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Divina Índia

Aqui, religiosidade, beleza e fantasia se misturam como em poucos pontos do planeta e atraem
os olhares do mundo. Direção de arte • Camilla Sola
Edição • Raphaela Campos de Mello
Texto • Maria Carolina Balro

Parece que o mundo todo resolveu olhar para o mesmo ponto do planeta: a Índia. Ela está no
cinema, na televisão, na moda, nas páginas de revista, na decoração, enfim, em praticamente todo
lugar. Uma das coisas que mais chamam a atenção nesse belo mosaico de cores, sabores, cheiros e
texturas é a integração absoluta do seu povo com o sagrado. “Essa cultura traz o divino para o
cotidiano. Deus não é outra coisa senão nós mesmos e tudo o que se manifesta na vida”, diz Carlos
Barbosa, de São Paulo, estudioso do sânscrito, língua milenar presente nos livros sagrados. Por
outro lado, ele enfatiza a pluralidade existente no seio da religião hindu. “Nós, ocidentais, pensamos
que o hinduísmo é um conjunto harmonioso de conhecimentos e tentamos integrar todas as suas
vertentes numa só. Mas na Índia existem várias correntes que se sobrepõem e, muitas vezes,
conflitam entre si. Não existe uma coisa só”, completa. Ou seja, para os antigos povos da Índia,
assim como para os indianos atuais, os deuses fazem parte do dia a dia e podem até, acredite, ser
convidados a sentar junto à mesa. Dessa forma, o sagrado não fica lá em cima, no céu, ou em um
lugar que se pode atingir somente depois da morte.

Esse princípio faz parte da religião védica, conhecida como hinduísmo. Para a maioria dos indianos,
tudo o que existe nos 18 milhões de Universos (uma maneira de dizer que eles são incalculáveis) é
uma única e interdependente manifestação de Deus. Montanhas e rios, flores e animais, seres
celestiais e humanos não passam de formas variadas em que Ele se manifesta – neste mundo e em
inumeráveis outros, visíveis e invisíveis a nossos olhos. “É maia, a ilusão, que faz acreditar que as
coisas são separadas e têm uma existência independente”, explica Barbosa.

Esse delicado contato com o divino é apenas um pequeno pedaço desse imenso país de contrastes
que encanta pela riqueza de elementos que formam uma das culturas mais ricas do mundo. Conheça
nas próximas páginas os mais significativos.

Abril de 2009

Divina Índia

Em nome do bem viver


Qualquer um que deseje praticar ioga depara com um desafio muito maior do que encarar posturas
complexas: encontrar um caminho no intrincado cipoal de escolas que fazem parte dessa filosofia
milenar. No leque de opções, existem alternativas para todos os gostos, como se pode ver nos vários
nomes que antecedem a palavra ioga: power, kundalini, raja, siddha, bhakti, ashtanga.

De acordo com Georg Feuerstein, autor do livro A Tradição do Yoga (Pensamento), a palavra ioga
pode ser vista nas páginas do antiquíssimo Rig-Veda, que representa para os hindus o que o Antigo
Testamento é para os povos cristãos. E é mencionada também no Bhagavad Gita, o equivalente
hindu do Novo Testamento.

Durante mais de 5 mil anos, a busca por saúde e crescimento pessoal deu origem a um conjunto
variado de práticas, cada uma acompanhada de explicações diferentes sobre como alcançar esse
objetivo. “Esse legado foi passando de mestre a discípulo e acabou gerando novas escolas, dentro
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das quais ocorreram cisões e transformações”, explica Sundari Shakti, coordenadora do Instituto
Yaat de Cultura Indiana, em São Paulo. Não é difícil imaginar o que aconteceu quando esse
conhecimento chegou ao Ocidente, no início do século 20. “Logo surgiram outras correntes, novos
gurus que emprestaram seu nome à técnica que adotaram ou desenvolveram, além de adaptações
mais condizentes com a maneira de enxergar o mundo nessa parte do planeta”, observa Márua
Pacce, do Núcleo de Yoga Ganesha, em São Paulo. Muitas dessas escolas se consolidaram no
Brasil. Confira as mais conhecidas.

Iyengar-ioga – utiliza apoios, como cordas e objetos de madeira, para ajudar os alunos a melhorar a
permanência e o alinhamento nas posturas.
Sivananda-ioga – propõe uma série de 12 posturas básicas que se repetem sucessivamente durante
a prática. Kundalini-ioga – envolve um trabalho intenso de exercícios que ajudam a expandir a
consciência.
Hata-ioga – é a escola-mãe e uma das mais conhecidas linhas de ioga. Como todas as escolas, visa
transcender a consciência, mas a metodologia adotada se concentra especialmente no fortalecimento
físico.
Raja-ioga – sua meta é promover o controle da mente por meio de prática meditativa intensa.
Ashtanga-vinyasa-ioga – a modalidade casa movimentos físicos com exercícios respiratórios
visando a eliminação de impurezas.
Power-ioga – bastante popular nas academias de ginástica, aposta em movimentos intensos e
aeróbicos feitos em série e sem parar.
Swástya-ioga – é voltada principalmente para o público jovem e também muito comum nas
academias. Utiliza oito tipos de técnicas, entre elas mantras, exercícios respiratórios e técnicas de
relaxamento.
Siddha-ioga – ao contrário das outras modalidades, não contempla a prática de posturas, e sim o
despertar espiritual por meio de leituras sagradas e o entoar de mantras.

Divina Índia Meditação: mente calma, coração tranquilo


O que fazer para acalmar nossa mente, sempre tão dividida entre o passado e o futuro e que mal
para quieta no presente? Para os iogues, a resposta é simples e se apoia no tripé meditar, respirar e
praticar os asanas. “A meditação é um processo de descoberta dos recursos interiores”, explica o
swani Nirmalatmananda, diretor da Ordem Ramakrishna, em São Paulo. “Em seus níveis mais
profundos, pode revelar a essência divina que cada um possui e que é fonte inesgotável de poder,
força, paz e conhecimento”, completa o especialista. Diferentemente do que a maioria imagina,
meditar não é refletir sobre alguma coisa. “É simplesmente repousar, estar relaxado e ao mesmo
tempo atento a esse estado, sem distrações”, afirma Márcia De Luca, fundadora do Centro Integrado
de Yoga, Meditação e Ayurveda (Ciyma), em São Paulo. Para tanto, tente fazer como os mestres
indianos, cujos ensinamentos têm como fundamental saber ficar em silêncio, deixar a cabeça vazia e
buscar o conhecimento interior. Eles estão cansados de saber que a ausência de palavras desperta a
alma, a mente vazia nos conecta com o Universo e o não-fazer nos prepara para o que deve ser
feito.

Encha os pulmões de ar
Para os iogues, a respiração é tão importante quanto a prática de posturas e a meditação. Por isso,
apoiam-se nos pranayamas, exercícios respiratórios que fazem com que o ato de expirar e inspirar
volte a ser o mais eficiente possível. “Eles abrem caminho para que o ar entre, circule e saia
livremente”, explica Marcos Rojo Rodrigues, professor de ioga da Faculdade de Educação Física da
Universidade de São Paulo. Redução da ansiedade, controle do estresse e aumento da eficiência dos
pulmões e do coração são apenas algumas das muitas vantagens da técnica. Na óptica dos hindus, a
respiração possui uma função mais sutil do que simplesmente abastecer nosso corpo de oxigênio:
distribuir e harmonizar a energia vital, conhecida como prana. “A respiração é um mecanismo
poderoso para purificar e desobstruir os nádis, os 72 mil canais por onde circula o prana. As

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doenças ocorrem quando existe o bloqueio da energia nesse percurso”, explica Anna Ivanov,
professora do Centro de Estudos de Yoga Narayana, de São Paulo.

De acordo com a tradição hindu, respirar também é considerado sinônimo de voltar-se para si
mesmo. “Ao inspirar, trazemos o mundo para dentro de nós. Ao expirar, colocamos um pouco do
que somos no mundo. Nesse processo de troca, o ar nos ajuda a fazer uma ausculta interna. Dá a
percepção de quem somos e do espaço que ocupamos internamente”, avalia Rojo Rodrigues.

Apreço pelos rituais


Uma das coisas mais marcantes da Índia sãs as cerimônias que aparecem em todos os momentos da
vida: seja para se conectar com o divino, seja para celebrar um casamento.

Guirlandas de amor
Vivas e perfumadas, as flores têm um papel muito especial na Índia. Além de aromatizar e enfeitar a
casa, elas são usadas para formar os pushpamalas, também conhecidos como guirlandas. Esses
delicados colares de cores vivas, confeccionados de flores, têm mil e uma utilidades: são oferecidos
como sinal de respeito e honra, para dar boas-vindas aos visitantes e, sobretudo, para honrar deuses
e mestres espirituais. “Na Índia, cada divindade tem sua preferência”, explica Horácio Tackanoo,
estudioso das milenares escrituras indianas, de São Paulo. “Ganesha, o deus da prosperidade, gosta
de dálias e hibiscos. Vishnu, o deus criador, prefere jasmins. Já Shiva, a divindade da
transformação, ama cravos.” Depois das cerimônias religiosas nos templos, os colares de flores que
são colocados nas imagens se tornam muito requisitados pelos devotos, pois acredita-se que tragam
a energia amorosa dessa entidade para dentro de casa. O adereço é ainda entregue aos pais quando
nascem seus filhos ou usado como símbolo de amor entre os cônjuges.

Incenso: cerimônia de paz


Berço da arte de fazer incensos, a Índia conta com milhares de fábricas artesanais chefiadas por
famílias que há gerações se dedicam ao negócio. Rosas, mel, canela, laranja, madeiras e ervas se
misturam em fórmulas mágicas e provocam cheiros marcantes. Tudo isso para que sirvam de elo
entre nós e o plano divino. “Só o fato de acender um incenso, oferecê-lo mentalmente a uma
divindade e ficar alguns segundos em silêncio já é suficiente para aquietar o coração e trazer paz à
alma”, avalia Horácio Takanoo. Mas não é só isso que acontece nesse processo. “Bons incensos, de
fórmulas e ingredientes elaborados, são capazes de alterar a energia de um lugar”, considera o
especialista. Na Índia, o ritual obedece a duas etapas. Em primeiro lugar são acesos incensos ou
resinas de purificação, como cânfora e olíbano. Só depois são escolhidos exemplares específicos
para cada caso: atrair prosperidade, ativar o amor ou promover a saúde.

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Hena: arma de sedução
A hena, pigmento vermelho extraído da Lawsonia inermis, planta proveniente do Oriente e do norte
da África, tem uma origem para lá de romântica. Segundo relata a tradição, o deus Shiva estava
inconsolável após a morte de sua esposa. No entanto, Pavarti apaixona-se por ele e tenta de todas
maneiras conquistar seu coração, até que uma arma, enfim, mostra-se infalível: a hena, aplicada por
Pavarti na mãos, em forma de uma delicada tatuagem. “A hena representa a força da mulher e está
associada à feminilidade”, explica Sundari Shakti. Também conhecido como mehendi, em sânscrito,
o pigmento é presença obrigatória em celebrações religiosas da Índia. Um exemplo é o casamento.
Um dia antes da cerimônia, a noiva é tatuada com desenhos que simbolizam energias positivas,
purificação, saúde e riqueza. “É uma espécie de ritual de preparação para deixar a casa dos pais e
começar uma vida nova ao lado do marido”, esclarece Shakti. Os grafismos também estão
relacionados à perda da virgindade e são considerados poderosos elemento de conquista e sedução.

Culinária: paladar exótico


Aromática, sedutora, saborosa e antiga, muito antiga. Essas são apenas algumas características que
vêm à mente quando se fala da cozinha da Índia. Pudera! Sua mesa é fruto direto da influência dos
diversos povos que colonizaram o país. Turcos, mongóis, árabes e ingleses – cada um a seu tempo
deixou uma herança diferente. Essa mistura de etnias resultou em uma cultura colorida, exuberante
e bastante peculiar.

Nas terras de lá, até a religião contribui para que a culinária seja singular. Embora haja diferenças
significativas entre as regiões, a cozinha indiana apresenta uma característica comum: o uso
abundante de grãos. “Entre os mais consumidos no país e conhecidos por nós estão o arroz (do tipo
basmati), a lentilha, os feijões, o grão-de-bico e o trigo”, afirma Goura Hari, especialista em
nutrição e aiurveda, sistema de cura nascido há mais de 5 mil anos. Esses ingredientes aparecem
sobretudo na mesa dos praticantes do hinduísmo. Vegetarianos convictos, eles têm de buscar
alternativas proteicas para uma dieta na qual a carne, principalmente a bovina, não é bem-vinda.

O ritual é parte indispensável dos costumes à mesa. O alimento deve ser levado à boca sempre com
a mão direita. Deliciosos pães, conhecidos como naam e chapati, substituem garfos e colheres.
“Servidos assim que saem do forno, são rasgados e utilizados para pegar a comida”, afirma Lakhi
Daswani, dono do restaurante Tandoor, em São Paulo.

Reino das especiarias


A riqueza dos pratos nesse país é resultado de uma requintada alquimia, obtida principalmente
graças ao uso abundante dos garam masala – compostos gerados da mistura de diversos tipos de
especiaria, como a noz-moscada e o cardamomo.

Garam significa “quente”. Masala quer dizer “mistura”. Esse significado vem da medicina
aiurvédica, que preconiza a combinação de certos temperos para esquentar ou esfriar o corpo.
Usados há mais de 5 mil anos, eles são a alma da cozinha hindu e também uma espécie de marca
registrada das famílias. Combinando misturas de acordo com o gosto pessoal e o clima da região em
que vive, cada uma delas cria sua própria receita. “Outra função dos garam masala é dar cor e
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aroma aos pratos. Eles também podem ser usados para realçar o sabor”, revela Mukesh Chandra,
proprietário dos restaurantes Govinda e Ganesh, especializados em comida indiana, em São Paulo.

Como a maioria das cozinhas asiáticas, a culinária indiana exerce uma função bastante importante
na harmonização entre corpo e espírito e no equilíbrio da saúde. “Todas as especiarias que entram
na composição do garam masala têm poderes medicinais”, aponta Chandra. A seguir, confira os
efeitos de algumas bastante utilizadas na culinária indiana.

Cardamomo – de sabor adocicado, refrescante e picante, tem propriedade antisséptica, digestiva,


diurética, expectorante e laxante.
Cominho – picante e levemente amargo, tem ação antiespasmódica e ajuda na digestão.
Canela – uma das mais antigas em uso no mundo, é adstringente, afrodisíaca, digestiva e
vasodilatadora.
Cravo – adocicado e picante, é afrodisíaco, analgésico, antisséptico, digestivo e vermífugo.
Gengibre – de sabor picante, tem propriedade antisséptica, anti-inflamatória, digestiva e
expectorante.
Louro – suas folhas, levemente amargas, têm ação calmante, desodorante e ainda estimulam o
paladar.
Pimenta – auxilia a digestão e tonifica o organismo.

Abril de 2009

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