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S. Tomás.

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S. Tomás de Aquino (1225-1274?)

A cidade
“A verdadeira associação humana auto-suficiente, a única capaz de garantir condições para a virtude e de
satisfazer a totalidade das necessidades primárias do homem e das suas aspirações é a cidade. A cidade é a
obra mais perfeita da razão prática. Embora seja menos natural, na sua forma, do que a família, como se
prova pelo facto de a sua estrutura apresentar uma maior diversidade de uma sociedade para outra do que a
família, a cidade é todavia ordenada para um fim mais elevado e completo. Como sociedade perfeita,
compreende todas as outras associações que os seres humanos são capazes de formar, inclusive a família,
cujo fim está subordinado aos fins da sociedade, que é o bem humano total (Summa Th. ,I-II, qu 90, a. 3,
ad 3m). Só no interior de uma sociedade civil bem estruturada pode o homem conseguir a plenitude da vida,
de tal forma que o homem que conduz uma vida solitária, longe da companhia dos seus semelhantes, ou se
degrada da perfeição humana, passando a assemelhar-se mais a uma besta, ou já transcendeu a perfeição
humana e realizou um estado de auto-suficiência semelhante a Deus (Commento alla Politica, I, Lect. 1, n.
39; (Commento all Ética, I, Lect. 1, n. 4; X, Lect. 14, n. 2139-42).

A “Constituição mista”

“Para a boa ordenação dos governantes em uma cidade ou nação, é necessário atentar em duas coisas.
Primeiro, que todos participem no governo, pois só assim se consegue a paz e se consegue que todos amem
uma tal ordem e se tornem seus defensores, como se diz no livro segundo da Política. Em segundo lugar,
há que atentar na forma do regime, isto é, no modo de organização do poder. Existem diversas espécies de
governo, segundo ensina Aristóteles no livro terceiro da Política. No entanto, as principais são: a
monarquia, em que um só governa, de acordo com a virtude; a aristocracia, ou o regime dos melhores, em
que uma minoria governa, de acordo com a virtude. Por conseguinte, a melhor forma de governo em
qualquer cidade ou Reino será aquela em que aquele que está à frente do Estado governe de acordo com a
virtude e aceite a colaboração subordinada de outros magistrados principais mas também aquela que seja
um regime de todos, na medida em que todos possam ser eleitos e eleitores. Tal é, na verdade, todo o regime
bem combinado de monarquia, enquanto um só rege ou preside sobre todos; de aristocracia, na medida em
que um número maior participa no regime, de acordo com a virtude, e de democracia, quer dizer, de governo
popular, enquanto os governantes podem ser eleitos no seio do povo e ao povo pertence a eleição”.

S. Tomás de Aquino (1225-1274?), Summa Theologica,1-2, q. 105, a.1.

O regime político da monarquia, a “Constituição mista” e a tirania.

“Deve preferir-se o regime monárquico por ser o melhor mas, considerando que a monarquia, quando
degenera, é o regime que se converte na pior das tiranias, procuraremos averiguar com todo o nosso
empenho de que modo se pode precaver o povo contra o rei, para que o primeiro não caia nas mãos de um
tirano. É necessário, em primeiro lugar, que seja eleito rei, por aqueles sobre quem recai essa tarefa, um
homem com tais características que não se converta facilmente num tirano […]. Depois há que ordenar o
governo do reino de modo que ao rei já eleito seja subtraída qualquer oportunidade de exercer a tirania. E,
ao mesmo tempo, o seu poder deve ser controlado de forma a que não possa inclinar-se facilmente
naquela direcção[…]. Finalmente, há que saber de que forma o povo se pode opor ao rei, quando este
incorre em tirania.

Realmente, se o tirano não comete excessos, é preferível suportar temporariamente uma tirania moderada
do que opor-se a ela, porque tal oposição pode implicar perigos muito maiores dos que os já implicados
na tirania. Pode suceder que aqueles que se opõem ao tirano o não possam vencer e que então o tirano,
exasperado, se torne ainda pior. Depois, mesmo que o tirano seja vencido, o que normalmente ocorre a
seguir a um episódio desses são graves discórdias entre o povo, quer durante a insurreição contra o tirano,
quer depois de este ter sido expulso do poder, ficando a multidão dividida quanto à organização do novo

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regime. Pode ainda suceder que aquele em quem a multidão se apoiou para expulsar o tirano se converta
num novo tirano depois de aceitar o poder e, temendo que outro lhe faça o mesmo que ele fez ao anterior,
imponha aos súbditos uma escravidão ainda mais insuportável[…].

Se se dão excessos intoleráveis na tirania, alguns entendem que é dever dos homens mais fortes matar o
tirano e expor-se aos perigos que isso representa de forma a libertar o povo desses perigos (v. Jean de
Salisbury, Policraticus, VIII, 18 (788c)). Podemos encontrar um exemplo dessa situação no Antigo
Testamento. Pois certo Aoth matou Églon, rei de Moab, que oprimia com uma dura escravatura o povo de
Deus, cravando-lhe um punhal no músculo, e foi eleito juiz do povo. Acontece que isto não está de acordo
com a doutrina dos apóstolos. Pois Pedro ensina que os súbditos devem obedecer não apenas aos
senhores bons, mas também aos maus. Porque constitui uma graça que alguém suporte com a ajuda de
Deus os males que lhe são injustamente infligidos. Por isso, enquanto muitos dos Imperadores romanos
perseguiam tiranicamente os cristãos, uma grande multidão, composta quer de nobres quer de plebeus,
convertia-se, ainda assim, à nossa fé; e os que estavam armados não resistiam, mas suportavam
pacientemente a morte por Cristo […]; também […] se lê no Antigo Testamento que foram mortos
aqueles que assassinaram Joas, rei de Judá, ainda tendo-se este afastado do culto de Deus […]. Pois
constituiria grave perigo para a sociedade e seus dirigentes que por uma presunção individual alguns
pudessem atentar contra a vida dos seus governantes, ainda que fossem tiranos.
Por isso parece que convém mais que seja a autoridade pública a actuar contra os tiranos do que a
presunção particular de alguns. Em primeiro lugar, nos casos em que pertence à sociedade a escolha do
rei, o rei eleito também pode ser destituído se abusar do poder real como um tirano. E não pode julgar-se
que essa sociedade actua de forma infiel ao destitui-lo […] porque ele mesmo o mereceu, ao não conduzir
o governo com lealdade, como exigem os deveres reais. Se, pelo contrário, pertence a um superior o
direito de nomear o rei, há que esperar dele o remédio contra a iniquidade do tirano[…].
Naqueles casos em que não possa haver solução humana contra o tirano, há que recorrer a Deus, rei de
todos, que ajuda nos momentos favoráveis e nos momentos atribulados. Só Ele pode realmente converter
o coração cruel do tirano, segundo Salomão[…]”

S. Tomás de Aquino (1225-1274?), Regimine Principum, Livro II, Cap. VI (1266), ibid., p. 31-33.

O indivíduo, a comunidade e os seus fins, o “Bem comum”

“[…] Governar consiste em conduzir o que é governado ao seu devido fim. Assim, diz-se que um navio é
governado na medida em que ele é conduzido ileso ao seu porto, mediante a perícia do piloto. Logo, se
algo de vê ordenado a um fim exterior a si mesmo, como o navio em direcção ao porto, corresponderá
à tarefa do governo não somente conservar a coisa ilesa mas conduzi-la depois até ao seu fim. Se, pelo
contrário, existisse algo cujo fim não estivesse no exterior de si mesmo, a tarefa do governador consistiria
unicamente em conservar essa coisa ilesa e perfeita”.

S. Tomás de Aquino (1225-1274?), Regimine Principum (1266), Livro II, Cap. IV, traduzido a partir da versão castelhana: La
monarquia, Santo Tomás de Aquino, (trad. e notas de Laureano Robles e Ángel Chueca), Madrid,Tecnos, 1995, pp. 69-70.

“O amor natural funda-se na comunicação dos bens naturais que nos foi feita por Deus.
Por meio dele, não é somente o homem que, na sua integridade da natureza, ama a Deus sobre todas as
coisas e mais do que a si mesmo.
Mas também qualquer criatura – tal como as pedras e outras coisas que carecem de conhecimento – O
ama, a seu modo, seja pelo amor intelectual, pelo racional, pelo animal ou mesmo pelo natural.
Pois qualquer parte naturalmente ama mais o bem comum do todo do que o seu bem particular”.

S. Tomás de Aquino (1225-1274?), Summa Theologica,IIa IIae, q. 26, a. 3, resp.

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