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RESUMO
O presente artigo tem por finalidade identificar os avanços para
o combate ao trabalho escravo no Maranhão entre os anos de
2015 e 2016 no âmbito do Executivo. A escolha do período diz
respeito ao início de uma nova gestão no Estado, e o contexto
de escravidão contemporânea no estado, que tem figurado
como um local de bastante incidência da prática, e um dos
principais estados de origem de mão-de-obra escrava. Nesse
contexto, importante identificar os principais avanços da Política
Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo no estado,
apontando experiências exitosas e desafios para a erradicação
dessa prática repudiável.
ABSTRACT
The purpose of this article is to identify the advances for the fight
against slave labor in Maranhão between the years 2015 and
2016 within the Executive. The choice of period refers to the
beginning of a new management in the State, and the context of
contemporary slavery in the state, which has appeared as a
place of considerable incidence of practice, and one of the main
states of origin of slave labor. In this context, it is important to
identify the main advances of the State Policy to Combat Slave
Labor in the state, pointing out successful experiences and
challenges for the eradication of this repudiating practice.
1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Advogada e Coordenadora das Ações
para o Combate ao Tráfico de Pessoas e ao Trabalho Escravo da Secretaria de Estado de Direitos
Humanos e Paricipação Popular – SEDIHPOP. Pós-graduanda do Curso de Especialização em
Cidadania, Direitos Humanos e Gestão de Segurança Pública da Universidade Federal do Maranhão
em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP.
I. INTRODUÇÃO: Panorama do Trabalho Escravo no Brasil e no Maranhão
2 A esse respeito a Câmara Criminal do Ministério Público Federal(2CCR/MPF) expediu uma nota
técnica em que ressalta a inconvênia e inadequação da redução conceitual legislativa sobre trabalho
escravo e como isso pode gerar retrocessos para a repressão às formas contemporâneas de trabalho
escravo. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/nota-tecnica-conceito-trabalho-escravo
3
Mai detalhes.
reconhecido como categoria adequada à classificação de relações de exploração existentes,
reconhecendo serem essas relações amplamente difundidas e utilizadas nos mais diversos
setores da economia rural brasileira.
As denúncias desse tipo de prática, no entanto, datam das décadas de 60 e 70 e
coincidem com o processo de crescimento econômico do país, com o processo de ocupação
e exploração da região amazônica e os investimentos do Governo Militar nas indústrias
através das isenções de impostos e subsídios. (SUTON, 1994). Esse processo de
modernização da Amazônica tem como consequência um fenômeno descrito por Costa (2000)
como “anulação do campesinato” e faz parte do contexto descrito por Martins (1981) como
“formação da fazenda”, que dissemina um modo de subordinação que passará a ser
conhecido como escravidão contemporânea (ESTERCI, 1987, p.139).
Nesse sentido ressalta Moura (2009, p.24):
Nesse universo de formação da fazenda e de todas as atividades que giram
em torno dos novos empreendimentos na fronteira agrícola é que se cria a
complexa rede de relações sociais que reproduz o cativeiro do peão e que
transforma a super-exploração em escravidão.
Se em 1985 surge a versão oficial do Estado para trabalho escravo (Moura, 2009,
p.18), apenas 10 anos depois o Brasil reconhece, diante da comunidade internacional, a
existência de trabalho escravo em seu território e cria as estruturas governamentais para
combater essa prática criminosa, conforme ressalta a OIT (2006):
Em 27 de junho daquele ano, foi editado o decreto número 1538, criando
estruturas governamentais para o combate a esse crime, com destaque para
o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e o Grupo
Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Em março de 2003, o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou o
Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e instituiu, em agosto
do mesmo ano, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(Conatrae).
Entre 1995 e 2015, o Ministério do Trabalho, aponta que 49.816 pessoas foram
resgatadas (gráfico 1) e 4303 estabelecimentos inspecionados. Em 2016, no entanto, verifica-
se uma queda brusca no número de fiscalizações, 108 ao total, e de trabalhadores resgatados,
apenas 667. Ou seja, são os menores números registrados desde 2001.
5999
5223 5016
4348
3754
3417
2887
2285 2559249126862758
1674
1305 1111
425 394 725 516
8477 219 159 56 188 276 189 209 206 301 350 310 344 258 300 283 273
95 47 88 149 85
4
Segundo a OIT a média de auditores fiscais no Brasil deveria ser de 5.000. Quando se costuma ter
3.500. No momento atual não passam de 2.000 auditores. Nesse sentido, ainda, ver
http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/05/acoes-contra-trabalho-escravo-resgatam-50-mil
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Conforme pontos 2.1 e 2.2 do II Plano Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo.
Por muitos anos o Maranhão esteve entre os estados onde se verificava o maior
número de pessoas encontradas em situação de escravidão. Por outro lado, também, tem se
destacado no ranking de naturalidade dos trabalhadores resgatados. De modo que resta
patente a urgência na adoção de políticas de prevenção, repressão e reinserção para o
combate ao trabalho escravo no estado.
6
A COETRAE/MA foi instituída no Maranhão em 26 de março de 2007, por meio do Decreto nº
22996/2007, formada por órgãos públicos e organizações da sociedade civil e tem como objetivo
principal garantir a intersetorialidade da elaboração e da execução de ações que visem ao combate do
trabalho escravo. (MARANHÃO, 2012, p.06)
Entre as funções da COETRAE está o monitoramento do cumprimento desse
plano e a atualização do mesmo, razão pela qual, em 2012, é lançado o II Plano Estadual
para a Erradicação do Trabalho Escravo (2012), produzido pelo Grupo de Trabalho formado
por membros da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania – SEDIHC e da
Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo – COETRAE , “(...) esta versão surge
com a necessidade de enfrentar, com maior enfoque, os desafios que persistem como fatores
determinantes da manutenção de maranhenses em condições de escravidão
contemporânea.” (MARANHÂO, 2012) . Entre as diretrizes para consecução do Plano estão:
o enfrentamento às causas, a transversalidade e a participação popular.
Esses instrumentos compõe, portanto, a Política Estadual de Enfrentamento ao
Trabalho Escravo, a qual também alberga outras ações que, ainda que não previstas no
Plano, ou de iniciativa da COETRAE, objetivam atuar em um dos eixos de combate ao trabalho
escravo (prevenção, repressão e reinserção). Nos estados do Céara, Mato Grosso e Bahia,
essa política é desenvolvida por meio do Projeto de Ação Integrada (PAI).
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O Projeto “Escravo Nem Pensar”, é uma iniciativa da ONG Repórter Brasil, em parceria com a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem como metas diminuir, por
meio da educação, o número de trabalhadores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aliciados
para o trabalho escravo na Amazônia e no Cerrado brasileiros; e difundir o conhecimento a respeito de
tráfico de pessoas e trabalho escravo contemporâneo como forma de combater essa violação dos
direitos humanos. Tem como metas no Maranhão alcançar a implantação de uma rede de mobilização
e formação de educadores na rede estadual de ensino do Maranhão sobre a temática do trabalho
escravo; institucionalização de forma transversal da temática do trabalho escravo nos documentos que
referenciam o currículo do Sistema Estadual de Ensino; e o desenvolvimento e o fomento, nas escolas,
dos projetos pedagógicos e das atividades educativas de prevenção ao trabalho escravo no Maranhão.
Fonte: http://escravonempensar.org.br/2016/06/escravo-nem-pensar-faz-acao-de-prevencao-ao-
trabalho-escravo-em-71-municipios-do-maranhao/
8 Dados parciais, posto que ainda não foi apresentado formalmente o Relatório Final do Projeto. O
http://escravonempensar.org.br/2016/06/escravo-nem-pensar-faz-acao-de-prevencao-ao-trabalho-
escravo-em-71-municipios-do-maranhao/
Prevenção à Violência no Campo e na Cidade – COECV, com o objetivo de mediar os conflitos
fundiários no campo e na cidade nos moldes da Convenção 169 da OIT; a execução do
Programa Estadual de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos no Maranhão,
garantida por pelo menos 5 anos; e a manutenção do Programa de Proteção de vítimas e
testemunhas ameaçadas (Provita-MA). Ressalte-se que esses programas constam do II
Plano Estadual para a erradicação do trabalho escravo como tarefas do governo.
No campo do atendimento e reinserção a trabalhadores, o Executivo, por meio da
SEDIHPOP firmou dois convênios com o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
“Carmen Bascarán” (CDVDH/CB) (Projeto Construindo Cidadania), para o atendimento de
trabalhadores em Açailândia-MA, o principal município de incidência de trabalho escravo no
estado.
O Centro tem uma destacada atuação no atendimento as vítimas de trabalho
escravo, conforme atestado pelo II Plano:
A ação do Centro vai desde o recebimento da denúncia, acolhimento,
encaminhamentos aos programas e serviços públicos para acesso aos
direitos básicos, mesmo enfrentando muitas dificuldades para a garantia do
acesso dos trabalhadores a esses serviços, prestação de assistência jurídica
e mobilização social, através da conscientização e articulação.
IV. CONCLUSÃO
Verifica-se, portanto, uma consolidação da Política de Enfrentamento ao Trabalho
Escravo no Maranhão, principalmente a partir da rearticulação operacional da COETRAE/MA
e do monitoramento e atualização do II Plano Estadual, através da Comissão.
Identificam-se avanços quanto as ações de prevenção, repressão e reinserção,
que colocam o desafio de consolidar essa Política, principalmente com a instituição dos
Centros de Referência e consolidação da Política de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Nesse aspecto é onde se verifica o principal desafio da Política Estadual de
Combate ao Trabalho Escravo, principalmente no que diz respeito a implantação e
estruturação de outros Centros de Referência no atendimento aos trabalhadores
denunciantes e ou resgatados do trabalho escravo, conforme previsto no Plano Estadual, que
tenham como referência o trabalho desenvolvido pelo Centro de Defesa da Vida de
Açailândia. O funcionamento desses Centros requer uma rede de apoio composta por
diversos atores, institucionais, estaduais e municipais, representantes da sociedade civil, que
se articulam em torno do recebimento de denúncias, encaminhando e acompanhando os
casos, considerando as diversas dimensões que compõem o ciclo do trabalho escravo. O
funcionamento da COETRAE e as iniciativas a nível do Executivo apontam experiências
importantes que podem progredir para a estruturação desses Centros em um período bem
próximo.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alfredo W. B. de. O Trabalho como instrumento da escravidão. In: Revista
Humanidades, ano V, nº 17, UnB, Brasília, 1988.
ESTERCI, Neide. Conflitos no Araguaia: peões e posseiros contra a grande empresa. Rio de
Janeiro, 1987.
GIRARDI, Eduardo Paulon; MELLO-THÉRY, Neli Aparecida de; THÉRY, Heryé; HATO, Julio.
Mapeamento do trabalho escravo contemporâneo no Brasil: dinâmicas recentes. Espaço e
Economia [Online], n.4, ano 2014, postado em 11 de setembro de 2014. Disponível em:
http://espacoeconomia.revues.org/804. Acesso em 04 de março de 2017.
MARANHÃO, I Plano Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. São Luís, 2007.
MARANHÃO, II Plano Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. São Luís, 2012.
SANTOS, Brigida Rocha dos Santos; SILVA, Fabrícia Carvalho da; NASCIMENTO, Nádia
Socorro Fialho Nascimento. Centro de Referência em Direitos Humanos de Açailândia-MA:
Enfrentamento ao Trabalho Escravo na Amazônia Maranhense. In: ZAPAROLI, Witembergue
Gomes; SILVA, Fabricia Carvalho da Silva (Org.). Trabalho Escravo Contemporâneo:
Reflexões e Militância do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos – Carmen
Bascarán. Imperatriz: Ethos, 2015.