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DPSIC – Departamento de Psicologia da Universidade

Federal de São João del Rei


Disciplina PS001 – História da Psicologia
Prof. Dr. Dener Luiz da Silva

ZONA DE OBEDIÊNCIA

Otávio Barra Vianna Vital¹, otaviodmly@gmail.com

¹Universidade Federal de São João del Rei Campus Dom Bosco, Praça Dom Helvécio, 74 – Sala
1.22. 36301-160 – São João del Rei – MG.

Resumo: Perante o cenário político contemporâneo brasileiro, bem como os de todas as épocas,
faz-se necessário que questionemo-nos acerca do que nos rodeia e como agimos enquanto sujeitos
e construtos sociais. Desta forma, o presente trabalho intende a permear as raízes da psicologia
social buscando compreender brevemente as nuances da mesma nos estudos que Stanley Milgram
teoriza sobre obediência à autoridade na obra intitulada “Estudo Comportamental da Obediência
(1963)”.

Palavras-chave: Conformismo, Obediência, Psicologia Social, Stanley Milgram.

1. INTRODUÇÃO
Em meados da década de 1930, a psicologia passa a se voltar aos questionamentos que tangem a
humanidade sob uma ótica mais interacionista e menos comportamental, desviando a ênfase outrora
proeminentemente mental, experimental e acerca do comportamento individual. Grandes teóricos da época,
como Muzafer Sherif, Kurt Lewin, Erving Goffman e, até mesmo, John Dewey duas décadas antes da
eclosão da Psicologia Social, buscaram meios de cientificar perspectivas relacionadas ao modo com que nos
organizamos coletivamente e como exercemos nossas representações sociais.
Stanley Milgram (1933-1984), colega e parceiro de Solomon Asch (1907-1996), foi o causador de uma
grandiosa e polêmica mudança por sobre a compreensão da obediência humana, a qual aqui será brevemente
revisitada através desta revisão bibliográfica.

2. CONFORMISMO
2.1. Socializados para a obediência

Stanley Milgram, americano e natural de Nova York, pôde acompanhar junto ao mundo os
desdobramentos da Segunda Guerra Mundial com o diferencial de, além do fato de ser nativo de uma das
nações participantes da grande guerra, ser filho de húngaros judeus.
Um certo evento resultante da guerra despertou particular interesse ao estudioso: o julgamento de Otto
Adolf Eichmann, em primeiro de Junho de 1961. Raptado na Argentina onde fora exilado, Eichmann foi
levado à Corte Distrital de Jerusalém pela polícia secreta de Israel para que fosse julgado pelos crimes que
cometera ao longo do Terceiro Reich. O caso, que reuniu estudiosos e políticos de todo mundo, se sustentou
por um tempo sob a égide da opinião de que os alemães do século XX haveriam em si certas características
de personalidade capazes de fazê-los mais suscetíveis a cometer as atrocidades do holocausto, como o
estudioso Theodor Adorno havia proposto uma década antes do julgamento. Entretanto, tal perspectiva entra
em conflito de contradição frente a resposta que o réu deu em seu testemunho, a de que, na verdade, estava
apenas seguindo ordens. Ainda que frase vaga, a resposta ecoou uma possibilidade de verdade científica para
Milgram, cujos estudos tornaram-se a por à prova a ideia de que as pessoas, sob mando autoritário, seriam
capazes de ocultar seus juízos morais em prol de obedecer ordens. Baseando-se em tais eventos, o
pesquisador social criou um experimento a fim de provar que o que levou o exército alemão a uma certa
ânsia por obediência não foi a suscetibilidade daquele povo, mas as circunstâncias sociais evocadas pela
Segunda Guerra Mundial, resultado direto da situação e pressuposto de que qualquer pessoa seria capaz de
agir da mesma maneira caso estivesse sob o mesmo contexto.

2.2. As pessoas agem de acordo com as ordens que recebem.

Ao lado de Asch, Milgram viu com os próprios olhos em 1950 indivíduos acatarem decisões do grupo a
que pertenciam ainda que soubessem que eram erradas. Estas experiências em torno da conformidade
revelaram que as noções pessoais de realidade poderiam ser contrariadas a mando do grupo para que os
indivíduos fizessem e dissessem coisas que a princípio não as fariam, as quais inspiraram Stanley Milgram a
testar se pessoas normalmente consideradas boas e agradáveis poderiam atropelar também seus valores
morais perante uma autoridade de comando, pois, segundo o estudioso, “Os aspectos legais e filosóficos da
obediência têm enormes conseqüências, mas esclarecem muito pouco sobre a maneira pela qual a maioria
das pessoas se comportam em situações concretas.” (1967, p 371. )
Diante disso, o mesmo realizou um experimento em um laboratório da Universidade de Yale (onde
trabalhava como professor assistente) que consistiu em convocar quarenta homens através de um anúncio no
jornal local, oferecendo-lhes um pagamento para participarem de uma suposta pesquisa que visava investigar
a interferência de castigos nos processos de memória e aprendizagem. O grupo, que reunia professores,
carteiros, operários e diversos outros profissionais, era organizado em duplas divididas em “professor” e
“aluno” e cada um era orientado a elaborar questões seguindo uma lista de palavras compostas, como “azul-
menina” e “lindo-dia” para os professores perguntarem aos aprendizes no momento em que esses fossem
amarrados em uma “cadeira elétrica”, a que por sua vez estava ligada a um gerador de eletrochoque com
trinta interruptores cuja voltagem aumentava de quinze em quinze volts marcando as faixas de intensidade do
choque elétrico, contendo “choque leve” numa extremidade e, na outra, o escrito “XXX”, localizado após as
demarcações de choque grave (400V). Assim, os participantes eram informados de que os choques doíam
muito, mas não continham risco de dano permanente. Assim, aqueles rotulados como “professores” eram
conduzidos à sala do gerador para que pudessem ler para os “alunos” as primeiras palavras da lista a fim de
que os experimentados respondessem a palavra composta complementar àquela. Caso a respostas estivessem
corretas, continuavam-se com as perguntas. Mas caso estivessem erradas, o experimentador deveria dizer a
resposta correta, anunciar a intensidade do choque e acioná-lo, aumentando na escala de intensidade.
Acontece que, para que o experimento funcionasse, seriam necessários alguns ajustes nos bastidores: a
cadeira e o gerador eram falsos; o cientista, por eles conhecido como Jack Williams era, na verdade, um
professor de biologia vestindo um jaleco cinza e encenando expressões frias e austeras para que mantivesse a
impressão de autoridade; por fim, o voluntário a interpretar o papel de aprendiz também era um atuante, um
contador chamado sr, Wallace que fora instruído a errar uma resposta a cada quatro afirmações e, assim,
encenar a tortura até que atingisse 300 volts, quando esmurrava a parede sob os gritos de “Eu me recuso
terminantemente a continuar respondendo! Tire-me daqui! Você não pode me prender!”. Após essa voltagem,
o contador era orientado a parar de fazer qualquer barulho, sendo que era instruída ao participante a premissa
de que silêncio é equivalente à resposta incorreta.
No caso em que os participantes recusavam-se a manter os choques após não ouvirem mais as reações do
eletrocutado, eles eram motivados a continuar através de pedidos e, inclusive, de dizeres de que não
possuíam outra alternativa senão continuar a aumentar a voltagem, chegando ao fim do experimento somente
aqueles que se recusassem a cumprir essa última ordem. Esta recusa, ainda que feita por poucos, em todos os
casos era precedida de uma série de nítidas expressões de desconforto, tendo os participantes apresentado
sinais de angústia, tensão e nervosismo, incluindo três deles que chegaram a ter convulsões. Embora todos os
quarenta participantes em algum momento tenham questionado o procedimento, para a grande surpresa do
pesquisador e de toda a comunidade que o acompanhava, 100% dos participantes aplicaram choques de até
300 V (intensidade na qual o aprendiz começava a gritar demonstrando sofrimento) e, depois disso, somente
35% deles recusaram-se a continuar, restando 26 homens que prosseguiram até o fim da experiência e
aplicaram o choque máximo de 450 V sempre que ordenados.
Ao fim da experiência, o psicólogo entrevistou cada um dos voluntários e explicou-lhes sobre o que de
fato tratava a pesquisa, colhendo dados e relatos, de forma que pôde concluir e apontar diversos aspectos que
podem ter contribuído para níveis tão altos de conformidade, como o fato de ter ocorrido numa universidade
de grande prestígio e motivações como a contribuição financeira, a própria ideia de voluntariado e a
segurança de que os choques eram doloridos, mas não eram perigosos; Pôde inferir também, através dos
relatos, que os indivíduos eram contra o que estavam fazendo e embora estivessem convencidas da crueldade
de suas ações, também não podiam romper o experimento com as autoridades.
Em posse de todos esses dados, Milgram compreendeu que “pessoas comuns, que estão fazendo o seu
trabalho e não apresentam qualquer tipo de hostilidade, podem tornar-se agentes de um processo terrível e
destrutivo.” (p. 1963, p. 377) e, numa próxima seção do artigo intitulada “Responsabilidade sobre as próprias
ações”, ainda acrescenta o seguinte:

“A essência da obediência é que uma pessoa passa a se ver como o instrumento que
executa os desejos de outra e que, portanto, deixa de se considerar responsável pelas suas
ações. Uma vez que ocorre essa mudança crítica de ponto de vista, seguem-se todos os
fatores essenciais da obediência. A conseqüência mais distante é que a pessoa se sente
responsável perante a autoridade que a dirige, mas não sente nenhuma responsabilidade
pelo conteúdo das ações prescritas pela autoridade.” (MILGRAM, S. 1963, p. 378)

De acordo com o autor, para além da massiva pressão exercida pelas autoridades, a obediência nos é
configurada de modo a conter também traços de uma socialização concebida desde a formação familiar até
os laços externos, valendo-se então da teoria do conformismo, cuja tese é a ideia de que os indivíduos sem
destreza ou conhecimento para tomar uma decisão espelham-se no grupo para definir o comportamento
próprio.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo até hoje considerado um dos mais polêmicos estudos da Psicologia, o experimento de Milgram recebeu
diversas críticas, desde as que implicaram em ter suspensa sua adesão na Associação Americana de Psicologia, até uma
grande reformulação no sistema ético de pesquisas científicas, como o estabelecimento do princípio de que não se pode
enganar intencionalmente os participantes de experiências e, tampouco, fazê-los sofrer emocionalmente. Além disso,
resgatando a iminente quebra do paradigma de que “A obediência não é uma particularidade da cultura germânica, mas
um traço aparentemente universal do comportamento humano.” (MILGRAM, S. Obedience to authority: an
experimental view. 1974.), o autor recebeu uma série de críticas que diziam respeito a uma suposta não
representatividade e abrangência no corpus da pesquisa, críticas essas que foram refutadas perante a replicação do
experimento em diversas partes do mundo e sua respectiva constatação de equivalência ao trabalho original.
Por fim, faz-se necessário trazer o termo “dispersão da responsabilidade”, crucial para o autor e seu entendimento
acerca do holocausto causado pelos nazistas. Segundo a conclusão do mesmo, a própria noção de sociedade nos leva a
abrir mão de uma certa autonomia que nos é própria em prol de apostas em autoridades reconhecidas e legitimadas
capazes de controlar a autorregulação individual, mesmo que tal ato possa limitar ou distorcer nossas decisões.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MILGRAM, S. Behavioral Study of Obedience, Journal of Abnormal and Social Psychology, 67, 371-378.
Tradução do Consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro – Revista Diálogo. Disponível em
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/832874/mod_resource/content/1/Os%20perigos%20da%20obediencia.pdf>
Acesso em 12 de Junho de 2019
Gabriel Vieira Berla , “O ESPECIALISTA": UMA ANÁLISE ARENDTIANA DO JULGAMENTO DE
EICHMANN E DE SEU LEGADO”. Disponível em
<http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=57> Acesso em 12 de Junho
de 2019.
Vários colaboradores, O Livro da Psicologia, 2012, 248-253. Tradução Clara M. Hermeto e Ana Luisa Martins.
São Paulo: Globo.

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