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A arte e a mídia de massa

Marina Rodrigues Pinheiro

RESUMO
Este artigo visa compreender os mecanismos de produção e consumo da arte veiculada pela
mídia de massa. São analisados, a partir disso, seus impactos sobre obras e respectiva
recepção pelo público. Tem objetivo exploratório acerca do entendimento do mercado
artístico, através de pesquisa bibliográfica. Conclui, portanto, pela reprovação da censura
artística e considera que a expansão de fontes alternativas para os meios de comunicação é
essencial em seu consumo.

PALAVRAS-CHAVE: Arte; mídia; mercado artístico; política.

ABSTRACT
This article aims to understand the mechanisms of production and consumption of art
conveyed through mass media. Accordingly, its impacts on artworks, artist and public are
analyzed. Towards comprehension of the art market, this research is exploratory and based on
bibliographic investigation. In conclusion, denies artistic censorship and considers that
strenghtening alternative sources in mass media is an essential aspect in its consumption.

KEYWORDS: Art; media; art market; politics.

1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como tema a interação da arte com a mídia de massa, pois, com o
surgimento e relevância das novas formas de mídia no século XXI, percebemos sua
responsabilidade por transformações da arte contemporânea, que trazem diferentes formas de
interagir com o produto artístico. A partir do tema, foi trazida a seguinte pergunta: qual é o
impacto dessa forma de consumo da no artista e no público? Definiu-se, portanto, o objetivo
geral da pesquisa, sendo este compreender o funcionamento econômico do mercado cultural e
que consequências são trazidas a partir dele para a recepção artística, assim como valorar
quais novos parâmetros precisam ser estabelecidos para avaliar seus impactos.
Quanto à abordagem, a pesquisa será qualitativa, de natureza aplicada. Terá objetivo
exploratório e procedimento bibliográfico.

2. A MÍDIA DE MASSA
A natureza da arte não é um conceito homogêneo. Isso pois a ideia do artístico, da
obra ao criador, variou de acordo com o momento, local e cultura de cada responsável pela
sua descrição. Visto por muitos como ponto de partida para a filosofia da arte, os textos de
Platão sobre essa prática são permeados pelas concepções gregas do século IV a.C. Assim, ele
propõe a valorização da técnica: em uma classificação radicalmente distinta do entendimento
atual, vê em práticas como a medicina, a música e a agricultura atividades capazes de carregar
um saber-fazer fundado na racionalidade e portanto, segundo ele, desejável, as incluindo no
âmbito da tékhnê, inclusive nela inclusos os que dominam a dialética, selecionada em seu
diálogo Filebo como o próprio ápice das artes. A percepção da atividade artística positiva,
portanto, era na realidade ligada ao desenvolvimento de mecanismos precisos, profundamente
ligados à razão e a lógica.
Já os elementos do que chamamos belas-artes, pautados numa estética subjetiva, são
recebidos pelo filósofo com reprovação. Atividades como a pintura, a escultura e a poesia são
colocadas no campo da mimese, imitação, definindo-se não pela aproximação, mas pela
distância do ser: observando apenas o mundo físico, visual, para ele ao reproduzir o artista
elementos da materialidade em sua obra, em verdade produz um simulacro: cria uma imagem
por imitação da realidade, responsável, contudo, pela sua distorção cada vez mais acentuada.
Condena por isso o que vê como o "ilusionismo" gerado pela obra.
A leitura das rígidas proposições platônicas, em choque com nossa fluida modernidade
e seus reflexos nas produções, é significativa. Conhecemos o constante movimento tanto do
estilo das obras de arte contemporânea em si, quanto dos instrumentos de veiculação que as
dão voz, partindo do uso de todo tipo de material nas artes visuais até o completamente
manipulável audiovisual. Foi, portanto, encontrado um conceito de arte tão amplo que se dá
por quase infinito, tão imprecisa que é sua conceituação. Por isso, não é incomum encontrar
definições da arte baseadas em sentimentos, conceitos de belo, simbologias e até mesmo sua
destruição, ou seja, parâmetros altamente subjetivos, em extremo oposto à visão clássica
grega. Longe de fazer valorações temporais sobre o grau de acerto de cada um desses
entendimentos, na verdade buscamos entender a extrema liquidez da compreensão da
atividade artística.
Além das mudanças no conceito da arte, definida na antiga Grécia pela precisão
técnica, consolidada na Renascença pela sua cientifização em viés positivista e posterior
destruição contemporânea desse sistema para dar lugar à abertura atual, muda também o
contexto econômico nos quais estão inseridos os artistas. A capitalização das obras é por

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vezes vista em tons secundários ou mesmo de desconexão, afastando produção e venda - não
é, contudo, possível desvincular o artista da sua realidade de sobrevivência. Enquanto a arte é
por sua natureza um espaço transgressivo, pois atua como reflexo profundo das sociedades
das quais fazem parte, junto à crítica política, provocação e catarse, também participa, em
relação à maioria dos produtores, de um mercado complexo. É nesse espaço que o artista
equilibra a transformação artística e a lógica de trabalho. Historicamente, a remuneração
acompanhou até mesmo as obras mais contundentes.
Além da interação do artista com o mercado em um aspecto particular, a partir da
venda de seus trabalhos em troca de remuneração, também é relevante olhar para o coletivo.
Isso porque o conjunto das vendas para múltiplos individuais interessados resulta na teia
econômica do mercado artístico, que incorpora não apenas nomes e obras, mas tendências
estéticas completas, sistematizando, e até mesmo, pode-se dizer, homogeneizando a
percepção da arte pelas pessoas de um determinado contexto temporal e geográfico. Torna-se
uma força capaz de incentivar ou enfraquecer, interpretar positiva ou negativamente diante o
público cada ideia e artista. Esse mercado é composto por, em síntese, locais, materiais ou
não, onde se trocam e vendem peças artísticas. Materialmente, são representados pelas vendas
individuais, mas, com ainda mais força, pelas instituições que mediam essa troca.
O mercado artístico, formalmente representado por museus, galerias, investidores
particulares, entre outros, compõe um tipo de prediction market. Isso significa que cada
trabalho é vendido e comprado não apenas pelo seu preço no momento presente, mas por seu
valor estipulado incluindo a perspectiva do passado e futuro. Pode ser considerada também,
como parte dessa economia, a transformação de elementos artísticos em bens de consumo
para um público mais amplo, como as reproduções decorativas, ou, corriqueiramente,
produtos audiovisuais como os filmes, séries e programas de televisão.
Com a mudança das formas de fazer arte ao longo da história, sendo expressiva a sua
forma de se conectar com momentos históricos, também foi metamorfoseado o modo de
produção e consumo. Nosso contexto, imerso no mundo de transformações que caracteriza o
século 21, é de uma sociedade influenciada pelos momentos da sua construção histórica.
Dentre estas, a Revolução Industrial, momento de transição para novos paradigmas
econômico-sociais que viriam a reger não apenas a produção, mas também a mentalidade dos
indivíduos da atualidade. É em meio a ela que surge o conceito da cultura de massa, forma de
fazer artístico possibilitado pelas suas tecnologias.

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O surgimento da imprensa foi um dos primeiros marcos nessa mudança da forma de
transmitir informações. Com ela, obras já não eram produzidas visando um número limitado
de receptores, mas considerando leitores muito mais amplos, cujas referências permeavam
mais classes sociais e origens. A mera existência da tecnologia que a possibilita, contudo, não
é em si suficiente para a constituição do que consideramos cultura de massa. Mais um
elemento foi necessário para transformar, portanto, o vislumbre de uma arte para um grande
número de pessoas uma realidade concreta: o interesse.
Notamos, mesmo nas produções de hoje, que não é grande o número de produções,
acadêmicas, artísticas ou de quaisquer outros gêneros, que são capazes de mobilizar com
interesse e consistência uma grande quantidade de pessoas: o público, por exemplo, das
revistas acadêmicas, apesar de sua ampla disponibilidade, é extremamente restrito. O mesmo
pode ser considerado da arte feita para setores com alto grau de instrução da sociedade, como
a literatura "difícil", de linguagem erudita, à imagem de muitos dos clássicos brasileiros - não
são majoritários os que podem ser considerados parte do seu público consumidor. Por isso, a
mudança das tecnologias de veiculação de informações acompanhou também uma mudança
necessária por parte dos seus criadores.
Os romances de folhetim são o gênero que ilustra essa transformação. O apelo
emocional, porém unido a uma simplicidade de linguagem e recepção marcantes aos olhos de
setores sociais mais amplos, captou de forma abrangente a possibilidade de diálogo com o
público, sem demandas tão altas de instrução para compreendê-los, e nem focos de interesse
tão restritivos - enquanto o jornalismo político mobilizava apenas indivíduos interessados e
introduzidos nesse tipo de assunto, o gênero ficcional, em sua leitura de fatos e emoções
cotidianas, já não tinha rosto ou endereço. E foi, de fato, um grande sucesso comercial,
apoiando a venda de material impresso por décadas. A impressão, contudo, dos milhares de
exemplares, destinados a um público generalista com foco no lucro da produção em série,
também capta a essência da mentalidade do momento histórico: os preceitos de uma economia
de mercado. Como ilustrado por Teixeira Coelho:
Também a cultura - feita em série, industrialmente, para o grande número - passa a
ser vista não como instrumento de livre expressão, crítica e conhecimento, mas
como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome
qualquer outra coisa. E produto feito de acordo com as normas gerais em vigor:
produto padronizado, como uma espécie de kit para montar, um tipo de pré-
confecção feito para atender necessidades e gostos médios de um público que não
tem tempo de questionar o que consome. Uma cultura perecível ,como qualquer
peça de vestuário. Uma cultura que não vale mais como algo a ser usado pelo
indivíduo ou grupo que a produziu e que funciona, quase exclusivamente, como
valor de troca (por dinheiro) para quem a produziu. (COELHO, 1980, p. 31).

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Nesse contexto, a forma de arte veiculada nos jornais foi sujeita à transformação,
adequando-se em forma a ela, mas também autora do estabelecimento desses preceitos no
imaginário coletivo. Autora porque, já a essa época, era um instrumento capaz de moldar a
recepção de tudo aquilo que vinha se impondo como novo formato de pensamento.
Retratando o cotidiano com apelo para a identificação do leitor, ganha uma potencialidade:
mesmo nas obras mais simples, contar o cotidiano e suas normas sociais é também, muitas
vezes reforçá-las. O autor pode escolher, então, entre observar os padrões estabelecidos de
forma transgressiva ou acatá-los, suscitando ou não questionamentos no leitor. A escolha com
a qual se depararam esses artistas é a mesma que se mostra aos produtores de conteúdos
atuais.
Devido à forma de compreensão enraizada no senso comum sobre o conceito de
cultura de massa, torna-se necessário especificá-la. Adotamos o termo tendo como
significado o produto da indústria cultural – com o advento, assim, das tecnologias
desenvolvidas no século passado, tornou-se possível uma massificação do consumo das ideias
e valores, conectados ou não com a prática artística em si. Essa massificação acaba por
generalizar a forma como é recebida, e, geralmente com obras veiculadas nos meios de
comunicação majoritários, passa a alcançar a quase todos os indivíduos de uma sociedade.
Todos, pois dissociamos esse conceito da oposição, encontrada não apenas na opinião
popular, mas em âmbitos acadêmicos, de uma "cultura erudita" em contraste com a "cultura
de massa", que seria destinada a classes sociais mais baixas e de conteúdos com menor valor.
Adversamente à oposição comum dos dois formatos, consideramos que apesar de
formas de arte com conteúdos extremamente intelectualizados terem uma definição clara de
público, o inverso não funciona. Isso porque a chamada cultura de massa não é uma
exclusividade daqueles que não podem alcançar outros tipos de produção. É, sobretudo, uma
que tem apelo generalista, permeando todas as camadas sociais com muita fluidez. Uma de
suas características intrínsecas é a simplicidade dos conteúdos, sem, contudo, que isso
acarrete necessariamente distinções valorativa sobre uma "qualidade" maior ou menor.
O modelo dos folhetins, de consumo fácil, pautado numa identificação com o público
consumidor, é muito proximamente relacionado com a forma de funcionamento do
audiovisual atual. Isso de modo que esses são considerados por muitos a origem literária das
telenovelas, seguindo a última o modelo comercial pavimentado por eles. É com base nisso
que podemos transpor para esse gênero, com as devidas adaptações, a compreensão de um
forte caráter de formação da opinião pública através das suas escolhas na leitura das normas

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sociais. Além até mesmo dos limites da telenovela, formatos derivados deste, como o modelo
comercial das séries americanas figurados hoje por empresas como a Netflix e a HBO,
carregam a mesma função social e potencialidade.
Observando as potencialidades de impacto na compreensão sobre paradigmas sociais
de um público amplo, talvez o mais amplo campo de influência exercido na atualidade, a
cultura de massa exerce um papel claro. Social, mas também político. Essa justificativa
teórica encontra na realidade uma enorme quantidade de exemplos, dos mais sutis, como os
debates sobre padrões como a formação familiar e valores pessoais que suscitam os
programas de televisão de redes brasileiras, até marcos históricos como o impacto político de
artistas como Marcel Duchamp, que travou diálogo incisivo contrário à mentalidade da
guerra, assim como explorou e criticou aspectos da sociedade industrial em seu momento de
mais forte ascensão. Em outro exemplo temporalmente próximo, a exaltação cortante do
Movimento Futurista dos aspectos da sociedade tecnológica, incluindo o extremo militarista
do seu manifesto1, Esses acontecimentos são prova da profundidade do impacto da arte no
imaginário, agindo muito além da propagação de um ponto de vista, como faz um editorial ou
um artigo. Transcendendo a simples transmissão de informações, gera e consolida símbolos
internalizados pelo espectador - dita, portanto, a estética, além da perspectiva de belo: dita o
desejável. Como colocou Marjorie Perloff (1986, p.330), as manifestações artísticas, portanto,
contém "sementes das nossas mitologias". E, essas, uma vez postas, florescem determinadas
unicamente pelo público, podendo mostrar-se efêmeras ou ganhar força ultrapassando até
mesmo as expectativas do criador.

3. A RESPONSABILIDADE DA ARTE
Com a ideia de que cada obra é a semente para o desenvolvimento de infinitas
repercussões possíveis, torna-se necessário pensar nos níveis nos quais essa catarse pode estar
nas mãos dos seus responsáveis, sejam artistas ou difusores de conteúdo. A pretensão de
controlar esses impactos andou junto à história. É a tentativa de controle que deu início à
história da censura artística: as transgressões e desafios a visões consolidadas, próprios desse
campo da atividade humana, são para muitos uma ameaça. Entre estes, o senso comum e a
conformidade social, necessária às maiores das nossas instituições, estão muitas vezes em

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Manifesto futurista: escrito pelo poeta italiano Fillippo Tommaso Marinetti, o texto do manifesto marcou o início do
futurismo, um dos mais significativos na arte moderna. O movimento tinha identidade de exaltação do avanço tecnológico,
velocidade e quebra com a tradição. Os primeiros futuristas lançaram apoio à guerra e à violência, acreditando Marinetti que
os dois compartilhavam de semelhanças ideológicas.
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lugar contraditório ao exposto pelo artista. Alguns dos nossos marcos mais significativos
foram, às suas épocas, representantes de choques com o estabelecido: a hoje tradicional
pintura da Capela Sistina, composta por Michelangelo ao início do século XVI, foi
revolucionária em sua representação da nudez, suscitando revolta de diversos setores da
sociedade.
Como é possível ver através do olhar para o passado, as rupturas artísticas são muitas
vezes uma perspectiva do futuro, possibilidades de transformação oferecidas para cada
sociedade. A própria normalização da representação do corpo humano percorre um caminho
até hoje incompleto: é vetado ao usuário típico de muitas redes sociais atuais, por exemplo,
expor em fotografia a nudez. Mas o prenúncio de que seria possível de forma corriqueira
mostrar o próprio corpo, com particularidade para as barreiras rompidas pelo gênero feminino
ao longo das últimas décadas, foi uma perspectiva há muito provocado por pinturas e
fotografias, que exploravam a temática, muitas vezes, com retaliação moral e religiosa, mas
cuja resistência nos deixou legados imprescindíveis.
O que nos deixa como herança a existência dessas obras é, entre outros, um espelho da
ideologia de épocas específicas. Seus ideais são registrados não apenas na obra em si, mas
também na interação desta com o público, incluindo o registro de repercussões positivas ou
negativas. Voltando a realizações de conteúdo fortemente político, retornamos ao Manifesto
Futurista: a violência das suas declarações, em conformidade com o apoio ao fascismo
italiano e exaltação do estabelecimento de uma economia de mercado ancorada na tecnologia,
pode ser considerada ao mesmo tempo seu espelho e instrumento de perpetuação. Mesmo ao
considerar negativos os impactos da sua difusão, por conteúdo ligado ao estímulo da
violência, é difícil afirmar que sua repressão ou tentativa de levar esse aspecto do movimento
artístico à inexistência teria tido sucesso, ou mesmo revertido impactos do seu conhecimento
pelas massas. Isso porque a função espelho da arte não pode mostrar senão demandas já
existentes, e inclusive comumente profundas, nos indivíduos com os quais interage.
Esse aspecto ganha novos contornos quando considerado no âmbito da mídia de
massa. Observando a natureza política da arte, entendemos sua capacidade de influenciar,
moldar e conduzir a ideologia do público consumidor. Observando a extensão de público que
os meios de comunicação, acompanhando avanços tecnológicos, são capazes de atingir, essa
potencialidade toma dimensões extremas. É por isso que o entendimento do impacto causado
é um elemento essencial da criação, transmissão e consumo de obras, principalmente quando
direcionadas a um público generalista.

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O contraste da ineficácia dos impulsos de censura, junto a uma, contudo, inegável
capacidade do artista de impactar negativamente, nos leva a uma questão necessária: é
possível falar de uma responsabilidade artística? Até que ponto é possível olhar para o
conteúdo veiculado de forma a buscar seus fundamentos essenciais e valorá-los?
A subjetividade do ser humano é dificilmente um objeto onde se possam aplicar
avaliações exatas. Da mesma forma, valorar as produções individuais como positivas ou
negativas, de acordo com uma observação da fluidez com a qual valores e entendimentos
mudam temporalmente com a sociedade à qual pertencem, escapa a uma precisão. É por isso
que agir sobre o próprio ofício do artista com olhar inquisidor, mesmo voltado para uma
suposta intenção válida de evitar efeitos nocivos para quem possa interagir com ele, é uma
atividade de funcionamento questionável. Confirmamos com base nisso, portanto, uma
negação da censura do artista como solução possível.
Em meio às definições ideológicas ditadas por uma sociedade regida por preceitos
capitalistas, contudo, a ação subjetiva não é o único fator responsável pelo consumo de obras
com conteúdo político marcado. Antes de passar do campo individual para os lugares de
destaque na grande mídia, o artista passa por processos de legitimação. Os lugares
privilegiados, onde se alcança com facilidade uma grande quantidade de pessoas, não são
ilimitados. Apesar do advento da internet, que possibilita que cada um com acesso a ela
publique os conteúdos que julgar adequados, um mercado complexo sustenta a atenção
recebida por cada um desses, perpassando a lógica das empresas de publicidade, selecionadas
por apoio empresarial e político que desestabiliza a igualdade entre produtores. Os enormes
investimentos direcionados por setores com fortes interesses econômicos em determinadas
ideologias tornam impossível manter a avaliação na esfera unicamente artística.
O mercado representa, para o sistema de arte, uma relevante instância
legitimadora, pois ele é o responsável pela quantificação (monetária e simbólica) do
valor de determinada obra ou artista. Ainda que cercado de condicionantes
subjetivos, o mercado de arte é, provavelmente, a única parte do sistema capaz de
oferecer dados mais "objetivos" de apreciação - o valor econômico.
Seu processo de valorização artística é mais hierárquico do que qualquer
outro: o mercado de arte estabelece uma tabela de preços e é capaz de alterá-los
artificialmente se for do seu interesse. Ele é naturalmente "desmaterializado" - suas
mercadorias não possuem valor de troca ou de uso, mas são valoradas como signos,
e tais signos são o resultado (nunca estático) do processo de legitimação sofrido por
todos os artistas, que, ao longo de suas trajetórias, vão tecendo, no interior do
sistema de arte e pela ação deste, o valor simbólico de seus trabalhos, que, por sua
vez, são transformados em dinheiro pelo mercado. (DINIZ, 2008, p. 101).

A influência do interesse econômico na definição de quais obras se mantém ou não em


destaque, e consequentemente com maior poder persuasivo para o grande público, funciona

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através da criação de uma hegemonia. Sendo a criação artística um campo com valoração,
econômica ou mesmo em relação à relevância e qualidade de determinados produtores, mais
fluida do que outras por sua natureza interpretativa, está portanto mais sujeita a distorções. Se
uma ideia - concretizando o conceito, seja um livro, programa televisivo ou pintura - é
captada por veículos que detém mais investimentos, como redes de transmissão, editoras
literárias ou galerias de arte com prestígio consolidado, essas constantemente são
apresentadas de forma a conferir mais credibilidade para trabalhos que levam seu nome.
A partir do apoio econômico, imprescindível para a manutenção de qualquer empresa,
a poucos veículos de comunicação, é possível para instituições detentoras de grande poder
econômico selecionar através de investimentos quais agentes de comunicação prevalecem na
seleção de obras. Assim, as redes de televisão, galerias de arte, entre outros representantes,
cujas vozes se sobrepõem, funcionando muitas vezes como filtro ideológico e político,
passam pelo controle de setores da sociedade comprometidos com seus próprios interesses.
É nessa interação, entre mercado e arte, que a atividade de legitimação deixa o âmbito
da subjetividade. Uma atividade, portanto, muito mais pessoal do que concreta, a apreciação
de obras, é suprimida por uma voz unificada capaz de ditar os "bons" e os "maus", estabelecer
níveis de relevância para cada conteúdo. A expressão livre tem, assim, seu lugar tomado pela
repercussão de uma única perspectiva.
O cotidiano, as normas sociais, ideais e aspectos múltiplos da vida humana retratados
em meio às obras de arte veiculadas na grande mídia, devido à interferência de setores
econômicos poderosos, deixa o aspecto de representação livre artística - as histórias contadas
são selecionadas, portanto, por instâncias que sobrepujam seu caráter plural. Nessa
perspectiva, podemos colocar que o caminho para um equilíbrio no impacto da arte sobre o
grande público, alternativamente a passar pelo artista em si com as mãos instáveis da censura,
tem raízes mais importantes na seleção e divulgação dessas obras pelos meios de
comunicação de maior escala. Portanto, é essencial fugir da reprodução e consumo de uma
única narrativa, orientada por poucos que detém poder de selecionar para onde se direciona o
olhar da maioria.
Pode-se, por todas as razões explicitadas, falar de uma responsabilidade artística:
responsabilidade pois o formato de consumo perpetuado por uma lógica de mercado concreta
torna possível entender que o impacto causado pela veiculação em massa de uma obra é muito
mais do que subjetiva. Dado que a transmissão da arte já é controlada por interesses
econômicos fortes, deixa de ser válida a perspectiva de que não seria possível ou correto

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exercer algum tipo de controle sobre a veiculação artística, visto que essa já passa pelo exame
de interesses institucionais com o poder de conduzi-la. Essa responsabilidade, então, pode ser
definida como a compreensão dos ideais intrínsecos a uma produção, e condução das suas
formas de veiculação na mídia de massas correspondente com essa perspectiva. Se tudo pode
ser dito, é interessante a ideia de que tudo possa também ser contraposto, com ideais adversos
expostos na sustentação de verdades distintas.

4. O PERCURSO DA PESQUISA
A partir do dia 09 de abril de 2018, foi iniciada a busca pelo material da pesquisa. Como
fontes, foram utilizados livros encontrados na biblioteca do Centro de Artes e Comunicação
da Universidade Federal de Pernambuco, artigos disponíveis em sites de periódicos em
ciências humanas e sociais e plataformas de arte. A pesquisa foi encerrada no dia 10 de julho
de 2018.

5. RESULTADOS
A partir da pesquisa bibliográfica acerca do funcionamento do mercado artístico,
sobretudo em relação às obras veiculadas na mídia de massa, foram postos os resultados.
Consideramos que os mecanismos econômicos que conduzem a legitimação de obras têm
fluidez superior a os que regem outros âmbitos da atividade humana. Por isso, essa também se
encontra sujeita a maior controle por investimentos tendenciosos, tornando-se necessário
compreender esse funcionamento para evitar que se concretize a transmissão excessiva de
interesses meramente mercadológicos para um público consumidor extenso.
Entendendo que a censura artística é instável, responsável por injustiças históricas e
baseia-se em parâmetros ideológicos demasiadamente pessoais, a reprovamos como caminho
para compensação dessas diferenças, propondo que, do contrário, sejam oferecidas para o
público da grande massa narrativas alternativas às contadas por empresas majoritárias nos
meios de comunicação.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo tinha como objetivo compreender o funcionamento do mercado artístico
através de pesquisa bibliográfica. Aplicando a metodologia da nossa pesquisa, consideramos
que pergunta, qual é o impacto da forma de consumo vigente na atualidade sobre artista e
público, foi respondida. Sobre ela, entendemos que o alcance de cada obra foi expandido para

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um público maior, mas, com a vigência da economia de mercado, a compreensão da obra
passa por uma lógica distinta: a da valoração econômica de artistas e seus trabalhos. Perpassa,
portanto, o estabelecimento da mídia de massa uma interferência de setores econômicos sobre
instituições, tais como redes televisivas e galerias de arte, que funcionam como filtro para
legitimação de artistas. Portanto, alcançamos o objetivo da pesquisa e introduzimos novas
perspectivas para a compreensão desse funcionamento.
Tendo entendido que o caminho ideal para superação da hegemonia de poucas instituições
em legitimar artistas e suas visões, concretizadas nas obras, não é através da censura, a raiz do
problema é a permanência dessas fontes como únicas na visão do grande público. É
importante, por isso, conhecer o funcionamento de empresas de difusão de mídias
alternativas, menos ligadas aos investimentos empresariais, para expandir seu campo de
influência sobre uma população cada vez mais ampla.
Propomos, além disso, um olhar sobre a forma de entender obras de arte como meramente
objetos de consumo. Sabendo que a natureza dessas produções é plural, abarcando muito mais
formas de análise do que a mercadológica, é interessante construir um entendimento de como
esses valores se ligaram tão proximamente à atividade artística, para possibilitar a necessária
prática de caminhos inversos.

REFERÊNCIAS

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