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1 3 FEV 196T Município e voto distrital na Constituinte ftruc


tão profundamente no inconsciente coleti- dizer que nos 292 anos desse regime, jamais
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MANOEL RODRIGUES FERREIRA dicamente. Duzentos e cinquenta homens um sentido local, com a criação dos distri- séculos e séculos desde a Idade Média. ;A
vo, é justo que delas seja feito um retrospec- uma câmara (ou conselho) das nossas repú- constituíam uma "bandeira". Existiam, tos eleitorais. O povo sentia as assembleias Constituição de 1946 quebrou essa tradi-
' Em Portu^rexistiu-o^mtinjeípio, ao to, embora em rápidas palavras, pois o blicas das vilas e cidades foi fechada pelo rei pois, "bandeiras" em todas as vilas e cida- das províncias e do Império como prolon- ção, ao instituir o sistema do voto propor-
tempo da presença do Império Romano na espaço de que aqui disponho não me permi- ou seus delegados. Nunca, nesses quase três des do Brasil. Essas "bandeiras" em S.Paulo gamentos da sua vida municipal. Daí a im- cional. Mas aquela tradição muitas vçzes
península. Mas, com a sua queda, e com o
3 advento da chamada Idade Média, surgi-
ram na Europa os governos locais das vilas
te apresentar os respectivos documentos
históricos comprobatórios, que aliás se
acham nos livros e artigos especializados
séculos, houve por parte dos reis ou seus
delegados qualquer ato de violência contra
qualquer república das nossas vilas e cida-
saíam aos sertões, mas, no litoral, ajudaram
decisivamente a expulsar os estrangeiros e
piratas invasores. É de se notar que foi
portância dos distritos eleitorais: para o
povo, eram os Parlamentos uma constitui-
ção direta dos municípios, através dos seus
secular do regime de eleições locais e distri-
tais continuou permanecendo no incons-
ciente coletivo, daí por que o povo faz a sua
e cidades, chamados repúblicas, que nada sobre o assunto, que já publiquei. des. Nem mesmo contra qualquer dos seus Portugal, na Europa, a primeira nação a representantes. Esse liame entre municípios própria lei ao adotar candidatos locais," ig-
tinham em comum com os antigos municí-
O pios romanos. Essas repúblicas foram uma AS REPÚBLICAS LOCAIS
integrantes, isoladamente. É que os reis de
Portugal reconheciam a soberania dessas
criar essas milícias populares, das quais se
encarregavam as repúblicas (locais). Havia,
e províncias, entre municípios e governo
central não surgiu como súbito ato de cria-
norando a lei do regime eleitoral proporcio-
nal. O problema é demais grave para ser
criação das burguesias das cidades, que an- A compreensão do nosso passado exige repúblicas, evitando qualquer conflito com do lado do rei, a sua própria tropa, mas ção, mas veio sendo formado ao longo de ignorado na Assembleia Constituinte.
siavam por dirigir seus próprios destinos. que reformulemos alguns conceitos históri- elas, o que poderia levar à própria ruptura paga e reduzida. Nessas condições, o Brasil —. .—.—>.,..
Os reis, que desejavam enfraquecer as no- cos depreciativos que sobre ele surgiram do pacto existente. constituía-se em um exército formado pelos
brezas feudais, começaram a fazer, contra após a Independência, em 1822. Nessas
A lei eleitoral constava, em suas minú- naturais da terra e que declararia a indepen-
O elas, pactos com as repúblicas nascentes. Os
monarcas apoiavam-se nas repúblicas lo-
condições, o Brasil não era denominado
"colónia", mas sim, Estado do Brasil, um cias, das Ordenações do Reino. O processo dência, separando-se da Monarquia portu-
de eleições era em dois graus: os oficiais guesa quando quisesse. Se nunca o fez é
Estado membro da Monarquia de Portugal,
O cais, e estas apoiavam-se neles. Não deixava
de ser um paradoxo que as monarquias cujos reis, como todos das monarquias ab- mecânicos mais a nobreza elegiam os diri- porque os seus habitantes dedicavam aos
gentes da república, as pessoas nobres, que reis de Portugal os mais puros sentimentos
fossem formadas de repúblicas. Em Portu- solutistas da Europa, recebiam seu poder de
seriam os oficiais da câmara. As eleições de fidelidade, lealdade e zelo, expressões
gal tudo também se passou exatamente as- Deus. Daí os povos — inclusive o do Brasil
realizavam-se de três em três anos, mas os estas que encontramos a cada passo nos
sim. E quando, após o Descobrimento em — dedicarem aos seus soberanos os mais documentos históricos. Aliás, no século
1500, o rei d. João III resolveu criar institui- profundos sentimentos de respeito, iguais mandatos eram de um ano. Isto é, os eleito-
res de primeiro grau elegiam os de segundo passado, Alexis de Tocqueville interpretou
LU ções político-administrativas no Brasil, co- àqueles que dedicavam a Deus. O povo do muito bem esses sentimentos do povo fran-
meçou antes da instituição do governo ge- Brasil não era chamado de "colono", mas grau, que por sua vez elegiam um número
triplo de mandatários, e aqui cabia ao juiz cês, antes da Revolução de 1789, justifi-
ral. Assim, em 1532 Martim Afonso de sim, tinha a nacionalidade portuguesa, pois cando-os.
Sousa desembarcou em São Vicente, com ainda nem o vocabulário "brasileiro*' ou ouvidor dividir o número total de eleitos
pouco mais de quatrocentas pessoas, para existia. em três mandatos, um para cada ano, dis- Mas, por seu lado, o rei de Portugal
estabelecer as duas primeiras vilas no Brasil, pondo Ordenações que "o juiz juntará os dedicava a essas repúblicas das vilas e cida-
A vida política do nosso povo, como já mais convenientes, assim por não serem
as de São Vicente e dè Piratiniríga (mais vimos, restringia-se às suas vilas e cidades, des o maior respeito e consideração. Assim,
tarde São Paulo de Piratininga). Não se sabe parentes". Esta proibição de os eleitos não quando o rei nomeava o governador de
as chamadas repúblicas. Erroneamente, por serem parentes, constava também de uma
exatamente qual foi fundada primeiro, mas desconhecimento do nosso passado, tem-se uma capitania, disso informava a câmara
admite-se, sem provas, que teria sido São conhecida república, a de Veneza, cuja lei da capital, apresentando o currículo do
atribuído à estrutura político-administrati- eleitoral dizia que ficavam eleitos "uno per
Vicente. O documento ("Diário" de Pêro va das nossas vilas e cidades, a denomina- mesmo e solicitando que ela lhe desse posse
Lopes de Sousa) que descreve o modo como Famiglia, che non vi sia Parentella alcuna" no cargo. Quando o capitão-general chega-
ção "município", que na realidade nunca (Alvise Zorzi, "Una cittá una Republica un
foram fundadas é, depois da carta de Pêro existiu, só surgindo na Constituição de va à capital da capitania, ia à câmara (repú-
Vaz de Caminha, um dos mais belos da Imperp, Veneza 697-1797", Amoldo Mon- blica) tomar posse do cargo de governador.
1824. Esse foi um descobrimento que fiz há dadori Editore, Milano, 1980, pág. 29).
nossa História. Tudo nele se encontra, des- pouco mais de dois anos. Aliás, o historia- Essas repúblicas gozavam de uma soberania
de o estabelecimento da nossa sociedade, Pode parecer simples coincidência, mas não e uma independência, que hoje estamos lon-
dor é um homem que vai à aventura nos é, pois as origens da República de Veneza e
até os^Míbs desígnios cívicos que a nortea- documentos do passado hymano, à procura ge de adivinhar. E utilizavam tanto dessas
vam, -ifcsiim, a partir de 1532, cada vila e as de Portugal foram as mesmas, na Idade prerrogativas que chegavam a estabelecer
de surpresas, que são <x$*novos conheci- Média. Mas não é só aí que encontramos
cidade aue surgia no Brasil era uma repúbli- mentos. '$ -•*' políticas protecionistas, proibindo a entra-
ca que se instalava, dirigida pelos respecti- coincidência. Tanto na lei eleitoral da repú- da ou saída de produtos no termo das vilas
Do que já dissemos cònclui-se que é um blica de Veneza quanto na das Ordenações
vos habitantes. Esse sistema de repúblicas e cidades.
erro falar-se genericamente em "adminis- do Reino, havia a exigência de um menino
locãfs^sfáva consubstanciado nas Ordena- tração colonial". Pois eram duas as admi- De tudo o que dissemos (e ainda é
çoe&tdçk Reino, o livro máximo das leis da (símbolo da inocência) retirar da urna (por
nistrações: uma, a do rei de Portugal atra- sorteio) os eleitos para determinado manda- muito pouco), conclui-se que existiam duas
Monarquia Portuguesa. Não havia, pois, vés dos governadores gerais do Estado do admirações no Brasil: a das repúblicas (lo-
diferjSOÇâ"! alguma entre as repúblicas das to. Na obra de Alvise Zorzi, já citada, ve-
Brasil e dos governadores das capitanias; mos uma ilustração da época, mostrando cais), e a do rei. A das repúblicas era dirigi-
vilas, £<jidaaes de Portugal, e as do Brasil. outra, a do povo, através dos seus represen- da pelos naturais do lugar, e a do rei, atra-
Conj, jtnd{ferença de que nas do Brasil só esse menino no ato de retirar da urna os
tantes no governo das repúblicas das vilas e nomes dos eleitos. E nas atas das nossas vés dos seus representantes. De tudo que
podiam ocupar cargos eletivos, os aqui nas- cidades, também chamado de concelho aqui expusemos, é difícil dizer qual era a
cidos. Exclusivamente. Ora, esse regime de câmaras são comuns as referências a esses
(com c) e câmara (mas não municipal). meninos, durante o processo eleitoral. mais importante. De qualquer maneira, é
governos locais, que eram as repúblicas das um erro dizer-se genericamente "adminis-
nossas vilas e cidades, só foi abolido após a AS CLASSES SOCIAIS
Fala-se genericamente de "sociedade Mas, se quisermos, podemos achar tração colonial", considerando-a uma úni-
Independência, quando o Império Brasileiro mais uma coincidência entre a república de ca, quando na realidade eram duas, bem
criou o município, estabelecido na Consti- colonial", o que é um erro, pois em realida-
de a sociedade do Brasil estava rigorosa- Veneza e a república de São Paulo: a sua distintas.
tuição de 1824 por inspiração da legislação vocação para o imperialismo. Assim, a cida-
francesa da Revolução. mente dividida em dois grandes grupos, SURGE O MUNICÍPIO
nobreza e povo, como qualquer sociedade de de São Paulo conquistou e dominou, no
século XVIII, todo o Sul do Brasil, mais Como já assinalamos* existiam no Bra-
' Nessas condições, a república local vi- absolutista europeia. Essa nobreza não era sil, como em Portugal, duas grandes classes
titulada, mas regia-se pelos estatutos da Minas Cerais, Goiás e Mato Grosso.
gorou no Brasil de 1532 a 1824, durante sociais: a nobreza {local), única que podia
nobreza de Portugal europeu. Era formada O mandato dos dirigentes da Repúbli-
exatamente 292 anos. Quase três séculos! A ser eleita para os cargos da república (lo-
pelos descendentes dos antigos "homens ca (câmara ou concelho) era de um ano.
nossa formação político-administrativa foi cal), e a plebe, que só podia votar. Mas a
bons", assim chamados desde a Idade Mé- Eleitos, não podiam esquivar-se, e nada re-
fundamentalmente a dos governos locais. partir do século XVII começou a estruturar-
dia. Essa nobreza era adquirida no Brasil cebiam, pelo exercício de suas funções.
Com a Independência surgiu a administra- se nova classe, a dos negociantes e intelec-
pelos primeiros conquistadores da terra, ao Eram diversos os cargos e funções das pes-
ção nacional brasileira, isto é, representan- tuais, que se elevava na sociedade, vivia à lei
serem fundadas as primeiras vilas, com suas soas eleitas pelo povo: juiz ordinário, verea-
tes do povo (deputados e senadores) for- da nobreza, mas não possuía os direitos e
repúblicas. Essa nobreza formava a classe dores, procurador, oficiais das ordenanças e
mando o governo central. Mas, o processo privilégios políticos dela. Essa nova classe,
política dirigente, única que podia ser vota- almotacé. Todos eram denominados "ofi-
de eleição desses representantes do povo que hoje chamamos burguesia, à época era
da pelo povo, para os cargos da câmara ciais da câmara" e constituíam um concelho
báseava-se, geograficamente, no antigo sis- denominada "estado do meio", conforme
(conselho) da república. A massa, que só (com c), daí a cas onde davam suas audiên-
tema das repúblicas locais, ou seja, foi insti- registrou o dicionarista português Bluteau,
tinha o direito de votar, constituía o outro cias e se reuniam, ser chamada "paços do
tuído-ia'sistema distrital. Predominou no em 1720. Estado do meio significava um
estado social, formado pelos oficiais mecâ- concelho", oa "casa da câmara". Todos
proceeso eleitoral do Império o respeito ao estado intermediário entre a nobreza e a
nicos. Era a plebe. Os oficiais mecânicos esses membros da câmara constituíam um
tradwopal sistema local de representantes plebe (oficiais mecânicos). Foi essa burgue-
eram os que exerciam ofícios mecânicos, colegiado, isto é, reuniam-se para resolver
do pdÃ). Aí estava, no Império, o respeito à sia que introduziu a Maçonaria no Brasil'
isto é, trabalhos manuais ou braçais. Até sobre as questões da República. E fácil veri-
tradição: se nas antigas repúblicas locais o em meados do século XVIII, sociedade se-
recentemente ainda se usava no Brasil a ficar que esse colegiado constituía os três
povo*dcgia seus representantes aos gover- creta essa, que lutava pelo liberalismo polí-
denominação oficial, como por exemplo poderes: Legislativo, Executivo e Judiciá-
nos *dSts""Vilas e cidades, agora, no novo tico, e que desencadeou a Inconfidência Mi- v
oficial de farmácia, oficial torneiro, etc. rio. As atribuições de cada um se achavam
regime, o mesmo povo, além de continuar neira, movimento que teve contra ele, a
bem explícitas nas Ordenações do Reino. A
elegendo seus representantes às recém- O elemento da nobreza que passasse a nobreza de todo o Brasil.
justiça era exercida pelo "juiz ordinário",
criadas câmaras municipais, passou a eleger exercer trabalho manual ou braçal, deixava que trazia consigo uma vara vermelha; essa A Revolução Liberal no Porto (Portu-
nas mesmas circunscrições eleitorais (os dis- de pertencer à sua classe e tornava-se um era a justiça do povo, isto é, o "juiz ordiná- gal), em 24 de agosto de 1820, derrubou a
tritos eleitorais) seus deputados às assem- oficial mecânico, isto é, passava a pertencer rio" era eleito pelo povo, juntamente com monarquia absolutista e instalou um parla-
bleias .provinciais e nacional. à plebe. todos os outros oficiais da República (lo- mento de representantes do povo, chamado
Na República continuou-se a adotar o A esta altura é conveniente esclarecer cal). Existia, por outro lado, a justiça do rei, Cortes de Lisboa. A revolução liberal aca-
sistema distrital. Somente com a Constitui- como surgiu a lenda de que os nossos ante- exercida por um "juiz de fora", que levava bou por eclodir também no Brasil, do que
ção de 1946 é que se introduziu no Brasil o passados não gostavam de exercer traba- consigo uma vara branca (essas varas, ver- resultou a Independência em 7 de setembro
sistema proporcional de eleições, ainda lhos manuais, razão porque o Brasil é hoje melha e branca, deram seus nomes às atuais de 1822. A Revolução Liberal e a Indepen-
existente. É interessante rápida dissertação ^materialmente subdesenvolvido, como se varas do cível e do crime). Os condenados dência foram uma vitória da burguesia (ou
sobre o sistema proporcional. costuma dizer. Um elemento da nobreza pelo juiz ordinário cumpriam suas penas na "estado do meio"). Estavam abolidos os
Em meados do século passado, o mate- podia exercer trabalhos manuais e braçais cadeia da República, a qual se localizava no vdireitos e privilégios políticos das nobrezas
mático inglês Hare inventou o sistema pro- — e na verdade o fazia — desde que não mesmo edifício onde funcionava a câmara: locais. Toda a vida política seria agora ba-
porcional, um meio racional de se garantir fosse para vendê-los. Isto é, podia ser pro- na parte inferior achava-se a cadeia, e, na seada em critérios burgueses. Assim, para
representatividade às minorias. Mas, como prietário de uma casa de negócios, mas não superior, a câmara. Por isso, o edifício se ser eleitor ou candidatar-se aos cargos eleti-
a sociedade não se rege por teoremas mate- podia ficar no balcão atendendo os fregue- chamava "casa da câmara e cadeia". vos, os cidadãos deviam provar que pos-
máticos, ingleses e americanos tiveram o ses. Em suma, devia conservar o seu "sta- suíam determinadas rendas anuais. Pela pri-
bom senso de não tomar conhecimento da tus" de nobre. Nas vilas e cidades, a nobre- A MILÍCIA POPULAR meira vez, e na Constituição de 1824, o
za era em número muito reduzido, sendo a
invenção do voto proporcional e continua- Vejamos agora a tropa ou milícia po- povo ouviu um vocábulo novo: "municí-
grande massa da população formada de
ram a manter o seu sistema distrital, que pular, da república. Em 1570, o rei Dom pio". Aliás essa Constituição nem sabia
oficiais mecânicos. Assim, todos trabalha-
permanece até hoje. Durante o Império bra- Sebastião, verificando que o Reino de Por- exatamente o que era um município, ao
vam, nobreza e povo, mas cada qual conser-
sileiro, pensou-se em adotar o voto propor- tugal não dispunha de gente e dinheiro sufi- criá-lo. A transformação das repúblicas das
vando o seu "status". A documentação a
cional. Em 1873, o assunto foi exaustiva- ciente para constituir uma força militar re- vilas e cidades em municípios foi regula-
respeito é abundante, mas os historiadores
mente debatido na Câmara dos Deputados, gular que defendesse seus Estados e territó- mentada pela lei de 1828. Entretanto, não
do século passado, não a entendendo, con-
que teve, como ingleses e norte-americanos, rios ultramarinos, resolveu que estes deve- aconteceu uma simples mudança de nome,
cluíram apressadamente que ninguém tra-
o bom senso de não adotar o sistema pro- riam defender a si próprios, isto é, as popu- pois na realidade a república local foi aboli-
balhava no Brasil, que era proibido traba-
porcional, mantendo o sistema distrital. lações das vilas e csdades e seus termos da, surgindo em seu lugar o município.
lhar. Infelizmente, essa interpretação erró-
Hoje, a sociedade brasileira, embora deveriam organizar-se em forças armadas Assim, grande parte das atribuições das an-
nea tornou-se verdade e é hoje o ponto
submetida à lei do sistema proporcional, terrestres. Era uma verdadeira tropa popu- tigas repúblicas foram transferidas para o
principal em que se baseiam os ensaístas do
adota, por sua própria conta, o sistema lar, uma milícia popular, um exército popu- estado nacional imperial, como por exem-
nosso desenvolvimento económico, e que
distrital. Basta ver o resultado das últimas lar, falando em termos atuais. A organiza- plo, a justiça ordinária e a milícia local, esta
lhe dão o nome de "herança cultural".
eleições ao Congresso: nos municípios, fo- ção do povo, militarmente, cabia às respec- transformada em guarda nacional, por Fei-
ram os candidatos locais, os mais votados. O FUNCIONAMENTO DAS tivas repúblicas. O "Regimento dos capi- jó. Dessa maneira, com a Independência nó
O significado profundo desse fenómeno é REPÚBLICAS tães-mores e mais capitães e oficiais das plano nacional, as vilas e cidades perderam
que o inconsciente coletivo está se manifes- Como já vimos, as repúblicas das vilas companhias da gente de cavalo, e de pé, e a independência e soberania de que goza-
tando coerente com a nossa tradição eleito- e cidades constituíam autênticos estados lo- da ordem que terão em se exercitarem", foi ram durante quase três séculos.
ral, que se iniciou em 1532, com Martim cais que formavam um estado maior, a assinado por D. Sebastião no dia 10 de
Afonso de Sousa fundando as duas primei- nação portuguesa, chamada Monarquia de dezembro de 1570. A organização hierár- CONCLUSÃO
ras repúblicas locais no Brasil, as vilas de Portugal. Assim, o rei quer diretamente, quica era a seguinte: capitão-mor, capitão Com o Império Brasileiro, o povo,
São Vicente e Piratininga (hoje a cidade de quer pelos seus delegados no Brasil, não da companhia, alferes, sargento-mor, cabó- além de votar nos seus candidatos aos car-
São Paulo), e que coníinuou ao longo dos interferia de maneira alguma nas adminis- mor e a massa da população, que era tropa. gos da administração municipal, passou
séculos, com a formação político-adminis- trações das nossas vilas e cidades, que goza- Todos eram eleitos pelo próprio povo ou também a eleger seus deputados às assem-
trativa do Brasil. vam de uma soberania, de uma independên- pelos oficiais da câmara. A população cons- bleias provinciais e nacional. Esta nova atri-
cia, que dificilmente hoje podemos avaliar tituía a milícia popular, ninguém podia es- buição não lhe causou muiía estranheza,
Mas, desde que as repúblicas locais
ou conceber, já que estapos dominados cusar-se de servir e todos deveriam ter ar- pois se as eleições municipais eram tocais,
foram assim tão importantes na nossa vida
pela ideia errónea de "jugo colonial". Basta mas próprias, além de se exercitarem perio- I as eleições às assembleias tinham também
político-administrativa, a j>onto de se fixar

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