força as mudanças no Direito e no Judiciário. Mas, segundo alguns analistas, isto não vem ocorrendo satisfatoriamente, pelo fato de a transformação mundial, produzida pelos fatores econômicos e sociais, não estar sendo acompanhada na mesma velocidade pelo Poder Judiciário, o qual, segundo alguns desses intérpretes, continua preferindo o indivíduo, quando deveria priorizar também a empresa, que é a dominância do sujeito de direito no mundo atual. Enquanto isso acontece, na economia globalizada, as empresas multinacionais fazem uma revolução fiscal, pois seu capital circula livre dos encargos fiscais em razão de sua “desterritorização”. Diante desta realidade, as instituições jurídicas estão carentes de reformas para não caírem no obsoletismo. À falta de atualização judiciária, as empresas estão restaurando a figura processual do juízo arbitral, que dá mais velocidade à solução dos conflitos, fugindo da justiça tradicional, em razão de sua morosidade nos julgamentos. A propósito, é interessante inserir nesse campo de interpretação, o qual servirá de análise e reflexão para os 37 operadores do Direito, fiscalizadores das leis, bem como para os próprios aplicadores das normas jurídicas que norteiam a sociedade, o pronunciamento feito por Luiz Olavo Batista, professor de Direito Internacional da USP, publicado na Revista “Exame”, de 4 de setembro de 2002: Justiça lenta, atraso econômico O dever de juizes, advogados e promotores é a prestação rápida e eficiente da justiça. No Brasil, porém, é crescente a percepção de que a aplicação das leis constitui um fator importante de atraso econômico. É disseminada a visão de, tanto os advogados como os membros do Ministério Público e do judiciário, constituem-se em corporações que atuam com grande eficiência na defesa dos próprios interesses, permanecendo, em geral, alheios às mudanças impostas pelo século 21. (particularmente, antecipo minha discordância pelo exagero na colocação). E acrescenta: São 38 muitos os exemplos de inoperância da justiça no Brasil. Basta lembrar que se alguém entrasse com uma ação para garantir os seus direitos sobre uma patente de invenção correria o risco de só obter uma decisão judicial definitiva quando essa patente não estivesse mais vigendo. Há também os precatórios oriundos de ações contra os cofres públicos, cujos valores triplicam ou quadruplicam em razão da incidência dos juros ao longo do tempo. Sem falar dos chamados “esqueletos”, dívidas que vão se avolumando em decorrência da demora na solução de demandas que contestam medidas do governo. É preciso partir para uma reforma completa do Poder Judiciário. Uma reforma baseada na possibilidade de cada um de seus operadores ser cobrados por erros, atrasos e omissões. O poder Judiciário não pode perder de vista sua condição de servidor público, etc. Após todas estas colocações, o mais importante a levar-se em conta é reconhecer 39 que, de fato, existe uma sintonia profunda entre o Direito e a Economia, e que os fatos econômicos, diante da velocidade transformativa por que passa a sociedade, impõem ao Direito a necessidade de produzir e atualizar as normas que regulamentam as novas dinâmicas atividades econômicas, as quais se manifestam com mais intensidade com esse processo de globalização por que está passando a sociedade mundial. 41 O ENTRELAÇAMENTO DA ECONOMIA COM O DIREITO NA VISÃO PARCIAL DO ALUNADO Em procedimento de avaliação posto em prática recentemente1 , foram apresentadas várias questões direcionadas às duas turmas, e o quesito principal para reflexão por parte do alunado foi assim encaminhado: Existe algum interrelacionamento da Economia com o Direito? Sim ou não? Justifique a alternativa escolhida. Dentre várias respostas apresentadas, inclusive a maioria com conteúdo satisfatório, duas foram selecionadas para servir de motivação aos alunos das próximas turmas, as quais passamos a registrar, evidenciando, como forma de valorização, os nomes dos seus autores, uma vez termos verificado que os resultados conseguidos foram convincentes, por revelarem um nível de (1) Primeiro estágio/2004.1. Turno: Diurno 42 amadurecimento tão importante que nos leva a afirmar que estamos enfocando um campo do conhecimento que contribui, sem dúvida, para a conscientização dos jovens, especialmente daqueles que aspiram ou desejam prosseguir seus estudos na área do Direito ou mesmo da ciência econômica. Ao responder a citada pergunta, Poliana Helene C. Lima assim se manifesta: “Há um inter-relacionamento da economia com o direito. Existe uma interdependência dialética entre o econômico e o jurídico uma vez que é de competência da lei jurídica situar a empresa, o homem e a sociedade perante à natureza e ao poder político. O direito regula as relações econômicas existentes, definindo direitos e deveres. Ele assegura direitos aos consumidores, dita responsabilidades e obrigações, ou seja, deveres aos fornecedores de bens e serviços, regulamentando assim tal relação e fazendo com que haja uma constante interação entre eles. 43 O estudo da economia fornece ao direito elementos para novas soluções a respeito de questões jurídicas e também ajuda na interpretação das regras do direito regente ao conteúdo econômico. Os assuntos econômicos constituem uma enorme parte da legislação, sendo também de importante relevância enfatizar que nenhuma ordem econômica seria possível sem que o direito limitasse as liberdades em função das responsabilidades entre eles, assim, tendo como conseqüência a solução dos conflitos potenciais que podese observar. O Direito, a ordem econômica e a ordem jurídica mantêm entre si vínculos de interdependência, com isso o direito não pode ser encarado com abstração da matéria econômica, pois todos os ramos da ciência jurídica conserva pontos de contato com a economia. 44 Destaca-se também, que os fatos econômicos impõem ao Direito a necessidade de produzir e atualizar as normas que regulamentam as novas atividades econômicas em conseqüência da modernização, da nova e crescente tecnologia, especialmente com o processo de globalização em evidência atualmente na sociedade mundial”. Naraiana Chaves Pereira apresentou o seguinte conteúdo: “É claro o inter-relacionamento da economia com o direito na medida em que ambos tratam ou enquadram-se como ciências sociais. É através do direito que há uma regulamentação das atividades econômicas de forma que haja uma harmonia na sociedade, em particular, no segmento econômico. É através da economia, ou seja, dos fatos econômicos estudados e considerados como fundamentais para o desenvolvimento de um país, que o direito passa a normatizar os 45 tais fatos econômicos. Portanto, só se pode dizer que a economia tem escopo legal a partir do momento que as ocorrências econômicas são amparadas e regulamentadas pela ciência do direito. Ao estudar os fatos econômicos, automaticamente faz-se uma análise interativa do direito, pois em todos os ramos do direito (como civil, comercial, penal, constitucional, etc), iremos perceber a presença indispensável das manifestações de natureza econômicas. Em uma visão microeconômica, observamos que a economia estuda os consumidores e produtos das empresas, enquanto o Direito conceitua e define quais os direitos desses consumidores e quais os deveres dos vendedores. A sociedade passa por transformações contínuas e isso afeta diretamente a economia, pois novos fatos econômicos aparecem, havendo com isso a necessidade de atualização do ordenamento jurídico para que a própria economia do país possa se desenvolver”. 47 REFERÊNCIAS EXAME. São Paulo: n° ..., set./2002. FOURÇANS, Andre. A economia explicada à minha filha, Lisboa: Edições Livros do Brasil, 1997. GALVES, Carlos. Manual de economia política atual, 4. ed. São Paulo: Forense, 1972. GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de economia política, 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. PASSOS, Carlos Roberto Martins; NOGAMI, Otto. Princípio de economia. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1999. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. ROSSETI, José Paschoal. Introdução à economia. 16. ed. São Paulo: Atlas, 1994. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 4. ed. São Paulo: Ltr, 1999. 48 SOUZA, Nali de Jesus de. Curso de economia, São Paulo: Atlas, 2000. VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCIA, Manuel E. Fundamentos de economia São Paulo: Saraiva, 1999.