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A): SOBRE AS ORIGENS DO TERMO «FENOMENOLOGIA».

I. “O termo «fenomenologia» é uma combinação de duas palavras gregas phainomenon e


logos. Significa a actividade de dar conta, fornecendo um logos, de vários fenómenos, dos vários
modos em que as coisas podem aparecer”. SOKOLOWSKI, Robert (2014). Introdução à Fenomenologia,
trad. de Alfredo de O. Moraes. São Paulo: Layola, p. 22.

II.“Mesmo que o termo «fenomenologia», como observa Heidegger, só apareça historicamente


no século XVIII, com Lambert, ele é historicamente grego. Phainómenon, particípio médio de
phainô, «o que se mostra, por si, a partir de si” e «logos» (dizer, palavra). No § 7 de Sein und
Zeit (Ser e Tempo), Heidegger lembra que phainô vem de phôs (a luz). Mas, na verdade, já
existe aí um nó etimológico mais cerrado. Chantraine nota que phainô é formado sobre o
radical sânscrito bhá dotado de ambivalência semântica”, pois significa ao mesmo tempo
«iluminar, brilhar» (phainoi, <phami>) e «explicar, falar» (phêmi, fari em latim): dito de outro
modo, já há uma copertenência entre o dizível e o brilhante, já há fenomenologia no mero
fenómeno. Enfin, phôs, a mesma palavra que a «luz» (…) designa também, e é o termo usual em
Homero, o homem, o herói, o mortal […] Fenomenologicamente, é… a evidência da etimologia
que designa na mesma eclosão, o aparecer, o dizer e o homem. […], o homem portanto, é aquele
que vê, enquanto mortal, a luz, o que aparece na luz, os fenómenos, e que os ilumina dizendo-
os”. CASSIN, Barbara (1999). Aristóteles e o Logos. São Paulo: Layola, pp.133-134.

III. “Os sábios utilizavam a palavra «fenomenologia» em mecânica celeste, em primeiro lugar,
para descrever os movimentos dos planetas, as suas aparências e a sua razão, depois na física
geral, antes que a filosofia dela se servisse para os avatares do espírito...Traduzido
vernacularmente este vocábulo grego e sábio, poderemos talvez dizer: «a aparição fala» (…)
SERRES, Michel (1993). O Terceiro Instruído, trad. de Serrafim Fereira. Lisboa: I. Piaget, p. 62.

IV. “Husserl não foi o primeiro a empregar o termo «fenomenologia» que, de facto começou a
aparecer pela primeira vez nos textos de filosofia no séc. XVIII, em Lambert, Herder, Kant,
Fichte e Hegel. Johan Heinrich Lambert, um seguidor de Wolff, empregou o termo
«fenomenologia» no título da quarta seção do seu Novus Organon (1764) para se referir a uma
ciência da aparência (Schein ou experiência sensível das coisas/o que elas parecem) que nos
permiteria passar das aparências à verdade, justamente como a óptica estuda a perspectiva, a
fim de deduzir os verdadeiros traços de um objecto visto. Lambert inspirou Immanuel Kant
(1724-1804), que frequentemente usou o termo «fenomenologia» em algumas das primeiras
cartas. Por exemplo, numa carta a Lambert de 2 de Setembro de 1779, Kant disse que «a
metafísica deve ser precedida por uma ciência muito distinta, mas meramente negativa
(Phaenomenologica generalis)». Igualmente, na sua carta a Marcus Herz de 21 de Fevereiro de
1772, Kant falou de «fenomenologia em geral» (die Phänomenologie überhaupt), que
eventualmente desenvolveu na seção da Estética Trascendental da Crítica da Razão Pura
(1781). Kant usou também o termo nos seus tratados de maturidade. Assim, na sua
Fundamentação Metafísica da Ciência Natural (1786), há uma seção inteira intitulada
«Fenomenologia», que trata do movimento e do repouso em relação com suas aparências
perante os nossos sentidos externos. A fenomenologia para Kant, pois, é o ramo de la ciência
que vê as coisas na sua maneira de aparecer perante nós, por exemplo, o movimento relativo, ou
o calor, propriedades que dependem do observador humano. A investigação de Kant sobre as
condições de possibilidade da objetividade - como são vistas desde o lado subjetivo - foi
criticada por G.W.F. Hegel (1770-1831) devido à falha em desenvolver uma concepção da
mente (espírito) distinta da consciência (Fenomenologia é descrição de como o espírito
aparece gradualmente a si desde a consciência como certeza sensível até ao auto-conhecimento
ou saber absoluto). Por esta razão, Hegel disse que a filosofia kantiana era «somente uma
fenomenologia (e não uma filosofia) da mente/espírito». Johann Gottlob Fichte (1762-1814)
também fez uso do termo «fenomenologia» na sua Wissenschaftslehre (Doutrina da Ciência) de
1804 para se referir à maneira de derivar o mundo da aparência, que ilusoriamente parece ser
independente da conciência, desde a conciência mesma. Hegel fez mesmo o mais proeminente
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uso do termo «fenomenologia» quando figura no título da sua Phänomenologie des Geistes em
1807 (Fenomenologia do Espírito), mas esta obra foi enormemente eclipsada durante o séc. XIX
e teve pouca influência. Foi somente até aos meados dos anos 1920-1930, depois da
inauguração da fenomenologia de Husserl, especialmente em França, que Alexandre Kojève,
Jean Hyppolite, Jean Wahl, Merleau-Ponty e outros começaram a ver Hegel como o verdadeiro
progenitor do método fenomenológico. MORAN, Dermot (2011). Introducción a Fenomenología, trad. de
Francisco Castro Merrifield e Pablo Lazo Briones. Barcelona: Antropos, pp. 38-39.

B). Sobre o Significado Filosófico da Fenomenologia


I. “A fenomenologia é o movimento filosófico inaugurado por Husserl (1859-1938) e
desenvolvido, sobretudo, na França e na Alemanha, por seus seguidores, constituindo uma das
principais correntes do pensamento do séc. XX. O termo “fenomenologia” foi inicialmente
usado pelo filósofo e matemático do séc. XVIII Joahnn (Heinrich) Lambert, para caracterizar a
“ciência das aparências” e empregue posteriormente por Hegel em Fenomenologia do Espírito
– publicada em Benberga em 1807 - para descrever a “ciência da experiência da consciência”,
sendo esta a tradição (i.e, a da consciência) em que Husserl se inspira”. MARCONDES, Danilo
(2001). Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: p. 257.

II. “No século XX, o termo é usado quase exclusivamente para o método e o movimento
filosófico que tiveram origem na obra de Edmund Husserl (1859-1938). Trata-se da tentativa
de descrever a nossa experiência directamente, tal como é, separadamente das suas explicações
causais (...) Posteriormente, Heidegger, Sartre e Maerleu-Ponty adoptarm e continuaram a
aprimorar o método fenomenológico, embora de forma alguma tenham aceitado as conclusões
de Husserl. Anteriormente, o termo havia sido usado num sentido similar por outros filósofos,
como Franz Brentano, Ernst Mach e Pfänder, para a descrição ou análise dos fenómenos (que
estão além da nossa experiência)”. MAUTNER, Thomas (2010). Dicionário de Filosofia, trad.
de AAVV. Lisboa: 70.

III. “A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se
em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a
fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se
possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir da sua «facticidade». É
uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreender, as afirmações da
atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre «ali», antes da
reflexão, como uma presença inaliénável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este
contacto ingénuo com o mundo, para lhe dar, enfim, um estatuto filosófico. É a ambição de uma
filosofia que seja uma «ciência exacta», mas é também um relato do espaço, do tempo, do
mundo «vividos». É a tentativa de uma descrição directa de nossa experiência tal como ela é
(...)”. MARLEAU-PONTY Maurice, (1999). Fenomenologia da Percepção, trad. de Carlos A. da Moura. São
Paulo: Martins Fontes, p.1.

IV. A fenomenologia inaugurada por Edmund Husserl (1859-1938) apresenta-se como uma
crítica da Razão (uma ciência rigorosa e esclarecedora do sentido das crenças da atitude
natural) ou teoria do conhecimento, que se anuncia sob o lema platónico (Carta VII) de
“retorno às coisas mesmas” – “zu den Sachen selbst” na sua relação com os diversos modos
como elas se dão (em perspectivas), à consciência intencional e às suas experiências de
constituição do sentido (além da mera teoria da filosofia moderna do conhecimento como
representação), numa relação triádica entre o acto de visar (Meinen), objecto intencionado
(objecto intencional) e intenção (i.e, o modo ou perspectiva como se visa esse objecto).

Questões para reflexão: (1) O que entendeu ser a fenomenologia? (2). Explicite os diferentes
significados do termo fenomenologia presentes nos textos acima citados; (3). Identifique os principais
representantes, suas teses e obras do movimento fenomenológico referidos nos textos; (4) Quais são os
temas/poblemas fundamentais da filosofia fenomenólogica? (5) O que se deve entender por “método
fenomenológico”?
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