Você está na página 1de 7

Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol.

40, nº 3, e3309 (2018) Artigos Gerais


www.scielo.br/rbef cb
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0356 Licença Creative Commons

Uma Abordagem Fı́sica dos Números Perplexos


A physical approach of perplex numbers

Ronni Geraldo Gomes de Amorim∗1,2 , Wytler Cordeiro dos Santos1,2 , Lindomar Bonfim Carvalho2 ,
Ian Rodrigues Massa2
1
Universidade de Brası́lia, Instituto de Fı́sica , 70910-900, Brasilia, DF, Brasil
2
Universidade de Brasilia, Faculdade Gama, Brasilia, DF, Brasil

Recebido em 19 de Novembro, 2017. Revisado em 21 de Dezembro, 2017. Aceito em 23 de Dezembro, 2017.


Apresentamos neste trabalho uma revisão pedagógica sobre os números perplexos. O conjunto numérico perplexo,
apesar de pouco conhecido, exibe uma álgebra hiperbólica com diversas aplicações na fı́sica, por exemplo na Teoria
da Relatividade Restrita. Apresentamos a definição de número perplexo, discutimos elementos do cálculo diferencial
na variável perplexa e similarmente ao conjunto numérico complexo, definimos as condições de Cauchy-Riemann
para a variável perplexa. Aplicamos os resultados para estudar as transformações de Lorentz e a equação de onda
no contexto da variável perplexa.
Palavras-chave: números perplexos; números hiperbólicos; equação da onda; relatividade restrita.

We present in this work a pedagogical review about the perplex number system. Even though it is lesser well
known when compared with its counterpart, we mean the well known Complex number set represented by the
letter C, the perplex numbers are related with some hyperbolic algebra with several applications specially in
Physics, for instance in the Einstein Special Relativity. For these reasons we start the review presenting the main
definitions about the Perplex Numbers, then we discuss some differential calculus based on the perplex algebra.
Finally we apply the results for the study of Lorentz Transformations and the wave equation also using the perplex
variable.
Keywords: perplex numbers; hyperbolic numbers; wave equation; special relativity.

1. Introdução os primeiros trabalhos com registros da utilização dos


números inteiros são do século III, nos quais Diofante
A evolução da fı́sica, sobretudo a fı́sica teórica, cami- procurava soluções para equações algébricas [1,2]. Com os
nha lado a lado com o desenvolvimento da matemática. números negativos, as frações e os decimais definia-se os
Quanto mais matemática conhecermos, mais nos torna- conjuntos dos números inteiros e racionais [1]. Na Grécia,
mos aptos a refletir sobre a natureza e elaborar teorias o estudo dos pitagóricos a cerca dos segmentos incomen-
para explicá-la. Não diferente, o soerguimento do co- suráveis originou os números irracionais, no entanto há
nhecimento a cerca dos conjutos números alavancou o relatos históricos que os babilônios já conheciam algorit-
desenvolvimento da fı́sica. Se realizarmos uma digressão mos para o cálculo aproximado de raı́zes quadradas [2].
história sobre a origem dos conjuntos numéricos, percebe- Apesar de a noção de número imaginário ter surgido no
remos que os diversos conjuntos surgiram da necessidade século XVI, a sistematização do conjunto dos números
humana para solucionar algum problema especı́fico, e a complexos só foi realizada no século XIX com a sua repre-
partir do amadurecimento teórico dos conjuntos emergem sentação no plano complexo [1, 2]. Tanto é verdade que
as aplicações nas ciências. Há evidências que há cinquenta Isaac Newton dividia os números em três tipos: inteiros,
mil anos atrás o homem já sabia contar, e foi dessa noção frações e irracionais. Contudo, nos séculos XIX e XX
intuitiva de contagem que surgiram os números natu- ocorreu a axiomatização da teoria de conjuntos [1], e a
rais [1]. Contudo, havia necessidade de se representar partir de então a aplicação dos números na fı́sica tornou-
quantias não-inteiras; nesse sentido, há registros de uso se mais eminente. Por exemplo, podemos citar o uso dos
de frações no Egito antigo e na Babilônia, enquanto que números complexos ao estudo de circuitos elétricos e
os números decimais foram introduzidos no continente fasores. Ainda no século XIX, Hamilton introduziu os
asiático por volta do século XI [2]. Com as atividades quaternions (uma extensão dos números complexos), a
comerciais, surgiu ainda a necessidade de se representar partir dos quais pode-se mostrar a origem dos produtos
quantias negativas e evidências históricas pontam a uti- escalar e vetorial, com muitas aplicações na fı́sica [3–5].
lização de números negativos na China antiga; porém, Neste trabalho, apresentaremos um conjunto numérico

∗ Endereço de correspondência: ronniamorim@gmail.com.

Copyright by Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.


e3309-2 Uma Abordagem Fı́sica dos Números Perplexos

denominado números perplexos ou hiperbólicos, e mos- Com esta representação, as operações de soma e sub-
traremos algumas aplicações desses números na fı́sica. tração são definidas de forma análoga à dos números com-
Os números perplexos, também denominados números plexos, ou seja, dados w1 e w2 definidos por: w1 = x1 + y1 p
hiperbólicos, foram apresentados pela primeira vez em e w2 = x2 + y2 p, tem-se
1919, no trabalho de L. E. Dickson [6]. Contudo, o inte-
resse no estudo desses números foi revigorado a partir w1 + w2 = (x1 + x2 ) + (y1 + y2 )p (1)
de 1981, quando Paul Fjelstad, auxiliado por quatro es- w1 − w2 = (x1 − x2 ) + (y1 − y2 )p. (2)
tudantes, utilizou os números perplexos para explicar
A multiplicação pode ser realizada utilizando-se a pro-
o fenômeno supraluminal [7]. O intuito de Fjelstad era
priedade distributiva e a definição p2 = 1. É importante
propor aos seus estudantes o desafio da criar algo novo
que o leitor entenda que p não pertence ao conjunto dos
em matemática. Para sua surpresa, os estudantes inves-
números reais, o que exclui a possibilidade de p = 1 ou
tigaram a relação entre a trigonometria hiperbólica e
p = −1. Com esta definição, a tabela de multiplicação
a relatividade espacial, desenvolvendo assim importan-
envolvendo a unidade perplexa fica estabelecida com as
tes aspectos da álgebra dos números perplexos, além de
relações: pp = p2 = 1,p1 = p,1p = p, 11 = 1. Assim,
aplicá-la em contextos fı́sicos [7]. A motivação essencial
temos
na proposição desse novo conjunto de números emergiu
da analogia entre a trigonometria circular e a hiperbólica.
Em particular, a identidade fundamental da trigonome- w1 w2 = (x1 + y1 p)(x2 + y2 p)
tria hiperbólica, cosh2 x − sinh2 x = 1, difere da relação = x1 x2 + x1 y2 p + y1 x2 p + y1 y2 p2
análoga na trigonometria circular, cos2 x + sin2 x = 1, so-
mente por um sinal. Além disso, sabemos que a definição = (x1 x2 + y1 y2 ) + (x1 y2 + x2 y1 )p. (3)
da unidade imaginária como i2 = −1, induz à relação Com isso teremos então
de Euler, eiθ = cos θ + i sin θ. A partir daı́ surge a in-
dagação: dada a analogia entre as funções trigonométricas Re{w1 w2 } = x1 x2 + y1 y2
hiperbólicas e as circulares, seria possı́vel estabelecer a P er{w1 w2 } = x1 y2 + x2 y1 .
definição de uma unidade análoga à unidade imaginária
dos complexos a fim de se obter uma relação similar à Ademais adotando a notação de par ordenado
de Euler que seja válida para as funções trigonométricas para o número perplexo w = (x, y), com isto teremos
hiperbólicas? A resposta é positiva, e isso é realizado w1 w2 = (x1 , y1 )(x2 , y2 ) = (x1 x2 + y1 y2 , x1 y2 + x2 y1 ).
mediante a introdução da unidade perplexa. Neste tra- Desse modo podemos definir o conjugado perplexo
balho, vamos representar a unidade perplexa por p, a de um número w = x + yp como sendo w = x − yp.
qual satisfaz a condição p2 = 1 [8]. Ademais, o conjunto Outra relação importante obtém-se ao aplicar a de-
dos números perplexos será representado pelo sı́mbolo P. finição de multiplicação entre w e seu perplexo conjugado:
O objetivo deste artigo é trazer uma revisão da álgebra ww = x2 − y 2 .
dos números perplexos, apresentando as suas principais
aplicações na Fı́sica. Note que ww = 0 se e somente se |x| = |y|. Portanto, o
A apresentação deste trabalho será constituı́da dos conjunto dos perplexos não forma uma algébra divisória,
seguintes tópicos. Na seção 2, apresentamos a definição em outras palavras, podemos ter dois números perplexos
dos números perplexos e suas principais propriedades. Na não nulos tal que w1 w2 = 0. Esta é uma caracterı́stica que
seção 3, discutimos o conceito de norma e construı́mos pode ser encontrada no cálculo com matrizes. Por isso os
a forma polar de uma número perplexo. Na seção 4, é números perplexos possuem mais propriedades próximas
apresentada a teoria sobre funções analı́ticas na variável às das matrizes do que dos números complexos (que
perplexa. Na seção 5, as aplicações na Fı́sica são discuti- formam uma algébra divisória). Como veremos adiante,
das. Por fim, apresentamos as considerações finais. tantos as matrizes quanto os perplexos guardam estreita
relação com o cone de luz da relatividade especial.
Neste ponto, estamos aptos a definir a divisão entre
2. Definição e Operações dois números perplexos. Para isso, vamos imaginar a
divisão como sendo a operação inversa da multiplicação,
Em analogia com os números complexos, um número
ou seja, se w3 = w w2 , temos w1 = w2 w3 . O leitor deve
1
perplexo pode ser representado pela forma algébrica
se atentar que a divisão só é definida se w2 w2 for real
w = x + yp, e diferente de zero. Sendo assim, se w1 = x1 + y1 p,
w2 = x2 + y2 p e w3 = x3 + y3 p, temos
onde x, y ∈ R, ou seja, representam respectivamente, a
parte real de w e a parte perplexa de w, que pode ser w1 = w2 w3 .
escrito como: x = Re{w} e y = P er{w}. Como w2 w2 6= 0, podemos multiplicar ambos os lados
Portanto, dois números perplexos w1 = x1 + y1 p e da última expressão por w2 , obtendo
w2 = x2 + y2 p são iguais, se e somente se, x1 = x2 e
y1 = y2 . w2 w1 = w2 w2 w3 .

Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 3, e3309, 2018 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0356
Amorim e cols. e3309-3

Como w2 w2 é real, tem-se 1 2 1 1


epθ = (1 + θ + θ4 + · · · ) + p(θ + θ3 + · · · ).
2! 4! 3!
w 2 w1 1 2 1 4
w3 = . Lembrando as expressões de cosh θ = 1+ 2! θ + 4! θ +· · ·
w 2 w2 1 3
e sinh θ = θ + 3! θ + · · · , temos que
E finalmente encontramos que
epθ = cosh θ + p sinh θ.
(x1 x2 − y1 y2 ) + (y1 x2 − x1 y2 )p
w3 = , De forma bastante similar e−pθ = cosh θ − p sinh θ.
x22 − y22
Agora, nosso objetivo é representar w = x + yp na
desde que |x2 | =
6 |y2 |. forma hiperbólica. É importante mencionar que a forma
Considerando w + w = 2x e w − w = 2yp, podemos cartesiana de um número perplexo, w = x + yp, depende
escrever da relação de ordem entre x e y. Tomemos então ww =
w+w λ(w), assim, temos
Re{w} =
2 ww = λ(w) = x2 − y 2 . (8)
p(w − w)
P er{w} = . (4)
2 Dividindo a Eq.(8) por λ, supondo λ(w) 6= 0, obtemos
É relevante visualizarmos as potencias da unidade x2 y2
perplexa, ou seja, p0 = 1, p±1 = p, p±2 = 1, p±3 = p, − = 1,
λ λ
p±4 = 1, e assim sucessivamente. Ou seja
ou seja, w está numa hiperbole equilátera. Neste caso,
podemos tomar x = λ cosh θ e y = λ sinh θ, uma vez que
(
1, se k é par
p =
k
cosh2 θ − sinh2 θ = 1. Fazendo isso, obtemos
p, se k é impar.
y
Tendo definido as operações básicas do conjunto dos tanh θ = ,
x
números perplexos, na próxima seção discorreremos sobre
e
as propriedades inerentes à definição de norma. r
x+y

θ = ln .
x−y
3. Norma e Forma Hiperbólica de um Com isso, a forma hiperbólica de w nos diferentes casos
Número Perplexo será dada por:
No contexto dos números perplexos, definimos uma apli- • Se |x| > |y|, existem dois casos:
cação de um número w = x + yp, representada por λ(w) – Com x > |y|, escrevemos
como √
w = ||w||(cosh θ + p sinh θ) = λ(cosh θ +
λ(w) = ww = x2 − y 2 . (5) p sinh θ) = ||w||epθ ;
Como x e y são reais, λ(w) ∈ R, podemos utilizar o – Com x < −|y|, basta usar w = −1(−w), onde
conceito convencional de módulo para essa aplicação. E −w já possuı́ forma hiperbólica bem definida.
ainda utilizaremos da função sinal para propriamente • Já se |x| < |y|,temos:
definir norma perplexa, ou seja,
– Para y > |x|, w = p(pw) = p||pw||epθ . Note
 1 se x > 0 que θ ∈ [− π2 , π2 ], pois representa o ângulo de

sgn(x) = 0 se x = 0 (6) pw.



−1 se x < 0 – Para y < −|x|, w = −p(−pw) = −p|| −
pw||epθ . Novamente, θ ∈ [− π2 , π2 ], pois repre-
Por fim, a norma de um número perplexo w é dada por senta o ângulo de −pw.
||w|| = sgn(λ(w)) |λ(w)| (7)
p
Com a definição de norma já estabelecida, é natu-
ral a definição do produto interno, hw1 , w2 i, entre dois
Note que a norma dada na Eq.(7) não é positivo-definida. números perplexos w1 = x1 + py1 e w2 = x2 + py2 como
Essa caracterı́stica é fundamental para estabelecermos a
relação entre os números perplexos e o espaço de Min- hw1 , w2 i = w1 w2 ,
kowsky.
Para estabelecermos a forma hiperbólica de um número hw1 , w2 i = x1 x2 − y1 y2 ,
perplexo, antes façamos um estudo da exponencial epθ .
em que w2 = x2 − py2 .
Fazendo a expansão de Maclaurin de ex e substituindo x
Nesse caminho, a desiguladade de Cauchy-Schwarz
por pθ obteremos:
perplexa é dada por
1 1
epθ = 1 + pθ + (pθ)2 + (pθ)3 + · · · hw1 , w2 i2 ≥ λ(w1 )λ(w2 ).
2! 3!

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0356 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 3, e3309, 2018
e3309-4 Uma Abordagem Fı́sica dos Números Perplexos

P rova : Como esse limite é igual por qualquer caminho do plano


perplexo, escolhamos dois caminhos particulares, quais
[(x1 y2 ) − (x2 y1 )]2 ≥ 0 sejam ∆x → 0 e ∆y → 0, respectivamente. Para o
(x1 y2 )2 + (x2 y1 )2 ≥ 2(x1 y2 )(x2 y1 ) primeiro caminho, ∆x → 0, temos
−[(x1 y2 )2 + (x2 y1 )2 ] ≤ −2(x1 y2 )(x2 y1 )
u(x0 , y0 + ∆y) − u(x0 , y0 )
(x1 x2 )2 + (y1 y2 )2 − [(x1 y2 )2 + (x2 y1 )2 ] = λ(w1 )λ(w2 ) f 0 (w0 ) = lim
∆y→0 p∆y
(x1 x2 )2 + (y1 y2 )2 − 2(x1 y2 )(x2 y1 ) = hw1 , w2 i2 ∴ !
hw1 , w2 i2 ≥ λ(w1 )λ(w2 ). (9) v(x0 , y0 + ∆y) − v(x0 , y0 )
+ p lim
∆y→0 p∆y
Potências e raı́zes de números perplexos podem ser
∂u ∂v
facilmente obtidas se utilizarmos a forma polar ou ex- = p + .
ponencial. Fica a cargo do leitor encontrar expressões ∂y ∂y
análogas às fórmulas de Moivre dos complexos. Para o segundo caminho, ∆y = 0, obtemos

4. Funções Analı́ticas no Plano Perplexo u(x0 + ∆x, y0 ) − u(x0 , y0 )


f 0 (w0 ) = lim
∆x→0 ∆x
Nesta seção, discutiremos um pouco sobre as funções !
analı́ticas no plano perplexo, obtendo condições análogas v(x0 + ∆x, y0 ) − v(x0 , y0 )
+ p lim
às de Cauchy-Riemann [9]. Para esse fim, definamos ∆x→0 ∆y
função na variável perplexa. ∂u ∂v
Consideramos como função de uma variável perplexa = +p .
∂x ∂x
f (w), em que w = x+py, como fuma função f : P → P, ou
seja, uma função que leva números perplexos a números Como os limites devem ser iguais, concluı́mos que
perplexos. Nesse sentido, qualquer função f (w) pode ser
∂u ∂v ∂u ∂v
escrita na forma: p + = +p .
∂y ∂y ∂x ∂x
f (w) = u(x, y) + pv(x, y),
O que nos leva a
onde u(x, y) e v(x, y) são funções das variáveis reais x e ∂u ∂v
y. E ainda, u(x, y) = Re{f (w)} e v(x, y) = P er{f (w)}. = (11)
∂x ∂y
Como exemplo, tomemos a função f (w) = w2 , essa
função pode ser escrita como ∂u ∂v
= ,
f (w) = (x + py)2 = x2 + 2pxy + y 2 = (x2 + y 2 ) + p(2xy). ∂y ∂x
Neste caso, identificamos u(x, y) = (x2 + y 2 ) e v(x, y) =
2xy. as quais são as condições de Cauchy-Riemann na variável
A derivada no plano perplexo é então definida de forma perplexa.
similar à derivada no plano complexo, ou seja, se f (w) A partir das condições de Cauchy-Riemann, podemos
é uma função de variável perplexa e w pertence ao seu deduzir relações importantes, as quais serão utilizadas nas
domı́nio, então definimos a derivada de f (w) em relação aplicações fı́sicas do cálculo perplexo. Para isso, vamos
a w como derivar a primeira equação das condições de Cauchy-
df (w) f (w + ∆w) − f (w) Riemann em relação a x e a segunda em relação a y,
f 0 (w) = = lim . (10) obtendo, respectivamente,
dw ∆w→0 ∆w
Se o limite dado na Eq.(10) existir, dizemos que f (w) é ∂2u ∂2v
=
diferenciável. Assim, se f (w) é diferenciável, ∆w deve se ∂x2 ∂y∂x
aproximar de zero por caminhos diferentes e ter o mesmo ∂2u ∂2v
limite por todos eles. Os únicos caminhos que não podem = .
∂y 2 ∂x∂y
ser percorridos, são caminhos que incluem as retas y = x
e y = −x, pois f (w) não é inversı́vel sobre elas. 2
∂2v
Assim, temos: Como ∂y∂x
∂ v
= ∂x∂y , por conta da diferenciabilidade,
obtemos

u(x0 + ∆x, y0 + ∆y) − u(x0 , y0 ) ∂2u ∂2u


f (w0 ) = lim
0 − 2 = 0, (12)
∆x→0 ∆x + p∆y ∂x2 ∂y
∆y→0
! ou seja, se f (w) é diferenciável, as funções u e v satisfazem
v(x0 + ∆x, y0 + ∆y) − v(x0 , y0 ) a equação de D’Alembert [10, 11]. É interessante compa-
+p .
∆x + p∆y rarmos este último resultado ao panorama da variável

Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 3, e3309, 2018 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0356
Amorim e cols. e3309-5

complexa. Enquanto no âmbito dos números complexos essa equação pode ser escrita como
as condições de Cauchy-Riemann induzem a equação de
∂ 2 ψ(w, w) K
Laplace, no caso dos números perplexos as condições = ,
de Cauchy-Riemann induzem a equação de D’Alembert. ∂w∂w ww
Este fato implicará em instigantes aplicações na fı́sica. com isso, podemos obter uma solução particular ψp (w, w)
Na próxima seção, apresentaremos as consequências considerando nulas demais constantes de integração e
fı́sicas do cálculo na variável perplexa. definindo uma função logaritmo ( para x > |y|), inversa
da exponencial epθ , sendo dada por
5. Aplicações na Fı́sica x+y
r 
.
log(w) = ln |λ(w)| + p ln (14)
p
.
x−y
5.1. Equação de Onda (1+1)
E assim, temos como solução
Como primeira aplicação na Fı́sica, apresentamos a equa-
ção de onda unidimensional. Essa equação é bem conhe- K K
ψp (w, w) = log(w) log(w) = log(w)log(w)
cida da literatura e tem a forma, 4 4
K
= || log(w)||2 (15)
∂ 2 ψ(x, t) 1 ∂ 2 ψ(x, t) 4
− = 0, (13)
∂x2 v2 ∂t2 Note que ψp ∈ R, como esperado.
a qual descreve uma onda que oscila na direção x com o
passar do tempo t. A função ψ(x, t) satisfaz a equação de A solução em função de variáveis reais, x e vt, é dada
D’Alembert [10, 11], isso sugere que possamos encontrar por
a solução para a equação de onda usando a variável
" !#
x + vt
r
K 2 2 2 2
ψp (x, vt) = ln x − (vt) − ln
p
perplexa. Escolhendo w = x + pvt e w = x − pvt, as .
4 x − vt
derivadas na Eq.(13) podem se escritas como
(16)
∂ ∂ ∂ Outras soluções podem ser obtidas considerando demais
= + ,
∂x ∂w ∂w regiões do plano perplexo, basta uma definição apropri-
ada da função logaritmo. Fica como tarefa para o leitor
∂ ∂ ∂ analisar as soluções em outras regiões do plano perplexo.
= pv − pv ,
∂t ∂w ∂w
∂2 ∂2 ∂2 ∂2 5.2. Transformações de Lorentz (1+1)
= + 2 + ,
∂x2 ∂w2 ∂ww ∂w2
Sejam as transformações de Lorentz em uma direção
∂2 2 ∂
2
2 ∂
2
2 ∂
2
denominada comumente de boost na direção do eixo
= v − 2v + v .
∂t2 ∂w2 ∂ww ∂w2 x [11, 12], (
Com isso, a Eq.(13) torna-se x0 = γ (x − vt)
(17)
ct0 = γ ct − vc x ,

∂ 2 ψ(x, t) 1 ∂ 2 ψ(x, t) ∂ 2 ψ(w, w)
− = 4 . onde as coordenadas (x, t) são de um sistema de re-
∂x2 v2 ∂t2 ∂w∂w
ferências inercial O e (x0 , t0 ) são coordenadas em um
E a equação que nos resta resolver é a seguinte sistema de referências inercial O0 . O fator de Lorentz é
∂ 2 ψ(w, w) 1
= 0, γ=q , (18)
1 − vc2
2
∂w∂w
cuja solução é facilmente encontrada por integração di- e c é a velocidade da luz. Essas transformações podem
reta, obtendo-se ser denotadas como uma transformação linear na forma
matricial,
ψ(w, w) = g1 (w) + g2 (w),  0 
− vc γ
 
x γ x
ou seja, = (19)
ct0 − vc γ γ ct

ψ(x, t) = g1 (x + vt) + g2 (x − vt). Isso nos leva ao invariante de Lorentz:


x02 − c2 t02 = x2 − c2 t2 . (20)
A utilização da variável perplexa nos permite ainda re-
solver alguns casos das equações de onda não-homogêneas O determinante da matrix de transformação é:
de forma muito fácil. Considere por exemplo a equação
− vc γ v2 2 v2
   
γ 2 2
det = γ − γ = γ 1 − = 1.
∂ 2 ψ(x, t) 1 ∂ 2 ψ(x, t) K − vc γ γ c2 c2
− = 2 , (21)
∂x2 v2 ∂t2 x − (vt)2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0356 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 3, e3309, 2018
e3309-6 Uma Abordagem Fı́sica dos Números Perplexos

As transformações de Lorentz então são transformações Da expressão para a velocidade dada na equação (23), nós
ortogonais onde podemos fazer a seguinte mudança de temos que a velocidade da partı́cula vista pelo sistema
variável, de referências O0 é u0 dado por:
v u0
γ = cosh θ e γ = sinh θ, (22) tanh φ = . (32)
c c
tal que Da transformação de Lorentz em termos de números
v perplexos na equação (31), a velocidade observada no
tanh θ =
. (23)
c referencial inercial O deve ser u
Dessa forma as transformações de Lorentz se tornam u
uma “rotação” do sistema de coordenadas (x, t) dada tanh(θ + φ) = . (33)
c
por [13]:
Das identidades das funções hiperbólicas, sabemos que:
cosh θ − sinh θ
 0   
x x tanh(θ) + tanh(φ)
= . (24) tanh(θ + φ) = (34)
ct0 − sinh θ cosh θ ct ,
1 + tanh(θ) tanh(φ)
Se denotarmos o vetor da Relatividade Especial (x, t) de forma que
no sistema de coordenadas inercial O por um número u v
+u
0

perplexo, = c v cu0 ,
c 1+ c c
w = x + pct (25)
ou seja,
então obtemos o invariante de Lorentz (20), v + u0
u= 0 (35)
2 2 2 1 + uc2v
ww̄ = x − c t . (26)
em acordo com as transformações de velocidades na
Assim como os módulos dos vetores na Relatividade Relatividade Especial [11].
Especial [12], da mesma forma teremos que: (i) se ww̄ < 0 A energia relativı́stica de uma partı́cula livre é dada
o número perplexo pode ser denominado de tipo tempo, por:
(ii) se ww̄ > 0 o número perplexo pode ser denominado E 2 − ||P ||2 c2 = m2 c4 , (36)
de tipo espaço e (iii) se ww̄ = 0 o número perplexo será onde E = γmc2 é a energia e ||P || = γmv é o momentum
denominado do tipo luz. O vetor (x, t) da Relatividade da partı́cula [11, 12], sendo m a massa de repouso.
Especial no sistema de coordenadas inercial O0 será o Também é possı́vel expressar a energia/momentum
número perplexo: relativı́stico de uma partı́cula por um número perplexo,
w0 = x0 + pct0 (27) w = E + p||P ||c (37)

onde podemos usar as transformações de Lorentz (24) e de forma que o módulo será dado por:
obter
ww̄ = E 2 − ||P ||2 c2
w0 = x cosh θ − ct sinh θ + p (ct cosh θ − x sinh θ)
ou então
= x (cosh θ − p sinh θ) + pct (cosh θ − p sinh θ)
ww̄ = m2 c4 . (38)
= x e−pθ + pct e−pθ
= (x + pct)e−pθ , (28) Um número perplexo na forma polar, dado por,

então na liguagem dos números perplexos uma trans- w = ||w||epθ (39)


formação de Lorentz será dada por:
resulta que para a quantidade perplexa para energia da
partı́cula será:
w0 = w e−pθ . (29)
w = m2 c4 (cosh θ + p sinh θ) , (40)
Se tivermos uma partı́cula se movendo em relação aos dois
sistemas de referências inerciais O e O0 com velocidade comparando a expressão acima com a equação (37), ob-
constante u0 , então a transformação de Lorentz entre o temos que:
referencial da partı́cula O00 e o referencial O0 é dado por:
E ||P ||c
cosh θ = e sinh θ = . (41)
w =w e
00 0 −pφ
. (30) mc2 mc2
Com essas condições pode-se verificar que a tangente
Então um observador no sistema de referências O observa hiperbólica será
a partı́cula através das transformações,
||P ||c γmvc v
w00 = w0 e−pφ = w e−pθ e−pφ = w e−p(θ+φ) . (31) tanh θ = = = , (42)
E γmc2 c

Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 3, e3309, 2018 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0356
Amorim e cols. e3309-7

que é a mesma expressão para a velocidade da equação apresentamos as condições de Cauchy-Riemman válidas
(23). no cálculo de uma variável perplexa. A diferença se dá
A natureza quântica da luz nos diz que a energia e o no sinal de uma das condições, ou melhor, enquanto
módulo do momentum do fóton são respectivamente [11], na varı́avel complexa uma das condições de Cauchy-
Riemman possui um sinal negativo [9], nos números
hc h perplexos ambas são positivas (11). A consequência deste
E = hf = e ||P || = , (43)
λ λ fato é que nos números perplexos obtém-se a equação
onde h é a constante de Planck e λ é o comprimento de de D’Alembert, enquanto na variável complexa é obtida
onda do fóton. A quantidade perplexa para a energia (37) a equação de Laplace. Com tais resultados, discutimos
para um fóton de comprimento de onda λ resulta em: algumas aplicações na fı́sica, tais como a equação de
onda e as transformações de Lorentz. Como perspectiva,
hc esperamos aprofundar no desenvolvimento do cálculo da
w= (1 + p) . (44)
λ variável perplexa, estudando o teorema de Cauchy e o te-
orema do Resı́duo nesse arcabouço teórico com possı́veis
No caso de fótons que são partı́culas não massivas,
aplicações na fı́sica.
m = 0, terá módulo nulo de acordo com a expressão (38),

ww̄ = 0. Agradecimentos
Então a expressão para a velocidade do fóton será dado Os autores agradecem ao CNPq pelo auxı́lio financeiro.
pela expressão (42) que resultará em:

||P ||c h
λ c
Referências
tanh θ = = hc
= 1. (45)
E λ [1] H. Eves, Introdução à História da Matemática (Editora
Unicamp, Campinas, 2004), p. 77.
Da equação (23) temos para o fóton, v = c. [2] C.B. Boyer, História da Matemática (Edgard Blucher,
Como o módulo ||w|| do número perplexo da energia São Paulo, 1974), p. 36.
dos fótons são nulos (ww̄ = 0) e pela análise de que a [3] P.G. Tait, An Elementary Treatise on Quaternions (Cam-
tangente hiperbólica assume valor igual a um somente no bridge University Press, Cambridge, 1890), p. 122.
limite em que θ → ∞, veja o gráfico da Figura 1, pode-se [4] S. Adler, Quaternionic Quantum Mechanics and Quan-
afirmar que não é possı́vel expressar o número perplexo tum Fields (Oxford University Press, New York, 1995),
da energia do fóton na forma polar. p. 201.
[5] M.J. Menon, Rev. Bras. Ens. Fı́s. 31, 2305 (2009).
[6] L.E. Dickson, Ann. Math. Series 2 20, 155 (1919).
6. Considerações Finais [7] P. Fjelstad, American Journal of Physics 54, 416 (1986).
[8] A.K.T. Assis, International Journal of Mathematical
Neste trabalho apresentamos de forma pedagógica uma Education in Science and Technology 22, 555 (1991).
revisão sobre números perplexos. Discutimos desde a [9] J.W. Brown and R.V. Churchill, Variáveis Complexas e
definição do conjunto dos números perplexos até a teo- Aplicações (McGraw-Hill, New York, 2015), p. 70.
ria de funções analı́ticas na variável perplexa. Também [10] R.V. Churchill, Fourier Series and Boundary Value Pro-
blems (McGraw-Hill, New York, 1978), p. 65.
[11] F. Caruso e V. Oguri, Fı́sica Moderna - Origens Clássicas
e Fundamentos Quânticos (Elsevier, São Paulo, 2006), p.
254.
[12] K.R. Symon, Mecânica (Editora Campus, Rio de Janeiro,
1982), p. 88.
[13] G.B. Arfken and H.J. Weber, Mathematical Methods for
Physicists (Academic Press, New York, 1995), p. 137.

Figura 1: Tangente hiperbólica

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0356 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 3, e3309, 2018

Você também pode gostar