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AVANÇOS PARA O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO 2015-2016

Dayana Carvalho Coelho1

RESUMO
O presente artigo tem por finalidade identificar os avanços para
o combate ao trabalho escravo no Maranhão entre os anos de
2015 e 2016 no âmbito do Executivo. A escolha do período diz
respeito ao início de uma nova gestão no Estado, e o contexto
de escravidão contemporânea no estado, que tem figurado
como um local de bastante incidência da prática, e um dos
principais estados de origem de mão-de-obra escrava. Nesse
contexto, importante identificar os principais avanços da Política
Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo no estado,
apontando experiências exitosas e desafios para a erradicação
dessa prática repudiável.

Palavras chave: avanços; combate ao trabalho escravo;


Maranhão.

ABSTRACT
The purpose of this article is to identify the advances for the fight
against slave labor in Maranhão between the years 2015 and
2016 within the Executive. The choice of period refers to the
beginning of a new management in the State, and the context of
contemporary slavery in the state, which has appeared as a
place of considerable incidence of practice, and one of the main
states of origin of slave labor. In this context, it is important to
identify the main advances of the State Policy to Combat Slave
Labor in the state, pointing out successful experiences and
challenges for the eradication of this repudiating practice.

Keywords: advances; Combat slave labor; Maranhão.

1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Advogada e Coordenadora das Ações
para o Combate ao Tráfico de Pessoas e ao Trabalho Escravo da Secretaria de Estado de Direitos
Humanos e Paricipação Popular – SEDIHPOP. Pós-graduanda do Curso de Especialização em
Cidadania, Direitos Humanos e Gestão de Segurança Pública da Universidade Federal do Maranhão
em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP.
I. INTRODUÇÃO: Panorama do Trabalho Escravo no Brasil e no Maranhão

A questão agrária no Brasil tem um caráter extremamente exploratório, que tem


suas origens no período de colonização das terras brasileiras pelos europeus. A exploração
da terra pressupunha a exploração, inicialmente, dos indivíduos colonizados, ou seja, os
povos indígenas e, a posteriori, dos povos africanos, trazidos de diversas partes deste
continente para serem escravizados no Brasil.
Mesmo com abolição oficial da escravidão, a partir de 1988 e resultado de diversas
lutas abolicionistas que antecederam a Lei Áurea, a cultura de submissão dos trabalhadores
aos grandes proprietários de terra se manteve. Nesse sentido Martins (2010 [1979], p. 54),
demonstra como os fazendeiros tratavam imigrantes europeus e japoneses que vieram para
o Brasil substituir a mão-de-obra negra e escrava, nos cafezais:
[...] o parceiro era onerado com várias despesas, a principal das quais era o
pagamento do transporte e gastos de viagem, dele e de toda a sua família,
além da sua manutenção até os primeiros resultados do seu trabalho.
Diversos procedimentos agravavam os débitos, como a manipulação das
taxas cambiais, juros sobre adiantamentos, preços excessivos cobrados no
armazém pelos bens de consumo do colono (em comparação com preços
das cidades próximas), além de vários abusos e restrições. [...] Aos olhos de
um dos colonos, tais fatos significavam que “o colono europeu só vale mais
do que os negros africanos pelo fato de proporcionar lucros maiores e de
custar menos dinheiro”. [...] tendo feito despesas na importação da mão de
obra, o fazendeiro sentia-se impelido a desenvolver mecanismos de retenção
dos trabalhadores em suas terras, como se fosse seu dono: os patrões [...]
quase não dão dinheiro aos seus colonos, a fim de prendê-los ainda mais a
si ou às fazendas”. Deste modo, o trabalhador não entrava no mercado de
trabalho como proprietário da sua força de trabalho, como homem
verdadeiramente livre. Quando não estava satisfeito com um patrão,
querendo mudar de fazenda, só poderia fazê-lo procurando “para si próprio
um novo comprador e proprietário”, isto é, alguém que saldasse seus débitos
com o fazendeiro.

Desse trecho é possível extrair as principais características comuns do trabalho


nesse período do colonato e do que, mais tarde, vai ser denominado por trabalho escravo
contemporâneo: a submissão e o aprisionamento do trabalhador. A submissão se dá por meio
da dívida, da coação e da ameaça, as quais, também, contribuem para o cerceamento da
liberdade do trabalhador, de modo que este se vê impedido de deixar o local da exploração.
A falta de liberdade, inclusive, é um dos principais critérios utilizados pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) para conceituar trabalho escravo na atualidade:
No Brasil, há variadas formas e práticas de trabalho escravo. O conceito de
trabalho escravo utilizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)
é o seguinte: toda a forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o
recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é
a liberdade. Quando falamos de trabalho escravo, estamos nos referindo a
muito mais do que o descumprimento da lei trabalhista. Estamos falando de
homens, mulheres e crianças que não têm garantia da sua liberdade. Ficam
presos a fazendas durante meses ou anos por três principais razões:
acreditam que têm que pagar uma dívida ilegalmente atribuída a eles e por
vezes instrumentos de trabalho, alimentação, transporte estão distantes da
via de acesso mais próxima, o que faz com que seja impossível qualquer
fuga, ou são constantemente ameaçados por guardas que, no limite, lhes
tiram a vida na tentativa de uma fuga. Comum é que sejam escravizados pela
servidão por dívida, pelo isolamento geográfico e pela ameaça às suas vidas.
Isso é trabalho escravo. (OIT, 2006, p.11)
.
A legislação brasileira, por seu turno, criminaliza a prática, tipificada no artigo 49
do Código Penal, assim:
Art. 49. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-
o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Há outras previsões legais, no próprio Código Penal, que fazem referência a


criminalização do trabalho escravo, como o artigo 203 e o artigo 207. A Constituição Federal
do Brasil, a partir de recente emenda constitucional, (nº81/2014), prevê, em seu art. 243 a
expropriação de imóveis urbanos e rurais onde for constatada exploração de mão de obra
escrava, os quais deverão ser destinados para reforma agrária e programas de habitação
popular.
Apesar da amplitude da definição legislativa brasileira sobre trabalho escravo ser
referência internacional desde 2005, quando as ações brasileiras para o combate ao trabalho
escravo contemporâneo foram assim reconhecidas pelo Relatório Global da OIT “Uma Aliança
Global contra o Trabalho Escravo” (2005), muitas são as manifestações contrárias a esse
arcabouço protetivo, de modo que identificam-se muitas tentativas de flexibilização dessas
medidas. Dentre essas citam-se o Projeto de Lei do Senado nº 432/20132, que propõe a
alteração do conceito de trabalho escravo e a suspensão da divulgação da Lista Suja, desde
20143 até março de 2017.
Ressalte-se que o trabalho escravo contemporâneo só ganha uma “versão oficial”
(ALMEIDA, 1986) em 1985, com a criação do Ministério do Desenvolvimento e da Reforma
Agrária (MIRAD), que segundo MOURA (2009, p.18-19) “possibilita o aparecimento de uma
“versão oficial do trabalho escravo dentro do próprio Estado, indicando que ele começa a ser

2 A esse respeito a Câmara Criminal do Ministério Público Federal(2CCR/MPF) expediu uma nota
técnica em que ressalta a inconvênia e inadequação da redução conceitual legislativa sobre trabalho
escravo e como isso pode gerar retrocessos para a repressão às formas contemporâneas de trabalho
escravo. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/nota-tecnica-conceito-trabalho-escravo
3
Mai detalhes.
reconhecido como categoria adequada à classificação de relações de exploração existentes,
reconhecendo serem essas relações amplamente difundidas e utilizadas nos mais diversos
setores da economia rural brasileira.
As denúncias desse tipo de prática, no entanto, datam das décadas de 60 e 70 e
coincidem com o processo de crescimento econômico do país, com o processo de ocupação
e exploração da região amazônica e os investimentos do Governo Militar nas indústrias
através das isenções de impostos e subsídios. (SUTON, 1994). Esse processo de
modernização da Amazônica tem como consequência um fenômeno descrito por Costa (2000)
como “anulação do campesinato” e faz parte do contexto descrito por Martins (1981) como
“formação da fazenda”, que dissemina um modo de subordinação que passará a ser
conhecido como escravidão contemporânea (ESTERCI, 1987, p.139).
Nesse sentido ressalta Moura (2009, p.24):
Nesse universo de formação da fazenda e de todas as atividades que giram
em torno dos novos empreendimentos na fronteira agrícola é que se cria a
complexa rede de relações sociais que reproduz o cativeiro do peão e que
transforma a super-exploração em escravidão.

Se em 1985 surge a versão oficial do Estado para trabalho escravo (Moura, 2009,
p.18), apenas 10 anos depois o Brasil reconhece, diante da comunidade internacional, a
existência de trabalho escravo em seu território e cria as estruturas governamentais para
combater essa prática criminosa, conforme ressalta a OIT (2006):
Em 27 de junho daquele ano, foi editado o decreto número 1538, criando
estruturas governamentais para o combate a esse crime, com destaque para
o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e o Grupo
Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Em março de 2003, o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou o
Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e instituiu, em agosto
do mesmo ano, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(Conatrae).

As fiscalizações promovidas pelo Grupo Móvel de Fiscalização passam a


constituir, ao lado dos dados colhidos pela Comissão Pastoral da Terra, uma das principais
fontes para mensuração do trabalho escravo no Brasil. De modo que, anualmente, o Ministério
do Trabalho (MT), antes denominado Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), divulga
relatório das fiscalizações realizadas a partir de denúncias recebidas pelo MT, que até 2014
compunham um Cadastro publicizado pelo Ministério conhecido por Lista Suja do Trabalho
Escravo. Girard, Mello-Théry, Théry e Hato (2014) sintetizam o trabalho do Grupo Móvel:

O Grupo Móvel, com o auxílio da Polícia Federal, realiza inspeções em locais


onde há denúncia de trabalho escravo. Nesse caso, os trabalhadores são
libertados, são aplicadas multas ao empregador e é efetuado o pagamento
dos salários e encargos, o que permite ao trabalhador o recebimento do
seguro desemprego. Em seguida os trabalhadores são assistidos e
encaminhados aos seus locais de origem, sendo de responsabilidade do
empregador os recursos destinados ao transporte.

Entre 1995 e 2015, o Ministério do Trabalho, aponta que 49.816 pessoas foram
resgatadas (gráfico 1) e 4303 estabelecimentos inspecionados. Em 2016, no entanto, verifica-
se uma queda brusca no número de fiscalizações, 108 ao total, e de trabalhadores resgatados,
apenas 667. Ou seja, são os menores números registrados desde 2001.

Operações de Fiscalização no Brasil


1995-2015
Trabalhadores Libertados Nº de Estabelecimentos Fiscalizados

5999
5223 5016
4348
3754
3417
2887
2285 2559249126862758
1674
1305 1111
425 394 725 516
8477 219 159 56 188 276 189 209 206 301 350 310 344 258 300 283 273
95 47 88 149 85

Gráfico1. Operações de Fiscalização no Brasil 1995-2015. Fonte: Dados do Ministério do


Trabalho

Nesse mesmo período a CPT registrou um número total de trabalhadores


envolvidos em trabalho escravo superior àquele efetivamente libertados pelas operações de
fiscalização, demonstrando um descompasso entre o número real de trabalhadores
escravizados e aqueles efetivamente libertados pelo Grupo Móvel. Girard, Mello-Théry, Théry
e Hato (2014), ressaltam que

o número real de trabalhadores escravizados é sem dúvida maior, visto que


não é possível verificar todas as denúncias e, em alguns casos, as operações
fracassam, pois ocorre o vazamento de informações, de forma que "de posse
da ordem de serviço, muitas vezes os fiscais e policiais são surpreendidos
por proprietários que, sabendo da vistoria, tiveram tempo para preparar o
ambiente". (GUIMARÃES; BELLATO, 1999, p.72).

O Gráfico 2 mostra a diferença entre o número de trabalhadores envolvidos em


denúncias encaminhadas à CPT e os libertados pelo MTE por, ano, durante o mesmo período
estudado acima. Verifica-se que os dados da CPT são sempre superiores àqueles do MTE,
entre os principais motivos desse descompasso está o fato de que nem todas as denúncias
recebidas pela CPT são fiscalizadas pelo MTE. A não ocorrência das fiscalizações ainda são
atribuídas ao medo das equipes e à situação econômica (FIGUEIRA, 2004), que, por vezes,
inviabiliza as operações. Existe, ainda, o dado relativo a diminuição do número de
fiscalizações devido, sobretudo, a diminuição do número de profissionais habilitados para
compor o Grupo Móvel, em especial os auditores4.

Trabalhadores Resgatados e Trabalhadores Envolvidos em


Denúncias
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0

Trabalhadores Libertados Nº de Trabalhadores Envolvidos - CPT

Gráfico 2: Diferença entre os Trabalhadores Resgatados e aqueles envolvidos em denúncias. Fontes:


Dados MT de Fiscalização e da publicação anual Conflitos no Campo Brasil, da CPT

No Maranhão as atividades que frequentemente utilizam trabalho escravo estão


ligadas a questão agrária. Nesse aspecto o estado sempre se destacou negativamente.
Assim, pelo menos 49 municípios maranhenses já foram alvo de fiscalizações, com
libertações de 3.095 pessoas escravizadas, desses 52% localizam-se na região oeste do
Maranhão. Já em 2007, na ocasião que foi instituído o I Plano de Erradicação do Trabalho
Escravo, essa área já demonstrava maior incidência dessa prática criminosa5.
Segundo a incidência, região de origem dos trabalhadores resgatados e as
características dessa prática, Santos, Silva e Nascimento (2015, p.75) ressaltam:
Os casos de trabalho escravo no Maranhão começaram a aparecer com
mais incidência a partir de 2003, com destaque para o município de
Açailândia. A maioria dos trabalhadores é oriunda do próprio Maranhão (...)
As atividades realizadas pelos trabalhadores estão ligadas a pecuária (roço
da juquira, construção de cerca, bater veneno e etc.) à lavoura (catação de
raiz), e a produção de carvão (carvoarias), sendo que a pecuária se destaca
com maior numero de denuncias neste período.” (SANTOS, SILVA e
NASCIMENTO, 2015, p. 75)

4
Segundo a OIT a média de auditores fiscais no Brasil deveria ser de 5.000. Quando se costuma ter
3.500. No momento atual não passam de 2.000 auditores. Nesse sentido, ainda, ver
http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/05/acoes-contra-trabalho-escravo-resgatam-50-mil
5
Conforme pontos 2.1 e 2.2 do II Plano Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo.
Por muitos anos o Maranhão esteve entre os estados onde se verificava o maior
número de pessoas encontradas em situação de escravidão. Por outro lado, também, tem se
destacado no ranking de naturalidade dos trabalhadores resgatados. De modo que resta
patente a urgência na adoção de políticas de prevenção, repressão e reinserção para o
combate ao trabalho escravo no estado.

II. POLÍTICA ESTADUAL DE ENFRENTAMENTO AO TRABALHO ESCRAVO NO


MARANHÃO

Diante desse panorama, no ano de 2007, o Governador Jackson Lago instituiu a


Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo – COETRAE-MA6, através do
Decreto nº 22.996/07, posteriormente Lei nº 9.705/12, a qual elabora, naquele mesmo ano o
I Plano Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (2007), para prevenção e
enfrentamento ao trabalho escravo no estado.
Em grande parte resultado dos Seminários Regionais de Erradicação do Trabalho
Escravo, realizados pelo FOREM e da II Conferência Interparticipativa sobre Trabalho
Escravo, as ações do Plano pretendem combater
as causas principais da problemática, quais sejam, a impunidade, a pobreza
e o modelo econômico excludente, sem a pretensão de esgotar as
possibilidades de enfrentamento à questão, mas traçar um caminho com
propostas mínimas de superação dessa chaga que tanto envergonha o
Maranhão. (MARANHÃO, 2007)
O plano prevê ações intersetoriais, a fim de compartilhar responsabilidades com
as organizações envolvidas diretamente na sua execução do Plano, no limite de suas
prerrogativas. Dessa forma
as ações estão, didaticamente, classificadas em quatro blocos: ações
gerais, englobando providências não específicas, ações de repressão, que
visam a eficácia da Lei que reconhecem como crime a conduta de reduzir
alguém à condição análoga de escravo, atacando principalmente a
impunidade como uma das causas principais; ações de prevenção, voltadas
para o conhecimento da realidade, sensibilização, capacitação e medidas
estruturantes ou produtoras de alternativas econômicas e ações de
assistência às vítimas do crime de trabalho escravo ou de aliciamento,
focado no atendimento emergencial nas dimensões sociais, econômicas e
jurídica. (MARANHÃO, 2012)

6
A COETRAE/MA foi instituída no Maranhão em 26 de março de 2007, por meio do Decreto nº
22996/2007, formada por órgãos públicos e organizações da sociedade civil e tem como objetivo
principal garantir a intersetorialidade da elaboração e da execução de ações que visem ao combate do
trabalho escravo. (MARANHÃO, 2012, p.06)
Entre as funções da COETRAE está o monitoramento do cumprimento desse
plano e a atualização do mesmo, razão pela qual, em 2012, é lançado o II Plano Estadual
para a Erradicação do Trabalho Escravo (2012), produzido pelo Grupo de Trabalho formado
por membros da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania – SEDIHC e da
Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo – COETRAE , “(...) esta versão surge
com a necessidade de enfrentar, com maior enfoque, os desafios que persistem como fatores
determinantes da manutenção de maranhenses em condições de escravidão
contemporânea.” (MARANHÂO, 2012) . Entre as diretrizes para consecução do Plano estão:
o enfrentamento às causas, a transversalidade e a participação popular.
Esses instrumentos compõe, portanto, a Política Estadual de Enfrentamento ao
Trabalho Escravo, a qual também alberga outras ações que, ainda que não previstas no
Plano, ou de iniciativa da COETRAE, objetivam atuar em um dos eixos de combate ao trabalho
escravo (prevenção, repressão e reinserção). Nos estados do Céara, Mato Grosso e Bahia,
essa política é desenvolvida por meio do Projeto de Ação Integrada (PAI).

III. AVANÇOS PARA O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO 2015 -


2016

Em vigor desde 2012, a execução do II Plano Estadual para a Erradicação do


Trabalho Escravo é adotada como uma das prioridades da gestão que se inicia em 2015,
conforme aponta o Relatório SEDIHPOP:
O Governo do Maranhão promoveu no ano de 2015 uma ampla reforma
institucional no Estado do Maranhão, inserindo as pautas dos direitos
humanos na centralidade das ações governamentais e políticas públicas. No
que diz respeito ao enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo, o
governo entende que precisa superar os entraves relacionados às causas
(impunidade, pobreza, concentração de renda e exclusão social); fazer do
enfrentamento ao trabalho escravo premissa na definição das políticas
(transversalidade); garantir a participação democrática, valorizando o
protagonismo da sociedade, com foco na execução do II Plano Estadual
para Erradicação do Trabalho Escravo.

A execução do Plano, no entanto, pressupõe a reorganização e fortalecimento da


COETRAE, como premissa para o combate ao trabalho escravo no Estado. Dessa forma,
foram garantidas as reuniões bimestrais da Comissão durantes os anos de 2015 e 2016,
embora com uma participação da sociedade civil ainda muito aquém do necessário,
principalmente porque, na Comissão as ações são articuladas conjuntamente com os órgãos
e entidades membros.
A rearticulação operacional da COETRAE/MA culminou no monitoramento e
reestruturação do II Plano Estadual. Reconhecendo que a atualização do Plano é premissa
para a definição de políticas a SEDIHPOP iniciou estratégia de monitoramento visando à
repactuação do II Plano Estadual no conjunto da reorganização da Comissão. O
balanço/monitoramento do Plano Estadual, é importante para que se consiga perceber até
que ponto o interesse em erradicar o trabalho escravo, tanto por parte do estado, como da
sociedade civil, tem refletido efetivamente a execução e adensamento de ações tanto na linha
da prevenção, repressão do trabalho escravo, como para reinserção de trabalhadores
resgatados.
O Plano também prevê ações de combate ao tráfico de pessoa e, nessa seara
verificam-se importante avanços, com a assinatura do Dec. Estadual nº 31.124/15 que institui
o Programa Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que prevê um
Núcleo de Atendimento e um Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas. Em 2016 foi realizada, também, uma chamada pública para entidades da sociedade
civil comporem o Comitê, no entanto, até o momento o não houve adesão desse setor a
inciativa.
No campo da prevenção a nova Gestão do Executivo maranhense realizou
atividades importantes durante os anos de 2015 e 2016. Dentre essas, destaca-se a execução
do Projeto “Escravo Nem Pensar”7 nas Unidades Regionais de Ensino, a realização das
Caravanas da Liberdade, nos municípios de Codó e Peritoró, com painéis e oficinas sobre a
temática, além de parcerias para pesquisas e discussões em escolas sobre o tema.
No Maranhão o projeto é executado por meio da Secretaria de Educação
(SEDUC), e conta com o apoio da COETRAE e SEDIHPOP. Até o mês de julho de 2016
apontava, os resultados parciais demonstravam que foram 71 municípios alcançados, 234
escolas, 2.012 educadores, 37.533 alunos, e 8.374 pessoas da comunidade extraescolar,
além de 418 outros profissionais (zeladores, merendeiras, vigilantes)8 em 7 Unidades

7
O Projeto “Escravo Nem Pensar”, é uma iniciativa da ONG Repórter Brasil, em parceria com a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem como metas diminuir, por
meio da educação, o número de trabalhadores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aliciados
para o trabalho escravo na Amazônia e no Cerrado brasileiros; e difundir o conhecimento a respeito de
tráfico de pessoas e trabalho escravo contemporâneo como forma de combater essa violação dos
direitos humanos. Tem como metas no Maranhão alcançar a implantação de uma rede de mobilização
e formação de educadores na rede estadual de ensino do Maranhão sobre a temática do trabalho
escravo; institucionalização de forma transversal da temática do trabalho escravo nos documentos que
referenciam o currículo do Sistema Estadual de Ensino; e o desenvolvimento e o fomento, nas escolas,
dos projetos pedagógicos e das atividades educativas de prevenção ao trabalho escravo no Maranhão.
Fonte: http://escravonempensar.org.br/2016/06/escravo-nem-pensar-faz-acao-de-prevencao-ao-
trabalho-escravo-em-71-municipios-do-maranhao/
8 Dados parciais, posto que ainda não foi apresentado formalmente o Relatório Final do Projeto. O

relatório final está previsto para ser apresentado em abril de 2016.”Fonte:


regionais de educação (Açailândia, Balsas, Codó, Imperatriz, Santa Inês, São João dos Patos
e São Luís), que concentram cerca de 86% dos casos de trabalhadores resgatados entre 2003
e 2014.
Outras iniciativas nesse campo que merecem destaque foram as Caravanas da
Liberdade realizada em Codó e Peritoró, em 2015, contou com uma passeata, com a
participação de aproximadamente (1.200 pessoas) e atendimento ao público através dos
projetos estaduais ESTAÇÃO SAÚDE (682 atendimentos) e VIVA CIDADÃO (5.605
atendimentos); e a parceria entre a SEDIHPOP e o município Paço Lumiar para a formação
de estudantes em cinco escolas da rede de educação de jovens e adultos (EJA) sobre o tema,
posto que foi nesse município onde ocorreu o resgate de 58 trabalhadores do trabalho escravo
em 2015.
Ainda no campo da prevenção, e também no âmbito do apoio a projetos
internacionais que tratam da temática, foi assinado termo de cooperação entre a OIT e
Governo Federal para a realização de pesquisa sobre estimativa de vítimas do trabalho
escravo no Brasil. Pesquisa realizada em 10 países, no Brasil teremos uma experiência piloto,
no Maranhão, com vistas a realizar um diagnóstico amplo sobre as condições de trabalho no
Estado para além dos resgates tendo em vista as áreas onde o Estado direcionará
investimentos.
Com os cruzamentos de dados dessa pesquisa, com os de resgates, ação
integrada, e demais fontes, a Secretaria de Direitos Humanos pretende construir um mapa
com o perfil, a origem e o destino dos trabalhadores. Um diferencial do perfil da pesquisa no
estado é que, no Maranhão, será utilizado o conceito de trabalho escravo, conforme definido
no Código Penal, que inclui nesse tipo de crime as características de jornada exaustiva e
condições degradantes, o que não ocorre na legislação de outros países, mais restritas.
No campo da repressão, articulações entre os parceiros da COETRAE resultaram
na ação de diálogo com a Assembleia Legislativa do Maranhão para a reinclusão na pauta da
Casa o PL 169/13, que resultou na promulgação da Lei Estadual nº 10.355/15, que pune
empresas que façam uso direto ou indireto de regime de trabalho escravo – a legislação prevê
a cassação do registro das empresas do cadastro de contribuintes do ICMS (Imposto sobre
Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação).
Outras iniciativas, no campo dos direitos humanos, também contribuem para a
Política Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, como a Comissão Estadual de

http://escravonempensar.org.br/2016/06/escravo-nem-pensar-faz-acao-de-prevencao-ao-trabalho-
escravo-em-71-municipios-do-maranhao/
Prevenção à Violência no Campo e na Cidade – COECV, com o objetivo de mediar os conflitos
fundiários no campo e na cidade nos moldes da Convenção 169 da OIT; a execução do
Programa Estadual de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos no Maranhão,
garantida por pelo menos 5 anos; e a manutenção do Programa de Proteção de vítimas e
testemunhas ameaçadas (Provita-MA). Ressalte-se que esses programas constam do II
Plano Estadual para a erradicação do trabalho escravo como tarefas do governo.
No campo do atendimento e reinserção a trabalhadores, o Executivo, por meio da
SEDIHPOP firmou dois convênios com o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
“Carmen Bascarán” (CDVDH/CB) (Projeto Construindo Cidadania), para o atendimento de
trabalhadores em Açailândia-MA, o principal município de incidência de trabalho escravo no
estado.
O Centro tem uma destacada atuação no atendimento as vítimas de trabalho
escravo, conforme atestado pelo II Plano:
A ação do Centro vai desde o recebimento da denúncia, acolhimento,
encaminhamentos aos programas e serviços públicos para acesso aos
direitos básicos, mesmo enfrentando muitas dificuldades para a garantia do
acesso dos trabalhadores a esses serviços, prestação de assistência jurídica
e mobilização social, através da conscientização e articulação.

A partir dessa iniciativa a COETRAE discute o melhor modelo de Ação Integrada


para o Estado, com discussões de propostas de outros estados, como Mato Grosso e Bahia,
a fim de garantir um fluxograma de atendimento conforme previsto no II Plano Estadual, que
prevê a articulação de serviços com vistas a inserção social dos trabalhadores.

IV. CONCLUSÃO
Verifica-se, portanto, uma consolidação da Política de Enfrentamento ao Trabalho
Escravo no Maranhão, principalmente a partir da rearticulação operacional da COETRAE/MA
e do monitoramento e atualização do II Plano Estadual, através da Comissão.
Identificam-se avanços quanto as ações de prevenção, repressão e reinserção,
que colocam o desafio de consolidar essa Política, principalmente com a instituição dos
Centros de Referência e consolidação da Política de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Nesse aspecto é onde se verifica o principal desafio da Política Estadual de
Combate ao Trabalho Escravo, principalmente no que diz respeito a implantação e
estruturação de outros Centros de Referência no atendimento aos trabalhadores
denunciantes e ou resgatados do trabalho escravo, conforme previsto no Plano Estadual, que
tenham como referência o trabalho desenvolvido pelo Centro de Defesa da Vida de
Açailândia. O funcionamento desses Centros requer uma rede de apoio composta por
diversos atores, institucionais, estaduais e municipais, representantes da sociedade civil, que
se articulam em torno do recebimento de denúncias, encaminhando e acompanhando os
casos, considerando as diversas dimensões que compõem o ciclo do trabalho escravo. O
funcionamento da COETRAE e as iniciativas a nível do Executivo apontam experiências
importantes que podem progredir para a estruturação desses Centros em um período bem
próximo.

REFERÊNCIAS
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Humanidades, ano V, nº 17, UnB, Brasília, 1988.

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