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HISTÓRIA DA LOUCURA (Michel Foucault)

O papel do Louco na Literatura:


“A denúncia da loucura torna-se a forma geral da crítica. Nas farsas e nas sátiras, a personagem
do Louco, do Simplório, ou do Bobo assume cada vez mais importância. Ele não é mais,
marginalmente, a silhueta ridícula e familiar toma o lugar no centro do teatro, como o detentor
da verdade – desempenhando aqui o papel complementar e inverso ao que assume a loucura
nos contos e sátiras” (p.14)
Louco: “diz o amor aos enamorados, a verdade da vida aos jovens”.

A LOUCURA:
“Nesta adesão imaginária de si mesmo, o homem faz surgir sua loucura como uma miragem. O
símbolo da loucura será doravante este espelho que, nada refletindo de real, refletia
secretamente, para aquele que nele se contempla, o sonho de sua presunção. A loucura não diz
tanto respeito à verdade e ao mundo quanto ao homem e à verdade de si mesmo que ele acredita
distinguir”. (p.25)

FALTA DE AUTONOMIA DO LOUCO:


“Como poderia eu negar que estas mãos e este corpo são meus, a menos que me compare com
alguns insanos, cujo cérebro é tão perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bílis, que eles
asseguram constantemente serem reais quando na verdade são muito pobres, que estão vestidos
de ouro e púrpura quando estão completamente nus, que imaginam serem bilhas ou um corpo
de vidro” (DESCARTES, Méditations, 1,Ouevres, Pléiade, p.268)

LOUCURA E MANICOMIO:
“A partir de metade do século XVII, a loucura esteve ligada a essa terra de internamentos, e ao
gesto que lhe designava essa terra como seu local natural” (p.48)

HOSPÍCIO:
“Muitas vezes essas novas casas de internamento são estabelecidas dentro dos próprios muros
dos antigos leprosários; herdam seus bens, seja em decorrência de decisões eclesiásticas, seja
por força de decretos reais baixados no fim do século (...). Nessas instituições também vêm-se
misturar, muitas vezes não sem conflitos, os velhos privilégios da Igreja na assistência aos
pobres e nos ritos de hospitalidade, e a preocupação burguesa de pôr em ordem o mundo da
miséria; o desejo de ajudar e a necessidade de reprimir; o dever de caridade e a vontade de
punir; toda uma prática equívoca cujo sentido é necessário isolar, sentido por esses leprosários,
vazios desde a Renascença (...). O Classicismo inventou o internamento, um pouco com a Idade
Média a segregação dos leprosos; o vazio deixado por estes foi ocupado por novas personagens
no mundo europeu: são os “internos”. O leprosário tinha um sentido apenas médico; muitas
outras funções representaram seu papel nesse gesto de banimento que abria espaços malditos.
O gesto que aprisiona não é mais simples: também ele te significações políticas, sociais,
religiosas, econômicas, morais. E que dizem respeito provavelmente a certas estruturas sociais
do mundo clássico em seu conjunto”. (p.53)

INTERNAMENTO:
“A política do internamento designa uma nova reação à miséria, um novo patético – de modo
mais amplo, um outro relacionamento do homem com aquilo que pode haver de inumano em
sua existência”. (p.56)

“O internamento se justifica assim duas vezes, num indissociável equívoco, a título de benefício
e a título de punição. É ao mesmo tempo recompensa e castigo, conforme o valor moral
daqueles sobre quem é imposto”. (p.61)

“Se o louco aparecia de modo familiar na paisagem humana da Idade Média, era como que
vindo de um outro mundo. Agora [ao final do século XVII], ele vai destacar-se sobre um fundo
formado por um problema “de polícia”, referente à ordem dos indivíduos na cidade. Outrora
ele era acolhido porque vinha de outro lugar; agora, será excluído porque vem daqui mesmo, e
porque seu lugar é entre os pobres, os miseráveis, os vagabundos. A hospitalidade que o acolhe
se tornará, num equívoco, a medida de saneamento que o põe fora do caminho. De fato, ele
continua a vagar, ele perturba a ordem do espaço social. Despojada dos direitos da miséria e de
sua glória, a loucura, com a pobreza e a ociosidade, doravante surge, de modo seco, na dialética
imanente dos Estados” (p.63)

ALIENAÇÃO:
“Esse gesto [a cidade se livra dos a-sociais] tinha, sem dúvidas, outro alcance: ele não isolava
estranhos desconhecidos, durante muito tempo evitados por hábito; criava-os alterando rostos
familiares na paisagem social a fim de fazer deles figuras que ninguém reconhece mais.
Suscitava o Estrangeiro ali mesmo onde ninguém o pressentira. Rompia a trama, desfazia
familiaridades; através dele, algo no homem foi posto fora do horizonte de seu alcance, e
indefinidamente recuado em nosso horizonte. Resumindo, pode-se dizer que esse gesto foi
criador de alienação”. (p.81)

“O homem moderno designou no louco sua própria verdade alienada, (...) bem antes do homem
apoderar-se dele e simbolizá-lo, esse campus da alienação onde o louco se vê banido, entre
tantas outras figuras que para nós não mais têm parentesco com ele. Este campo foi realmente
circunscrito pelo espaço do internamento; e a maneira pela qual foi formado deve indicar-nos
como se constitui a experiência da loucura”. (p. 81-82)

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