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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA: ANÁLISE DO DESEMPENHO


E PERMANÊNCIA DOS COTISTAS RACIAIS NA UFPR:

CURITIBA
2016
ROSA AMALIA ESPEJO TRIGO

POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA: ANÁLISE DO DESEMPENHO


E PERMANÊNCIA DOS COTISTAS RACIAIS NA UFPR:

Relatório final de pesquisa do Estágio Pós-Doutoral com


financiamento da Fundação Araucária/CAPES, realizado na
linha de Políticas Educacionais do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná
Supervisão: Prof. Dr. Paulo Vinicius Baptista da Silva

CURITIBA
2016
DEDICATÓRIA

Aos jovens guerreiros negros e negras


que hojem caminham pelas universidades
públicas, federais, gratuitas do Brasil,
pelo mérito infinito que essa caminhada guarda, em termos
de lutas, sacrifícios, coragem e amor infinito ao que se faz.

Aos meus netos Ignacia, Valentina e Arturo


por um futuro sem racismo
AGRADECIMENTOS

Agradeço as pessoas com as quais convivi, fazendo este trabalho, e ganharam um


espaço no meu coração, transformando-se em queridos amigos. Esta mensagem vai
para todos aqueles nos quais eu ganhe um espaço em seu coração e consideram-me
amiga. Acho isso uma honra que dia a dia deverei cultivar.

Agradeço a meu supervisor o professor Paulo Vinicius Baptista da Silva pela grande
oportunidade de desenvolvimento como ser humano que me deu, pelas oportunidades
que dá para os jovens negros, pelos ensinamentos, pela tranquilidade, respeito,
confiança e liberdade. Sou muito grata por tudo isso.

Agradeço ao NEAB/UFPR pela espaço concedido, pela oportunidade de conhecer


pessoas queridas, pela convivência que rendeu grandes amigos, pela contribuição
com esta pesquisa.

Agradeço a minha linda família, meu companheiro Ramón e meus filhos Carlos Alberto
e Ana Maria, que sempre me apoiaram com a maior alegria, na convivência, nos
amigos, nas longas noites de trabalho, nas angustias, nos momentos tristes que
sempre envolvem o espaço do pesquisador, em especial quando o tema é racismo e
discriminação.

Agradeço a minha amiga Adriana de Souza que com seu jeito rompeu barreiras e
ajudou muito a conseguir as entrevistas. Muito obrigada amiga!

Agradeço a minhas orientandas e orientandos que contribuíram com minha


aprendizagem e foram preciosas parcerias deste trabalho: Andressa Ignácio da Silva,
Whellen Francis de Oliveira, Juliana Domiciano, Kely Cristina Cunha, Matheus
Rodrigues, Juliana da Costa Menezes, Renata Valmore Anes, Patrick Holtz.

Agradeço as pessoas que generosamente se dispuseram a contribuir com esta


pesquisa dando entrevistas, concedendo seu tempo.

Agradeço a Fundação Araucária e a Capes pelo financiamento que possibilitou este


estudo.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR pelo espaço


concedido na possibilidade de construir este trabalho.
RESUMO

O presente relatório mostra um trabalho de pesquisa de pós-doutoramento que adere


aos estudos realizados junto ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros/NEAB da
Universidade Federal do Paraná e se insere na linha de Políticas Públicas do
programa de Pós-Doutorado em Educação. Constitui-se no marco das Políticas de
Ações Afirmativas e teve como objetivo analisar como a política afirmativa é
implementada na Universidade Federal do Paraná, em termos de contribuição para
permanência e desempenho dos alunos cotistas negros. Postula-se como hipótese
que o processo da adoção de Políticas de Ações Afirmativas, concretizadas nas cotas
raciais, é mediado pelo processo histórico que justifica ditas políticas, ou seja, arrasta
práticas de racismo, preconceito e discriminação que se estendem também para o
âmbito universitário. Portanto, o acompanhamento analítico realizado teve como pano
de fundo preponderante as relações raciais instituídas. O referencial teórico-
metodológico adotado se fundamenta na concepção sócio-histórica da sociedade e
dos sujeitos, destacando o diálogo com autores que nos possibilitaram uma análise
crítica e ética da realidade social. Como instrumento de pesquisa foram utilizadas a
pesquisa bibliográfica e documental, a entrevista semi-estruturada, grupos de
discussão e uma proposta de postura de pesquisa mais abrangente, que possibilitasse
a imersão sócio-histórica do objeto de estudo. Formaram parte do estudo professores,
alunos e servidores profissionais da UFPR. A análise dos dados foi realizada no
diálogo com autores de uma perspectiva crítica do racial, autores de uma perspectiva
sócio-histórica do ser humano e a sociedade e também autores que visam a análise
do Discurso Crítica que focaliza principalmente as relações de poder como submissão,
exploração e hierarquização social. No percurso deste estudo foi-se constatando
predominantemente um descompromisso, um distanciamento, um desconhecimento
e desvinculação da política por parte das instâncias institucionais para com os alunos
cotistas negros, o que se reflete na condição de árduas lutas e mecanismos de
vivência e sobrevivência relatados pelos alunos cotistas negros entrevistados, que, no
entanto, a pesar dos fortes empecilhos que dificultam seu desempenho e
permanência, de igual forma avançam para seu empoderamento, possibilitando
também a pluridiversidade da Universidade. Processos estes que se constituem
entremedio a tramas complexas de relações raciais hierarquizadas entrelaçadas e
atuantes em todos os espaços da universidade, corroendo a política afirmativa, o que
nos levou a questionar várias das disposições regulamentadas na universidade e nos
levou também ao encontro da teoria de-colonial, enquanto declara um racismo
introjetado na sociedade, que se manifesta de inúmeras formas, o que nos leva a
postular a necessidade de novas propostas no âmbito universitário, na busca de uma
sociedade mais justa, para a superação de um racismo pós-colonial.
RESUMEN

Este informe muestra un trabajo de investigación pós-doctoral que adhiere a los estudios
realizados por el Núcleo de Estudios Afro-Brasileros/NEAB de la Universidad Federal de
Paraná e se insiere en la línea de Políticas Públicas del Programa de Pós-Graduación en
Educación. Constituyese en el marco de las Políticas de Acción Afirmativa y tiene como
objetivo analizar como la política afirmativa es implementada en la Universidad Federal de
Paraná, en términos de contribución para la permanencia y desempeño de los alumnos
negros. Se postula como hipótesis que el proceso de adopción de políticas de Acción
Afirmativa realizado como cuotas para alumnos negros es mediado por el proceso histórico
que justifica estas políticas, o sea arrastra prácticas de racismo, prejuicios e discriminación
que se extienden también para el ámbito universitario. Por lo que el acompañamiento analítico
considera como telón de fondo preponderante las relaciones raciales instituidas. El referencial
teórico metodológico adoptado se basa en la concepción socio histórica de la sociedad y de
los sujetos, destacándose el diálogo con autores que posibilitaron un análisis crítico y ético de
la realidad social. Como instrumentos de investigación fueron utilizados la investigación
bibliográfica y documental, las entrevistas semi-estructuradas, los grupos de discusión y una
propuesta de postura en la investigación más amplia de manera de permitir una mejor
inmersión en el objeto de estudio. Formaron parte de este estudio profesores, estudiantes y
profesionales servidores de la UFPR. El análisis de los datos se llevó a cabo en diálogo con
autores de la perspectiva crítica de lo racial, autores de una perspectiva socio histórica y con
los subsidios de autores de una teoría de discurso crítica, centrada principalmente en las
relaciones de poder como sumisión, explotación e jerarquía social. En el curso de este estudio
fue constatándose un descompromiso, un distanciamiento, un desconocimiento y una
desvinculación con la política por parte de las instancias institucionales para con los alumnos
cuotistas negros, lo que se refleja en condiciones de arduas luchas y en mecanismos de
vivencia y sobrevivencia relatados por los alumnos cuotistas negros entrevistados, que a
pesar de los fuertes impedimentos que dificultan su desempeño e permanencia de igual forma
avanzan para su empoderamiento posibilitando la pluridiversidad de la Universidad. Procesos
que se constituyen entremedio a tramas complejas de relaciones raciales jerarquizadas,
entrelazadas y actuantes en todos los espacios de la universidad, corroyendo a política
afirmativa, lo que nos lleva a cuestionar varias de las disposiciones reglamentadas en la
universidad y nos lleva al encuentro de la teoría de-colonial en la denuncia que esta hace de
un racismo embutido en la sociedad, que se manifiesta de diversas formas, lo que nos lleva a
pensar en la necesidad de nuevas propuestas en el ámbito universitario, en busca de una
sociedad más justa, para la superación de un racismo pos-colonial.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 As políticas Afirmativas na complexa trama sócio-histórica da 17


construção da realidade

Gráfico 2 Os percursos do Racismo até o cotista racial 28

Gráfico 3 Contraposições de argumentos sobre as Ações Afirmativas na 35


Educação Superior

Gráfico 4 Dados sobre a inserção das universidades federais em Ações 43


Afirmativas anterior à Lei 12.711.

Gráfico 5 Ingressos dos alunos UFPR 2005 – 2014 Dados extraídos de 55


Cervi, 2013 e UFPR, Relatório de Plano de Metas, 2016.

Gráfico 6 O Discurso: no fluxo das Comunicações na UFPR 96

Gráfico 7 O Discurso: no Fluxo com as Estruturas Institucionais 105

Gráfico 8 O Discurso: dos Professores para os professores 111

Gráfico 9 O Discurso: dos Professores em relação aos Alunos 124

Gráfico 10 O Discurso, a Escuta e a Assistência Estudantil 132

Gráfico 11 Refere-a a um jogo de Video game 153


SÚMARIO

1. INTRODUÇÃO: Contextualizando a Pesquisa 9


2. A RAÍZ DA DESIGUALDADE 18
2.1 Do Racismo às Ações Afirmativas 18
2.2 Dos Movimentos Negros às Políticas Afirmativas: um 28
processo de lutas e reivindicações
2.3 Ações Afirmativas no Marco do Ensino Superior 31
2.4 Ações Afirmativas: Permanência e Desempenho 39
2.5 Ações Afirmativas na Universidade Federal do Paraná – UFPR 50
2.5.1 Todos os Alunos são Iguais 56
2.5.2 A Linha de Corte na 2º Etapa do Vestibular 59
3. QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS 62
3.1 A Pesquisa e seus percursos 62
3.2 Os Sujeitos, o Discurso e a Escuta 68
4. INICIANDO ANÁLISE 74
4.1 O que é ser Aluno Cotista Racial na UFPR? 75
4.2 O Discurso e os Professores 95
4.2.1 O Discurso: no Fluxo com as Estruturas Institucionais 97
4.2.2 O Discurso: dos Professores para os Professores 105
4.2.3 O Discurso: dos Professores para os Alunos 112
4.3 O Discurso, a Escuta e a Assistência Estudantil 124
4.4 Permanência e Desempenho: Construindo subjetividades 132
4.5 O Grupo de Discussão: um panorama das relações raciais na 148
Universidade
5. REFLEXÕES NÃO CONCLUSIVAS; uma leitura de-colonial 157
6. REFERÊNCIAS 161
9

1. INTRODUÇÃO: Contextualizando a Pesquisa

Esta pesquisa adere aos estudos realizados junto ao Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros/NEAB da Universidade Federal do Paraná e se insere na linha de pesquisa
de Políticas Públicas da Pós-Graduação em Educação da UFPR. Constitui-se a partir
da adoção de políticas afirmativas nas entidades de ensino superior e a necessidade
de acompanhar esses processos como política pública para afirmação da população
negra.
Especificamente nosso objetivo centra-se em analisar como é que a política
afirmativa para jovens negros é implementada na UFPR, em termos de contribuição
para sua permanência e desempenho. Para isso estabelecemos uma análise de como
a política de Ações Afirmativas está sendo assumida (vivenciada) por estes alunos em
sua trajetória universitária. Nesse processo considera-se fundamental as relações
raciais constituídas, como fatores fundamentais para o processo de inclusão/exclusão
na universidade. Nosso intuito é problematizar e refletir possíveis dispositivos que
vieram contribuir/obstruir os resultados esperados da Política Pública de Ações
Afirmativas.
As Ações Afirmativas na educação superior surgem das demandas dos
movimentos sociais negros na evidência de um percurso histórico da sociedade
brasileira marcado pela discriminação racial (SANTOS, 2007). Estas demandas têm
um momento importante e assumem visibilidade no país no marco da III Conferência
Mundial do Combate ao racismo, realizada em Durban, no ano 2001, num processo
que já vinha se gestando das diversas manifestações ligadas aos movimentos negros
brasileiros, despertando também a preocupação e iniciativa de entidades
internacionais dos direitos humanos.
O processo de preparação para participação nesta conferência gerou uma
grande mobilização na sociedade, em diferentes instâncias da população e do
governo. Estas iniciativas culminaram na elaboração de um documento oficial que foi
levado pelo Brasil à III Conferência de Durban, resultando em 23 propostas destinadas
aos direitos da população negra, destacando-se, entre essas, a proposta que previa
a adoção de medidas reparatórias às vítimas do racismo, com ênfase na educação.
A participação do Brasil nesse evento contribuiu com o relatório final da III
Conferência, que reconhece a necessidade de adotar medidas especiais e/ou
10

positivas que favoreçam a plena integração na sociedade de qualquer grupo racial ou


cultural, visando superar qualquer obstáculo aos direitos, introduzindo medidas
especiais que possibilitam a plena participação de todos, nos aspectos políticos
econômicos, sociais e culturais, instando a que se trabalhem todos aqueles fatores
que impedem o acesso aos espaços dos setores públicos e privados. O documento...

Insta os Estados a adotarem e a implementarem, tanto no âmbito nacional


quanto no internacional, medidas e políticas efetivas, além da legislação
nacional antidiscriminatória existente e dos importantes instrumentos e
mecanismos internacionais, os quais incentivam todos os cidadãos e
instituições a tomarem posição contra o racismo, a discriminação racial, a
xenofobia e a intolerância correlata e a reconhecerem, respeitarem e
maximizarem os benefícios da diversidade, dentro e entre todas as nações,
no esforço conjunto para a construção de um futuro harmonioso e produtivo,
colocando em prática e promovendo valores e princípios tais como justiça,
igualdade e não discriminação (Declaração e Programa de Ação adotados na
III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerância Correlata, 2001, p.35-36).

Esta jornada junto à Conferência de combate ao racismo, promoveu que o


governo brasileiro reconhecesse a condição racista de sua sociedade,
comprometendo-se, como signatário da conferência, a adotar medidas reparatórias
para a população negra.
O reconhecimento do racismo no Brasil e seu compromisso com medidas que
superassem as consequências da discriminação racial impulsionaram a adoção de
Ações Afirmativas nas instituições de Educação Superior, traduzidas em políticas de
cotas para alunos negros, medida também assumida, a partir de 2004, pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR) pela Resolução 37/04 do Conselho
Universitário (COUN). Estas políticas passaram a se consolidar com a nova lei Federal
nº 12.711/2012, sancionada em agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas
universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e
dá outras providências, estipulando...

Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério


da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos
cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento)
de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino
médio em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste
artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes
oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um
salário-mínimo e meio) per capita.
Art. 2o (VETADO).
Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata
o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados
11

pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos,


pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está
instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os
critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes
deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente
o ensino médio em escolas públicas.

Estipulam-se assim as cotas raciais para as 59 universidades federais, sendo


válidas similares disposições para os 38 institutos federais de Educação, Ciência e
Tecnologia vinculados ao Ministério de Educação. Pode-se dizer que Ações
Afirmativas na Educação Superior vêm ao encontro das mais importantes demandas
do movimento negro e também como uma proposta voltada para a consolidação de
direitos humanos no Brasil. De acordo com Feres Junior et al. (2013), no
reconhecimento da educação como um dos principais recursos de desenvolvimento
humano, que além de possibilitar a apropriação do arcabouço do desenvolvimento
das sociedades é também um propulsor para melhores condições de vida e um fator
preponderante para assumir lugares estratégicos nos espaços das decisões políticas,
influindo na mobilidade social e na distribuição de oportunidades. No entanto, estas
vagas para alunos negros são embutidas nas vagas dos alunos que cursam educação
média nos colégios públicos, ou seja, na primazia das condições socioeconômicas, o
que leva a desconsiderar ou deixar na sub-representação a questão racial. Feres
Junior et al. (2013), referem-se a estudos que indicam que existem particularidades
que devem ser consideradas, apontando que a adoção dos critérios de classe ou de
raça/etnicidade conduz a resultados muito distintos. Também cabe supor que as
vagas chamadas sociais (para brancos) foram ganhas a partir das demandas da
população negra, considerando que não há indícios de que estas tenham sido
reivindicadas por esse setor da população.
No entanto, neste estudo o objetivo centra-se em analisar como a política
afirmativa chega aos alunos cotistas raciais e quais suas repercussões em termos de
permanência e desempenho. Parte-se do pressuposto que só existem ações
afirmativas e hoje se está vivendo sua concretização na evidência de um percurso
histórico da sociedade brasileira forjado em práticas de racismo, preconceito e
discriminação (FERNANDES, 1965; HASENBALG; SILVA, 1988; HASENBALG,
1990), deixando um rastro de desigualdade racial que situa a população negra no pior
12

índice socioeconômico do país, refletindo-se em suas condições de saúde, vivenda,


educação e trabalho.
Muito tem se falado e escrito sobre as cotas raciais, no entanto nem tudo está
dito, mais ainda tratando-se de um processo em amplo movimento que corrói as
instâncias tradicionais e quebra a homogeneização do poder estabelecido. Cabe
considerar todo esforço de pesquisa razoável no caminho de alcançar o que não foi
dito, o que foi silenciado, o que emerge de novas articulações e interações. Um
esforço que nos mobiliza e nos leva a considerar a história, a apropriarmo-nos do que
já está estabelecido e que na trilha percorrida nos possibilita relacionar, fazer leituras,
conjeturar, estabelecer diálogos, para nos situar quanto ao que acontece na
atualidade.
Inspiram as palavras de Zanella (2013), que encoraja a quebrar dicotomias
impostas...

... pela racionalidade taxionomizante, classificatória e hierarquizante, tais


como pesquisa x intervenção, pesquisador x sujeito da pesquisa, coleta de
dados x relato da pesquisa, escrita da pesquisa x realidade investigada,
escrita da pesquisa x sujeito que escreve, pesquisa x criação, ciência x arte
(ZANELLA, 2013, p.19).

Nesse contexto, foi acontecendo minha imersão no objeto de pesquisa,


participando, me apropriando, assumindo diferentes papéis, sempre na perspectiva
de enriquecer meu olhar, no intuito de adquirir subsídios que possibilitassem uma
análise das condições a serem estudadas.
Houve mudanças de percursos estratégicos e metodológicos, que surgiam da
própria contingência do processo que estava sendo estudado. Diante da restrição dos
dados e da dificuldade de acesso nos diferentes espaços de gestão da UFPR, a
pesquisa foi-se encaminhando para subsídios metodológicos de corte qualitativo.
No entanto, foi-se ressaltando como extremamente importantes as dinâmicas
discursivas, os diálogos, as falas que trazem a história, revelando-se as contradições,
situando os fenômenos em seus processos de construção, transitando por meio das
interações, pelos diversos espaços sociais, configurando o fenômeno que nos
mobiliza na pesquisa.
Nas indagações que sempre se realizam quando se está fazendo pesquisa
encontrei um texto valioso que me subsidia em questões metodológicas: falava do
“envolvimento” (GUZMÁN, 2014) como alternativa que possibilita habitar dentro do
13

campo da ação social, transitar pelo campo tema pensando-se em meio ao cenário
de pesquisa. Envolver-se significa não só considerar um vínculo de influências sobre
um campo ou atores, mas implica em situar-se dentro no entremeado mais amplo das
relações. O envolvimento implicaria assumir o campo da pesquisa pela ideia do campo
tema proposta por Spink (2005), que nos leva a considerar, a pensar, a pesquisar pela
nossa experiência o campo, não como lugar delimitado onde se vai procurar dados,
mas como o espaço onde se está inserido e acontece a processualidade do tema,
pelas infinitas relações que lá se instauram. Nesse sentido, importantes foram os
diferentes espaços aos quais tive acesso, as conversas informais, as orientações e o
contato com os alunos negros que participaram da pesquisa.
Nesse contexto buscou-se fazer a análise das Políticas Afirmativas na UFPR,
tendo como intuito dar ênfase à experiência dos próprios alunos cotistas raciais que
vivenciam a política nas interações sociais como prática social, buscando canalizar
suas vozes, muitas vezes silenciadas no peso das interações acadêmicas e no peso
institucional. É a partir das práticas do dia a dia, na constituição das histórias destes
alunos na interação com os pares e com os diversos espaços institucionais da UFPR,
que se pretende avaliar o percurso das Ações Afirmativas no mundo real, como o
movimento temporal da constituição dos seres humanos e suas significações na
complexa trama das mediações e relações configuradas.
Assim, no pressuposto que os indivíduos se constituem nas relações sociais e
no processo de sua historicidade, a pergunta que cabe é: como se dá o processo de
apropriação, por parte dos alunos cotistas negros, dos espaços abertos pela política
afirmativa?
Em termos analíticos a dialética da inclusão/exclusão foi um fator importante
na avaliação das condições da política de Ações Afirmativas para alunos negros
inseridos nos espaços de Educação Superior. Considerar o fenômeno da exclusão em
seu processo de inversão pela inclusão, pode nos possibilitar acompanhar o processo
da inserção dos alunos cotistas raciais da UFPR numa perspectiva mais ampla e
focada nos sujeitos da política.
Sawaia (1999) postula que focar a realidade dos sujeitos pela exclusão nos
possibilita ampliar nosso olhar, na medida em que permite capturar a dimensão
objetiva da desigualdade social, a dimensão ética da injustiça e a dimensão subjetiva
do sofrimento. A exclusão passa a ser entendida como descompromisso político com
o sofrimento do outro, o que leva a considerar as subjetividades além da exclusão
14

definida por uma determinação econômica. Define-se a exclusão determinada por


formas diferenciadas de legitimação social e individual, que se manifestam no
cotidiano como identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência. Em
síntese agrega Sawaia (1999).

A exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de


dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. [...] é processo que
envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros... (SAWAIA,
1999, p.9 ).

Boaventura Santos postula que o sistema de desigualdade e exclusão se


realiza no campo de relações conflituais, onde intervêm grupos sociais constituídos
em função da classe, sexo, raça, etnia, religião, etc. Sendo a desigualdade um
fenômeno socioeconômico, realiza-se pela integração subordinada, e sendo o sistema
de exclusão um fenômeno cultural e social, se dá pelo processo da exclusão. Esses
dois sistemas hierarquizados articulam-se com o racismo, como uma outra forma de
hierarquização social (SANTOS, 1999). O autor postula: “As práticas sociais, as
ideologias e as atitudes combinam a desigualdade e a exclusão, a pertença
subordinada e a rejeição e o interdito” (SANTOS, 1999), fatores que confluem no
racismo que se realiza como preconceito e discriminação racial mediando os
diferentes espaços da sociedade, atuando, também, nos espaços e nas pessoas que
participam do processo de inserção dos alunos cotistas raciais nas universidades.
Cabe nesta pesquisa analisar suas incidências e articulações como fatores
importantes nos processos de desempenho e permanência dos alunos negros.
No subsídio dessas reflexões e na consideração de aspectos de
inclusão/exclusão ampliamos nossa pergunta de: “Como se dá o processo de
apropriação dos espaços abertos pela política de Ações Afirmativas dos
cotistas raciais em termos de permanência e desempenho?”, para: “Como os
diferentes espaços da UFPR promovem a política pública de Ações Afirmativas
em seus objetivos de inclusão e como esse processo de interação atinge a
permanência e desempenho dos alunos cotistas raciais?”
A recolocação de nossa pergunta possibilita sair do individual, que recai nos
sujeitos cotistas raciais para ampliar nosso olhar para a estrutura social e suas
determinações na construção das subjetividades em movimento e na configuração
das metas das Ações Afirmativas.
15

A existência de um racismo enraizado culturalmente e que se metamorfoseia


constantemente nos levou a considerar a inserção dos alunos cotistas raciais na
universidade pelas suas relações raciais, no pressuposto que estas incidem através
de diversas manifestações simbólicas e materiais nos processos de desempenho e
permanência, mediatizando assim as relações acadêmicas estabelecidas na
universidade.
Acompanhar a implementação da Política Pública de Ações Afirmativas a partir
da experiência dos próprios alunos que vivenciam a política pública no dia a dia de
suas vidas acadêmicas como prática social não significa atribuir o êxito ou o fracasso
a condições ou capacidades individuais e particulares dos alunos cotistas raciais, o
que seria desconsiderar as inúmeras mediações sociohistóricas que permeiam esse
processo. Entre as Ações Afirmativas e os cotistas raciais existe uma complexa trama
de relações que são decorrentes de interesses individuais ou coletivos, constituídos
historicamente e que em grande parte se realizam na organização de relações
hierárquicas.
A efetivação das Ações Afirmativas decorre da trama complexa de relações
sociais instauradas fora e dentro do âmbito universitário, entre outros, determinadas
pelas condições socioeconômicas, redes de solidariedade, participação nos
movimentos sociais, em grupos diversos, formas de conhecimento e apropriação
cultural, representações e formas de pensar, atitudes, valores e ideologias, políticas
complementares que podem responder a interesses pessoais ou coletivos que se
sobrepõem, evidenciando uma realidade extremamente complexa que repercute no
processo de inserção do aluno da UFPR como sujeito cotista racial.
Buscar como as políticas afirmativas repercutem nos alunos cotistas raciais
implica em olhar para esse processo considerando os diversos planos de relações
sociais e construção da realidade nos quais esse processo acontece, tanto nos fatores
determinantes da estrutura social, definido nas instâncias institucionais, como também
a partir das interações estabelecidas no dia a dia como constitutivos de identidades,
focalizando a experiência dos cotistas raciais como síntese de um processo que se
realiza para eles como um grande desafio pessoal, na perspectiva de transformações
de grande alcance social.
Assim, no percurso desta pesquisa, que foi se conformando em sua
metodologia como qualitativa, foram articulando-se análises, recortes e
representações elaborados das incursões realizadas com professores, servidores e
16

alunos cotistas raciais e não cotistas, procurando para nossa interpretação


contribuições de autores que se somam num pensamento crítico, no atrelamento a
uma ética pelos direitos humanos.
Foi se construindo o diálogo com diversos campos disciplinares, tendo como
fio condutor a perspectiva sociohistórica e cultural do ser humano. Assim recorremos
aos aportes que indagamos da Antropologia, Filosofia, Psicologia Social, Sociologia e
outras áreas afins da compreensão do ser humano. Foram surgindo categorias de
análises importantes como permanência, identidade, e outros, num processo que
possibilitou construir um objeto de pesquisa e também se constitui no meu processo
como ser humano, na tarefa de interpretar os outros pelo meu olhar.
Atendendo à primeira parte deste estudo, realizou-se uma pesquisa
bibliográfica visando o aprofundamento das formulações teóricas e conceituais que
nos possibilitou avançar na compreensão de nosso objeto de pesquisa. Nesse sentido
nossa apropriação buscou subsídios em autores que se referem às Ações Afirmativas,
como João Feres Junior (2009, 2005, 2004), Carlos Guimarães (2009, 2003a, 2003b,
1999) autores que trabalham relações raciais em suas conceitualizações e
historicidade, Foé (2013), Fanon (2008), Du Bois (1999), Moore (2012), Munanga,
(2008), conceitos e autores que, articulados à história da sociedade brasileira, deram
sentido e possibilitaram a compreensão do processo que acompanhamos. Conceitos
trazidos historicamente no sentido de estudar os sujeitos de nossa pesquisa pelos
seus determinantes históricos além das circunstâncias sociais atuais (CROCHIK,
1998).
Tendo como ponto referencial as Ações Afirmativas na UFPR em seus
percursos e delimitações na inserção dos alunos negros e considerando como
fundamental nesse processo a mediação das relações raciais instauradas, iniciamos
este trabalho trazendo primeiramente as raízes históricas da inscrição do racismo no
Brasil, que em suas repercussões viria a justificar as Ações Afirmativas. Destaca-se
neste recorte as diferentes configurações que o racismo foi assumindo na realidade
da sociedade brasileira, construtos que ainda hoje transitam nas representações,
significações e sentidos que as pessoas outorgam à população negra, repercutindo
na promoção, aceitação ou rejeição das políticas afirmativas.
Num segundo momento, trazemos de forma bastante breve o percurso histórico
das demandas da população negra, relacionadas à educação, efetivadas nos
17

diferentes espaços onde confluem os movimentos sociais negros, como sendo as


vozes que se alçam e promovem as Ações Afirmativas no Brasil.
Continuamos nosso estudo definindo as Ações Afirmativas e trazendo alguns
dados que relacionam esse processo com o ensino Superior, trazendo em alguns
aspectos os argumentos favoráveis ou contrários e alguns dados importantes que
referenciam o caminho das Ações Afirmativas nas universidades públicas federais do
Brasil. Concluímos esse espaço pontuando alguns dados da experiência na UFPR,
destacando alguns elementos que tornaram-se fatores fundamentais para o processo
da permanência e desempenho dos alunos cotistas raciais nesta instituição.
Tendo esse marco histórico referencial, damos continuidade a este estudo
estabelecendo as delimitações teóricas e metodológicas que subsidiaram o passo
seguinte, que é a análise definida como “Os sujeitos, o discurso, e a escuta” de alunos,
professores e servidores. Esta etapa nos possibilita uma aproximação e compreensão
analítica teórica e histórica da experiência das Ações Afirmativas para a população
negra na UFPR, em suas incidências relacionadas com sua permanência e
desempenho, concluindo assim esta pesquisa na elaboração das reflexões,
conclusões e perspectivas.

Gráfico 1 As políticas Afirmativas na complexa trama sócio-histórica da construção da sociedade


18

2. A RAIZ DA DESIGUALDADE

2.1 Do Racismo às Ações Afirmativas

Considera-se nesta pesquisa a hipótese de que o processo da adoção de


Políticas de Ações Afirmativas, concretizada nas cotas raciais, é mediada pelo
processo histórico que justifica as ditas políticas. Destaca-se nesta perspectiva que
entre a história da humanidade e a história individual interpõe-se a história social
(SHUARE, 1990), construída pelos seres humanos na contraposição de interesses
individuais e/ou coletivos, estabelecendo desigualdades categóricas (TILLY, 2000)
constituídas nas interações hierarquizadas e legitimadas no mundo institucional,
estabelecendo historicamente as desigualdades raciais. O tempo humano é história,
tanto nos aspectos individuais como sociais e é a condição sócio-histórica do ser
humano que configura-se das interações sociais mediada pelas conformações que já
foram estabelecidas e que se traduzem na formalização de regras, normas, costumes,
etc. na institucionalização da vida das pessoas, se impondo na consolidação dos
interesses de alguns setores.
Nesse contexto, o racismo revela-se um fator hierarquizador extremamente
poderoso que atravessa toda a história da humanidade, se inscrevendo na sociedade
brasileira a partir do processo de colonização, na escravidão, deixando rastros
indeléveis de desigualdade, injustiça e discriminação, construindo um marco histórico
que hoje justifica as Ações Afirmativas para a população negra, fundamentadas na
necessidade de uma reparação histórica, justiça e diversidade nos espaços do
conhecimento e empoderamento (FERES JUNIOR, 2005), o que se realiza como um
fator a mais no processo que situa-se entre a tensão das demandas da população
negra e o lastro do pensamento conservador de privilégios e oportunidades,
legitimados na tradição conservadora da sociedade.
Constitui-se assim a necessidade de acompanhar o processo de inserção das
Ações Afirmativas na contribuição de sua consolidação, em contraposição às marcas
impregnadas historicamente de racismo, preconceito e discriminação, abrindo
espaços para a presença negra nas universidades públicas brasileiras.
Uma retrospectiva histórica nos mostra que a maior parte das sociedades tem
se articulado de forma hierárquica. Charles Tilly (2000) afirma que os seres humanos
19

inventaram a desigualdade categorial em tempos seculares e a aplicaram a uma


ampla gama de situações sociais, sendo o racismo um fator preponderante nessa
estrutura organizativa. O racismo, como parte de construções sociais que se
constituem na hierarquização racial, realiza-se na prevalência dos interesses de
alguns estratos sociais, por meio de dispositivos de poder e dominação subjugando
seres humanos, inferiorizando-os em suas elaborações materiais e simbólicas,
justificando e naturalizando essas construções por ideologias que balizam interesses
e valores coerentes com sua condição de poder. Nesse contexto, arrastou-se muitos
seres humanos à sua desumanização, justificando uma forma de se relacionar, de
definir e olhar ao outro na inferioridade pela cor de sua pele ou outros traços
fenotípicos, é o que chamamos de RACISMO.
Não é fácil se posicionar em relação ao racismo, num país que por muito tempo
foi reconhecido como detentor de uma democracia racial. Mesmo que dados
contundentes evidenciem a existência de racismo no Brasil, muitas pessoas o negam,
promovendo-se a invisibilidade de manifestações discriminatórias, preconceituosas,
ou de desigualdade.
Pode-se dizer que as Ações Afirmativas surgem a partir de uma profunda e
gritante desigualdade e exclusão racial imposta historicamente na sociedade,
justificando a hierarquização dos indivíduos pelo fenótipo e cor da pele, legitimando o
acaparamento de oportunidades por parte dos setores privilegiados. Ainda, no
racismo, postula Taguieff (1997), “tudo está em perpétua redefinição, todos os lados
se metamorfoseiam, enquanto os materiais simbólicos se renovam”. O racismo
constitui-se como um fenômeno que atravessa os tempos, que se transmuta de
acordo com os costumes e com a ética vigente, camuflando-se detrás de valores
emancipatórios, ocultando-se em diversas práticas sociais permeadas de
superioridade e imposição de poder, manifestadas sutilmente nas interações sociais,
através de mecanismos simbólicos acionados na intermediação dos bons costumes e
dos bons relacionamentos, mas que caem com todo rigor na institucionalização do
racial, nas normas, regras, disposições e regulamentações, deixando o negro no
espaço inferior. É nesse contexto que Ações Afirmativas se justificam.
Nas palavras de Wieviorka (2007), o racismo consiste em atribuir
características intelectuais e morais a setores humanos, fundamentando-se em
condições naturais, que justificariam práticas de inferiorização e de exclusão.
20

O racismo fundamenta-se na noção de raça que, no século XIX, configura-se


como um conceito que diferencia os seres humanos baseadas em aspectos
biológicos. No século XX estas crenças são abaladas por não encontrar bases
científicas que as respaldem. No entanto, o conceito de raça não se derriba como
ideologia que fundamenta o racismo na hierarquização dos seres humanos, mas
procura sua fundamentação em aspectos sociais e culturais.
Guimarães (1999) nos auxilia ao situar raça como um conceito que não
corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se de um conceito que denota tão
somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a
certos grupos sociais. Nesse contexto, o racismo, criado na vertente ideológica das
diferentes raças, seria uma forma de naturalizar a vida social, de explicar diferenças
pessoais, sociais e culturais a partir de diferenças tomadas como naturais, justificando
hierarquizações sociais e impondo relações de dominação e poder, desigualdades e
subordinação.
Dessas confluências pode-se compreender o racismo como um conceito
ideológico que estabelece hierarquias entre os seres humanos, fundamentando-se
numa ideologia cientificista biológica que não tem consistência, mas que ainda é muito
recorrente no senso comum. Uma forma de naturalizar a vida social, de explicar as
diferenças pessoais, sociais e culturais a partir das diferenças assumidas como
naturais (GUIMARÃES, 1999).
O racismo, portanto, origina-se da elaboração de uma doutrina que justifica as
desigualdades entre os seres humanos. Hoje essa doutrina não tem formalmente mais
legitimidade social nem vigência legal. No entanto, mediatiza as relações sociais no
cotidiano, no trânsito institucional, refazendo de forma escamoteada expressões de
racismo, preconceito e discriminação.
O racismo tem sua fonte de alimentação no preconceito, que, sendo uma
manifestação individual, realiza-se como uma categoria do pensamento e da
cotidianidade (HELLER, 2000). O preconceito surge dos processos de socialização
como resposta aos ensinamentos transmitidos, aos julgamentos estabelecidos sem
recorrer à reflexão crítica, transmitidos e ultrageneralizados a partir dos costumes
impostos pela tradição e que se estabelecem nos conflitos e preservação dos
interesses dos distintos grupos sociais (CROCHIK, 1995).
Pensar mal dos outros, sentir desprezo ou desagrado, medo, aversão, falar mal
das pessoas, exercer algum tipo de discriminação, constitui preconceito (ALLPORT,
21

1954), e sentir essa aversão por alguém, atribuir condições de inferioridade pela cor
da pele, ou por qualquer outra característica é o que define o preconceito racial. Assim,
o preconceito caracteriza-se por uma atitude de hostilidade nas relações
interpessoais, dirigida contra um grupo ou contra indivíduos desse grupo (JAHODA e
ACKERMAN, 1969).
O preconceito surge como tema de estudos na década de 1920, referindo-se a
atitudes frente a grupos considerados inferiores, tendo como base a naturalização das
formas sociais hierárquicas da época. Na década de 1940 a 1950 o preconceito é
articulado a questões intraindivuais como frustração-agressão e personalidade
autoritária, o que surge com os estudos da escola de Frankfurt, na crítica aos regimes
nazi-fascistas. Logo depois o preconceito será estudado a partir das teorias que vão
destacar as relações intergrupais trazendo categorias de análise referentes a
identidade social, conflito intergrupal e categorização social (SOUZA, 2008).
O preconceito racial subsidia a discriminação racial que se configura como a
manifestação comportamental do preconceito, ou seja, está ligada ao ato mais que ao
pensamento. As ações destinadas a manter as características de um grupo, bem
como sua posição privilegiada, à custa dos participantes do grupo de comparação,
configuram-se como discriminação (JAMES, 1973).
A discriminação racial considera limitar, privar, dificultar a uma pessoa o acesso
ou gozo de um determinado bem ou direito no desmerecimento de seu fenótipo e/ou
cor da pele. Favorecimentos e privilégios a certos setores são realizados na base da
discriminação racial, sendo legitimados por concepções preconceituosas de racismo,
inscritos historicamente no processo da constituição das sociedades.
No interesse de considerar não só o princípio da igualdade mas de dar especial
conotação às diferenças, no contexto dos direitos humanos as Nações Unidas
aprovam em 1965 a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial, assinada atualmente por 167 países. Na convenção se declara
que qualquer doutrina de superioridade baseada na raça é cientificamente falsa,
moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa. E define-se discriminação
racial como...

...qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça,


cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito
anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano,
(em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais
no domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio
22

de sua vida (Documento Convenção Internacional sobre a Eliminação de


Todas as Formas de Discriminação Racial - Parte 1 Artigo 1).

Em James (1973), encontramos o racismo definido como individual ou


institucional. Na expressão individual sugere a crença na superioridade de alguma
raça com relação a outra. A segunda expressão constitui-se na manipulação
consciente de instituições a fim de atingir objetivos racistas com dois sentidos: em
primeiro lugar, como a extensão institucional de crenças racistas individuais, que se
organizam institucionalmente a fim de manter uma vantagem em relação a outros. Em
segundo lugar, como subproduto de algumas práticas institucionais que atuam de
forma a limitar, a partir de bases raciais, as escolhas, os direitos, a mobilidade e o
acesso de grupos de indivíduos a outras posições.
O mesmo autor fala de um racismo que se impõe pela expressão cultural,
promovendo o cerceamento das realizações de uma raça, ignorando-a ou
depreciando-a, questionando processos de educação e manifestações culturais,
dificultando que as crianças possam se reconhecer em seus ancestrais, restringindo
processos de identidade.
Não temos a ciência certa de quando e como o racismo se inicia. No entanto,
nos estudos de Carlos Moore (2012), descreve-se que já em períodos milenares
existia essa aversão pelo negro. Mitos antigos das sociedades não africanas
mostravam repulsa e medo à cor negra, relacionando-a ao luto, ao tenebroso, ao
maléfico, ao perigoso, ao diabólico. A própria ideia da humanidade do negro é
questionada por autores clássicos como Kant, Hume, Voltaire, Montesquieu,
Condorcet, afirmando em algumas ocasiões que a África não tem história (FOE,
2013). Assim temos que as raízes históricas e culturais dos negros constituem-se na
contramão dos direitos constituídos para o homem, confrontando de forma secular o
triângulo racismo-preconceito-discriminação.
Para Moore (2012), o fenótipo é o distintivo, transmutado como estigma, se
inscrevendo pela cor da pele. Assim, tanto o racismo anglo-saxônico da pureza racial
quanto o racismo dos países da América Latina baseado no fenótipo seriam, para este
autor, reformulações de um mesmo racismo cuja consciência histórica é muito antiga.
Antes de ser um fenômeno político e econômico pautado na biologia, o racismo já era
uma realidade social e cultural pautada no fenótipo.
Persistentemente, na trajetória histórica das sociedades o racismo se
apresenta, dilacerando a construção do negro. O racismo, como elemento
23

depreciativo, golpeia desde muito cedo a construção das identidades da população


negra. Fanon (2008) refere-se ao complexo de inferioridade, criado a partir da
valorização do outro e a negação de si mesmo. O autor refere-se a essa construção
quando postula que “uma criança negra normal tendo crescido no seio de uma família
normal, ficará anormal ao menor contato com o mundo branco” (FANON, 2008, p.129).
Sobre o mesmo tema, Du Bois (1999), faz uma pergunta inquisitiva que revela esta
imposição de si mesmo inferiorizado, quando pensa em como é a sensação de ser
um problema. Ser um problema, diz o autor, é uma experiência estranha, até mesmo
para alguém que jamais foi outra coisa, a não ser talvez na primeira infância.
Sento que existem rastros de um racismo enraizado na história da humanidade,
é a partir do fenômeno da colonização que a raça se realiza como constitutivo do
poder capitalista, sustentando-se na imposição de uma classificação racial/étnica da
população do mundo. A colonização das Américas alimentou um racismo que se
impõe na hierarquização das raças e como constitutivo de poder para os mais
brancos, prolongando-se na história como o que Quijano (2010, 1992) chama de
colonialidade. Colonialismo e colonialidade fundam-se com as necessidades do
capitalismo, configurando relações intersubjetivas de dominação sob a hegemonia
eurocentrada. Nesse contexto a distribuição dos indivíduos tem o caráter de
classificação, desclassificação e reclassificação, estrutura na qual a raça tem um lugar
que justifica e legitima a hierarquização dos homens, que distingue como superiores
os homens europeus de “raça branca” e inferiores os homens de “raça de cor”. Assim
as diferenças fenotípicas são utilizadas para determinar categorias de raça inferiores
justificando processos de dominação e exploração.
Quijano (1992) afirma que o racismo e o etnicismo, como fundamento das
relações de poder iniciados na América, propagaram-se para o resto do mundo
colonizado. E embora o colonialismo tenha se extinguido como sistema político formal,
há mais de 500 anos tem se mantido em seus critérios, determinando a classificação
social da população no mundo.
Nesse contexto, o negro chegou ao Brasil na violência e barbárie do sequestro,
pois, arrancado de suas raízes africanas, foi lhe imposta a escravidão. A escravidão
trouxe para as populações brancas um acúmulo de riquezas lavradas pelo trabalho
escravo, benefícios materiais e simbólicos consolidaram aos brancos no lugar do
domínio, facilitando a reprodução persistente da desigualdade racial. Com o fim da
24

escravidão não se extingue o processo de exploração e colonização, negros passam


da escravidão para a marginalização e a discriminação.
Florestan Fernandes (1965) assevera que para o negro ficaram duas
possibilidades, aceitar ser a escória do operariado urbano ou o ócio dissimulado na
vagabundagem sistemática e a criminalidade, como meios para salvar as aparências
e a dignidade de um homem livre. Ainda, a condição de ser negro foi percebida como
um obstáculo para o desenvolvimento da nação, sua extinção deveria acontecer pelo
branqueamento, restava assim aguardar sua redenção pelo processo de mestiçagem
(THEODORO, 2008). A desvalorização dos negros é fundamentada na tese de sua
inferioridade biológica, valorizando-se a miscigenação no ideal do branqueamento
(JACCOUD, 2008).

A ideia de que o progresso do país dependia não apenas do seu


desenvolvimento econômico ou da implantação de instituições modernas,
mas também do aprimoramento racial de seu povo, dominou a cena política
e influenciou decisões públicas das últimas décadas do século XIX,
contribuindo efetivamente para o aprofundamento das desigualdades no
país, sobretudo, ao restringirem as possibilidades de integração da população
de ascendência africana (JACCOUD, 2008, p.49).

De acordo com Jaccoud (2008), a partir dos anos 1930 diminui o discurso
racista para dar lugar a um pensamento racial que destaca a dimensão positiva da
mestiçagem, afirmando a unidade do povo brasileiro que na convivência harmônica
consegue escapar dos problemas raciais existentes em outros países. A mescla das
raças passaria a ser considerada como um dos pontos centrais na identidade nacional
do Brasil (TELLES, 2003).
Impõe-se a ideologia da Democracia Racial como parte da autoimagem
nacional, que pode ser percebida como um meio cultural dominante, cujo principal
efeito tem sido o de manter as diferenças inter-raciais inteiramente acobertadas e
distanciadas da arena política. A democracia racial, junto com as ideias correlatas de
ausência de preconceito e discriminação racial, pode ser assumida como uma
representação mais ampla sobre o caráter nacional brasileiro que inclui noções tais
como as do homem cordial, povo pacífico e a tendência à conciliação e ao
compromisso (HANSELBALG, 1988).
A ideia da democracia racial consolida-se a partir da obra de Gilberto Freyre
fundamentada numa perspectiva benevolente do passado escravista e em uma visão
otimista e tolerante da mestiçagem (JACCOUD, 2008). Segundo Telles (2003), as
25

ideias de Freyre foram amplamente acolhidas dando suporte para o mascaramento


do racismo existente, vigorosamente denunciado pelo movimento negro e por alguns
cientistas sociais que passam a referir-se ao “mito da democracia racial”.
Pode-se considerar a imagem de harmonia racial como parte de uma
concepção ideológica mais geral da natureza humana do brasileiro, associada a
mecanismos de legitimação destinados a absorver tensões, bem como a antecipar e
controlar certas áreas de conflito social (HANSELBALG, 1988).
Sendo as relações raciais demarcadas pela mestiçagem, considera-se que
existe a boa convivência e a harmonia entre os brancos e não brancos. Trata-se
supostamente de relações afáveis, dificilmente com manifestações diretas de racismo,
mas que veladamente preservam a hierarquização e definem o lugar de cada um.
Nesse campo de significados o conceito de raça é determinado não pela
ascendência, mas pela cor das pessoas, tendo o racismo um fluxo contínuo baseado
na avaliação gradativa dos traços e cor da pele. Assim, quando falamos de raça e
racismo no Brasil, devemos considerar aquelas práticas discriminatórias baseadas
não na ascendência dos indivíduos, mas sim em suas características fenotípicas, tais
como cor de pele, tipo de cabelo, formato do nariz e lábios.
Nos anos 1950, estudos encomendados pela UNESCO e realizados por
Florestan Fernandes (1964) e outros estudiosos começam a perfilar os traços do
racismo existentes no Brasil. Esses estudos foram afirmados pelas pesquisas
realizadas nos anos 1970 por Hasenbalg e Silva (1988, 1990), que realizam
correlações contundentes entre condições de vida precária e a população negra.
Contradisse-se a ideologia de suposta democracia racial que, por muito tempo deu
amparo à concepção que situava o Brasil como país não racista, aduzindo um sistema
positivo das relações raciais. Teorias que contribuíram para a despolitização das
relações raciais, encobrindo mecanismos de dominação e subordinação imbuídas no
cotidiano das pessoas (HANCHARD, 2001).
Particularidades como a relação entre raça e classe social na hierarquização
das pessoas, bem como as ideias sobre o “embranquecimento” e o “mito da
democracia racial” construídos na história das relações raciais brasileiras, mantêm-se
atuantes. Na hierarquia racial brasileira, os indivíduos racializados (negros e
indígenas) tendem a ocupar as posições mais baixas, enquanto os brancos ocupam
as posições mais altas, que lhes garantem certos privilégios em relação aos outros
grupos raciais e ao Estado (GUIMARÃES, 1997).
26

O racismo “à brasileira” constrói-se e reconstrói-se mantendo desvantagens


para a população negra (pretos e pardos) no acesso a bens materiais e simbólicos;
desvantagens essas muitas vezes mantidas pela permanência do mito da democracia
racial, que ignora a existência de desigualdades baseadas em critérios raciais,
justificando as manifestações de racismo como exceções praticadas por indivíduos
“pouco esclarecidos”.
Na consideração de alguns autores como Lima e Vala, (2004), racismos e
intolerâncias foram modificando-se com o tempo, permeando os relacionamentos e
orientando atitudes e comportamentos. Estes autores fazem um levantamento das
diversas formas de racismos que viriam a substituir as formas flagrantes. Essas novas
formas de racismo têm como característica não afrontar diretamente as pessoas
negras.
Algumas dessas compreensões provêm de diferentes contextos sociais dos
Estados Unidos e da Europa, próprias da especificidade da experiência racial desses
lugares. No entanto, embora trate-se de processos raciais diferentes, de acordo com
o contexto histórico de cada espaço social, encontra-se alguns pontos comuns com a
experiência do Brasil.
As significações que se constituem em novas formas de racismos surgem nos
anos 1970, no contexto da Declaração dos Direitos Civis nos Estados Unidos. O que
se denomina de racismo simbólico nasce das demandas trazidas pelos negros norte-
americanos, demandas consideradas inconvenientes, opostas aos valores culturais
da sociedade. De igual forma, o chamado racismo moderno também se sustenta nas
transgressões que os negros fazem ao querer alcançar espaços para os quais, de
acordo com a ideologia predominante, não teriam condições.
Lima e Vala (2004) postulam que tanto o racismo simbólico como o racismo
moderno são a base para escalas que procuram medir racismo, as escalas de racismo
simbólico de Kinder e Sears (1981) e de racismo moderno de McConahay (1986).
Também falam do racismo aversivo que define-se pela característica de respeitar as
regras que sancionam o racismo, mas evita-se todo tipo de relacionamento ou contato
racial. Outra perspectiva destacada pelos autores é o racismo ambivalente, na qual,
por um lado adere-se aos valores da igualdade e humanitarismo e nesse sentido
acolhe aos negros, mas por outro lado estes são percebidos como alheios dos valores
apreciados. Tanto na teoria do racismo aversivo como na teoria do racismo
27

ambivalente as pessoas se caracterizam por tentar preservar uma imagem pública


sem preconceitos.
Na Europa se postula o preconceito sutil, referido ao relacionamento
discriminatório dos europeus com pessoas que provêm de antigas ex-colônias de
países europeus. No Brasil se fala do racismo cordial (Turra e Venturi, 1995), que
caracteriza-se por relacionamentos que expressam sutilmente o racismo em
manifestações como piadas, ditos populares, brincadeiras.
Racismo, preconceitos e discriminação continuam atuantes operando numa
desqualificação dos negros, definindo seu lugar nos espaços mais destituídos do
mundo do trabalho e uma inexistência nos espaços da educação, porém, numa
dinâmica que corresponde ao que se chama de Racismo à Brasileira, fundada em um
peculiar conceito de raça e forma de racismo (GUIMARÃES, 2002), cujas
especificidades são significativas para compreender as relações entre os grupos de
cor e as desigualdades associadas.
No Brasil, as consequências do processo do racismo evidenciam-se na
restrição de oportunidades de trabalho, educacionais, vivenda, saúde e outras, para
as populações negras (HASENBALG, 1979). Esse autor destaca que ao longo do
processo histórico posterior à escravidão, constrói-se um período de cumulativas
desvantagens para os negros. No processo educativo, essa desvantagem, como foi
examinado por Rosemberg (1987), impõe ao aluno negro uma trajetória mais difícil da
que passa um aluno branco, o que estaria diretamente relacionado com a orientação
dos negros para equipamentos destinados às camadas pobres da população.
No mapa da Desigualdade racial no brasil: evolução das condições de vida na
década de 1990 (HENRIQUES, 2001), as desigualdades educacionais aparecem
como mais acentuadas quando se relacionam à população preta e parda. O autor
aponta que entre os anos de 1929 e 1999 manteve-se uma distância considerável e
estável relativa aos anos de escolaridade entre a população branca e a população
negra e parda, o que evidencia que o padrão de discriminação manteve-se intato por
longo tempo, porém, na educação superior as distâncias são maiores. Dados
extraídos do IPEA (2008) destacam que, em 1976, 5% dos brancos com mais de 30
anos tinham diploma superior, contra só 0,7 dos negros. Em 2006, 18% da população
branca tinham diploma de ensino superior contra 5% dos negros.
28

Nesse contexto, e com a avalanche de denúncias, demandas e reivindicações


que vinham da população negra, articuladas com a posição das entidades dos Direitos
Humanos, o Brasil teve que entrar na proposição das Ações Afirmativas.

Gráfico 2 Os percursos do Racismo até o Cotista Racial

2.2 Dos Movimentos Negros às Políticas Afirmativas: um processo de lutas e


reivindicações

A relevância dos movimentos negros para a educação e políticas afirmativas é


ressaltada por Santos (2007), em cujo percurso sobre a história dos movimentos
negros é possível deduzir o quanto a educação é um valor fundamental para a
população negra. Podemos dizer que nas lutas inscritas na história dos movimentos
negros se encontram as bases que configuram muito das demandas, relacionadas à
Educação, estabelecidas em documentos que visam o desenvolvimento e
consolidação das políticas públicas do Estado brasileiro.
As lutas e reivindicações dos negros se iniciam junto com a instauração da
escravatura no Brasil, quando negros escravizados se rebelaram em prol de sua
liberdade e dignidade humana. As formas mais peculiares de resistência, entre outras,
29

se davam pelo afrouxamento no trabalho e na organização dos quilombos como


espaços coletivos de organização política e social. De acordo com Santos (2007), por
meio da recusa do trabalho o negro realizava a reafirmação de sua humanidade e a
negação do escravismo e do racismo. Foram formas de oposição que não chegavam
a ter grande incidência no sistema, pois eram realizadas isoladamente, ainda
resultando, muitas vezes, em severos castigos. A partir dos quilombos se
organizavam rebeliões e estratégias de resistência, vivendo em constante atrito com
as forças de repressão.
O ativismo negro também tinha muitas expressões urbanas, entre as quais
tiveram destaque as irmandades de pretos. As irmandades cumpriam papel
preponderante na organização da religiosidade e se constituíam com papéis mais
amplos, de assistência social e de educação, organizando e mantendo escolas e/ou
cursos de formação profissional (SANTOS, 2007).
No período colonial os africanos escravizados eram proibidos de aprender a ler
e escrever e também, de frequentar as escolas. A única exceção acontecia com
alguns negros escravos das fazendas dos jesuítas que davam alguns estudos básicos
visando a formação moral dos escravos na doutrina cristã (GONÇALVES; SILVA,
2000). Os autores postulam que, atendendo as demandas do país de crescimento
como nação e na necessidade de mão de obra mais qualificada no período do século
XIX, abrem-se escolas noturnas. Mas esses espaços também eram negados aos
negros escravizados e comumente também aos libertos.
Os negros apresentam condições paupérrimas no período da abolição da
escravidão. Hanchard (2001), afirma que o fim da escravidão não significou a
superação da discriminação racial. Os trabalhadores afro-brasileiros foram afastados
do mercado do trabalho, substituídos pelos imigrantes europeus que receberam todo
tipo de apoio dos fazendeiros e da própria máquina estatal.
De acordo com Moura (1980), o preconceito de cor impedia que os negros
ingressassem em uma série de ocupações e instituições e também em lugares sociais,
o que determinou a criação de entidades negras independentes, especialmente
lugares de recriação que também foram espaços de conscientização e promotoras da
superação das desigualdades raciais. Nesse contexto e desses espaços é que
surgem diversos jornais (“O Alfinete”, “A redenção”, “A Sentinela”, “A Liberdade”, “O
Menelik”, “O Kosmos”, “Clarim da Alvorada”), entre outros, conforme Pereira (2008,
p.31), que canalizam informação, se constituindo como outra forma de expressão dos
30

movimentos negros. Foi assim que nos anos 20 do século XX se consolidava uma
imprensa negra que denunciava a segregação e as injustiças a que os negros eram
submetidos, destacando a necessidade da educação formal.
Da mobilização que despertavam os jornais nasceu a Frente Negra Brasileira
(1931), uma das organizações mais importantes da luta dos negros contra o racismo.
Criado em São Paulo, este movimento chegou a se transformar numa referência
importante para os negros de quase todo o Brasil, chegando a mobilizar até 100.000
militantes. A Frente Negra tinha na educação uma de suas reivindicações primordiais.
É por intermédio do jornal “a Voz da Raça” que esta entidade critica o descaso do
governo com a educação dos negros. Ainda, a experiência escolar mais completa para
alunos negros, nesse período, foi uma iniciativa da Frente Negra Brasileira que
chegou a atender cerca de 4.000 alunos (GONÇALVES; SILVA, 2000).
Em 1944 foi fundado no Rio de Janeiro o Teatro Experimental do Negro (TEN)
por iniciativa de Abdias do Nascimento. Esta instituição foi muito importante para a
luta contra o racismo e a discriminação racial e teve um papel muito importante na
Constituinte de 1946. O projeto do TEN tinha entre suas propostas implementar
instrumentos jurídicos que garantissem o direito dos negros, a democratização do
sistema político, a abertura do mercado de trabalho, o acesso dos negros à educação
e à cultura e a elaboração de leis anti-racistas (GONÇALVES; SILVA, 2000). De
acordo com Santos (2007), foi relacionado com o Teatro Experimental do Negro que
nasceu a primeira proposta de ação afirmativa para negros no ensino superior e
técnico, nas proposições da Convenção Nacional do Negro Brasileiro em 1945.
Mesmo sendo esses espaços diversificados, o grande denominador das
demandas dos movimentos negros era a educação formal. A educação aparecia
continuamente como o fator reivindicatório fundamental para a superação das
condições precárias em que se encontrava a população negra. Algumas vezes a
educação era vista como estratégia para se equiparar com os brancos; outras, como
forma de ascensão social ou como instrumento de conscientização por meio do qual
os negros podiam valorizar a cultura de seu povo, podendo assim reivindicar direitos
sociais e políticos e também outros direitos (GONÇALVES, 2000, apud GONÇALVES;
SILVA, 2000).
Em 1978, caminho à democratização, os movimentos sociais negros culminam
na criação do Movimento Unificado contra a discriminação Racial (MUCDR), que
depois simplifica seu nome para Movimento Negro Unificado (MNU). A partir deste
31

movimento se fazem denúncias contra a violência policial, desemprego, subemprego


causados pela discriminação racial. O MNU se expandiu dando expressão a uma nova
militância negra. Essa nova fase se caracteriza por uma luta mais política contra o
racismo e a discriminação racial (SOUZA, 2005).
No momento da construção da nova Constituição Federal Brasileira, ano de
1987, os movimentos negros brasileiros participaram ativamente, apresentando novas
propostas relacionadas aos Direitos e Garantias Individuais, a Violência Policial, as
condições de Vida e Saúde, as condições da Mulher, do Menor, da Educação, do
Trabalho, entre outros. Foi fazendo esse percurso que os movimentos negros foram
abrindo caminho para o estabelecimento de direitos que possibilitem a superação da
discriminação racial.
No contexto da Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, o
movimento negro se impôs provocando um momento de grande pressão ao governo.
Foi apresentado para o presidente do Brasil um Programa de Superação do Racismo
e da Desigualdade Racial que incluía, entre suas sugestões, implementar a
Convenção Sobre Eliminação da Discriminação Racial no Ensino; conceder bolsas
remuneradas para adolescentes negros de baixa renda, para o acesso e conclusão
do primeiro e segundo graus; desenvolver ações afirmativas para o acesso dos negros
aos cursos profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta
(MOEHLECKE, 2002).
A participação do movimento na III Conferência Mundial de Combate ao
Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em 2001 foi o
marco no qual as ações afirmativas na educação superior foram promovidas no Brasil.

2.3 Ações Afirmativas no Marco do Ensino Superior

A abertura das entidades universitárias para os alunos negros, mediante Ações


Afirmativas, constituída posteriormente em lei com força de Política Pública na área
da Educação Superior estremeceu as estruturas sociais do país, na quebra dos
espaços que tradicionalmente acolhem os setores da população que assumem os
rumos sócio-políticos e econômicos do país. Um lugar preservado
predominantemente para os que possuem condições socioeconômicas favoráveis,
32

provindos em sua maioria de escolas privadas. O ingresso de alunos pertencentes a


estratos com menos condições socioeconômicas e, principalmente, da população
negra, irrompe a cultura e tradição das instituições de Ensino Superior, originando
contraposições em torno dos princípios que fundamentam a universidade.
Trata-se de medidas redistributivas que visam alocar bens para grupos
discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica e/ou cultural passada ou
presente (FERES JUNIOR; ZONINSEIN, 2006). Essas brechas que se abrem e dão
espaço para alternativas de justiça e reparação histórica não estão livres da dinâmica
social na qual se criaram. São propostas constituídas em contraposição às
instituições tradicionais que se acionam na preservação de privilégios, na prevalência
da racionalidade instrumental, competitiva, hierárquica, mercadológica, da
meritocracia, e do oportunismo, imbuídos na luta pelos recursos e as oportunidades.
Transmutam-se nesse processo as demandas que visam ações afirmativas em
projetos e disposições que giram em torno da imposição do poder, na autopromoção
ou ganhos mais restritos, distantes da proposta de superação da exclusão de um setor
populacional historicamente discriminado, o povo negro.
Assim as Ações Afirmativas efetivadas como cotas raciais para alunos negros
nas universidades brasileiras abriram uma gama de árduos debates e muita agitação.
O leque das discussões levantadas pelos debates referem-se a uma série de aspectos
que confluem e que evidenciam sua complexidade: “da identidade étnico-racial ao
projeto de nação, de relações raciais à questão da justiça social, da política
educacional às políticas sociais e além” (FERES JUNIOR, 2004).
Essas discussões podem ser consideradas em algumas de suas manifestações
como fios de um racismo que tem suas raízes na racionalidade do colonialismo, que
vai dar passo à era moderna, iniciada com as grandes descobertas que introduzem
uma relação entre a Europa ocidental e América, articulada às migrações e à
expansão do capitalismo, industrialização e urbanização (WIEVIORKA, 2007). Assim,
aponta este autor, o racismo não pode ser compreendido só como um fenômeno
puramente ideológico, político ou doutrinário, mas deve ser compreendido como um
componente de condutas entre grupos humanos que assumem formas de
preconceito, discriminação e segregação. Um fenômeno que se insere no mundo
moderno já não como um fenômeno que se constitui entre grupos humanos
distanciados mas como um racismo que aparece em “grupos humanos destinados a
viver em uma mesma unidade econômica, política ou social, em particular em um
33

mesmo conjunto jurídico-político - aquele que constitui notadamente um Estado”


(WIVIORKA, 2007, p.42), o que torna um imenso desafio sua identificação e
superação, dado que ele reveste-se nas próprias leis e na justiça se impondo na
reversão de seus processos.
Nesse contexto de realidade impõem-se as Ações Afirmativas que, na proposta
de Rosemberg (2006), seriam...

...medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa


privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar
desigualdades historicamente acumuladas [...] [de garantir] a igualdade de
oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela
discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos de
gênero e outros (Ministério da Justiça, 1996, GTI População Negra apud
ROSEMBERG, 2006, p.4).

Ações Afirmativas não são novidade, elas já existiam na Índia e, também foram
muito importantes no processo de superação da segregação racial nos Estados
Unidos. Experiências semelhantes ocorreram em vários outros países da Europa
Ocidental, Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do Sul, Argentina, Cuba dentre
outros (MOEHLECKE, 2002).
Postula-se que as Políticas Afirmativas, via cotas, estariam estabelecendo
categorias raciais, implicando em novas formas de segregação racial, ainda
comprometendo a qualidade do ensino das Universidades Públicas.
Maggie e Fry (2002) afirmam que as cotas rompem com a ideologia que define
o país como sendo de misturas, o que poderia provocar uma bipolarização, ao
classificar as pessoas como brancas e negras, ou seja, entre as que têm direito às
cotas e as que não têm. Durham (2003) reconhece o lastro histórico do racismo, o
preconceito, a segregação racial e suas consequências nos processos de exclusão e
discriminação dos bens da sociedade na marca racial de alguns setores. No entanto,
postula que não se pode sacrificar um princípio universal para resolver um problema
específico. Para esta autora, as Políticas Afirmativas pela via das cotas estaria
estabelecendo categorias raciais, implicando em novas formas de segregação racial,
ainda comprometendo a qualidade do ensino das Universidades Públicas. As
considerações de Durham apontam à necessidade de fortalecer o ensino médio e
fundamental, possibilitando assim à população negra poder competir de acordo com
seus méritos no vestibular, realizado para todos por igual, preservando um processo
isento de todo tipo de tendências, segregações e discriminações.
34

Argumenta-se também que a desigualdade não se deve à raça, mas sim a uma
desigualdade socioeconômica, mediada pela questão do mérito, ou seja, cada um tem
aquilo que ganha com seu esforço (FERES JUNIOR, 2004). Tendo em vista o
princípio universal da igualdade para todos, considera-se que não se pode sacrificar
um princípio universal para resolver um problema específico. Recorre-se ao princípio
da igualdade para questionar a discriminação positiva, considera-se que a
implementação das cotas raciais fere a possibilidade de que todos concorram
igualitariamente às vagas oferecidas.
Feres Junior (2005), postula: “A igualdade não deve ser apenas um direito
formal, uma teoria, mas sim uma igualdade de fato; um resultado e não um mero
procedimento”. Este autor refere-se a uma noção de igualdade que se situa além da
igualdade formal. Considera-se à igualdade substantiva (material) como o conceito
que supera o formal, fundamentado na universalidade. Quando a universalidade do
princípio de igualdade não dá suporte para uma realidade, é necessário introduzir
mecanismos que auxiliem na restauração das igualdades, o que veria a se consolidar
como políticas afirmativas.
As Ações Afirmativas vão se impondo no contexto de um leque de discussões,
levantadas pelos debates em torno das cotas raciais, referidos a uma série de
aspectos que confluem e evidenciam a complexidade de alguns argumentos. Assim,
a adoção de Ações Afirmativas nas universidades brasileiras promove uma série de
argumentações que, vindo do setor acadêmico das universidades, tornam-se
importantes, posto que trata-se de “discursos” que evidenciam representações
sociais, ideologias, atitudes, crenças, preconceitos e outros que mediatizam as
relações nos âmbitos universitários, nos processos de inserção das políticas públicas,
nos relacionamentos de ensino-aprendizagem e em geral nas diversas tramas que se
constituem no mundo social do estudante universitário.
35

Analistas Defensores das políticas afirmativas que se


e formadores/as de opinião que se opõem contrapõem a esses argumentos sugerindo:
à adoção de
políticas afirmativas de raça
a) ferem o princípio da isonomia, de a) raça, como definido em nosso glossário, é um
tratamento igual para todos, uma vez que as critério real de discriminação na sociedade
ações afirmativas implicam o reconhecimento brasileira;
de diferenças e políticas
focadas em raça, ferem o ideal de um só
povo;
b) essas políticas levariam ao confronto racial; b) a construção social do conceito de raça e os
significados atribuídos a ela são responsáveis pela
forma com que as pessoas são percebidas e
classificadas na sociedade;
c) em virtude do alto grau de miscigenação c) embora haja riscos reais para comportamentos
prevalente no país, defende-se que não há oportunistas, estes seriam minimizados se as
uma demarcação nítida entre os grupos identidades raciais fossem ratificadas pelo Estado;
brancos/as e negros/as, não sendo possível
definir os/as beneficiários/as;
d) essas políticas levariam a comportamentos d) medidas universalistas não previnem
oportunistas; discriminação;
e) o problema do Brasil é a pobreza; para e) políticas de ação afirmativa poderiam ajudar a
alguns, não há consenso sobre o quanto a formar consenso em relação à raça como um
diferenciação racial interfere nesse processo; atributo da hierarquia social;
para outros, políticas universalistas
endereçadas à pobreza dariam conta de
compensar os efeitos da discriminação racial;
f) essas políticas, além de serem f) não há impedimento constitucional para ações
inconstitucionais, abririam precedentes para a afirmativas sancionadas pelo Estado
formalização de uma hierarquia racial; (GUIMARÃES, 1996: 24);

g) políticas afirmativas representam uma g) após seis anos de adoção dessas políticas por
violação da propriedade privada. parte do Estado, alguns bons resultados,
sobretudo na área da educação, desmantelam na
base os argumentos contrários (BENEDITO, 2007).

Gráfico 3 Contraposições argumentos sobre as Ações Afirmativas na Educação Superior


Fonte: HEILBORN, Maria Luiza; ARAÚJO, Leila; BARRETO, Andréia. (orgs.). Gestão de Políticas
Públicas em Gênero e Raça | GPP-GeR Módulo 1 | Políticas públicas e promoção da igualdade. Rio
de Janeiro : CEPESC; Brasília : Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010.

Apesar de tantas contraposições, as Ações Afirmativas se efetivaram e,


inclusive, por iniciativa das próprias instituições universitárias, 38 das 59
universidades federais tinham alguma forma de ação afirmativa antes da Lei.
Seguindo o rasto das Ações Afirmativas no Brasil, recorremos ao texto de
Guimarães (2009), que traz dados da Folha de São Paulo de 1995, mostrando que
no Brasil um setor, especialmente popular, concordava com as cotas. O autor postula
que a demanda de vagas dos setores mais populares era bastante ampla, inclusive
na adoção de vagas para negros, isso, diante de um período de 30 anos de
estancamento das universidades. Guimarães (2009), aposta que foram essas
36

opiniões favoráveis de setores mais populares que incentivaram políticos populistas a


adotar ações afirmativas em seus estados, Rio de Janeiro em 2001 e Bahia em 2002.
No entanto, em contraposição a essa alternativa, estudos de Neves e Lima (2007),
realizados entre pré-vestibulandos e alunos de uma universidade pública apontam que
87% dos pré-vestibulandos que vinham de escolas privadas eram contrários às cotas,
e entre os alunos da universidade pública a rejeição a cotas para alunos negros
chegou a quase 80%, mesmo sendo menos ameaçador para eles, posto que já
ingressaram na universidade, o que dá indícios da complexidade do processo.
Uma outra vertente da promoção das Ações Afirmativas nas universidades é
destacada por Guimarães (2009), e refere-se à iniciativa de alguns reitores de apoiar
e promover em suas universidades Ações Afirmativas, na hipótese de terem
articulação com movimentos sindicais ou movimentos associativos. Também o autor
refere-se a outra possibilidade que recai no cálculo de alguns reitores de promocionar
suas universidades e com essa abertura reconstruir sua legitimidade (GUIMARÃRES,
2009), o que poderia se traduzir em adesão ao governo, prestígio, promoções, apoios
e financiamentos para suas universidades.
Um outro incentivo para a implementação das Ações Afirmativas nas
universidades públicas foi o Programa Nacional de Apoio ao Plano de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que incluiu mecanismos para o
estabelecimento de políticas de Ação Afirmativa (FERES JUNIOR, 2012), fazendo
com que no ano de 2008 várias universidades aderissem a planos de Ações
Afirmativas.
O fato é que inicialmente Ações Afirmativas foram adotadas pela iniciativa de
algumas universidades e nem sempre isso aconteceu em sintonia com os princípios
que legitimam e justificam as Ações Afirmativas, ou seja, com base na consciência de
uma história demarcada pela discriminação racial, na consideração de uma reparação
histórica, justiça social e/ou empoderamento de diversos setores pela diversidade.
Feres Junior (2009) alerta a não desconsiderar os argumentos dos setores
doutos, relacionados com as ações afirmativas e a opção da universidade pública
gratuita. Porém, alerta a uma outra dimensão da problemática relacionada com a
universidade pública. Para este autor trata-se de...
37

... um dos recursos mais preciosos para a manutenção de seu status social.
Não devemos, portanto, ser ingênuos e apostar no futuro de uma política que
tem o potencial de democratizar a universidade brasileira. Esse é um solo
muito movediço para sustentar uma iniciativa que redistribui de fato esse
recurso tão precioso (FERES JUNIOR, 2009, p.49).

Embora essas argumentações tenham mantido um acirrado debate, elas foram


se dissipando e perdendo força, e mais ainda depois da decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), que por unanimidade validou a adoção de política de reserva de vagas
para garantir o acesso de negros e índios a instituições de ensino superior em todo o
país. Em decorrência de tal decisão, as Ações Afirmativas foram consolidadas com a
promulgação da Lei nº 12.711.
Feres Junior (2005) fundamenta a necessidade de Ações Afirmativas no Brasil
na existência de um racismo e discriminação racial que incide nas condições
socioeconômicas e simbólicas da população negra, questões não resolvidas pelas
políticas públicas de natureza exclusivamente universais, e também não consideradas
pela legislação existente. O autor postula três pilares que justificam a implementação
de ações afirmativas: reparação, justiça social e diversidade, considerando como mais
importante a justiça social, seguida pela reparação, e por último a diversidade.
No caso do Brasil, Carvalho (2011) destaca uma história de 300 anos de
escravidão e um processo de exploração, preconceito e discriminação mascarado por
uma democracia racial que colocou a população negra nos lugares mais baixos de
qualquer pesquisa de dados sociodemográficos, revelando uma persistente
desigualdade promovida por uma reiterada cultura de discriminação que exige da
sociedade brasileira a necessidade de políticas de reparação. No âmbito da justiça, o
direito que a constituição assegura, em relação a dar tratamento igual para todos os
cidadãos em relação aos serviços públicos oferecidos pelo Estado, inclusive o direito
ao ensino gratuito, historicamente não tem sido garantido mediante medidas
universais. Também se justifica as ações afirmativas pela diversidade nos centros do
conhecimento, na inclusão de negros e índios que possibilitem a construção de
saberes a partir das necessidades de seus próprias vidas, quebrando o eurocentrismo
e abrindo outras epistemologias, decorrentes das realidades específicas de diferentes
setores, constituindo-se como desafios de conhecimento para as universidades
brasileiras.
De acordo com Feres Junior (2005), “A igualdade não deve ser apenas um
direito formal, uma teoria, mas sim uma igualdade de fato; um resultado e não um
38

mero procedimento”. Zoninsein e Feres Júnior (2008) defendem uma noção de


igualdade que se situa além da igualdade formal. Eles se referem à igualdade
substantiva (material) como o conceito que supera o formal fundamentado na
universalidade. Quando à universalidade do princípio de igualdade falha é necessário
introduzir mecanismos que auxiliem na restauração das igualdades, o que se pode
realizar pela via de políticas afirmativas. Estes autores aduzem que o princípio da
igualdade e o princípio do mérito funcionam como mecanismos de transformação e
regulação das instituições, constituições e legislações positivadas. Para estes autores
o princípio da igualdade historicamente regula o princípio do mérito, na medida em
que, no intuito de alcançar seu objetivo, uma sociedade mais justa, se transforma e
desloca além da formalidade. A extensão do princípio da igualdade sobre o princípio
do mérito fundamenta-se na procura e reconhecimento de um mínimo de condições
materiais e morais que garantem possibilidades mais igualitárias de alcançar um bem
(FERES JR.; ZONINSEI, 2008).
As políticas afirmativas procuram dar espaço para a “igualdade de
oportunidades”, que focaliza o ponto de partida de um processo. Nesse sentido as
políticas afirmativas não atropelam o princípio do mérito, uma vez que se
fundamentam em dar igualdade de oportunidades a um setor desfavorecido
historicamente, mas que não se exime de privilegiar, entre seus membros, aqueles
que tenham mais condições. Ainda, o processo de inclusão no ensino superior
também se realiza na racionalidade do mérito, uma vez que o êxito depende em certa
medida do compromisso, esforço e a capacidade de cada um dos alunos cotistas
raciais. Reforça-se então que a extensão do princípio da igualdade sobre o princípio
do mérito fundamenta-se na procura e reconhecimento de um mínimo de condições
materiais e morais que garantem possibilidades mais igualitárias de alcançar um bem
(FERES JR.; ZONINSEIN, 2008).
39

2.4 Ações Afirmativas: Permanência e Desempenho

O ingresso de alunos cotistas negros nas universidades federais traz o desafio


de viabilizar, além do acesso, a permanência e o bom desempenho. Importante nesse
sentido são as medidas complementares que acompanhem a política de Ações
Afirmativas para sua consolidação e sucesso.
Em dezembro de 2007 institui-se por meio da Portaria Normativa nº 39 do
Ministério de Educação o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), o qual
foi transformado em decreto (nº 7.234) em 19 de julho de 1910. O Plano Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES) foi idealizado para apoiar a permanência de
estudantes de baixa renda, alunos dos cursos de graduação presencial das
instituições federais de Ensino Superior. Tem como objetivo oportunizar a igualdade
entre os estudantes e contribuir com o desempenho acadêmico com medidas para
evitar a evasão e a reprovação. O decreto, em seu artigo 1, estipula que o Plano tem
como finalidade ampliar as condições de permanência dos jovens na educação
superior pública federal.
São objetivos do PNAES:

I – democratizar as condições de permanência dos jovens na educação


superior pública federal;
II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na
permanência e conclusão da educação superior;
III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e
IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação.

Entre outras coisas, o decreto estipula que caberá à instituição federal de


ensino superior definir os critérios e a metodologia de seleção dos alunos de
graduação a serem beneficiados. Ainda, o documento frisa que a assistência
estudantil deverá considerar a necessidade de viabilizar a igualdade de
oportunidades, contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico e agir
preventivamente, nas situações de retenção e evasão decorrentes da insuficiência de
condições financeiras.
Num momento posterior, como ação concreta estipula-se a Medida Provisória
586/12 aprovada em 2013 na Câmara do Deputados autorizando ao Ministério de
Educação (MEC) a conceder bolsa permanência, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos
40

reais) aos alunos ingressantes por meio de cotas, que terão direito ao benefício alunos
de baixa renda (até 1½ salário per capita) matriculados em cursos com jornada diária
de 5 horas ou mais. O governo também decretou a criação do Comitê de
Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas instituições Federais de
Educação Superior e de ensino Técnico de Nível Médio com o objetivo de acompanhar
e avaliar o cumprimento do disposto na lei e decretos sobre ações afirmativas. O
comitê seria formado por dois representantes do Ministério da Educação, dois
representantes da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República em um representante da Fundação Nacional do índio.
Estes programas, implementados pelo governo, centram-se nas condições
socioeconômicas dos alunos de forma geral, sem considerar especificidade para com
os alunos de corte racial. Essa posição foi-se fortalecendo nos diferentes espaços das
universidades cujos gestores demonstram mais sensibilidade à questão da pobreza
que à questão racial (PAIVA; ALMEIDA, 2010). Em pesquisa realizada por estas
autoras foi constatada a dificuldade de tratar a questão racial, sendo que
majoritariamente considera-se as Ações Afirmativas para a população negra
condicionadas à questão social, o que se afirma no requisito da escola pública para a
postulação à vaga por cotas. Justifica-se essa condição na argumentação de que
pretos e pardos, ao se concentrar nas classes sociais mais baixas, igualmente
estariam incluídos.
Dyane Brito Reis Santos (2011), autora que pesquisa permanência de
estudantes negros no Ensino Superior, nos situa conceitualmente ao definir
permanência como o ato de durar no tempo que deve possibilitar não somente a
constância do indivíduo, como também a possibilidade de transformação e existência.
Com subsídios do âmbito filosófico considera, a partir de Kant e Lewis (apud SANTOS,
2011), concepções do que é a permanência, conceito vinculado em sua origem ao
sentido da essência do ser. Santos destaca a permanência como um constante fazer
e por isso o define como algo em constante transformação.
A partir de Kant a autora assume o sentido da permanência como expressão
do tempo, sendo correlativo constante de toda existência de fenômenos. Assim,
considera-se que as mudanças que ocorrem não se referem ao tempo em si, mas aos
fenômenos que mudam no percorrer do tempo. A mudança seria então um modo de
existir que resulta num outro modo de existir.
41

Permanência, nessa compreensão, traz o sentido da duração e da


transformação. É possível a transformação pela permanência, que é o tempo como
pano de fundo dos acontecimentos de um processo em constante transformação. A
autora também recorre às reflexões de Lewis (SANTOS, 2011), que postula a
permanência como algo persistente, e existente ao longo do tempo, assumindo partes
temporais diferentes, ou estágios em tempos diferentes, sendo que a permanência
perdura embora estes estágios já não estejam presentes em sua totalidade. Em outras
palavras, trata-se da presença no tempo, além da transformação.
Assim sendo, permanência, nas reflexões de Santos é...

...o ato de durar no tempo que deve possibilitar não só a constância do


indivíduo, como também a possibilidade de transformação e existência. A
permanência deve ter o caráter de existir em constante fazer e, portanto, ser
sempre transformação. Permanecer é estar e ser continum no fluxo do tempo
(trans)formando pelo diálogo e pelas trocas necessárias e construidoras
(SANTOS, 2011, p.5).

Fala a autora da permanência material e da permanência simbólica. A material


é definida por todos os subsídios referentes às condições objetivas de existência:
comer, vestir, comprar livros, xerox, lugar de residência, deslocamentos, etc.). A
simbólica refere-se às formas como é possível vivenciar a universidade, tornando-se
parte. É a possibilidade de se identificar com o grupo e ser reconhecido por este, e de
pertencer e ser parte. Porém, neste estudo esses processos serão considerados
imbricados, como uma unidade, na articulação das condições subjetivas e objetivas
produzindo uma qualidade que caracteriza o propriamente humano. Para o autor isso
não significa que o psíquico possa ser totalmente identificado com o físico, mas sim
que o físico, em sua materialidade histórica, marca o simbólico. Pode-se falar a título
de exemplo das marcas na psique do ser humano, produzidas pelo sofrimento
provocado pela fome e o desabrigo em suas repercussões no social, no
relacionamento com as pessoas.
Estudos evidenciam que a implementação das cotas somente não é suficiente
para o processo de permanência dos alunos negros na universidade.
Carvalho (2006) refere-se a diversos fatores que devem ser considerados nos
alunos negros:
A aventura intelectual plena prometida pelo ambiente acadêmico demanda
uma crença em si próprio, uma segurança para aventurar-se num terreno
permeado de dúvidas, opacidades e possibilidades de fracasso. O saber
acadêmico exerce um profundo efeito inibitório na maioria das pessoas em
geral. O que dizer então do seu efeito nos negros, já marcados por uma
42

trajetória prévia de rejeição e de sentimentos de inadequação social e


estranhamento territorial em espaços de classe média ou elitizados
(CARVALHO, 2006).

Além disso, este autor destaca que sofre-se uma falta, uma carência pela falta
de um capital simbólico específico que pode ser a senha de entrada para alguns
espaços, independente do desempenho curricular, abre portas para setores de
privilégio e poder. A falta de subsídios outorgados na apropriação cultural de filmes,
livros, história, viagens, lugares demarcadores de classe. Ainda, outros signos são
importantes, segundo o autor: o principal deles, a própria aparência, que de acordo
com a nossa perspectiva, deriva em estigmas, discriminação e preconceitos que
conturbam e fragilizam o aluno negro cotista racial.
Poucas são as universidades que implementaram políticas de permanência
complementares (SOUSA; PORTES, 2011). Estes autores fazem um estudo que pode
nos ajudar a elaborar uma visão panorâmica de como se distribuíam as diversas
modalidades de ações afirmativas antes da Lei que regulamentou a disposição das
Ações Afirmativas para todas as universidades federais, definindo destas as que
adotaram políticas de permanência. Sendo 59 instituições federais, 38 universidades
federais tinham adotado ações afirmativas.
43

O seguinte quadro, elaborado por Sousa e Portes (2011) mostra as diversas


modalidades dos programas adotados:

Adoção de Adotaram Não adotaram


Políticas/Ações Afirmativas 64% 36%
38 21

Entre as Universidades que utilizam Reserva de Forma de Processos seletivos


políticas afirmativas: forma de ingresso vagas bônus específicos para
(38) indígenas
73% 24% 3%
28 9 1

Entre as Universidades que optaram pela forma de reserva Reserva Reserva Reserva
de vagas (28) sociorracial social Racial
57% 32% 11%
16 9 3

Universidades que adotam políticas/ações afirmativas na forma de Bônus Bônus


bônus (9) social racial
78% 22%
7 2

Total das universidades federais que não citam na documentação analisada a Não Sim
questão da permanência/assistência. 74% 26%
28 10

Gráfico 4 Dados sobre a inserção das universidades federais em Ações Afirmativas anterior à
Lei 12.711.

Do conjunto das 38 universidades federais que tinham programas de Ações


Afirmativas, antes da Lei nº 12.711, 10 apresentaram alguma preocupação de forma
explícita por questões de permanência. No entanto, Sousa e Portes (2011) destacam
que, das dez universidades, só 4 mostraram programas de permanência
consolidados.
A Universidade de Brasília (UnB), que apresentou, junto com seu plano de
Metas e Integração Social, Étnica e Racial, três propostas: o acesso de negros e
indígenas, a permanência dos estudantes que ingressam e o programa de apoio ao
ensino público do Distrito Federal. Esta universidade foi a primeira instituição Federal
em aderir às cotas, tornando-se uma referência na implantação das leis de políticas
de ações afirmativas.
44

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que tem um curso pré-


vestibular gratuito onde prioriza alunos da escola pública, e dá ao aluno cotista da
universidade apoio acadêmico e econômico, implementando bolsas acadêmicas e
articulando convênios com órgãos públicos e privados, orientados a promover a
permanência.
A Universidade Federal de Goiás (UFG), que promove ações de assistência
antes do ingresso, campanha de divulgação ampla na mídia dos programas de
inclusão e programa de assistência aos alunos. E a Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), que mantém uma política global de inclusão que considera diferentes
pontos da trajetória do aluno, desde o momento anterior ao ingresso até a
permanência na universidade.
Menciona-se também a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que
mesmo não apresentando uma discussão de processos de permanência nos
documentos analisados, mantém um programa de assistência e permanência
consolidado que atende às camadas populares, em geral subsidiando com moradia,
auxilio transporte, restaurante universitário, acompanhamento médico, odontológico,
psicológico e pedagógico, compra de livros com descontos, bolsa manutenção entre
outros serviços (SOUSA; PORTES, 2011).
Fazendo uma busca de artigos que se refiram a processos de desempenho e
permanência de alunos cotistas raciais, encontramos alguns estudos de Ferreira
(2007), e Brandão e Matta (2007), que relatam políticas de acompanhamento e apoio,
como programação de incentivos culturais, distribuição de bolsas, aulas
complementares em algumas disciplinas, como matemáticas e idiomas. Também,
com base na análise de dados estatísticos, ditas pesquisas revelam que as diferenças
de desempenho entre os alunos cotistas negros e não cotistas são irrelevantes,
contrapondo-se à previsão de que estudantes cotistas iriam “comprometer a
excelência dos centros de Estudo”. E, ainda, revela-se que os setores das cotas
raciais são a população dos estudantes com menos evasão.
Esses estudos mostram-se importantes para a consolidação das Políticas de
Ação Afirmativa e avançam na contribuição de dados bastante favoráveis à
implementação das cotas raciais que se expandiu nas universidades. Porém, eles não
focalizam as relações raciais no processo no qual estão inseridas. Ou seja, a
dimensão política da condição racial que se traduz em relações de poder, na
45

imposição de condições que evidenciam preconceito e/ou discriminação racial, muitas


vezes não são variáveis suficientemente exploradas e outras vezes são omitidas.
Em estudos mais recentes de Santos (2013), mostra-se uma avaliação do
Impacto das cotas nas universidades brasileiras entre os anos 2004-2012. O autor
afirma que poucas instituições divulgaram os dados relativos a permanência e
desempenho dos estudantes cotistas, aduzindo que as razões são várias: receio de
ter que divulgar dados que apoiassem a oposição às ações afirmativas no sentido dos
alunos cotistas raciais não conseguirem acompanhar, terem muitas reprovações e
evasão, prevenção em relação a dados que poderiam serem utilizados de forma não
apropriada para a universidade.
Também, Santos (2013), argumenta que essa situação pode estar acontecendo
pela falta de tradição em pesquisas relacionadas a relações raciais, especialmente
em processos educativos e também à burocratização dos órgãos administrativos que
transformam o processo de acompanhamento dos dados numa tarefa excessivamente
burocrática. O autor postula...

Processos de solicitação levando meses para serem respondidos,


engavetados ou mesmo negados. Assim, a continuidade ou o início de
pesquisas, na maioria das instituições, teve um contínuo de empecilhos na
circulação de informações para a produção de dados. A demarcação do
controle dos dados passou a ser reverberado ou silenciado pelos setores e
órgãos responsáveis pela produção e veiculação das informações. E é
provável que se tratasse do exercício de poder tão comum nas instituições
burocráticas estatais (SANTOS, 2013).

Os estudos que compõem o livro organizado por Santos (2013) referem-se a


dados relacionados com as vagas ofertadas e matriculadas para cotistas e não
cotistas, origem escolar, desempenho, evasão, reprovação, renda familiar,
escolaridade do pai e da mãe, faixa etária, gênero, destacando dados relativos à
classificação racial e/ou étnica, dando ênfase nos dados de desempenho.
Cordeiro (2013) apresenta dados da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul. Esta universidade oferecia, antes da Lei nº 12.711, 20% de suas vagas para
negros e 10% para indígenas, realizou seu primeiro vestibular com cotas em
dezembro de 2003 para ingresso em 2004. Para análise foram utilizados dados do
período de 2003 a 2012. Apresentaram-se dados gerais de ingresso e conclusão dos
negros e indígenas cotistas em todos os cursos, também dos não cotistas. Para
análise de ingresso, permanência e conclusão se utilizaram dados de alguns cursos.
46

A partir de 2003 as vagas oferecidas foram divididas em três sistemas: vagas


gerais, negros e indígenas. O total das vagas gerais inclui os acadêmicos
remanescentes que não foi possível identificar. Foram contabilizados os alunos
matriculados entre 2004 a 2008, considerando os concluintes no período de 2007 a
2011.
O estudo também considerou dados específicos de seis cursos. Interessante
foi um estudo realizado sobre índice de evasão, que indicam uma permanência média
dos negros de aproximadamente 63,6% durante o período de 2004 a 2011.
O artigo de Santos e Queiroz (2013), mostra dados sobre o desempenho médio
dos estudantes cotistas e não cotistas em cursos de maior concorrência e prestígio
moral. Não se especifica as cotas raciais. No entanto, nesta universidade, a maioria
dos alunos são pardos (mais de 60%). Nos resultados não se observa uma grande
distância entre as médias dos cotistas e não cotistas. Outro dado a observar é que a
média do primeiro cotista classificado não era inferior à do último classificado não
cotista. Alguns cursos mostraram médias muito próximas, como o curso de
Engenharia Civil. Cabe destacar que no curso de Direito a média de classificação
cotista era mais elevada que a dos não cotistas.
Na universidade Estadual de Londrina, Silva e Pacheco (2013), fazem um
estudo que, entre outros dados, mostra, a média de desempenho em cursos de
distintos níveis de concorrência, alta, média e baixa. Os três cursos de alta
concorrência foram: Medicina, Engenharia Civil e Direito Noturno com dados de
alunos ingressados no ano 2005, 2008 e 2011.
Nos resultados obtidos houve uma maior homogeneização no curso de
Medicina, com pouca variabilidade entre as médias. Na Engenharia Civil mostrou-se
maior variabilidade. A média dos alunos negros no ano 2005 é significativamente
inferior à dos não cotistas, no entanto essa diferença desaparece gradualmente,
mostrando igual média no ano de 2011. No curso de Direito Noturno existem
oscilações, mas são mútuas, mostrando-se as médias de 2011 muito próximas.
Os cursos de média concorrência analisados foram: Administração Noturno,
Ciência da Computação e Fisioterapia. No caso destes, os resultados mostram grande
homogeneidade nos cursos de Administração Noturna e Fisioterapia, com variações
que não se mostram significativas. No curso de Ciências da Computação houve
grande variabilidade, destacando-se os alunos cotistas de escola pública que
47

apresentaram médias bem superiores. Neste curso também ocorreram as menores


médias para alunos negros.
Os cursos de baixa concorrência analisados foram Arquivologia, Ciências do
Esporte e Letras Noturno. Nos três cursos houve bastante homogeneidade. No
entanto, houve falta de alunos negros em várias turmas, o que prejudicou bastante a
comparação.
Outros dados analisados mostram os estudantes cotistas negros como os de
menor evasão, mas também mostram maiores porcentuais de retenção. Ainda eles
mostram-se mais persistentes na trajetória acadêmica.
Estudos realizados na Universidade Federal de Juiz de Fora, por Beraldo e
Magrone (2003), avaliaram alunos do período 2006-2011. Foram aplicados diversos
testes estatísticos de comparação do Índice de Rendimento Acadêmico (IRA) dos
alunos não cotistas, alunos de escolas públicas e alunos cotistas negros. Os
resultados indicam que as médias estão muito próximas, mas os cotistas negros têm,
estatisticamente, IRA inferior aos grupos cotistas de escola pública e não cotistas.
O grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(MONSMA; SOUZA; SILVA, 2013), informa que ainda não teve acesso aos dados
sobre desempenho acadêmico. No entanto, fez uma análise com base na taxa de
progresso dos alunos no curso relativa à taxa de integralização dos créditos esperada
de alunos que terminam o curso dentro do prazo oficial. Na comparação, o índice de
aproveitamento dos cotistas sociais, os egressados de escola pública, é muito próximo
dos que estão nos últimos extratos dos aprovados pela seleção universal, mas os
cotistas negros mostram índices notavelmente menores. A percentagem de alunos
com menos de 50% de créditos aprovados nos alunos da seleção universal e alunos
de escola pública ficou muito próximo, perto dos 30%. Já nos alunos negros essa
percentagem ficou em mais de 50%. Esse índice chega a mais de 80% para os alunos
cotistas negros nos cursos considerados difíceis.
No entanto, os autores alertam que são diversos os fatores que repercutem no
aproveitamento do curso. Cursos com alta taxa de evasão são também cursos que
não oferecem boas oportunidades de trabalho. Cursos de fácil acesso, mas muito
difíceis, pois exigem muita habilidade matemática e teórica.
Também a universidade tem um sistema que acaba sendo segregacionista.
Como consequência das regras da matrícula, a prioridade das matrículas se dá pela
ordem na classificação no vestibular. O que acaba empurrando os alunos cotistas para
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o segundo semestre. Depois do ingresso se utilizam outros mecanismos que


relacionam desempenho no vestibular e progresso do aluno no curso, implicando que
os alunos mais frágeis tenham menos oportunidades na disponibilidade de turmas e
horários.
Em artigo de Silveira, Silveira e Messias (2013), que fala das condições da
Universidade Federal de Santa Maria, postula-se que ainda existem muitos problemas
de ordem política e institucional para a efetivação da política. No estudo apresentam-
se dados de evasão em alguns cursos, os que indicam que os alunos cotistas negros
teriam um maior índice de evasão (11%) que, somados aos que não concluem o curso,
chegam a 34%. Comparando o índice de evasão dos alunos cotistas negros em
medicina com os cursos de outras IFES, a evasão é alta, o que estaria indicando a
necessidade de políticas de permanência.
Um estudo realizado por Tragtenberg, Boing, Boing e Tassinari (2013) das
Ações Afirmativas na Universidade Federal de Santa Catarina considerou para análise
do aproveitamento dos alunos a soma das disciplinas cursadas e reprovadas pelos
alunos da UFSC dos semestres de 2008/1 a 2012/2. Observou-se que a reprovação
em disciplinas cursadas pelos alunos cotistas negros foi maior. Já o índice dos alunos
de escola pública e classificação geral foram similares. No entanto, na análise
realizada sobre evasão foi indicada uma maior evasão entre os alunos de
classificação geral. Os alunos cotistas negros e de escola pública tiveram o mesmo
índice. Considerou-se evadidos aqueles que não fizeram matricula no semestre
seguinte e os que apresentaram documentos desistindo oficialmente da vaga. No
entanto, verificou-se que uma porcentagem considerável dos evadidos voltava à
universidade (em negros, uns 14,5%).
Neves (2013) traz dados da Universidade de Sergipe em relação a disciplinas
reprovadas por falta em 2011. Os resultados indicaram que não existe grande
diferença em relação à média das médias do conjunto do alunado, inclusive
considerando os não cotistas. Considera-se nesta avaliação que as discrepâncias não
são como se esperava, já que não chegam a ser relevantes. Foram muito inferiores,
sendo superadas pelos ganhos em termos de igualdade e de diversidade.
Resumindo deste compêndio que mostra a situação de várias universidades
depois de um período de implementação das Ações Afirmativas, pode-se concluir que
as diferenças de forma geral são mínimas. No entanto é necessário considerar que
diversos fatores incidem nestes índices e que torna-se um desafio de pesquisa
49

apontar quais os elementos que consolidam o sucesso da política de Ações


Afirmativas.
Buscando mais dados referentes à permanência, realizou-se uma busca nas
Revistas Qualis da Educação 2003-2014. O dado mais relevante foi a escassíssima
produção encontrada. Um só texto tinha a palavra permanência em suas palavras-
chave, três no resumo e uma só no título. Dessa revisão destacou-se o texto de Sousa
e Portes (2011), que foi de grande utilidade para a contextualização de nosso estudo.
Em outras fontes de dados foram encontradas algumas poucas pesquisas
referentes a estudos focados em processos de permanência e desempenho, como a
pesquisa realizada na Universidade do Estado do Rio de janeiro por Bezerra e Gurgel
(2011), que considera a política pública de ação afirmativa orientada à inclusão social,
fundamentando esse conceito em dois aspectos: o desempenho acadêmico e o
acolhimento dos colegas. Os resultados indicam que o desempenho dos cotistas nos
cursos estudados é semelhante ao dos alunos que entraram pelo sistema universal.
A análise do desempenho foi realizada com base no desempenho no vestibular e para
os resultados do rendimento acadêmico foi realizada uma média dos cursos
escolhidos em 2005 e 2006. Em relação aos dados do vestibular os candidatos
cotistas apresentaram médias bem menores que os não cotistas, no entanto não se
apresentou a mesma diferença em relação ao rendimento acadêmico, dado que os
alunos cotistas raciais foram subindo paulatinamente, se aproximando da média dos
não cotistas.
Na questão da aceitação por parte dos colegas foi realizada a aplicação de um
teste sociométrico que demonstrou que a escolha dos mais votados independe dos
alunos serem cotistas ou não, sendo que o prevalente é a afinidade intelectual com
aquele que o considerou com seu voto. Nos cursos de Administração, Engenharia
Química, Odontologia e Pedagogia, os cotistas alcançaram maior votação, e nos
cursos de Direito e Medicina os alunos mais votados foram os não cotistas. Os
pesquisadores concluem que existe uma poderosa força de acolhimento. Para eles
este acolhimento se manifesta em certos valores como bom desempenho acadêmico
e bom comportamento social, exercendo uma forte influência positiva motivacional
sobre os cotistas. Ainda para os pesquisadores a aceitação dos cotistas pelo grupo
tradicional contribuiu para a melhoria do desempenho acadêmico.
Vale destacar que o estudo também afirma que a evasão dos alunos cotistas
tem sido a metade dos evadidos não cotistas. Assume-se que isto se deve ao
50

programas da UERJ que criam melhores condições e também ao apoio familiar que
os cotistas recebem. A UERJ mantém programas de apoio ao estudantes cotistas,
como o Programa de Iniciação Acadêmica que oferece cursos de português, inglês,
italiano, alemão, informática e atividades culturais. Até o ano 2008 a presença dos
alunos cotistas era obrigatória, hoje é facultativa. Também se concede uma bolsa de
manutenção de 250 reais e anualmente uma ajuda para os- materiais de apoio.
Em estudo realizado por Deps (2010), procurou-se analisar o rendimento
acadêmico dos alunos ingressos por cotas e pelo sistema geral, analisando-se
também outras variáveis que a autora considerou relacionada com rendimento, como
autoestima do aluno. Fez-se um levantamento do coeficiente de rendimento de cada
aluno, acumulado no 1º semestre de cada ano, e aplicou-se a esses alunos um
questionário com a finalidade de caracterizar seu autoconceito. O estudo foi repetido
por 4 anos consecutivos aos mesmos alunos, mesmo com a mostra ter diminuído por
conta da dispersão dos alunos. As notas dos alunos ou os seus coeficientes de
rendimento acumulados anualmente foram fornecidos pela Secretaria Acadêmica da
Universidade. Conclui-se neste trabalho que alunos não cotistas que tinham uma
percepção de autoestima mais alta mantiveram-se estáveis, enquanto o grupo de
alunos cotistas que tinham se classificado com um desempenho médio passaram em
porcentagem significativa a se perceber como alunos de alto desempenho. Ou seja,
no decorrer do tempo houve maior progresso dos cotistas, que foram adquirindo maior
confiança em suas possibilidades de desempenho acadêmico.
Pesquisa realizada por Velloso (2009) compara as médias das notas de alunos
cotistas e não cotistas considerando o nível de prestigio social do curso e sua área do
conhecimento: humanidades, ciências e saúde. A tendência dos dados indicou que
não há diferenças sistemáticas de rendimento entre os cotistas e não cotistas.

2.5 Ações Afirmativas na Universidade Federal do Paraná (UFPR)

De acordo com Silva (2008), o processo de implementação das políticas


afirmativas efetiva-se na UFPR no dia 10 de maio de 2004 pela aprovação do Plano
de Metas de Inclusão Racial e Social pelo Conselho Universitário na Resolução 37/04.
Segundo esta resolução, são reservadas 20% das vagas para a população
51

afrodescendente: pretos e pardos, ofertadas a partir do vestibular de 2005, pelo prazo


de 10 anos.
Esse processo tinha se iniciado no ano 2001 com algumas iniciativas de
discussão de ditas políticas que vão abrir o tema para a comunidade universitária.
Silva (2008) relata que no percurso desse processo a comissão que elabora propostas
para a adoção das políticas disponibiliza à petição do Reitor o documento em
construção dos diversos setores da comunidade universitária para sua análise,
reflexão e discussão.
Assim, Silva (2008) manifesta que o que podia ter culminado no retardamento
ou engavetamento da proposta acabou sendo um processo enriquecedor na medida
em que promoveu um frutífero debate. Os membros da comissão reuniram-se com
todos os 12 Conselhos Setoriais, com o Conselho da Escola Técnica da UFPR e com
o Diretório Central dos Estudantes e muitas vezes com departamentos, centros
acadêmicos, coordenações de curso e comissões diversas.
A proposta foi colocada para deliberação no mês de maio de 2004 no Conselho
Universitário (COUN), que é o órgão máximo deliberativo da UFPR, sendo aprovada
depois de três sessões consecutivas. O COUN é composto por outros dois conselhos,
o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) e o Conselho de Planejamento e
Administração (Coplad), presidido pelo Reitor e composto por 51 membros dentre
professores, técnicos administrativos, alunos e representantes da comunidade. A
deliberação sobre o Plano de Metas de Inclusão Racial e Social foi realizada em três
sessões do Conselho Universitário, em dias sucessivos (BELIVAQUA, 2005b), o que
transcorreu na disposição dos discursos, argumentações e debates, denotando as
diversas posições e contraposições referentes ao tema tratado.
Silva (2008) relata que nesses debates alguns setores situavam-se na oposição
às políticas afirmativas aduzindo à enraizada ideologia da democracia racial que, ao
postular relações raciais positivas, esvaziava a justificativa de ditas políticas. Na
medida em que eram colocados argumentos teóricos e dados que evidenciam a
desigualdade e a discriminação, as políticas afirmativas iam ganhando aderentes
(SILVA, 2008). Ainda assim, é possível evidenciar dos relatos e análises realizados
por Bevilaqua (2005a, 2005b) e Porto (2011), que se trata de um tema que gera
desconforto, tensões e dificuldades de se posicionar. A própria postura contrária às
cotas, manifestada por alguns docentes, parecia ter relação com tentativas de negar
a discriminação racial.
52

O plano foi apresentado na pressão da necessidade de definir as regras do


próximo vestibular, sendo encaminhado ao diretor do Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, designado para relatar a proposta ao Conselho. O relator enviou cópias
para os demais diretores, mas sem receber nenhum retorno, contradizendo o costume
de reuniões do fórum de diretores, de se juntar à deliberação quando tratados temas
importantes. Concluindo o parecer do relator, é chamada a primeira sessão do
Conselho Universitário da UFPR, surpreendendo parte da comunidade universitária,
embora o projeto tivesse estado em elaboração há quase dois anos.
Assim a impressão que ficou, no momento da apresentação do projeto, é que
este tinha sido gestado sem a participação da comunidade universitária e que “a
impetuosidade da administração sacrificava o amadurecimento democrático de seus
projetos” (BELIVAQUA, 2005b, p.170).
O momento era acompanhado pelo movimentos sociais negros que, na noite
anterior, ao início das sessões, organizaram uma vigília no pátio da Reitoria, próximo
ao salão de reuniões. Na abertura do processo existia uma atmosfera de tensão,
evidenciando a importância do tema a ser tratado. Segundo o relato da pesquisadora,
nenhum dos conselheiros da linha de frente assumiu a liderança no debate. Isso,
supõe-se em virtude da dificuldade de avaliar as posições que seriam assumidas
nesse clima de extrema imprevisibilidade. Assim foram os estudantes que se
manifestaram inicialmente, lendo um manifesto do Diretório Central dos Estudantes
reafirmando a posição contra as cotas para negros, estabelecida no último congresso
da União Nacional de Estudantes. Posição que foi refutada por um estudante de
Direito que leu uma declaração assinada por outros representantes discentes,
defendendo a implantação de cotas para estudantes negros.
Houve alguns contratempos relacionados ao questionamento da presença da
comissão que tinha elaborado o plano. No entanto, logo foi autorizado o início da
sessão, com breve discurso do presidente, em tom favorável ao Plano de Metas, e
aduzindo à urgência da decisão pelo prazo limite da divulgação do edital do próximo
vestibular. No entretempo um conselheiro aduz que não é possível considerar a
urgência e faz um pedido de vistas do processo. Em contraposição, outro relator
postula que não cabe o pedido de vistas, justamente pelo regime de urgência já
solicitado anteriormente.
Na sequência o relator deu leitura ao parecer e iniciou-se o debate. De modo
geral, os argumentos que prevaleciam eram os que levantavam restrições às cotas
53

para negros. Porto (2011) explicita que alguns posicionamentos contrários se


baseavam em questões gerais como a inconstitucionalidade da política ao
comprometer a igualdade formal de todos os cidadãos, ou a imposição de um modelo
dicotômico racializado de compreensão da sociedade brasileira, que viria a intensificar
o racismo. Outros se fundamentavam na dificuldade de estabelecer quem seriam os
sujeitos de direito no caso das cotas raciais, num país marcado pela mestiçagem, pelo
preconceito de marca e pelo mito da democracia racial.
Tal direção assumida pelas deliberações levou a que todo questionamento
fosse orientado a refletir sobre a validade do sistema em si, sem considerar para nada
as formas de garantir a política se esta fosse aprovada. No final da primeira sessão
o ponto a ser votado implicaria a adoção de Políticas Afirmativas. A vitória não
significaria o sepultamento do projeto.
Nesse momento não estava em jogo o conteúdo da proposta. A primeira
alternativa prevaleceu num placar de 23 a favor e 13 votos contra. Num segundo
momento foi sugerido que as cotas fossem implementadas de forma progressiva,
sugerindo um porcentual de 10% a ser ampliados progressivamente para 20% se
existissem recursos suficientes e, em vez de 10 anos que fossem por 5 anos, proposta
apoiada pelo reitor. Também o coordenador do Núcleo de Concursos da UFPR que
participava como pró-reitor de graduação explicita que existiriam novas regras do
processo seletivo. Pela primeira vez a universidade faria o concurso em duas fases.
A primeira com provas objetivas sobre os conteúdos do Ensino Médio e uma segunda
etapa com a prova de redação e provas dissertativas específicas. A sugestão era que
as cotas só entrassem em vigência na segunda fase. A aplicação das cotas na
segunda fase do vestibular foi aprovada por ampla maioria, 35 votos contra 4.
Colocada em votação, a redução da proposta para 10% e por 5 anos ganha por
um voto a postulada inicialmente, ou seja, 20% e por 10 anos. Também, no marco da
aprovação da Política de Ações Afirmativas se declara que não haverá processos de
acompanhamento e subsídios especiais para os alunos cotistas raciais na UFPR,
destacando-se que toda forma de apoio será oferecida para todos os alunos da
universidade por igual. Cabe destacar que a proposta do relator não contemplava
concessão obrigatória de bolsas para os alunos cotistas.
Outro tema que entrou em discussão foi a ordem em que seriam preenchidas
as vagas disponíveis em cada curso. A sugestão do relator era que as vagas fossem
preenchidas pelos primeiros classificados, independente da opção ou não pelas cotas.
54

Na continuação seriam ocupadas as vagas disponibilizadas para cotas. Uma emenda


substitutiva do diretor da Escola Técnica propôs que primeiro fossem preenchidas as
vagas de cotas. A ordem proposta pelo relator possibilitava que candidatos cotistas
preenchessem vagas gerais abrindo mais vagas para cotistas. A proposta do
substitutivo teria o efeito contrário, as cotas teriam um teto. O argumento utilizado era
manter o mais alto padrão dos alunos ingressantes para evitar críticas ao programa
de cotas. Depois de um longo debate, uma conselheira postulou uma argumentação
nova, aduzindo que a aprovação na classificação geral para os alunos cotistas
provocaria a perda de benefícios do programa de permanência, o que não tinha
grande impacto, já que as únicas bolsas efetivas eram as destinadas para indígenas.
A opção ganhadora foi a de preencher inicialmente as vagas das cotas e
posteriormente o restante com os aprovados na classificação geral. A emenda
substitutiva foi aprovada por 25 votos contra 14.
O debate concluiu pela eliminação de qualquer referência a concessão de
bolsa para os alunos cotistas, e prevaleceu o entendimento contrário à criação de
mecanismos específicos de apoio acadêmico. Estes debates concluíram com a
Resolução nº 37/04 que estabeleceu cotas para o ingresso de estudantes
afrodescendentes e para alunos oriundos de escolas públicas.
No processo das sessões que culminaram com a aprovação das Ações
Afirmativas, não há nos discursos, debates, propostas que considerassem o tema da
reparação histórica da discriminação racial, de justiça, ou referente à diversidade. Não
há tampouco deliberações de apoio e/ou acompanhamento para os alunos cotistas,
ignorando a origem da proposta de ações afirmativas para alunos negros.
No percurso da implementação destas propostas agregou-se uma norma
suplementar surgida das deliberações do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
que regulamentou a não identificação dos cotistas, bem como o sigilo dos dados de
desempenho nas provas, na divulgação pública dos resultados do vestibular
(BELIVAQUA, 2005b).
O primeiro vestibular regulamentado pela resolução 37/05 do COUN
possibilitou o ingresso de 492 alunos (11,9%) de um universo de 4.133 alunos. No ano
seguinte, 2006, ingressaram 306 alunos (7,1%), de um total de 4.272 alunos. Nos três
anos seguintes a média dos alunos cotistas que ingressaram foi de de 6% e para o
ano 2011 e 2012 desceu a 5,4%. O ano 2014 foi o mais baixo, com 4,2%, chegando
55

a 5,8% com uma leve recuperação no ano de 2015. Sempre muito abaixo do
estipulado na Resolução 37/2004 e na Lei nº 12.711.

Ano Racial Escola Pública Geral Total


Número % Número % Número % Número %
2005 492 11,9 897 27,7 2.744 66,3 4.133 100
2006 306 7,1 899 21 3.067 71,7 4.272 100
2007 279 6,3 889 20,2 3.224 73,4 4.392 100
2008 291 6,6 1.089 24,9 2.989 68,1 4.369 100
2009 319 6,2 1.298 25,1 3.556 68,7 5.173 100
2010 363 6,9 1.350 25,8 3.516 67,2 5.229 100
2011 282 5,4 1.346 25,4 3.668 69,2 5.298 100
2012 286 5,4 1.596 30,2 3.399 64,4 5.281 100
2013 4,2 29,5 66,3
2014 5,8 27,3 66,9

Gráfico 5 Ingressos dos alunos UFPR 2005 – 2014 Dados extraídos de Cervi, 2013 e UFPR, Relatório
de Plano de Metas, 2016.

Acompanhando o processo da inserção de alunos com fragilidade


socioeconômica, a Universidade institui a estrutura da Pró-Reitoria de Assuntos
Estudantis (PRAE) no ano de 2006, que tem como finalidade o atendimento às
demandas estudantis e a elaboração de uma proposta administrativa voltada às
questões de interesse da comunidade discente da UFPR.
Em decorrência do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) a
UFPR criou o Programa de Assistência Estudantil pela Resolução 003/2008 da Pró-
Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), no intuito de atender as demandas de
permanência do estudante em sua formação profissional, dando apoio e
acompanhamento mediante equipe multiprofissional. O PNAES passa a estar
vinculado e ser atendido mediante esta Pró-Reitoria, a qual institui o Programa de
Benefícios Econômicos para Manutenção (PROBEM), regulamentado a partir de
2009, pela Resolução 31/09 do Conselho de Planejamento e Administração da UFPR.
O PROBEM, Programa de Benefícios Econômicos para Manutenção aos estudantes
de graduação e ensino profissionalizante da UFPR com fragilidade econômica é
constituído pelos seguintes benefícios, isolados ou em composição:
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Auxílio Permanência, Auxílio Refeição, Auxílio Moradia e Auxílio Creche. O


programa é regulamentado pela Resolução Nº31/09 – COPLAD e tem como objetivo garantir
a permanência e a qualidade de formação do estudante com fragilidade socioeconômica. Está
em conformidade com o decreto nº 7.416, de 30 de dezembro de 2010 (dispõe sobre Bolsa
Permanência) e decreto No - 7.234, de 19 de julho de 2010 (Dispõe sobre o Programa
Nacional de Assistência Estudantil – PNAES). (Documento Programa de Assistência
Estudantil – UFPR. Edital 01/2014).
Existem também as bolsas concedidas pela Fundação Araucária, do
Programa Institucional de Apoio à Inclusão Social Pesquisa e Extensão Universitária
(PIBIS) disponibilizadas via PROEC-NEAB da UFPR, bolsas orientadas à pesquisa. E
as Bolsas PIBIC-AF do Programa Institucional de Iniciação Científica concedidas pelo
CNPq, que têm como intuito oferecer aos alunos a possibilidade de participação em
atividades acadêmicas de Iniciação Científica. Trata-se de um projeto em parceria
com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério
da Ciência e Tecnologia (CNPq/MCTI) e pela extinta Subsecretaria de Políticas de
Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial
(SEPPIR-PR).

Duas disposições serão decisivas no curso que as Ações Afirmativas assumem


para alunos negros na UFPR: a determinação de considerar a todos os alunos iguais
e a Linha de Corte na Primeira fase do Vestibular.

2.5.1.Todos os alunos são iguais

No marco da aprovação da Política de Ações Afirmativas se declara que não


haverá processos de acompanhamento e subsídios especiais para os alunos cotistas
raciais na UFPR, destacando-se que toda forma de apoio será oferecida para todos
os alunos da universidade, por igual.
No entanto, estudos realizados por alguns pesquisadores como Heringer
(2013), Carvalho (2006) e outros, apontam que somente a implementação das Ações
Afirmativas não garantem a sua efetividade. A experiência dos alunos cotistas raciais
não se reduz à implementação das ações afirmativas, estas são um mecanismo
57

importante de acesso ao ensino superior, espaço persistentemente negado para eles,


mas a experiência dos alunos constitui-se como produto de um processo histórico que
se articula com os entraves que estes alunos arrastam da restrição de suas vidas e
os novos desafios que decorrem do dia a dia da vida universitária.
Estudos demonstram que “raça” embora não tenha nenhum subsídio material,
biológico/genético, como ideologia hierarquizante tem efeitos específicos sobre os
retornos sociais/econômicos e subjetivos, impactando nas condições e relações
sociais em todo âmbito. Estudantes negros são menos sucedidos não apenas por
serem pobres, mas também e independentemente por serem pretos no impacto do
preconceito e a discriminação (BARBOSA, 2005). Isso se reproduz no espaço da
educação superior, onde o âmbito universitário constitui-se como um ambiente
totalmente desconhecido, do qual não se tem nenhuma apropriação cultural,
considerando que, em sua maioria, os cotistas raciais são os primeiros de suas
famílias a terem acesso ao Ensino Superior.
Espaços acadêmicos institucionalizados, fundamentados em que “todos os
alunos são iguais” não subsidiam a inserção de seus alunos cotistas raciais. A
necessidade de políticas complementares de acompanhamento possibilita a
apropriação social, cultural e acadêmica necessária para estes alunos. Também a
omissão de trabalhar nas diversas instâncias acadêmicas a implementação das ações
afirmativas dificulta o direito histórico destes alunos da revisão de atitudes, crenças e
ideologias internalizadas historicamente, definindo a hierarquização racial como
dispositivos de poder impregnados estereotipadamente, e demarcando relações
raciais que reproduzem a desigualdade e a exclusão.
Ignorar estas condições é fazer a inclusão pela exclusão, ou seja, no
descompromisso político das condições de vida dos alunos cotistas negros. A política
de inclusão reverte-se para estes alunos na violência de um espaço do
desconhecimento, invisibilidade e solidão. Cabem as palavras de Boaventura Santos
(1999), quando se refere a um novo tipo de essencialismo, um essencialismo definido
como um racismo antirracismo pró-tecnológico. Um essencialismo que se realiza num
extremo oposto ao individualismo possessivo, trata-se de um individualismo da
despossessão, uma forma de destituição e solidão, expressado pelo autor nas
seguintes palavras:
58

Os indivíduos são convocados a serem responsáveis pelo seu destino, pela


sua sobrevivência e pela sua segurança, gestores individuais das suas
trajetórias sociais sem dependências nem planos determinados. No entanto,
esta responsabilização ocorre de par com a eliminação das condições que a
poderiam transformar em energia de realização pessoal. O indivíduo é
chamado a ser o senhor do seu destino quando tudo parece estar fora de seu
controle (BOAVENTURA SANTOS, 1999, p.29-30).

A convocatória a assumir espaços negados historicamente para os jovens


negros acontece muitas vezes na transfiguração dos princípios universais orientados
aos direitos humanos de que todos os seres humanos são iguais, concretizando-se
num essencialismo da igualdade, como obstáculos que reproduzem a desigualdade e
exclusão racial.
Argumentos que se fundamentam nos princípios universais que orientam os
direitos humanos, mas que se transfiguram concretizando-se como obstáculos que
reproduzem a desigualdade e exclusão racial.
A declaração dos direitos humanos teve no racismo uma importante
justificativa. Os direitos humanos se universalizam a partir da declaração de 1948,
quando diferentes instituições de diferentes lugares do mundo começam a adotar
instrumentos de proteção para a humanidade, possibilitando a formação de um
sistema internacional relacionado com os Direitos Humanos.
De acordo a Piovesan (2005), na primeira fase dos direitos humanos
prevaleceu a igualdade formal, em decorrência aos graves conflitos mundiais,
fundamentados num racismo, realizado na ideologia do nazismo, provocando o
extermínio de milhões de pessoas, na inferiorização da diferença e no pressuposto de
uma raça superior. A ênfase na igualdade se orientava a se contrapor a essas
ideologias que tantos danos provocaram. No entanto, foi possível perceber que essa
orientação não era suficiente, já que determinadas violações aos direitos humanos
precisavam de respostas específicas e particulares, ampliando-se o olhar para a
consideração das diferenças. Esta não seria mais utilizada para sua aniquilação, mas
passa a prevalecer sua promoção. Foi evidente que tornou-se insuficiente considerar
o sujeito de forma genérica, geral e abstrata, sendo necessário considerar a
especificação do sujeito de direito. Junto com o direito à igualdade surge formalmente
o direito à diferença, no processo da consolidação dos direitos humanos (PIOVESAN,
2005). A consideração das diferenças torna-se uma das bandeiras dos direitos
humanos.
59

os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das


lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações
das condições de vida que essas lutas produzem (BOBBIO, 1992, p.32).

Santos (1999) formula que as formas de se contrapor à desigualdade e à


exclusão é o universalismo, porém destaca que este pode assumir uma forma
contraditória quando o universalismo que não diferencia, nega as diferenças. Postula-
se a negação das diferenças pela homogeneização. No entanto, a descaracterização
das diferenças reproduz a hierarquização comandada pelo universalismo. Dessa
forma o universalismo acaba inferiorizando pelo excesso de semelhança.
De acordo com este autor, é necessário reconhecer que nem toda diferença é
inferiorizadora, por isso não se justifica que a política de igualdade tente reduzir tudo
a uma norma identitária única. Reforça Santos (1999), que sempre que estamos
perante diferenças não inferiorizadoras, a política de igualdade que as desconhece ou
descaracteriza, converte-se contraditoriamente numa política de desigualdade. Uma
política de igualdade que nega as diferenças não inferiorizadoras, é de fato uma
política racista. Assim temos que o racismo tanto se afirma pela absolutização das
diferenças como pela negação absoluta das diferenças. Santos (1999) reafirma
“temos direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza, temos o direito de
ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”.

2.5.2.A linha de corte na segunda etapa do vestibular

Concomitantemente às cotas afirmativas, o vestibular na UFPR passou a ter


duas fases. A primeira fase consistiria em uma prova de conhecimentos gerais e na
segunda fase seriam aplicadas provas de compreensão e produção de textos. As
cotas na primeira fase permitiriam o ingresso de muito mais cotistas, já sua vigência
na segunda etapa reduziria essas possibilidades. Um exemplo foi citado: o curso de
Direito diurno oferecia 88 vagas e não teve nenhum candidato negro aprovado em
2004. Com a aplicação das cotas na primeira fase do vestibular, 17 alunos negros
poderiam ter sido aprovados. A aplicação das cotas na segunda fase implicaria no
ingresso de apenas 4 alunos negros. Porto (2011) destaca que demonstrar que a
60

política de cotas teria alcance reduzido parecia favorecer sua aprovação. Esta medida
tornava-se interessante pois permitiria não abandonar o princípio da meritocracia
Ainda, no vestibular 2004 para 2005 se estabeleceu um índice de linha de corte
que definiria os alunos que passariam para a segunda fase. No vestibular de 2005
para 2006 o índice foi modificado, tornando-o mais rigoroso, interferindo diretamente
na ocupação de vagas dos cotistas raciais (PORTO, 2012).
No debate e nas decisões assumidas evidencia-se o interesse na preservação
da excelência acadêmica. A predominância dos valores fundamentados no
individualismo e a meritocracia, promovem que o objetivo das políticas de ação
afirmativa voltados à inclusão se diluam, destacando-se a preservação da excelência
acadêmica, distorcendo assim a própria essência da implementação da política
afirmativa, voltada, como afirma Feres Junior (2005) para a reparação histórica, a
justiça distribuitiva e na necessidade de somar a pluridiversidade buscando a
democratização da expressão acadêmica. Carvalho (2006) critica a ideologia do
mérito e do concurso que passa a ser prevalecida e defendida cegamente,
desvinculada de qualquer causalidade social, flutuando num vácuo histórico, na
invisibilidade das dificuldades que os estudantes negros enfrentam para a sua
inserção na universidade.
De acordo com análise realizada por Cervi (2013), confirma-se que, com o
decorrer destes anos, o percentual dos aprovados cotistas raciais foi regredindo. Os
inscritos mantiveram entre 5,3% e 4,3%, enquanto os percentuais de aprovação se
iniciaram com 11,9%, culminando o ano 2012 com 5,4%. A média de aprovação dos
cotistas raciais é de 6,9%, notoriamente abaixo dos 20% previstos pela
regulamentação UFPR. Sendo que os negros cotistas que passavam para a segunda
fase eram em percentual menor aos 20% destinados a eles, os candidatos de cotas
sociais aprovados poderiam ocupar as vagas que sobraram da cota racial. Enquanto
isso, as vagas gerais representaram 68,6% das aprovações no período. Os principais
beneficiados pela política afirmativa foram os candidatos inscritos por cotas sociais na
possibilidade de usufruir das vagas destinadas às cotas raciais (CERVI, 2013).
O vestibular em duas fases foi apontado como uma barreira para a entrada
de estudantes negros na UFPR pela comissão da instituição, que realizou um balanço
da aplicação do Plano de Metas de Inclusão Racial e Social desde seu início, ano
2005. O corte obrigava aos alunos atingir uma nota para recém poder concorrer pelas
cotas. Em 2014 nenhum estudante de cotas raciais conseguiu entrar em 26 dos 117
61

cursos ofertados no vestibular. Em 2015 as regras foram mudadas, na consideração


da avalição feita pela comissão de avaliação do Plano de Metas sugerindo a
implantação das cotas na primeira fase, o que foi aprovado pelo Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão (CEPE) em 12 de agosto do ano passado, (2015). Esta
resolução muda o edital do vestibular indicando que o número de convocados para a
segunda fase deve respeitar a categoria de concorrência, ou seja, cotas desde o início
do processo (PIVA, 2015). Esta decisão, junto com a divulgação da pontuação mínima
e máxima dos diferentes cursos da UFPR mostrando uma relevante distância acirrou
novamente os debates relacionados com as Ações Afirmativas, especificamente
relacionadas à UFPR. Comentários racistas e discriminativos circularam nas redes
sociais e na mídia, acordando novamente os debates e posturas antagônicas a
respeito as Ações Afirmativas1. No entorno das polêmicas da igualdade e do mérito
rondam também a percepção do exogrupo como ameaça. Como postulam Lima e Vala
(2004), é a semelhança e não a diferença que é percebida como ameaça aos valores
do grupo, e a sua identidade, no sentido do “diferente” se considerar com direitos de
espaços culturalmente preservados para um setor.

1 Ver Gazeta do Povo, 01/09/2015; 24/11/2015.


62

3. QUESTÕES TEÓRICAS E ETODOLÓGICAS

3.1 A Pesquisa e seus percursos

Quando assumi os desafios de realizar esta pesquisa sobre o desempenho e


permanência dos alunos cotistas raciais da UFPR, senti que tinha sido privilegiada,
ao ter a oportunidade de me aprofundar num tema que estava no processo histórico
de minha vida, e tinha significado a experiência de uma realidade e um lugar na
sociedade que só fui compreender muito depois, mergulhada em textos da Psicologia
Social e na leitura de um texto de Maritza Monteiro, intitulado “Atraves del Espejo: una
aproximación teórica al estúdio de la consciência social em América Latina” (1987).
Foi por essa leitura que percebi que muito do que estava no percurso de minha vida
tinha sido marcado por uma sequência de racismos que confluíam em uma forma
generalizada de relações sociais discriminatórias (ARREGUI, 2008), o que me
orientou para o campo da psicologia social e da psicologia política na busca de
compreender a complexidade das relações humanas no âmbito do poder que deriva
de processos de discriminação racial. A partir desse momento de catarses meu intuito
foi sempre consolidar minha identidade latino-americana de ancestrais indígenas e
negros e contribuir a partir de minhas possibilidades e escolhas teóricas para
processos de empoderamento de setores oprimidos pela dominação, qualquer que
seja.
No início de meus estudos em Psicologia, eu tinha menos elementos que hoje
para compreender essas formas de relacionamento. No entanto, elas foram se
transformando no eixo mais preponderante de minha aproximação ao conhecimento.
Tais inquietações têm me acompanhado e motivado minhas reflexões, a partir da
psicologia social e da psicologia política como áreas do conhecimento que focalizam
a relação dos indivíduos entre si e com a sociedade.
Tendo minhas raízes na Psicologia Social e na Psicologia Política, fiz o
mestrado acompanhando o processo do desemprego estrutural e suas consequências
para os indivíduos, passei a estudar no meu doutorado a participação de sujeitos em
movimentos sociais como projetos de vida e logo depois chegou este pós-
doutoramento, possibilitando conhecer mais profundamente, processos de Ações
63

Afirmativas que nascem imbuídas no racismo, um fenômeno que constitui


subjetividades e corrói as relações entre os seres humanos.
Tinha, nesse momento, escasso conhecimento teórico do racismo, e das Ações
Afirmativas e de como se teciam esses fatores históricos e sociais na sociedade
brasileira. Foi extremamente importante a participação numa disciplina, ministrada por
meu supervisor, o professor Paulo Vinicius Baptista da Silva. Nesse espaço conheci
os textos de Du Bois (1999), Fanon (2008), Foé (2013), Telles (2003), e outros
igualmente valiosos que me introduziram no tema, tendo ainda a oportunidade de
participar do ambiente caloroso dos jovens intelectuais negros da UFPR. Fui me
inserindo e apreendendo, assumindo também a supervisão de jovens alunos
iniciantes na pesquisa que tinham a tarefa de participar e aprender na pesquisa junto
comigo.
Inicialmente a delimitação metodológica considerava dados quantitativos, mas
na impossibilidade de conseguir os dados e o acesso aos espaços foi necessário
reorientar a pesquisa para as condições possíveis, nem por isso menos valiosas. Um
episódio interessante foi o de tentar solicitar os históricos escolares dos alunos
negros, acreditando que um volume considerável possibilitaria algumas análises.
Foram enviados e-mails a todos os endereços possibilitados nas listas existentes no
NEAB e outras listas que circulavam entre os alunos. No início foi ótimo, mas logo não
chegava mais nada, nem sequer dos alunos mais próximos. No percurso de nossa
insistência, um aluno negro, que esquecia sempre de trazer o histórico, me alertou
que os alunos não entregariam, por temor à avaliação. Só aqueles poucos que podiam
apresentar um Índice de Rendimento Acadêmico (IRA) razoável é que iriam
disponibilizar seu histórico e esses já tinham entregue.
Optou-se então diretamente pelas metodologias qualitativas. Entrevistas
Semiestruturas e Grupos de Discussão. Assim, recolheu-se as falas de professores,
servidores e alunos cotistas e não cotistas tanto em entrevistas como em grupos de
discussão. A análise dos dados visam a perspectiva sócio-histórica do ser humano e
da sociedade, o que implica considerar nossos participantes colaboradores como
sujeitos históricos inseridos em seu tempo, constituídos a partir de uma ordem
instituída, definida por interesses sociais predominantes, sujeitos que vão construindo
o espaço universitário, demarcando interesses e necessidades, abrindo brechas que
se constituem como possibilidades ou obstruindo os caminhos ofertados,
incorporando em seu passo histórico, o individual no social, o emocional no racional;
64

evidenciando o histórico como inscrição que se realiza no cultural. Sujeitos


constituídos pela significação que atribui às coisas da vida (VYGOTSKY, 1995). É a
partir desse processo inter/intrasubjetivo que pretende-se chegar a uma compreensão
dos sujeitos ativos, passivos, criativos e reprodutivos nas suas relações com a
sociedade, constituídas no âmbito dos espaços universitários.
Indagar, pesquisar, explorar dados em busca da compreensão, reflexão e
interpretação da construção de uma realidade, que aporte indícios de como a UFPR
recebe os alunos cotistas raciais, quais são os passos de interação que demarcam
esse processo, como os alunos significam sua experiência no contexto da
institucionalização do conhecimento, do poder e da tradição que se impõe, qual a
função dos professores e servidores, como sujeitos e instituição nas relações
estabelecidas.
Nas escolhas, nas indagações e reflexões teóricas, na interação com os
professores, alunos e servidores destaca-se como grande referente de pesquisa a
noção de um ser humano histórico, social e cultural, com infinitas possibilidades e
potencialidades de ser e fazer, de criar e recriar no âmbito das condições de um
contexto histórico sóciocultural, nem sempre trilhando para o desenvolvimento do ser
humano, mas, às vezes, na imposição de relações assimétricas, imposição do poder
e submissão, desigualdade e exclusão balizadas historicamente por condições
impostas e naturalizadas que se justificam e legitimam definindo, em grande parte, a
vida das pessoas, cerceando suas potencialidades. No entanto, ainda assim, a própria
história e a experiência revela um ser humano que longe de ser determinado por
forças elementares que o submetem, constitui-se muitas vezes na contramão,
predominantemente pela interpretação que outorga a todas e a cada uma das
relações nas quais se envolve, se ativando nesse processo (SERRANO, 1996).
Assume-se a pesquisa, como um exercício que busca remover a interpretação
das realidades, desvencilhando relações de dominação e poder. Considera-se, tal
como afirma Santos que... .

A análise crítica do que existe assenta no pressuposto de que a existência


não esgota as possibilidades da existência e que, portanto, há alternativas
susceptíveis de superar o que é criticável no que existe. O desconforto, o
inconformismo ou a indignação perante o que existe suscita impulso para
teorizar a sua superação (SANTOS, 2007, p.23).
65

Nesse processo fundamental a ética é um fator preponderante que dá sentido


à pesquisa, a ética não na regulação de normas impostas, mas na perspectiva de
orientar os esforços de pesquisa e do conhecimento para a melhor condição de vida
dos seres humanos, para o compromisso com a vida digna de todos em oposição
férrea a todo tipo de violência e sofrimento.
Logo depois de um período de apropriação teórica, reflexão e busca
documentária, nos aproximamos dos nossos sujeitos de pesquisa por meio dos
instrumentos escolhidos: grupos de discussão e entrevistas semiestruturadas.
No campo metodológico constitui-se fundamental o discurso, os seres humanos
falando, dando sentido às suas vidas pela palavra, tal como postula Orlandi (2003):
“depoimentos não são só transmissão de informação, são processos de identificação
do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de construção de realidade” (ORLANDI,
p. 21).
Por outro lados, as palavras que escolhemos em nossas pesquisas nos
definem teórica e metodologicamente, trazem o rastro de nossas escolhas ontológicas
e epistemológicas, posicionando-nos de alguma forma. As palavras são fortes, elas
trazem história, muitas vezes aderem a sentidos que trazem polêmicas e por isso
escolhê-las não é fácil. Ainda assim, e assumindo os perigos de algumas escolhas,
considerou-se valioso adotar o método da análise do discurso, como análise de
discurso dos significados e sentidos que as pessoas colocam em suas falas.
Considera-se que:

…no hay una única forma de hacer análisis del discurso, ni una única
estrategia para introducir aproximaciones sensibles a las polémicas sociales
y a los contextos en los que nuestros estudios cualitativos debería intervenir”
(LOPEZ e LINAZA, 1996, p.20).

Adotamos um recorte que considera o ser humano constituído em sociedade,


sendo a comunicação um fato central, a partir do qual se desenvolve o pensamento,
as representações, a própria consciência social. A importância da linguagem está em
que esta se produz nos indivíduos social e historicamente, transformando-se com as
mudanças da sociedade e dos homens, objetivando o subjetivo e subjetivando o
objetivo (LANE, 1986). Nesse contexto consideram-se fundamentais “os significados”
que atribuímos às nossas experiências como a mediação entre nossas subjetividades,
a sociedade e, em geral, com o mundo que nos rodeia, na constituição de nosso ser
e fazer. Os relacionamentos que estabelecemos com nosso meio, com a sociedade,
66

são mediados pelos significados que atribuímos a esses acontecimentos. As


significações assumidas constituem o mundo simbólico que é a base de nossa
estrutura psicológica, constituída nas interações e ações de nossa vida material.
Os significados estão nas palavras, sendo estas a unidade que reflete de forma
mais simples o nexo entre pensamento e linguagem. A palavra desprovida de
significado não é palavra, é um som vazio, portanto o significado é constitutivo da
palavra. Afirma Vygotski:

O significado da palavra só é um fenômeno de pensamento na medida em


que o pensamento está relacionado à palavra e nela materializada, e vice-
versa: é um fenômeno de discurso apenas na medida em que o discurso está
vinculado ao pensamento e focalizado por sua luz. É um fenômeno do
pensamento discursivo ou da palavra consciente, é a unidade da palavra com
o pensamento (VYGOTSKY, 2009, p.398).

Na relação do subjetivo/objetivo, a significação, enquanto elemento intra/inter-


subjetivo, é o que define nossa visão de mundo, a partir de nossas relações, nossos
contatos e oportunidades com o contexto que nos circunda, é também aquilo que nos
promove e nos situa no mundo como seres históricos, sociais e culturais.
Trazemos para análise Bakhtin, que nas palavras de Yaguello (2004), vai
destacar a fala, a enunciação, afirmando sua natureza social e não individual, a fala
ligada às condições da comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às
estruturas sociais. A comunicação verbal sempre articulada a outras formas de
comunicação, expressando conflitos, relações de dominação e resistência,
postulando também que se toda comunicação é social é também ideológica.

A palavra é o signo ideológico por excelência, ela registra as menores


variações das relações sociais, mas isso não vale somente para os sistemas
ideológicos constituídos, já que a ideologia do cotidiano que se exprime na
vida corrente, é o cadinho onde se formam e se renovam as ideologias
constituídas (YAGUELLO, 2004, p.19).

Sendo que a linguagem, como produto histórico, traz representações,


significados e valores constituídos nos diversos grupos, é também veiculador da
ideologia. Ideologia configura um conceito extremamente polêmico em sua definição,
mas é fundamental na análise de qualquer realidade. Na perspectiva marxista
prevalece a concepção negativa de ideologia, na qual considera-se que esta seriam
as ideias da classe dominante, um sistema de representações que serve para
sustentar relações de dominação, as ideias dominantes de um grupo sobre outro
67

(MARX, 1996). O conceito marxista de ideologia desmistifica a ingenuidade do


processo cognitivo, colocando-o como mediação nas relações de dominação e
exploração socioeconômica
Thompson (1995), autor que focaliza o conceito de ideologia, aporta atenção
nas maneiras como as formas simbólicas são usadas e transformadas em contextos
sociais específicos. É uma concepção que nos obriga a examinar as maneiras como
as relações sociais são criadas e sustentadas por formas simbólicas que circulam na
vida social, aprisionando as pessoas e orientando-as para certas direções. Estudar a
ideologia para este autor é estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer
e sustentar relações de dominação. Um fenômeno ideológico só é ideológico se ele
serve, em circunstâncias específicas, para estabelecer e sustentar relações de
dominação.
Dijk (1996) nos orienta a desconsiderar a vasta discussão existente ao redor
do conceito de ideologia e propõe considerar as ideologias como sistemas que
sustentam as cognições sociopolíticas dos grupos. Ideologia como organizadora de
atitudes dos grupos sociais que consistem em opiniões gerais organizadas
esquematicamente, relacionadas a temas sociais relevantes. Também postula o autor,
não só os grupos dominantes têm ideologias, os grupos dominados e de oposição
podem ter ideologias que organizam as representações sociais necessárias para sua
mobilização para a resistência e a transformação. Ainda outras ideologias se
constituem além do poder, no âmbito profissional, por exemplo, como interesses de
grupo que se manifestam na identidade, atividades, metas, normas, valores, posição
social e recursos. Esta configuração implica em que as ideologias estão sempre
envolvidas em conflitos sociais entre grupos com interesses diferentes, mesmo que
este não seja um critério suficiente para o desenvolvimento e reprodução de
ideologias sociais (DIJK, 1996).
É preciso especificar que nem todas as representações são ideológicas. Elas
são articuladas no âmbito estrutural pelas instituições, sejam jurídicas, políticas,
religiosas, artísticas e filosóficas e no plano individual se reproduzem em função da
história de vida e da inserção específica de cada indivíduo. Assim, a análise ideológica
revela-se como fundamental por ela “determinar e ser determinada pelos
comportamentos sociais do indivíduo e pela rede de relações sociais que, por sua vez,
constituem o próprio indivíduo” (LANE, 1986, p.41).
68

Adotamos a proposta da análise de discurso crítica, que além do âmbito de


nossas escolhas teóricas, propõe toda análise centrada nas formas de abuso de poder
social, no domínio e legitimação da desigualdade. O fundamental em toda perspectiva
de análise de discurso crítica centra-se na rejeição a uma ciência livre de valores.
Considera que a ciência e em especial o discurso acadêmico são parte da estrutura
social e por ela são influídos, o que deve ser considerado na análise, que, à sua vez,
deve ser situada social e politicamente (DIJK, 1999).
Dar ênfase às dimensões social e política leva a considerar como prioritária a
análise do discurso ideológico, como um tipo específico da análise do discurso
sociopolítico. Tal análise busca relacionar as estruturas do discurso com as estruturas
sociais. Assim,
...propriedades ou relações sociais de classe, gênero ou etnicidade, por
exemplo, são associadas sistematicamente com unidades estruturais, níveis
ou estratégias da fala e do texto, incorporadas em seus contextos sociais,
políticos e culturais (DIJK, 1996, p. 15).

O que é válido, segundo o autor, para organizações sociais, instituições,


grupos, papéis, situações, relações de poder ou tomada de decisões políticas, por um
lado e para as estruturas do discurso pela outra.

3.2 Os Sujeitos, o Discurso e a Escuta

A inserção dos estudantes negros na universidade pública é uma realidade,


apesar das contraposições observadas. No entanto, ainda é um desafio ocupar os
espaços que estão sendo ganhos depois de tantas lutas do povo negro. O desafio
implica agora em percorrer o processo da educação superior se apropriando do
universo cultural que isso implica, mas também trazendo para a universidade a
riqueza cultural que tinha sido preteritada, esquecida, relegada. A necessidade de
uma posição atuante que possibilite o empoderamento dos alunos negros, mas
também a inclusão de uma dimensão da realidade que precisa ocupar o espaço do
saber acadêmico. “Na medida em que o empoderamento é o horizonte do pensamento
de-colonial (e não a verdade), é o aberto e livre na decolonialidade do ser” (MIGNOLO,
2008).
Mas, como superar os entraves que se arrastam desde o percurso escolar e
que afetam o rendimento? Quais as estratégias, como se dá essa vivência? Estudos
69

recentes indicam que os estudantes negros são os que têm menos evasão, e também
que à medida que vão se introduzindo no âmbito acadêmico seu desempenho vai
aumentando, chegando em algumas ocasiões a superar os colegas que ingressaram
de forma geral. Como isso acontece? Qual a relação com a universidade? Como esta
subsidia aos alunos em seu processo de permanência pela universidade? Como veem
esse processo os professores?
Trazemos para este espaço inicial o depoimento de 12 alunos que deram
entrevistas semiestruturadas (anexo). Sempre que foi possível tentou-se levar a
sequência da entrevista, no entanto, também sempre foi respeitado o percurso que o
aluno foi dando à entrevista. Para esta etapa do estudo foram enviadas cartas via e-
mail a todos os endereços de alunos cotistas raciais que foi possível conseguir, alguns
de listas guardadas no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFPR, outros
de listas que alguns alunos possuíam. Os alunos selecionados foram aqueles que se
disponibilizaram a participar, e que depois de ajustar data e horário, concretizaram
sua participação.
O objetivo destas entrevistas foi indagar quem são esses alunos, como
vivenciam o ser “cotista racial” e como se dá o processo de sua inserção na
universidade em seus processos de permanência e desempenho. Teve-se como
pano de fundo as relações raciais instituídas nesse processo. Os nomes dos alunos
são substituídos de maneira a preservar a sua identidade.

1) Aluno Adriano: Identifica-se como preto, vinha de Rondônia, de pais com quase
nada de instrução, mãe viúva, trabalhadora doméstica, com 8 filhos para criar sozinha.
Estando ainda no colégio, ficou sabendo da UFPR, se interessou, especialmente pela
existência da Casa do Estudante, onde morou até o momento de sua formatura. Fez
cursinho em troca de trabalho no Positivo, entrou na UFPR com a primeira turma no
ano 2005, ingressou primeiramente no curso de Engenharia, no ano 2007 fez
novamente vestibular e ingressou em 2008 no curso de Direito noturno. Foi
incentivado a fazer um curso superior pela irmã, que teve a oportunidade de trabalhar
num espaço em que havia muitas pessoas formadas, estimulando a ele e às suas
duas irmãs mais novas a estudar, elas fizeram faculdade posteriormente em
universidades particulares. Foi o primeiro e único de sua família que estudou em
universidade pública, federal, hoje já está formado.
70

2) Aluna Betânia: Aluna parda, morava na região metropolitana, até vir a Curitiba para
fazer faculdade, começou a trabalhar entre 14 a 16 anos, pai semianalfabeto, trabalha
como pedreiro e a mãe tem ensino básico incompleto, trabalha como servente de
limpeza, tem 4 irmãos, nenhum deles faz faculdade. Ingressou com a primeira turma
de cotistas raciais no curso de Química, formou parte do Afroatitude. Não gostou do
curso de Química e fez Provar , ingressando em Ciências Sociais em 2008. Em 2011
volta a fazer vestibular para limpar o histórico em Ciências Sociais, se forma em 2013.
Morou na Casa do Estudante e logo em casa de amigos até casar, teve depressão
profunda em 2010 mas conseguiu reagir e hoje, já formada, é professora concursada
de Ensino Médio.

3 Aluno Caio: É pardo, de Pato Branco, casado, tem um filho e a responsabilidade


de sustentar sua família. Seu pai é aposentado, foi cabeleireiro e sua mãe manicure,
os dois com instrução fundamental incompleta, pai negro e mãe branca. Declara ter
sofrido muito preconceito quando criança, ingressa em 2006 no curso de Geografia,
em 2009 faz vestibular de novo para Administração. No momento da entrevista (2013)
tem 37 anos, tinha muita preocupação por sua idade, se achava muito velho para
concorrer a empregos, não tinha conseguido fazer estágios, também tinha muito medo
de jubilar no curso, estava com muitas matérias atrasadas. Tinha jornada muito
intensa, ficava no trabalho até as 6 da tarde, buscava o filho, levava para casa e corria
para a universidade, saia de lá às 11 da noite, voltava para casa muito cansado, sem
muita força para estudar. Não conseguia participar em nada na universidade, não
tinha grupo na universidade, queria fazer pesquisa, mas o horário de trabalho não
possibilitava.

4) Aluna Luana: Autodeclara-se preta, ingressou em 2008 num curso do Setor da


Saúde (ela prefere omitir o nome do curso), é de São Paulo, fez pesquisa pela internet
procurando aonde poderia estudar, fez o vestibular para vários lugares e deu certo
aqui em Curitiba. O pai tem curso superior (Economia), é aposentado do Tribunal de
Justiça, seus pais são separados, a mãe trabalhou em labores de limpeza, hoje é
pensionista. Esta aluna demorou para entrar na universidade. Primeiro teve que
trabalhar para ajudar a irmã a se formar, na atualidade são as irmãs que a ajudam no
financiamento de sua estadia e estudos aqui em Curitiba. Não quis procurar bolsa,
acha que alguém pode precisar mais que ela, no período das férias trabalha como
71

temporária e junta dinheiro para o período de aulas. Tem muita paixão pelo curso,
embora tenha muitas dificuldades de todo tipo, financeiras, de relacionamento com os
professores, com os colegas, falta de subsídios, etc.

5) Aluna Maria: Esta aluna tinha 24 anos no momento da entrevista (2013), é parda,
com fenótipo mais de branca, mãe descendente de italianos e pai negro. Mora e
trabalha em Araucária e se desloca a Curitiba todo dia, volta de van, é agente de
saúde, participa da igreja, é católica praticante. Fez primeiro um vestibular para
Jornalismo e não passou. Hoje faz Letras e está muito contente e satisfeita com seu
curso, estava se formando já no fim de ano. Tem bom rendimento acadêmico, não
teve problemas durante o curso e tem um bom grupo com o qual faz os trabalhos,
pretende seguir estudando na universidade.

6) Aluna Elisa: Faz Pedagogia noturno, é negra. Tinha 29 anos no momento da


entrevista (2013), trabalha como auxiliar de enfermagem no Hospital Universitário,
mora com seus pais, ingressou primeiramente para Contabilidade em 2008, porque
gostava muito de matemática, mas não se adaptou ao curso. Em 2009 fez Provar e
em 2010 ingressou no curso de Pedagogia. Esta moça teve um incidente racial com
uma professora, que adquiriu notoriedade nacional. O caso foi até a justiça, e isso
mudou muito sua vida na universidade.

7) Aluna Paola: Aluna que ingressa em 2009 no curso de Sociologia, no momento da


entrevista (2015) tinha 26 anos. Pai com ensino fundamental completo, trabalhava de
pedreiro, recentemente falecido. Mãe com o ensino fundamental incompleto, dona de
casa. Foi professora temporária, no momento da entrevista se sustentava com bolsas
da universidade. Atualmente é aluna do Mestrado de Antropologia. Paola tem uma
identidade negra bem consolidada, embora sua pele seja mais branca, o que, devido
às suas opções identitárias, tem lhe trazido alguns problemas.

8) Aluno Felipe: Este aluno é pardo, tem 32 anos, é casado. Inicialmente em 2011
ingressou no curso de Física, logo que ingressou se informou que tinha o curso de
Engenharia Mecânica noturno e conseguiu passar para esse outro curso no ano de
2012. Trabalha e, apesar de estar com algumas matérias em atraso, está muito
72

tranquilo e feliz de saber que poderá melhorar muito as condições de sua vida uma
vez formado.

9) Aluno Samuel: Este aluno é de Rondônia, de Altamira. Antes de ingressar na


universidade fazia serviços como pedreiro, optou pelo curso de Engenharia Civil, pela
proximidade com seu oficio anteriormente. Este aluno se informou das possibilidades
da universidade por uma família com quem estava trabalhando e que lhe deu pousada
no período do vestibular e durante o período inicial das aulas. Logo passou a morar
no lar, lugar onde mora até hoje. Em algumas ocasiões teve bolsa permanência e
também faz bicos para se sustentar. Tem matérias atrasadas, mas compreende que
é pela sua base escolar, muito frágil, o que faz com que aprove as disciplinas na
segunda tentativa. Mas está tranquilo e satisfeito pela oportunidade. Não gosta muito
do social mas participa e considera como seus amigos os companheiros da casa do
estudante onde mora, prefere se concentrar nos estudos e nas suas obrigações.

10) Aluno Francisco: Este aluno tem 20 anos, é aluno de Direito, muito disciplinado
e vai muito bem em seu curso. Seu pai tem Ensino Fundamental Incompleto e sua
mãe Ensino Médio Completo. Seus pais se dedicam afetivamente em cuidar que tenha
as condições para estudar. Faz estágio bem remunerado no Tribunal de Justiça e com
essa renda ajuda em casa. Seu interesse pelo curso de Direito se ocasionou devido a
um incidente que deixou seu único irmão preso na cadeia por vários anos.

11) Aluna Daniella: Esta aluna tem 20 anos, ingressou no curso de Medicina em
2013. Seus país são muito politizados e viam as cotas raciais como uma conquista e
um direito. O pai já começou algumas faculdades que não conseguiu concluir por ter
que trabalhar, atualmente está concluindo o curso de Direito. A mãe é pedagoga e já
fez pós-graduação. Esta aluna fez o ensino médio na UTFPR.

12) Aluna Matilde: Esta aluna tem 21 anos, ingressou em 2014 no curso de Filosofia
noturno, estando lá se informou que existiam as bolsas e decidiu tentar pelo PROVAR
para mudar para o curso de Agronomia. Conseguiu ingressar neste novo curso em
2015, no entanto ficou sem bolsa de permanência no primeiro semestre o que a afetou
muito, por causa de suas condições econômicas muito precárias. Sua mãe é
73

empregada doméstica mas estava desempregrada. Ela depende totalmente da bolsa


permanência e do subsídio alimentação para se sustentar.
74

4. INICIANDO A ANÁLISE

O estudo tornou-se um desafio, pois não tínhamos dados quantitativos que


pudessem nos dar um referencial, alguns indicativos de quais são as condições dos
alunos. Mas também, compreende-se que pesquisar a permanência e o desempenho
dos alunos cotistas raciais da UFPR, não se limita ao entorno restrito das avaliações
acadêmicas e/ou aos registros de faltas e presenças, trancamentos e evasão. Trata-
se de um processo que conflui em permanência e desempenho e que vincula-se a
diferentes fatores: condições econômicas, relações diversas, subsídios culturais,
processos de identidade, valores, espaços de acolhimento, assistência da
universidade, estratégias não formais, entre outros, numa articulação maior com a
entidade universitária que adota Política de Ações Afirmativas. Considera-se estes
inúmeros fatores tendo como pano de fundo as relações raciais.
Fazendo leitura do texto “La Naturaleza de las Relaciones Raciales” de Robert
Park, podemos dizer que relações raciais se constituem quando pelo menos uma das
partes se relaciona tendo consciência racial, mesmo que raça seja um conceito
ideológico sem sustentação científica. Relações raciais podem ser descritas
fundamentalmente a partir de sentimentos e atitudes gerados pela questão racial,
mesmo que aparentemente não exista mais base que a existência de uma consciência
coletiva comum. Também o termo relações raciais inclui relações que hoje podem não
estar muito conscientes mas que já foram em seu momento. Relações que se fixaram
e reforçaram pelo costume, as convenções e a rotina de uma ordem social que quiçá,
no momento, já não existem mais, porém circulam entre a interação das pessoas.
A análise tem como foco a permanência e desempenho destes alunos, tendo
como propósito maior contribuir com o empoderamento deste setor populacional nas
universidades públicas e na sociedade, como forma de viabilizar a superação das
desigualdades raciais e a discriminação, pela ascensão social, possibilitando recursos
para a superação do racismo.
Assim, iniciamos esta análise nos perguntando quem é o aluno cotista racial da
UFPR, garimpando nas experiências dos alunos em seus percursos e nos significados
que eles dão a essa experiência, elementos que possam dificultar ou promover os
processos de permanência e desempenho, no intuito maior destes alunos, que é
75

alcançar êxito em seus propósitos e que as ações afirmativas se cumpram em seus


objetivos.
Compreendemos, como diz Dijk (2010), que as palavras têm sentidos e
significados históricos. Que os discursos são incompletos, tal qual os icebergs, dos
quais vemos só um pedacinho. A maior parte está invisível. No entanto, formula o
autor, essa parte não visível está configurada numa enorme rede de conceitos e
proposições construídas sobre a base de alguns conhecimentos, que hoje, aqui,
trataremos de elucidar na interpretação possível.

4.1 O Que é Ser Aluno Cotista Racial na UFPR?

Quem é o cotista racial? Como ele se sente? Como ele se vê? Como os outros
o veem? Voltando-nos ao aluno, centramo-nos na pergunta “quem sou eu?”.
Quando surge a pergunta “Quem sou eu?” podemos dizer que estamos
refletindo sobre nossa identidade. Magistralmente Montero (1987), refere-se a essa
construção com detalhe a partir das palavras de outro autor (TAP, 1980), deixando
clara a repercussão dos outros na identidade, o que vai ao encontro daquilo que o
sujeito é, o que tenta ser, muitas vezes apesar das forças escravizadoras e opressoras
que o submetem. Assim, a identidade é ...

...um sistema dinâmico de sentimentos axiológicos e de representações pelos


quais o ato social, individual ou coletivo orienta seu comportamento, organiza
seus projetos, constrói sua história, busca resolver suas contradições e
sobrepõe-se aos conflitos, em função de determinações diversas ligadas a
suas condições de vida, as relações de poder nas quais está implicado, em
relação constante com outros atores sociais sem os quais não poderia definir-
se nem se reconhecer (TAP, 1980, p.11-12, apud MONTEIRO, 1987).

Quando iniciei a entrevista com este aluno de Direito, que vou chamar de
Adriano, percebi que tinha algo estranho, ele tinha me falado que ingressara em 2008.
No entanto, antes deste aluno ingressar à universidade já morava na Casa do
Estudante. Indaguei mais, forçando o tema, o que obrigou ao aluno a falar que ele
tinha feito antes dois ano e meio de Engenharia Cartográfica, ou seja, pertencia aos
jovens que entraram no primeiro vestibular com cotas raciais. Notoriamente ele tinha
pretendido ocultar essa etapa de sua vida, assim como quando perguntei se ele tinha
76

entrado por cotas, senti que duvidou... e depois de fazer um silêncio e pensar, me
falou que “achava” que sim, confirmando logo depois que efetivamente entrou por
cotas raciais no ano que se iniciaram as cotas. Este aluno tinha se formado em Direito
alguns dias antes da entrevista e, apesar de ter culminado com pleno sucesso sua
etapa acadêmica, não mostrava para nós, no momento da entrevista sentimento de
orgulho, alegria ou satisfação, mas o que estava aparecendo era mais um sentimento
de insegurança e até de vergonha, diante das perguntas realizadas, sentimentos que,
parece, ficavam nele como resíduos quase imperceptíveis que delatavam o processo
histórico-social de sua vida nos significados que dava à sua permanência na
universidade.
Porque ele poderia ter sentido a necessidade de ocultar algumas experiências
de sua vida acadêmica e ter vergonha por isso? Quais seriam as relações instituídas
em torno dessa experiência, provavelmente marcada de acontecimentos que ele
preferia não lembrar? Estas reflexões nos levam a realizar essa análise nos dispondo
a tentar compreender desde a experiência de jovens alunos cotistas raciais o que é
ser cotista racial na UFPR, o que se apresenta como um elemento desafiador para a
identidade destes jovens estudantes negros.
A construção de ser um aluno cotista racial constitui-se a partir das interações
estabelecidas na historicidade de sua vida e na apropriação de novas realidades
configuradas nos contextos da vida acadêmica pelas significações que se dão às
experiências com os outros. Os alunos negros que ingressam na universidade
comumente provêm de famílias muito pobres, têm pais quase analfabetos, são jovens
que moram nos lares disponibilizados pela universidade ou na periferia da cidade, e
regularmente são os primeiros a ter a oportunidade de ser aluno de uma universidade
federal, pública, gratuita e de qualidade. Mas também são jovens atuantes e ativos
que, a partir de suas interações, na revisão de sua historicidade, aspiram a transformar
e superar condições que perpetuam sua inserção social. Ao fim das contas, transpor
as barreiras colocadas historicamente para este setor populacional implica numa
potencialidade que situa estes alunos como possuidores de um grande “mérito”, que
na racionalidade eurocentrada não tem valor acadêmico. São jovens que se dispõem
a lutar por uma vida diferente, na “resistência a poderes, alguns deles, poderosos,
num esforço extremo para recusar a ser o que quiseram fazer dele” (SAWAIA, 2000,
p.2).
Adriano confirma seu pioneirismo na universidade quando diz...
77

Eu sou, sei lá... dos meus amigos de infância, talvez seja a única pessoa que
tenha... um negro, alguém que tenha passado na universidade federal. [...]
Eu acho que eu sou o primeiro membro da história da minha família a entrar
na universidade pública. Então historicamente não existia nenhuma influência
(Adriano).

Esse fato, que situa Adriano como uns dos alunos cotistas raciais da UFPR, em
uma de suas características comuns, articula-se na engrenagem de sua vida a um
outro fato, que é a de ser um jovem negro, o que o situa num lugar na sociedade e
traz repercussões para a construção de sua identidade.

a consciência acerca de ser um sujeito... da própria negritude, né? Acho que


assim, é... no Brasil, você, o negro aprende muito cedo, muito cedo, o que é
ser negro. Só que ele aprende por uma via do Estado equivocada, que é a
Polícia. Então assim, é óbvio que eu notava a diferença do tratamento
dispensado a mim e o tratamento dispensado aos sujeitos da mesma faixa
etária, com a mesma escolaridade, brancos. Eu via a diferença entre o
racismo que eu sofria e a ausência desse racismo em outras pessoas. Então,
em alguma medida, eu tinha a consciência do que era sofrer as
consequências do que é ser negro, de ser negro (Adriano).

Ser negro é, para este aluno, sofrer as consequências do que é ser negro e
isso passa pela construção de uma subjetividade que transita na insegurança social
quando a probabilidade de um jovem negro morrer assassinado antes da idade adulta
é 134 vezes maior que a de um jovem branco (BRASIL, Documento Perspectivas
Negras, 2011), isso com o agravo de que é a ação policial que contribui com a
estatística do genocídio cotidiano da juventude negra.
Ingressar na univesidade é uma grande possibilidade de mudança e mobilidade
social. No entanto, podemos dizer, a partir dessa realidade, que as condições de um
jovem branco são as mesmas que as de um moço negro, e ainda dizer que não há
diferenciação no que chamamos de oportunidades?
Ainda, vivemos a ilusão que a nossa identidade social é consequência de
opções livres que escolhemos a partir de nosso meio social, isso só acontece
parcialmente, considerando que de fato as condições sociais que vivemos e o lugar
que temos nesse espaço social definem em grande parte nossa identidade social. Ao
se referir à sua realidade, Adriano nos conta...

o sujeito, ele sofre discriminação a vida toda. A vida toda em praticamente


todos os lugares que... que ele acessa, ele é discriminado. E existe uma...
uma certa parcela da sociedade que atribui esse erro ao próprio negro
(Adriano).
78

Nesse contexto, Lane (2009), pontua o quanto a nossa história de vida é


determinada pelas condições históricas, o quanto a posição em que nos encontramos,
o que nós pensamos que somos, em maior ou menor grau, foi engendrado no âmbito
de uma ideologia de sociedade voltada para garantir a manutenção das relações
sociais hierarquizadas. No caso do aluno Adriano, a consciência dessa relação é
demarcada em sua condição de ser negro e reafirmando essa posição, nos conta um
episódio que ele seguiu de perto no restaurante universitário....

A gente estava sentada numa determinada (?) na fila da frente tinha um grupo
de pessoas do Direito. Dentre esse grupo, mais ou menos seis pessoas.
Dentro desse grupo de pessoas existia um negro. Sujeito, sei lá, tão pardo
quanto eu. Existia um negro lá. E outras cinco pessoas. E assim, as pessoas
conversavam entre elas e tal e de vez em quando, o negro, ele inseria algum
comentário. Ele falava: “Ah, tal”. O sujeito estava falando lá da novela, ele
dizia “Ah, o Gianechinni é bonitão mesmo e vamos aí”. E aí quando ele
inseria, quando ele tentava se inserir na conversa, as outras pessoas do
grupo paravam aquele assunto, de alguma maneira assim... é... não faziam
com que ele.. paravam o assunto, trocavam... então não havia uma
continuidade na conversa daquele tema. Isso aconteceu com nós, sabe, na
mesa de trás... a diferença entre o tratamento deles com ele, o tratamento
deles com o negro e a relação dessas duas coisas. Era bastante evidente. E
aí eu e um outro negro, a gente estava sentado na fila de trás, a gente... aquilo
começou a chamar a atenção o negócio... e aí isso aconteceu uma vez,
duas... lá pela X vezes que isso aconteceu, o negro, que estava inserido no
grupo, que fazia parte daquele grupo, era também estudante da mesma
carreira, ele parou de intervir na conversa e começou a comer. O que que o
sujeito está fazendo aí? Eu vim pra comer, vou comer, beleza. Mas eu
também vim pra bater papo, conhecer outras pessoas, enfim... E aí ele meio
que para essa troca e vai comer o negócio dele é comer a refeição dele e
beleza. Eu aposto, eu aposto o meu dedo, como esse sujeito não percebeu a
ação de exclusão daquele grupo. Mas o grupo não agiu de maneira de
discriminar porque é perigoso fazer isso, nesse caso, mas ainda assim, ele
foi excluído, entendeu? Então a estratégia de exclusão é diferente da
estratégia de discriminação, aqui pra nós. É possível que um sujeito seja
excluído, mas pra ele ser discriminado de maneira... é... de maneira incisiva,
de maneira a caracterizar o crime, isso é muito difícil (Adriano).

No contexto de um espaço da universidade acontece entre jovens de uma


mesma turma uma forma de racismo mascarada, menos visível e direta mas, nem por
isso menos incisiva. Formas de racismo moderno que se utilizam de novos códigos
difíceis de serem definidos. O mais preocupante é que esses atos aconteçam em
espaços nos quais se critica o racismo, se produz em quem diz que o racismo deve
ser erradicado e/ou que o racismo não existe. O ambiente criado é um falso ambiente
que tenta esconder aquilo que está posto. Isso traz consequências para quem é
excluído, complicando processos de desempenho e permanência. Preconceito racial
79

é o resultado de um processo de crenças e valores instituídos numa sociedade,


promove-se no contexto no qual o racismo institucional é predominante, são
construtos que se internalizam no âmbito cotidiano de maneira acrítica, consolidando-
se mais tarde nos espaços familiares, de amigos, de colegas de trabalho, na
universidade. Sendo o preconceito um fenômeno que se expande como um fenômeno
intergrupal, e ao considerar que quem pertence ao exogrupo tem status inferior ao
grupo dominante se permite despreciar e/ou ignorar ao integrante do grupo
inferiorizado como forma de manter as distâncias e se colocar também de maneira a
manter as relações de poder instauradas, rejeitando qualquer transformação.
Referindo-se à sua experiência pessoal,
Adriano agrega...

Discriminação direta, de alguém falar: “Ah, não vou fazer um trabalho com
você porque você é preto” não. Não aconteceu. Diretamente não. O que não
exclui o processo de exclusão. [...] ...quando, por exemplo, o grupo era um
número fechado, que você sobrava e o professor... você era obrigado a entrar
nesses outros grupos no qual você não era bem aceito... você chegava lá e
eles te rejeitavam. Eu cheguei num grupo e falei:” Ó, eu tô sem grupo, (?)”
Eles olharam pra mim e eles não me responderam, fizeram de conta que eu
não estava ali (Adriano).

O processo de inclusão na sala de aula é experenciado pela exclusão a partir


dos outros, dos colegas, na interação na sala de aula. Pergunto para o aluno: se essa
experiência de exclusão... ela... você acha que interferiu no seu processo de
desempenho na universidade?

Mas não tenho dúvida, nenhuma dúvida disso. Não tenho nenhuma dúvida,
e não é com relação a mim, é com relação a todo e qualquer negro em todo
e qualquer curso da Universidade. É... o... o... o fato de ter... o fato de ter
várias ações consideradas mínimas, no somatório disso, se você for ver...
pensar, sei lá... eu passo por dois processos de exclusão diariamente, chega
uma hora que não são dois processos de exclusão, chega uma hora que são
duzentos processos de exclusão. E aí a gente vê... recentemente aconteceu
com um menino, com um menino aqui do Direito, dele... teve um surto. Ele
surtou. É... o menino, ele surtou. E aí a galera falou: “Meu, mas como, né? O
cara estava bem anteontem, quatro dias atrás e tal, estava bem...(Adriando).”

A exclusão é vivenciada nesse caso na subjeitividade pelo sofrimento, pela dor


que provocam as condições vividas. Poderia se dizer que essas condições são
determinantes na trajetória acadêmica e que os apelativos dados de forma
preconceituosa funcionariam limitando as condições de permanência e desempenho
prejudicando as possibilidades de uma formação profissional. Esse pressuposto é
80

apoiado por diversas teorias psicossociais que postulam que as condições sociais das
pessoas são determinantes para sua constituição e desenvolvimento como pessoa.
Adriano prossegue, reforçando essa condição...

O... o prejuízo que isso gera na formação é um prejuízo acumulado, né?


Então, o acúmulo dessas... dessas ações pontuais fazem com que... com que
o sujeito em algum momento comece a questionar o próprio... o próprio
conhecimento, o próprio saber... ou a própria capacidade de desenvolver
aquilo (Adriano).

Gordon Allport, em sua clássica obra “La Naturaleza del Prejuicio”, nos convida
a refletir sobre o fato de como seria para todos ser constantemente desvalorizados.
Moya (1996) postula que, mesmo tendo fundamentos falsos, o fato de estar sempre
escutando opiniões desvalorizadoras, acaba por repercutir nas pessoas. A partir
dessas reflexões nos perguntamos, como estes jovens estudantes negros vivem sua
condição de serem alunos cotistas raciais?
Adriano expõe...

...além de ter estudado majoritariamente em escola pública ainda tem um...


um agravante pela pigmentação. É óbvio que em algum momento... é... o
reflexo da... da história de vida desse sujeito que estudou em escola
particular... o reflexo disso vai aparecer na universidade e isso faz com que
os cotistas... com que os cotistas em sua maioria... comecem a duvidar da
própria capacidade intelectual. É... isso é... isso é de uma agressividade...
isso é de uma agressividade que talvez eu nem consiga dimensionar. O fato
de você... o fato de se sentir inferior intelectualmente a alguém faz com que
a própria capacidade do sujeito seja... seja diminuída. [...] Como eu estava
falando... o próprio... a interferência no desempenho acadêmico, ele vêm
dessas... dessas sutilezas... dessas... o... o... a dúvida com relação à
capacidade intelectual ou a dúvida com relação a uma... enfim... uma
infinidade de desvantagens que o cotista acumula ao longo do..(Adriando).

Carvalho (2006) afirma que o ambiente acadêmico já exerce um profundo efeito


inibitório na maioria das pessoas. Com maior razão nos jovens estudantes negros que
trazem uma trajetória de rejeição e de inadequação social. Ainda na carência total de
referências, ao ser, comumente, os primeiros de seu espaço grupal a ter a
possibilidade de estudar numa universidade pública, federal, com pouco ou quase
nada de subsídio cultural de como funciona a universidade, carentes do capital
simbólico específico que às vezes serve de etiqueta e de senha de entrada e que,
mesmo, não sendo fundamental para o desempenho, abre portas de acesso aos
espaços setorizados de privilégio e poder (CARVALHO, 2006).
81

Voltando à pergunta “O que é ser cotista racial na UFPR?”, centramos nossa


interrogação no âmbito das cotas raciais. Nesse contexto perguntamos para outro
aluno, que chamaremos de Caio, sobre as cotas raciais e o que pensam seus colegas,
ele relata...

no meu curso, eles são velados assim, eles não abrem muito, mas quando
eles falam, eles são extremamente contra cotas [...] Isso, as políticas de
cotas, as políticas sociais, políticas do governo, qualquer política nesse
sentido, eles são extremamente contra (Caio).

Sondando a fala dos alunos, vai ficando a percepção de que eles sofrem a
rejeição pela condição de serem cotistas, não há a compreensão do significado
histórico dessa condição, o que obriga ao aluno a guardar sobre sigilo sua identidade,
já não como uma opção sua, dele autolimitar-se, mas como um fator que pode
interferir e fragilizar suas interações sociais na sala de aula. Perguntei ao aluno: “E
isso repercute no relacionamento que você têm com eles?” ao que me responde que
não, agregando...

Não, porque eles não particularizam, eu na minha turma hoje, eu não sei
quem é negro lá dentro, quem se considera negro (Caio).

Ao que eu pergunto: “Não será justamente porque as pessoas ficam com medo
de se colocar, por causa da opinião da maioria?” Obtenho como resposta...

Sim, isso, exatamente eu inclusive tenho medo né? Eu não levanto a


bandeira, que eu sou cotista, porque lá dentro fica meio assim, entrou por
cotas, você pegou um atalho, eu tive que estudar e tal, você não, você entrou
pela janela né? A impressão que eu tenho da visão deles para com os
cotistas, é essa (Caio).

Entrevistadora: E você, como se sente em relação a isso?

Me incomoda, me incomoda (Caio).

Percebe-se a vergonha, fundada nos argumentos que transitam deslegitimando


as cotas, evidenciando a falta total de trabalhar conteúdos raciais, promovendo que o
cotista racial se oculte, não apareça, fique na invisibilidade. A identidade que se
constrói transita entre se confirmar como aluno da UFPR e em se negar como aluno
cotista racial, uma situação de ambiguidade que deixa ao aluno no lugar do “não
82

lugar”. O sigilo que busca preservar a identidade do aluno, reverte-se fragilizando-o


ao se transformar num dispositivo de poder, na exclusão, na inferiorização.
Por outro lado há um vazio enorme em relação aos subsídios necessários para
o êxito das ações afirmativas. Ainda este aluno não tem condições de se fortalecer
nas interações com o grupo, apresenta-se como o protótipo do aluno que, ao não ter
interação com os seus similares, não tem como fortalecer sua consciência racial e
menos ainda procurar ajuda para os trabalhos do curso. Aprisionado na identidade
que os outros dão para ele, atribui suas dificuldades a si mesmo e é dominado pela
apatia, o desânimo, a desesperança.
A política das ações afirmativas chega para este aluno pela rejeição, pela
desvalorização que no campo das interações concretiza-se pelo medo a se identificar.
Confirma-se a inclusão pela exclusão, no estranhamento das ações afirmativas.
A percepção da rejeição às cotas é generalizada, ainda inserida num campo de
significados de hierarquização do racial. A inscrição do racismo marca a identidade,
ou seja, tem repercussão na pergunta de quem sou eu, de como as pessoas se
reconhecem e como as pessoas reconhecem ao cotista racial.
Elisa, aluna de Pedagogia não difere do que já foi reconhecido pelos colegas
de outros cursos. Ela postula....

... eu acho que as pessoas são contra, a maioria eu acho que é contra, mas
assim porque nunca tiveram mais informação. Porque nasceram brancos e
acham que é assim mesmo, que não têm cotas, que as pessoas não
merecem entrar pelas cotas, mas porque não... (Elisa).

O relato dos alunos entrevistados evidencia essa percepção dos outros “serem
contra”, o que implica uma forma de se relacionar, de se situar, de estar em sala de
aula a partir do lugar que está sendo dado. Na dialética de ser o que os outros atribuem
e o que o aluno é constituem-se as subjetividades, na demarcação do racial. Elisa
reflete e nos diz:

Eu não tinha ideia de que dentro da universidade você é visto diferente, dentro
da universidade porque não é um espaço onde tem muitos negros, a gente
está em Curitiba, é uma capital onde tem mais pessoas brancas, tem
pouquíssimas pessoas negras na cidade inteira (Elisa).

Nas palavras desta aluna percebemos o sentimento de tentar encontrar uma


racionalidade para sua experiência na universidade. Para nossa pesquisa é
83

importante abrir as camadas que submergem o que acontece, a dimensão das


relações raciais e como elas repercutem na sala de aula. Na estrutura institucional
estas camadas de realidade aparecem como focos de descolocação, alheios à
universidade onde “todos os alunos são iguais”.
A aluna do curso de Agronomia, Matilde, nos conta de como sua identidade foi
estremecida no dia que foi fazer vestibular junto com a sua irmã.

... porque eu lembro que a gente passava nos corredores assim, e aí eu só


ouvia “ah, estão vindo roubar vaga, né?”, “hum, esses cotistas”, só que eles
não sabiam, simplesmente pela cor da minha pele, eles falavam que eu era
cotista. E eles não sabiam se eu realmente era, se eu não era. A população
antes de entrar na universidade, já fala assim de você, quando entra, fala que
as cotas são facilitadoras, que você está tendo dificuldade, não porque você
está tendo um choque aqui dentro, mas é porque você não sabe fazer as
coisas, porque você é burro, você entrou com facilitador, você nem fez a
prova, você só passou, só se inscreveu (Matilde).

A contraposição às cotas mistura-se com um racismo que se manifesta na


evidência da aparência física, calcada no fenótipo, se manifestando na defesa do
acesso às oportunidades de mobilidade, na disputa pelas vagas. O racismo surge
impetuosamente, sem filtros, definindo uma forma de se relacionar com o “outro” na
universidade.
Paola, outra das alunas entrevistadas relata que cada vez que falava com os
colegas que era cotista racial, percebia uma certa resistência, inclusive tinha uma
colega que falou para ela que as cotas eram muito injustas, que se estava tirando
vaga de pessoas de classe média, que assim como ela que tinha pais comerciantes,
pagavam mais impostos. Isso foi constituindo uma sensação de estranheza, que
Paola retrata assim....

eu tinha aquela sensação de que a Universidade estava me fazendo um


favor, essa sensação de não lugar, entende? Se você não está num lugar que
pertence a você, já te faz entrar assim. Inclusive na sala de aula encolhida,
eu não devia estar aqui, eu entrei por cotas, então, estão me fazendo um
favor (Paola).

Podemos pensar como as pessoas se sentem ao escutar constantemente que


são inferiores, não merecedores e outras tantas apelações pejorativas. E ainda,
sabendo que por mais que se esforcem esse (pre)conceito não irá mudar. A sensação
de não lugar era recorrente, tal como nos fala Adriano.
84

E também essa questão né? De ser cotista que pesou um pouco no início do
curso, eu percebia né? Que as opiniões eram bem controversas a respeito
das cotas, e outra coisa também que me causou um pouco de dificuldade, foi
a sensação de não lugar que eu tinha dentro da Universidade, era como se a
Universidade não fosse para mim (Adriano).

A percepção é de não merecimento, a mensagem que se passa é de


diminuição, e tudo isso constrói-se no âmbito das relações sociais que se tecem no
cotidiano universitário, com o agravante de já chegar com certas desvantagens, ainda
a um espaço desconhecido. Paola nos conta, em relação à sensação que tinha
quando entrou na universidade....

nossa!! eu ainda procurar bolsa? eu ainda vou ficar procurando outros


recursos? Já a Universidade me faz um favor de me manter aqui né? Porque
eu sou cotista, por uma série de questões, a Universidade já está fazendo
muito por mim, eu tinha essa impressão, então eu já não ia atrás dessas
coisas, porque eu já me sentia assim suficientemente contemplada pelo fato
de estar ali (Paola).

As interações comentadas pelos alunos evidenciam em grande parte que existe


entre seus pares um descontentamento geral pela efetivação das ações afirmativas
via cotas raciais, e essa percepção acaba repercutindo na construção de “quem sou
eu”. A identidade é construída pelo “não lugar” que estes alunos experienciam na
interação com colegas da comunidade universitária. Consciência de reparação
histórica, justiça social ou a compreensão da riqueza da diversidade não aparecem.
Atribui-se aos alunos cotistas negros elementos que os definem na inferioridade,
pessoas que não estão respeitando o princípio do mérito e da igualdade, que estão
usurpando lugares e outros apelativos que emanam dos significados expressados
pelo olhar, pelo não dito, pelo distanciamento.
Sentimentos antagônicos são encontrados, por um lado a potência e a alegria
de ingressar numa universidade pública, gratuita e de qualidade, garantindo um lugar
na sociedade, por outro lado a vergonha, a humilhação do lugar hierarquizado que é
significado para estas pessoas nesse espaço.
A construção do “quem sou eu” em algumas ocasiões passa por situações mais
difíceis, como foi o caso de Luana, marcada profundamente pelo preconceito racial.
Embora tenha conseguido se inserir num grupo que a acolhe, prevalentemente sua
experiência é mediada pela significação que os outros outorgam-lhe no âmbito
acadêmico, se impondo como relações raciais na hierarquização e imposição do
85

poder, e pela luta a se manter permanecendo num curso do setor da Saúde, que ela
prefere não especificar, para não ser identificada. Quase quando ainda estamos
iniciando nossa fala ela declara....

Na verdade eu comecei a perceber aqui, em São Paulo, na verdade eu nunca


senti isso. Lá eu sempre me dei muito bem com os professores, até um tempo
atrás encontrei com um professor do ginásio, ele me convidou para tomar um
café, sempre me dei super bem, nunca passei por isso, nunca, nunca...
(Luana).

Na sequência pergunto se tinha muitos negros na escola dela...

Em São Paulo tem muito mais negros, então é uma coisa mais comum....
Aqui como que tem poucos negros, eles não conhecem e por isso eles julgam
de uma forma errada, até uma situação engraçada foi que uma menina
perguntou: “nossa, como é que você vai se manter aqui?” não me conhecia
nem nada, nem de uma forma, de uma forma bem pejorativa, como se eu não
tivesse capacidade de estar ali. Claro, eu estou batalhando para ficar na
universidade, assim como todo aluno (Luana).

Percebe-se a construção da identidade no contexto social marcada pela racial,


não é o mesmo ser negro em São Paulo que ser negro em Curitiba, lugar com mais
população branca que valoriza sua branquidade na herança dos povos europeus
colonizadores da região. A aluna vivencia intensamente as relações raciais pelo
estereótipo e pelos preconceitos, no trânsito pela cidade, em suas relações informais,
na universidade. Saber-se negra, postula Souza (1983):

é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida


em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas
alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a
resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades (SOUZA, 1983,
p.18).

A identidade racial construída na demarcação do racial reforça à aluna sua


consciência racial, o que denota-se quando pergunto para ela se as cotas significaram
ter que remover sua identidade...

Nem um pouco. Não, pelo contrário, me reafirmou, porque aqui tem essa
cobrança também, porque as pessoas acham que os alunos que vêm de
cotas, têm que ter um nível intelectual baixo... (Luana).

Esta aluna encontra fortaleza na luta, na vontade de se fazer na contramão do


que está lhe sendo posto. Tem clareza de consciência racial e esse reconhecimento
86

lhe possibilita uma posição crítica e de posicionamentos. Então prossigo a


conversação com ela e falo... “Então você percebe isso das pessoas?”

Sim, eu percebo isso, tem que ser, eles acham que tem que ter a deficiência,
com relação a conhecimento, a tudo (Luana).

Entrevistadora: E você percebe isso em quem?

Em colegas, em professores, em tudo. Está o tempo todo, o tempo todo estão


testando, estão provando. Eu tenho que ser melhor, e nem sempre eu
consigo ser melhor, então se você não consegue ser melhor, você é pior, não
tem o meio termo, eles não veem como igual (Luana).

No contínuo da cor, quanto mais negro mais repercussões no preconceito, na


discriminação. E ser negra para esta aluna significa carregar uma série de
estereótipos, com todas as conotações de subordinação que isto implica.
As palavras da aluna trazem a vivência do preconceito no dia a dia da
universidade, enfrentando a desqualificação de seus colegas e professores. Quais os
sentimentos que se geram? Como isso repercute nas relações acadêmicas? Qual o
impacto nas avaliações, no desempenho? Na permanência?

O que eu vejo é que tem alguns professores... você faz uma pergunta eles
ignoram um pouco [SE EMOCIONA], eles até respondem mas com uma certa
rispidez. Até ontem passei por isso, uma professora falando mal de mim para
um outro professor, que eu sou um pouquinho mais lerdinha com relação
às outras pessoas, e ela falando assim: ‘’ai você viu o quanto ela demora?”
então quer dizer, ao invés dela tentar ajudar ela faz com que a coisa fique
mais difícil então é complicado, e isso dói um pouco pois você vê que é um
professor, se fosse uma outra pessoa eu poderia até nem me importar tanto,
mas uma professora que poderia estar mais ao lado do aluno, fazendo com
que o aluno cresça, parece que quer o contrário. Se tem alguma coisa errada,
é a pessoa negra (Luana).

Ao trazer suas lembranças a aluna é inundada pela emoção, uma emoção


triste, que invoca momentos difíceis. Emoção como reguladora dos processos
inter/intrasubjetivos, como mediação das interações vivenciadas, como humilhação de
ser vista como incapaz. No contexto da sala de aula destaca-se como fator importante
a condição da aluna de ser negra, o que aparece como um estigma, que é evidente e
se destaca pela cor da pele, que em termos gerais pode ser definido “como uma
marca, sinal ou signo manifesto ou não que faz que seu portador seja incluído numa
categoria social, cujos membros geram uma resposta negativa”. (QUILES e
87

MOREIRA, 2008). O estigma forma parte da vida de pessoas que pertencem a grupos
sociais percebidos estereotipadamente e de forma desvalorizada, sendo situadas no
extremo inferior das relações hierarquizadas.
Arregui (2008) postula que quando o estigma é atribuído a condições externas,
ou seja, ao “preconceito”, as pessoas afetadas conseguem preservar sua autoestima
e a identidade. No entanto, quando o estigma consegue corroer a identificação de si
mesma, e fragilizar a autoimagem, abre-se a possibilidade de se atribuir conotações
desfavoráveis que lhe são outorgadas preconceituosamente, internalizando atributos
que a fazem sentir inferior, culpabilizando-se, e trazendo sentimentos tristes como
vergonha de ser o que se é (ARREGUI, 2008).
Percebemos um pouco isso quando a aluna fala “eu sou um pouquinho mais
lerdinha com relação às outras pessoas”, legitimando em parte o que a professora
está afirmando. Ainda, sua consciência crítica lhe possibilita questionar essa posição
e se reestabelecer mantendo firme sua permanência e lutando intensamente pelas
notas e pela defesa de seu desempenho. Pergunto para a aluna: “Você não sente
vontade de responder ou contestar às vezes?”

Sinto, mas o que acontece é que lá [...] essa professora que eu tenho aula
agora, eu terei aula com ela no semestre que vem, e eles são muito de
represálias, teve um professor que eu contestei correção de prova, ele até
falou que eu era arrogante, de estar contestando, assim, quando eu estou
errada eu nem falo nada, mas assim, são coisas muito perceptíveis (Luana).

A relação com a professora passa pela hierarquização da relação de autoridade


entre professor e aluno, acobertando uma outra hierarquização, que a aluna sente e
a afeta, a hierarquização racial.

[...] essa professora, então ela vai de bancada em bancada, são quatro
equipes, ela vai no primeiro, no segundo e no terceiro e no meu ela não vai,
então quer dizer se eu precisar de alguma coisa, eu tenho que ir até lá, não
tem espontaneidade. Deixa de escanteio, é diferente o tratamento (Luana).

A professora impõe uma forma de relação que, além de delatar o preconceito,


manifesta discriminação. “E em outra disciplina você sentiu isso também?”, pergunto.

Sim, quase todas. [...] E tem uma matéria que chama [...] e o professor parece
que tem um olhar que você sabe que é tipo: “você vai reprovar”, desde o
primeiro dia você sente isso. Então eu luto contra isso, porque eu sei que ele
quer me reprovar, fica procurando algo que eu faço de errado, então ele tenta.
Teve uma época que eu até fui na casa 3 para tentar o psicólogo porque tava
difícil de aguentar isso. Mais aí eu tô levando, mas, todo semestre é essa luta,
88

porque na hora da correção da prova, infelizmente olha o nome, e associa e


coloca uma nota e é sempre inferior, porque nunca é bom (Luana).

Pergunto para a aluna: “Você nunca colocou o fato deles estarem


discriminando?”

Na verdade eles negam, as pessoas não sabem o que é discriminação, então


elas discriminam, mas se você perguntar se elas praticam discriminação elas
vão dizer que não, mas você sabe que toda atitude dela é discriminatória
(Luana).

Entrevistadora: Elas nem percebem?

Não, as pessoas sabem. Porque lá o perfil é elitista e a pessoa negra não


está inserida nisso, nem intelectual, nem financeira, então tudo o que é
diferente fica à margem (Luana).

As palavras da aluna evidenciam que no percurso de sua inserção na


universidade confronta-se com um racismo manifesto, que se reproduz em sala de
aula se impondo na autoridade do professor. Trata-se de um racismo aberto, que não
recorre a sutilezas, mas que se acoberta na autoridade do professor, se impondo na
função de situar hierarquicamente o relacionamento acadêmico pelo racial. Um
racismo que tem suas raízes na história da escravidão, como processo que inscreve-
se pela raça.

Entrevistadora: E alguns colegas ajudam?

Sim, ajudam sim, mas não são muitos, são poucos que também têm essa
dificuldade, o perfil do pessoal daqui é muito elitizado, então ele acha que a
dificuldade não existe, então como eles têm dinheiro, não têm dificuldade,
pois têm família muito próxima, então como eles não precisam de ninguém,
eles acham que não precisam ajudar ninguém, e também tem outra coisa,
você está na Federal então acham que todo mundo é muito bom, mas nem
sempre todo mundo é muito bom, nem sempre todo mundo está entendendo
tudo, então passa uma imagem de que está tudo perfeito, mas tem muita
coisa que precisa ser melhorada e os professores não estão vendo isso
(Luana).

Impõe-se a cultura da excelência acadêmica, que provém de um processo de


ensino elitista, eurocentrado, que os alunos, em sua maioria de escola particular,
trazem e define-se como requisito básico para estar na universidade. A diversidade
tem pouca presença nesses espaços tradicionais. No entanto, foi possível ir
percebendo algo diferente, a organização de núcleos de acolhimento, pequenos
89

grupos que vão se constituindo como fatores extremamente importantes para a


promoção da permanência e o desempenho dos alunos cotistas raciais. Aqueles que
possibilitam a apropriação da cultura acadêmica, que propiciam as condições
necessárias para um processo de ensino-aprendizagem e que fazem mais acessível
o processo de inserção no âmbito universitário. Ainda, pergunto: “Tem algum
professor que tenta ajudar vocês, que é a favor das cotas?”

Tem, sim, esse professor do PET, uma pessoa muito aberta, a experiência
de vida dele ajuda, porque ele estudou fora do Paraná, e tem uma visão muito
aberta, ele conversa com os alunos, ele deixa os alunos falarem, então a
minha inserção, e meu desemprenho foram muito melhores (Luana).

As possibilidades de ser escutada, de interacionar, de ser respeitada mobiliza


processos promovedores de ensino-aprendizagem. Não é só o aspecto cognitivo ou
racional, é necessário também o suporte emocional. As emoções e sentimentos inter-
relacionadas com a memória, a percepção ou a capacidade de resolver problemas, o
que configura-se no contexto da atividade social e significativa, ou seja, como funções
superiores desenvolve-se no âmbito cultural (CAMARGO, 2004).
Na relação destes fatores com o desempenho, pergunto para a aluna: “Você foi
atrasando em algumas disciplinas?”

Sim, fui atrasando nas disciplinas básicas (Luana).

Entrevistadora: E porque isso aconteceu?

Uma das matérias foi realmente dificuldade minha, outras foi... eu reprovei de
uma disciplina que é genética, e eu vi que tinha um pouco de perseguição
assim, dessa professora... [...] Então, tem a minha questão, da minha
dificuldade pessoal em entender, mas tem a dificuldade do professor me
aceitar, então uma questão que vale 1,5 o meu é sempre 0,6; 0,8; nunca
consigo atingir a pontuação, tudo que eu faço nunca consegue a pontuação
adequada, sempre fica aquém, eu sempre estudo, eu percebo que na hora
que o professor corrige, porque é fácil de me identificar, eu sou a única negra,
eles corrigem, e parece que o ponto vai direcionado (Luana).

A dinâmica que se evidencia, notoriamente preconceituosa, afeta


profundamente as interações do espaço acadêmico. A aluna percebe-se em meio de
uma batalha, enfrenta as disciplinas como uma luta que sobrepassa os termos
acadêmicos, trazendo à tona novamente a inclusão pela exclusão, promovendo alta
dose de sofrimento psíquico, ético-político, que centra-se no estereótipo da questão
racial, na estigmatização da cor da pele.
90

No entanto, esses pequenos grupos dão um fôlego, na medida em que Luana


consegue ser reconhecida por algumas pessoas, transitar por alguns espaços, na
medida em que consegue se apropriar desse novo mundo que a rodeia,
estabelecendo relações, vai conseguindo seu objetivo e o enriquecimento de sua
identidade. Lane (2009) nos alerta, que para a construção da identidade são
fundamentais as condições sociais, que pela história pessoal vai determinando a
aquisição das características pessoais, e é o que Luana luta por fazer.
Definimos nossa identidade por meio da relação dialógica que estabelecemos
com nossos outros significantes ou significativos (SILVA, 2002). Trata-se do que Tajfel
(1981) chama de identidade social, entendida como “aquela parcela do autoconceito
de um indivíduo que deriva do seu conhecimento da sua pertença a um grupo (ou
grupos) social(ais), juntamente com o significado emocional e de valor associado
àquela pertença”.
Nesse processo vamos nos reconhecendo como um “nós” e nos diferenciando
de “eles”. Essa noção, constitui a marca que possibilita nos reconhecer como
pertencentes a uma coletividade, a uma sociedade.
Betânia nos fala de como se deu esse processo num espaço, o Afroatitude, no
contexto da inserção na universidade. O projeto da Afroatitude foi um programa de
Ações Afirmativas para alunos negros concebido pelo Ministério da Saúde e tinha dois
objetivos: dar apoio logístico e financeiro aos alunos negros que entraram pelo
sistema de cotas e promover conhecimento no campo das relações entre AIDS e
população negra e racismo. O programa foi implementado em universidades Federais
e Estaduais que adotaram sistema de cotas para alunos negros. O programa
contemplava a distribuição de bolsas entre alunos negros e exigia a inserção em
discussão/pesquisa sobre as relações existentes entre a epidemia da Aids, o racismo,
a vulnerabilidade e os direitos humanos.

... eu lembro que no Afroatitude, a gente tinha acesso a muita informação. E


a gente tinha muito apoio dos professores que estavam ali disponíveis o
tempo todo. [...] aquilo fez a gente ter bastante facilidade assim, de
conhecimento. Além de que o fato de a gente ter ali 50 alunos que se
conheciam, mesmo eu estando deslocada dentro do meu curso, no
Politécnico, que de Química eu era a única aluna que participava no
Afroatitude, nos intervalos de aulas eu cruzava com bastante gente que fazia
parte do grupo. Então tinha gente, o pessoal da Nutrição, tinha gente das
engenharias. Então a gente se encontrava por ali, conversava, trocava
experiências (Betânia).
91

Reconhecer-se, formar parte do mesmo grupo, encontrar-se entre os iguais


constituía-se num processo da construção da identidade que fortalecia a
permanência. Para esta aluna foi o grande suporte, e, voltando para a universidade...

Ajudou bastante principalmente por... essa questão da identidade, porque os


alunos entravam... a gente entrava por cotas e não sabia por que é que
entrava por cotas. E a gente não tinha, essa coisa da identidade, de... de ser
negro dentro da universidade. E daí, todo mundo queria se esconder. Eu
lembro. Eu... tinha muitos casos de você passar, ver que o aluno era cotista,
e quando perguntava “é cotista?”, quer se esconder (Betânia).

O processo da construção dessa identidade pessoal e social não é fixa, ela


constitui-se também da relação dialógica com os demais membros da sociedade da
qual fazemos parte. E situações de injustiça, discriminação exploração e opressão
acabam inscrevendo imagens desfavoráveis de si mesmo, promovendo vergonha,
culpa e outros sentimentos que fragilizam a identidade.

...eu tive uma certa dificuldade. Mas com o tempo eu comecei a ler, a discutir.
E aí eu já tinha amigas que eram do Afroatitude, e que faziam ciências sociais
e que se dispuseram “ah, vamos lá. Você está fazendo isso? Então vamos
ver” (Betânia).

O grupo de apoio, a convivência, relações acolhedoras tornam-se fatores


preponderantes para a permanência e o desempenho na universidade. O espaço de
Afroatitude dava esse suporte, e é lembrado como muito valioso, tendo uma presença
muito forte nas significações desta aluna.

Na verdade, o único apoio que eu tive dentro da universidade que me


propiciou algum conhecimento de funcionamento, de estrutura administrativa,
de acesso a algum benefício, foi o Afroatitude (Betânia).

Betânia sente a importância de ter e estar em um grupo de reconhecimento


como forma de afirmação, na busca de uma identidade construída a partir de um “nós”.
E percebe como isso faz diferença para o fortalecimento da autoestima.

Mesmo... há pouco tempo atrás, eu fiz parte de um grupo de pesquisa, era


dentro do meu curso, que era sobre mídia política, e meu professor falou
assim, “ah, eu tenho uma modalidade de bolsa para oferecer” e tinha alguns
pesquisadores voluntários. Aí ele falou assim, “alguém aqui é cotista racial ou
social? Porque essa bolsa tem... para... para ter acesso a essa bolsa, tem
que ser cotista”. E ninguém levantou a mão. Tinha 15 alunos dentro de uma
sala e ninguém levantou a mão. Aí, quer dizer, eu já tinha bolsa, mas eu olhei
para o lado e falei assim “mas... eu sei que o fulano é cotista e tal”. E aí ele
falou assim, “gente, ser cotista não é vergonha”, o professor falou. A Roberta,
que foi aluna, que acabou de se formar, que tirou dez na monografia, que
92

passou em primeiro lugar no mestrado de políticas públicas, não sei o que e


não sei o quê lá, ela... ela é cotista de escola pública. Aí ele falou assim, “vou
perguntar mais uma vez, alguém é cotista de escola pública?”, daí levantaram
uns cinco braços, assim, meio...(Betânia).

Ter referências com as quais identificar-se constitui ums dos fatores mais
favoráveis para a superação de sentimentos ruins, produzidos pela série de fatores
pouco amigáveis que preenchem o entorno dos jovens negros. A construção de uma
identidade coletiva no reconhecimento de si mesmo nos outros é um fator importante
para a consolidação dos jovens negros. Nesse sentido, os programas “Conexão de
Saberes” e “Afroatitude” desenvolvidos a partir do NEAB-UFPR nos primeiros anos da
implementação das cotas raciais na UFPR foram enriquecedores da identidade racial,
constituindo um alicerce no trânsito acadêmico dos alunos cotistas raciais. A
identidade coletiva constrói-se na consciência de problemas comuns, no
questionamento das condições dadas historicamente e nas possibilidades de
transformação, ou seja, uma identidade coletiva constitui-se como politização da
identidade, como identidade racial fortalecida.
A inscrição do racismo marca a identidade, ou seja, tem repercussão na
pergunta de quem sou eu, de como as pessoas se reconhecem. Na medida em que
os outros são uma referência em nossa constituição. Em ambientes sociais de
exclusão, não é possível se contrapor, no vácuo social da distância social. Por isso é
importante a construção de espaços de referência (MUNANGA, 2008), que
possibilitem ampliar os círculos sociais, que possam, além de fortalecer as identidades
construídas, propor novas soluções materiais e psicológicas ao sofrimento ético-
político provocado.
Para Munanga (2008), uma identidade negra não surge somente da tomada de
consciência de uma diferença na pigmentação ou de uma diferencia biológica entre
populações negra, branca e amarela, mas a identidade negra resulta do longo
processo que marca a vida e história dos negros no Brasil, que implica também num
processo de consciência racial. Feres Junior (2009) acrescenta que no Brasil a
discriminação acontece, majoritariamente, não pela identidade que o sujeito se atribui,
mas sim pela identidade que os outros lhe assignam, assim a identidade do negro
passa pela intersubjetividade do racial.
Na medida que realizávamos as entrevistas, confirmava-se mais a importância
dos pequenos grupos de aula para a permanência e o desempenho, grupos
93

constituídos em torno de algumas necessidades, alguns interesses ou questões


pessoais comuns. Embora Adriano nos fale que esses grupos se fazem com base no
que fica de fora, os cotistas, os mais antigos, aqueles que já têm certa idade...

É possível que aleatoriamente isso aconteça, mas se nós pegarmos o


processo de formação, como se dá a união dessas [...] pessoas, vai ver que
é por um processo de exclusão de outros grupos (Adriano).

Adriano destaca que é a rejeição nos outros grupos que impulsa a formação do
grupo dos diferentes. O grupo que chamamos de acolhedor, acaba sendo também o
grupo dos incluídos pela exclusão, é também o grupo que dá suporte às ações
afirmativas. Nota-se que esta divisão de grupos se constitui nos significados, na
transmissão de símbolos e códigos que evidenciam o lugar de cada um, decorrente
de condições similares, de valores mútuos, de interesses e questões de classe. A
presença dos grupos percebe-se na experiência de Maria. Ao perguntar se ela teve
dificuldades nas disciplinas, me responde:

Só nessa disciplina específica que foi teoria da literatura, eu tive dificuldade


porque foi bem diferente do que eu estava acostumada, de estudar texto
teórico, de se acostumar com o professor, mas como desde o início a gente
formou um grupo bem legal, que está junto até agora. A gente sempre fez as
disciplinas juntos e sempre se ajudou muito, e isso me ajudou também,
quando a gente se achou, que a gente começou a estudar juntos, me ajudou
bastante, enquanto eu estava estudando sozinha, tentando entender aqueles
textos, eu estava indo mal. Tanto que na minha primeira prova aqui na
universidade, eu tirei 45, e foi horrível, porque valia 100 e eu nunca tinha
tirado nota vermelha no segundo grau, no ensino fundamental, mas a partir
do momento que a gente se encontrou e formou um grupo que a gente
começou a estudar junto, aí, nunca mais eu senti dificuldade, porque eu
sempre podia contar com eles, e a gente formou um grupo muito bacana
(Maria).

A presença do grupo acolhedor, aquele que funciona como o eixo das ações
afirmativas, interaciona na mútua ajuda e possibilita aos alunos superar as limitações
do estudo individual. Aciona-se o trabalho em grupo, aparece o “desenvolvimento
proximal” proposto por Vygotsky. Pergunto para a aluna: “Esse grupo, quem são
eles?”
É misto, nós somos em seis, dentro desse grupo tem um menino (que é o
único menino do grupo) que sempre estudou em escola pública, mas é um
menino muito estudioso [...] aí eu tenho amigas que têm quarenta anos nesse
grupo e são advogadas, mas a paixão dela é Letras, tem mais uma que tem
mais idade também, tem por volta de quarenta anos, ela já fez outra faculdade
também, ela é geógrafa e agora está fazendo Letras, e uma outra que é
94

geóloga, a maioria estudou em escola particular, mas a gente se identificou


muito assim (Maria).

Chama a atenção a pertença desta aluna no grupo acolhedor. Pode-se


perceber que quase todos os alunos entrevistados têm um espaço similar, ao qual
pertencem as pessoas de mais idade, que já têm algum curso anterior, que é cotista
social. É o grupo que, segundo Adriano, se forma pela exclusão.
Francisco, aluno de direito me fala que ele não tem problemas, não sente
preconceito e vai fazendo seu curso tranquilo, quando pergunto pelas amizades, ele
responde.
eu não fiz nenhuma amizade com as elites assim do curso né? Eu Fiquei
juntamente, com meus amigos, mas aqueles que assim...(Francisco).

Insisto em perguntar: quem são seus amigos? Como você descreveria seus
amigos?
É porque eu estudo no curso noturno né? Então as pessoas são mais velhas,
mais mesmo assim, meus amigos geralmente são um pouquinho mais velho
que eu necessariamente (Francisco).

Paola demorou dois anos em se engajar em grupos que possibilitaram a sua


afirmação, a afirmação de sua identidade, tal como confirma a seguinte conversação:
“Você fala que demorou dois anos para mudar de postura, o que fez você mudar?”

Eu acho que foi um pouco do convívio com colegas, que tinham uma outra
vivência com relação...de colegas negros que tinham uma outra forma de
enxergar a Universidade, que estavam há mais tempo, entende? Então,
poder conviver com essas pessoas e conversar com essas pessoas a
respeito das cotas, talvez tenha me ajudado um pouco né? (Paola).

Na complexidade das relações instauradas, configuram-se as formas de


interação. E, nesse sentido pergunto para a aluna: “O grupo que você convive, ele tem
características que se aproximam de você?”

Sim, a idade não, porque a faixa etária é distante, mas são pessoas
compreensivas, pessoas boas, e generosas e delas eu tendo a me
aproximar mais (Luana).
95

O grupo que se consegue constituir aparece como fundamental para a


permanência e o desempenho na universidade. Pedro, que faz engenharia, também
refere-se à importância do grupo, e nos conta:

Aqui, aqui é bem fraco assim, nesse ponto, matérias, assim, que são mais
difíceis, e a gente sente falta de ter alguém mais para tirar uma dúvida assim.
Mesmo que seja um aluno mais avançado que eles pudessem recrutar, a
gente aqui não tem. Não tem [...] Então. Tenho boas amizades. Mas, como
a gente fica assim, meio despriorizado, daí fica numa turma e na outra... [...]
Mas sempre tem alguns que estão na mesma situação e aí a gente já... já fica
ali, não é? (Pedro).

O grupo, além de ser o porto seguro, na identificação, na amizada e nas trocas,


possibilita ferramentas para a permanência e o desempenho, constitui-se assim como
um fator fundamental na vida dos jovens estudantes cotistas negros.

4.2 O Discurso e os Professores

Neste espaço o foco da análise será o discurso de alguns professores.


Pretende-se, a partir de suas falas, conhecer como a implementação da política de
Ação Afirmativa transita nos diversos espaços da universidade. Como a política de
ações afirmativas chega para o âmbito dos professores desde a estrutura que dão as
diretrizes da universidade para o âmbito das tarefas cotidianas junto com os alunos.
Buscou-se, a partir dos discursos abordar aspectos que estão nos espaços que
definem e regulam as políticas da universidade, como também analisar as formas em
que estas regulamentações se colocam em prática no âmbito cotidiano do mundo
acadêmico. Para tanto, é necessário considerar os diversos planos que medeiam o
processo da tessitura das ações afirmativas, tanto os fatores diretivos da estrutura
institucional, refletida nos espaços nos quais se definem as diversas diretrizes
universitárias, como também os espaços onde se instauram as tramas diversas das
relações sociais concretizadas entre professores e alunos. Considera-se que as
práticas comunicacionais dos professores podem dar indícios de como se coloca em
prática a política de ações afirmativas, como se aciona a política, como os professores
assumem a política e como esta é vivenciada e compartilhada nas interações com os
alunos.
96

Para esta etapa de nosso estudo foram entrevistados 9 professores de distintos


cursos, sendo que todos, em algum momento do período transcorrido, a partir da
implementação das cotas raciais, são ou foram coordenadores de curso.
1 professor do Setor de Ciências Humanas
2 professores do Setor de Ciências Agrárias
1 professora do Setor de Ciências Biológicas
2 professores do Setor de Ciências da Saúde
1 professor do Setor de Educação
2 professores do Setor de Tecnologia

Nos cursos em que se entrevistou dois professores, definiu-se diferenciá-los


em seus depoimentos como professor A e professor B.
A análise se organizou, em relação às distintas instâncias envolvidas no
processo: Pró-reitorias – professores - alunos. Elaborou-se uma primeira parte, na
qual considerou-se as relações de comunicação/informação com as pró-reitorias. Na
segunda parte considerou-se o discurso que transitava entre os professores, e na
terceira parte focalizou-se o discurso dos professores em relação aos alunos.

Gráfico 6 O fluxo das comunicações na UFPR


97

4.2.1 O Discurso: no fluxo com as estruturas institucionais

A implementação das Ações Afirmativas na UFPR envolve diferentes setores,


que constituem a instituição. Neste espaço teremos a tarefa de tentar conhecer como
as pessoas realizam, mediante o discurso, a tarefa cotidiana de funcionar como parte
de grandes estruturas, coordenadas e institucionalizadas, realizando-se como uma
coletividade social, que se produz, se reproduz e se transforma por meio das práticas
de comunicação habituais, interdependentes e deliberadas (MUMBY e CLAIR, 2000).
Dijk (2000) postula que os usuários da linguagem utilizam ativamente os
textos, a fala, não tão só como falantes, escritores, ouvintes ou leitores, mas como
membros de categorias sociais, grupos, profissionais, organizações, comunidades,
sociedades, culturas. O discurso gerado em torno das Ações Afirmativas articula-se à
realidade da universidade, sendo parte de uma estrutura que também configura-se na
subjetividade das pessoas envolvidas, pelas significações que dão às diretrizes e aos
objetivos da instituição do Ensino Superior, mediados pelas atitudes e valores com as
quais participam desse processo. Considera-se o discurso não tão só como algo
abstrato, como uma representação mental, mas também como ação, como realização
estratégica de alguém a partir de algum lugar. Neste contexto iniciamos nossa análise
considerando o discurso que chega das diretrizes da universidade.
Perguntamos para o professor do setor de Ciências Humanas se conseguia
visualizar a política de ações afirmativas a partir de algumas das pró-reitoras, ao que
o professor responde:

Que existe, a gente sabe que existe, mas onde ela se materializa, em que eu
vejo ela, não, não. [...] Pois ser, a gente só ouve falar, eu como professor sei
que as pró-reitoras encaminham isso, mais eu não sei dizer, de que forma
viabilizam isso, quais são os programas que eles têm, não sei, não conheço,
quais são os tipos de ações que hoje a Universidade vem efetivando,
implementando, não sei (Professor do Setor de Ciências Humanas).
.

A Instituição funciona e constitui uma realidade a partir dos diversos meios de


comunicação com os quais os diferentes setores se articulam e fazem acontecer os
projetos, as metas, os currículos, as Políticas Afirmativas. Apesar de o professor
afirmar que a política existe, em seu discurso não há indícios de algum conhecimento
de como ela se efetiva. Há um vazio de informação e conhecimento entre as duas
instâncias: professor e pró-reitorias. Nossa reflexão centra-se em pensar como
98

funciona a política pública das Ações Afirmativas no nível intermediário dos


professores, considerando que estes, de alguma forma, assumem as diretrizes da
universidade e executam, a partir de suas concepções, a política com a qual a
universidade se comprometeu. Por outro lado, que está provocando que o professor
fique alheio de um tema que gerou muitas controvérsias e tensões em suas
deliberações em nível nacional. Promoveu a mobilização de árduos debates, esteve
na principal mídia, gerou processos na justiça e trata-se de algo de seu cotidiano como
professor, ainda tem a ver com os alunos aos quais ele vai produzir conhecimento.
Qual é o contexto em que esse vazio se constrói? Escapa à lógica o fato de que sua
implementação não tenha sonoridade no professor. Ficam as dúvidas: como se
efetiva a política? Ela se efetiva nos termos necessários de um processo educacional?
Onde ela aparece? Como se presentifica? As Pró-reitorias de forma geral
implementam alguns serviços de apoio, bolsas, benefícios, como é que isso chega ao
aluno? Fiz a pergunta: A universidade em suas diversas instâncias, Pró-reitoria de
Pesquisa, de Graduação de alguma forma implementaram essa questão das bolsas.
Por exemplo, quando chegam as bolsas, a Pró-reitoria de pesquisa informa em
relação a alguma bolsa para cotista racial, vocês recebem alguma orientação ao
respeito?

Eu não me lembro de chegar nada, eu sei que havia, havia as bolsas... mas
eu não tenho ideia de como era o processo seletivo, nunca chegou assim
nada na coordenação (Professor do Setor de Ciências Humanas).

Dirijo-me ao professor mais diretamente e pergunto se na coordenação


chegava alguma informação de como proceder, das diversas opções oferecidas aos
alunos, ao que o professor comenta...

É, eu me lembro que chegavam assim, e-mails informativos apenas, de que


estavam abertos processos seletivos, isso era divulgado por edital, mas a
gente não tinha qualquer participação, apenas reproduzia a informação,
repassava a informação, recebíamos os e-mails né, das Pró-reitorias
informando, “olha está aberta a inscrição para as bolsas”, o que nós
fazíamos, passávamos os e-mail para os alunos, para a lista de alunos,
editais, eventualmente eram divulgados por editais, mas a coordenação não
tinha nenhuma participação no processo, era só mais um repasse de
informação (Professor do Setor de Ciências Humanas).

Ao parecer a comunicação não flui ou é mínima, quase não chega. Ao que


parece, a política de Ações Afirmativas depois de sua deliberação e efetivação diluiu-
se e se apaga não conseguindo ser posta na voz do professor.
99

Entrevistamos a professora do Setor de Ciências Biológicas, e diante das


mesmas perguntas tenta fazer os vínculos com as instâncias superiores, aduzindo:

A Pró-reitoria de Graduação, junto com a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis,


elas tem núcleos específicos que trabalham com esses aspectos. Tanto em
termos de assistência, por exemplo, a questão dos indígenas... [...] Então a
gente faz um olhar diferenciado, por exemplo, nas avaliações e tal. E de
alunos com necessidades especiais, também. A pró-reitoria sempre está
oferecendo serviços para que a gente atualize. Precisamos, não precisamos,
temos, não temos... (Professora do Setor das Ciências Biológicas).

Percebo que os exemplos desta professora referem-se à diferença, fala dos


indígenas, dos alunos com necessidades especiais, mas elude falar dos alunos
cotistas raciais, assim, faço a pergunta diretamente: “E especificamente em relação
aos alunos negros, tem alguma iniciativa? Algum encaminhamento?”

Tem, tem grupo... tem, tem. Na realidade é mais uma questão do aluno
procurar do que a coordenação. Porque aqui, por exemplo, na questão das
cotas, nós não sabemos quem são alunos cotistas (Professora do Setor das
Ciências Biológicas).

Pela Resolução 56/04 um mês depois de aprovadas as Ações Afirmativas se


dispôs pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) (que também formam
parte do COUN) a não identificação dos cotistas. Essa disposição foi assumida, de
acordo com as autoridades, para preservar a identidade dos alunos das ações
afirmativas. A determinação foi justificada na argumentação de não expor esses
alunos e não princípio acolhido pela universidade de que a partir do ingresso na UFPR
todos os alunos são iguais.
Tal determinação possibilitou a invisibilidade destes alunos, dando espaço para
omissões, inviabilizando políticas de inclusão. A não identificação dos alunos cotistas
raciais torna-se um dispositivo que justificava o não acompanhamento do processo de
inserção dos alunos cotistas raciais, a falta de articulação com o desafio da
diversidade para a universidade.
Seguindo com minhas indagações, pergunto para o professor do Setor da
Educação: “Você consegue perceber... tem alguma percepção de qual é a postura
das autoridades da universidade em relação a políticas afirmativas como instituição?”

Como instituição eu consigo perceber muito longinquamente, assim. Eu não


tenho esse contato mais próximo, não participo das discussões que estão por
trás das políticas de afirmação, enfim... eu tenho um contato que é mínimo.
Que é mínimo (Professor do Setor de Educação).
100

Nesse caso não é o sigilo de quem são os alunos cotistas raciais, mas de igual
forma existe o distanciamento, o não conhecer, a falta de informação. As políticas
estão, mas em outra dimensão, longe dai. A ação afirmativa que traz os alunos cotistas
raciais para a universidade e que realiza-se na presença dos alunos não tem
presença, concretiza-se pela inexistência.
Similar situação encontra-se em outros cursos, como confirma a professora A
do Setor de Ciências da Saúde, que diz:

Eu sei que a Universidade tem o sistema de Cotas, tem as políticas


afirmativas, mas eu nunca participei de nenhum debate junto às Pró-reitorias
ou, a reitoria. Eu já ouvi em discursos que existem as ações afirmativas, mas
não... em nenhum momento posicionamentos favoráveis ou contrários
(Professora A do Setor de Ciências da Saúde).

Na decorrência segue-se o diálogo, e pergunto: “Vocês têm orientações em


relação aos procedimentos que deveriam seguir se houver algum problema?”

Não, não temos (Professora A do Setor de Ciências da Saúde).

Entrevistadora: E vocês não saberiam então para onde tem que ser
encaminhado?

Teria que me informar, para saber como proceder (Professora A do Setor de


Ciências da Saúde).

Entrevistadora: E você considera que a coordenação está preparada para um


problema desse tipo?

Absolutamente não, e com tanta atividade que nós temos provavelmente a


gente só vai se informar se houver o problema, se o problema surgir, vamos
buscar a solução, mas nós não somos orientados de como proceder antes
(Professora A do Setor de Ciências da Saúde).

De igual forma acontece com o professor A de Ciências Agrárias, que apesar


de se situar na política educacional e apontar a amplas perspectivas, no percurso da
entrevista fica claro que não há um compromisso ou envolvimento com a política de
Ações Afirmativas referidas aos alunos negros. O professor relata...

Tratava-se de uma discussão nacional em que as universidades estavam


convidadas a participar desse programa nacional de governo e a
Universidade Federal se manifestou e teve favorável participação, isso de
maneira bem resumida, nos conselhos, nos iríamos participar desse
101

programa de cotas que seriam implementados nos cursos de graduação


(Professor A de Ciências Agrárias).

Entrevistadora: Mas para você assim como professor foi implementada alguma
informação específica para vocês?

Não (Professor A de Ciências Agrárias).

Entrevistadora: E assim, na organização da universidade através de suas pró-


reitorias, teve algum processo de acompanhamento? Vocês foram informados? Houve
alguma articulação com as pró-reitorias?

Que eu lembre não, que eu lembre não (Professor A de Ciências


Agrárias).

Entrevistadora: Pró-reitoria de assistência estudantil, de graduação?

Não, que eu me lembre não. Mas sempre sabemos que está acontecendo o
processo, que o curso [...] está participando e que os alunos estão aí
aproveitando (professor A de Ciências Agrárias).
.
O professor parece ter alguma informação sobre a demanda e a necessidade
que surge em torno das Ações Afirmativas, da inserção da universidade nessa
proposta, mas também a informação chega até ali, não há apropriação do que
acontece na UFPR em relação à política de ações afirmativas para alunos negros.
Em relação à abertura, o professor B do Setor Tecnológico também se
manifesta e diz:

Eu não sei se o setor de Tecnologia tem aberto espaços para esse tipo de
debate. Eu acho que não (Professor B do Setor Tecnológico).

O professor B de Ciências da Saúde argumenta positivamente sobre os


processos de comunicação/informação indagados, no entanto, no decorrer da
entrevista se esclarece que estes são ambíguos e não alcançam o nível necessário
para promover os benefícios oferecidos para os jovens negros cotistas raciais.
Pergunto: “Então, a universidade em suas instâncias de Pró-reitorias, ela dá suporte
a você por ser ela... se comunica com vocês?”

Sim (Professor B de Ciências da Saúde).


102

Entrevistadora: Em relação a essa política afirmativa?

Sim. Nós somos sempre informados do que é que está acontecendo


(Professor B de Ciências da Saúde).

Entrevistadora: a gente tem visto em algum curso a condição das bolsas que
são determinadas e definidas para os alunos cotistas. Como você lidam com isso, por
ser, assim, por um lado não tem acesso à informação de quem é cotista. Por outro
lado estão essas bolsas.

Nós... nós não tomamos conhecimento das bolsas, porque não passa por
nós. Isso é... é um acordo... eu nem sabia que eles recebiam bolsas, se
você quer saber. É um acordo. É um acordo, provavelmente, em instâncias
superiores de pró-reitoria que conversa com o aluno. Nós não temos
conhecimento (Professor B de Ciências da Saúde).

O professor faz um esforço para se articular e manifestar um respaldo à gestão


universitária, no entanto, confirma-se o nível de informações que fica no âmbito do
ambíguo, do desconhecimento, distante das práticas que poderiam subsidiar o
processo de inserção dos alunos cotistas raciais. As fissuras na comunicação se
impõem como dispositivos que dificultam a política, o que pode-se atribuir a entraves
na informação derivando a pouca presença da política nos espaços articulados aos
alunos.
Perguntamos para o professor B do Setor de Ciências Agrárias: “A universidade
em suas diversas instâncias de pró-reitoria, por ser a pró-reitoria de assuntos
estudantis, de graduação, elas também não se comunicaram com os professores, em
relação às cotas raciais?”

Não, não houve comunicação. Até hoje, depois de 10 anos de implantação.


Na verdade não tem nenhum tipo de palestra, não houve palestra não houve
debate, foi uma coisa meio que de cima para baixo. Então eu tenho vários
colegas que fazem críticas muito grandes às cotas e tudo, mas não se tem
um debate realmente no âmbito educacional sobre isso (Professor B do Setor
de Ciências Agrárias).

Ao perguntar para o professor B do Setor de Ciências Agrárias, encontramo-


nos com uma reflexão que vai além, e que se impõe como uma crítica ao fato de que
essa informação se desvanece, desses truncamentos que parecem funcionar como
dispositivos que obstruem a política de cotas raciais.
103

O silêncio das vozes que transitam na UFPR, nos dá indícios que existe pouco
envolvimento com a política e ainda mais que se trate de atitudes que se contrapõem
à politica. Esta situação é constante, de alguma forma se reconhece que as Pró-
Reitorias viabilizam alguma informação relacionada à questão racial, mas o
conhecimento é superficial. O que foi se percebendo no decorrer das entrevistas é
que a maioria dos professores entrevistados não sabem quase nada a respeito do
processo de inclusão dos alunos cotistas negros, aduzem que não receberam
informação, tampouco não procuram. Na persistência do vazio de informação dos
professores, o que modifica-se é o contexto do qual vão emergindo as diversas
formulações do porquê dessa dinâmica da “não comunicação”, da acolhida aos
silenciamentos, no entanto este persiste como o grande denominador comum em
nossos entrevistados.
Tentamos perceber se existem alguns outros vínculos nas distintas instâncias
da universidade e perguntamos: “A PRAE tem alguns projetos que têm como intuito
acompanhar os processos dos alunos com precariedade social, mas esses projetos
têm alguma articulação com a coordenação?

Não, nada. Essa é uma crítica que também eu faço, eu soube que para o
aluno que.... a PRAE por exemplo dá bolsa, ela cobra um determinado nível
de aprovação nas disciplinas e tudo mas nunca ninguém da PRAE veio
conversar comigo, saber como que é o curso, saber como são as disciplinas,
como se obtém esse índice ou perguntar de um aluno, “ô esse aluno aqui
específico, o que você acha?” então a articulação é zero. Pelo menos a
minha. [...] Mas é aí fica faltando, até para a gente saber quem tem bolsa,
quem não tem bolsa, quem é acompanhado que se deve, a gente fica ... zero
(Professor B do Setor de Ciências Agrárias).

O professor confirma que não há conexão entre a coordenação e a PRAE, mas


também refere-se às possíveis repercussões que isso traz para o aluno, que poderia
ser acompanhado academicamente pelo seu curso, e com isso otimizar as
expectativas de sua permanência e rendimento.
Pergunto para o professor do Setor de Ciências Humanas: “Você recebeu
alguma orientação em relação às relações raciais, ou procedimentos que teria que
tomar em relação aos alunos cotistas raciais?”

Se eu recebi alguma orientação? Não que eu me recorde... Pois essa é uma


coisa que realmente... agora a gente conversando aqui, e eu tendo que refletir
sobre isso, eu começo a ver que é uma coisa que passou batido realmente,
para não dizer que a gente, na verdade não teve nenhuma orientação, heee,
104

não sei talvez pelo que fato de quando eu assumi a coordenação, ainda era
muito recente... (Professor do Setor de Ciências Humanas).

A constante repete-se uma e outra vez, se sabe que existe, funciona em algum
lugar, mas não há a experiência pessoal de vivenciar, debater, promover, a política de
ação afirmativa. O vazio fica evidente, o professor reflete e sente-se em evidência ante
si mesmo e diante nós, no ambiente percebe-se que esse “silenciamento”, que
configura-se como geral pode ser interpretado como uma forma de criar um vazio e
poderíamos aduzir que isso configura-se em contraposição ao que está sendo posto.
De uma forma ou de outra majoritariamente os professores entrevistados acionam o
que podemos chamar de “dispositivos de silenciamentos”, que, ao silenciar o discurso,
silenciam também os sujeito das ações afirmativas, que ao não ter escuta, nem voz,
recriam a universidade na hierarquização social, sem os acompanhamentos
necessários, sem as informações corriqueiras que se dão na informalidade, mas muito
valiosas para a permanência e propiciadores de desempenho, tudo silenciosamente,
impondo o (des)conhecimento como forma de se relacionar.
A ruptura nos diferentes eslabões da informação que possibilitam a prática da
política não funcionam, decorrentemente, a apropriação de uma cultura própria da
universidade não poderá ser facilitada em seus ritos e códigos, tendo que ser
conquistada pelos alunos cotistas raciais no acionar de outros mecanismos.
Podemos discernir que o sigilo estabelecido na origem se desmembra como
não informação, falta de conexão, invisibilidade do aluno negro, mutismo,
desconhecimento e assim vai se constituindo como um dos dispositivos mais
relevantes de uma instância que se impõe na contraposição às ações afirmativas.
Omissão? Falta de tempo para se apropriar da política? Falta de comunicação?
Sem dúvida o silêncio significa alguma coisa, há um modo de estar no silêncio que
corresponde a um modo de estar no sentido (ORLANDI, 2007). Silêncio que atravessa
as palavras, que existe entre elas, ou que indica que o sentido pode ser outro, ou
ainda aquilo que é mais importante que nunca se diz. Ainda falta indagar, a sensação
de falta e de cobrança fica no ar.
105

Gráfico 7º O Discurso no Fluxo com as Estruturas Institucionais

4.2.2 O discurso: dos Professores para os Professores

Assim, se a ideologia deixa lacunas na sua explicação generalizadora do


mundo, é através destas brechas que é possível enxergar as contradições
existentes e lutar pela sua superação. E estas contradições, pertencentes à
realidade, podem ser percebidas pela distância entre aquilo que é dito pela
ideologia e aquilo que a realidade é (CROCHIK, 1998, p. 2).

Nesta segunda etapa o foco da análise é o discurso que transita entre os


professores. Pergunto para o professor do Setor de Ciências Humanas se entre os
professores comentava-se alguma coisa sobre as Ações Afirmativas, se ele tinha
percebido algum movimento dos professores, e sua resposta foi a seguinte:

... a gente mal ouvia falar nessa questão, eventualmente heeeee, a gente
nem sabia ao certo quem eram os alunos cotistas né? Isso não é,
eventualmente na coordenação a secretária sinalizava de... (Professor do
Setor de Ciências Humanas).

A comunicação dispensa o tema das cotas raciais, nas interações o tema não
transitava, aduzindo a impossibilidade de identificar os cotistas raciais. No entanto,
esse não reconhecimento parece formar parte dos códigos que se articulam em
106

contraposição à política. O aluno negro cotista negro traz consigo uma história, uma
forma de ser no mundo, adquirida na mediação das interações, pode-se lhe
reconhecer por inúmeras marcas de sua cultura, pelo seu fenótipo, e especialmente
pelo registro que deixa a pobreza. Existem inúmeras formas de comunicar, inclusive,
sim, ter esse propósito, existem numerosas formas de enviar uma mensagem e de
recebê-la, muitas formas de perguntar e de corresponder. Ainda....

O comportamento não-verbal parece ter como principal função informar


acerca dos afetos do emissor: sua atitude emocional, motivacional e cognitiva
é diretamente identificável através de todos os elementos não verbais que
servem de base à comunicação na interação emissor-receptor (AMADO e
GUITTET, 1982, p.26).

É difícil reconhecer o negro na universidade, no entanto, o maior problema que


tem a população negra é a persecução incriminatória da polícia que não tem
problemas em reconhecer quem é negro, o que mostra que existem códigos que se
acionam no reconhecimento do racial.

Sim, se preservou a identificação [...] Então, além da questão da identificação


ter sido preservada, me parece que havia, assim, do ponto de vista do corpo
docente nosso, eu não sei se essa, é a melhor palavra, não é indiferença,
mas eu não posso dizer que havia uma indiferença, mas eu percebi assim,
uma ausência de problematização de... falar em indiferença, eu já estaria
julgando, qualificando, já estaria inferindo né?, prefiro dizer que havia sim,
uma ausência de problematização, nunca houve nenhuma questão levada à
coordenação de curso, ou colegiado do curso, nem manifestações oficiais,
nem nada extraoficial, nem assuntos de corredores né, que a gente ouve
muito, nada, nada, nada (Professor do Setor de Ciências Humanas).

Pode-se perceber que o silêncio não ocorre apenas no fluxo das comunicações
com as instâncias superiores, a condição se mantém, de igual forma, entre os pares.
Por que será que não se fala de um tema que viria a transformar a universidade?
Estar-se-ia quebrando uma tradição enraízada na sociedade brasileira. A atitude de
distanciamento persevera, evita-se falar do tema, evita-se olhar para quem poderia
ser cotista. O professor entrevistado confirma o que percebemos:

... acho que não tem o perfil do professor que fica querendo problematizar
isso, e saber quem é, entendeu? É claro que eu falo muito por mim né? E dos
colegas que eu convivo, mas, por exemplo, nas conversas informais com os
professores, nas conversas em reunião, de pós, reunião, de almoço, de bate-
papo do café, não é um tema que aparece, não é um tema. Eu
particularmente nunca ouvi um professor comentando algo sobre essa
questão. Não é uma coisa assim que aparece... (Professor do Setor de
Ciências Humanas).
107

Segue-se a dinâmica que estava na esfera analisada anteriormente, a


invisibilidade dos alunos cotistas raciais era o que flutuava nas informações, o vazio
que, mesmo sendo vazio, sempre expressa alguma coisa. Para o professor do Setor
de Educação, pergunto: “No período em que você está aqui, você já escutou
comentários ou tendências entre seus colegas, de como vocês veem as políticas
afirmativas, as cotas raciais, dentro do curso de Pedagogia?”

Dentro do curso de pedagogia especificamente, não. O que nós discutimos,


inclusive com um grupo de professores que trabalham com políticas públicas,
são as políticas afirmativas em um contexto maior. Contexto da universidade
e um contexto macrossocial. Com estes professores já tive contato, já abordei
o tema, já discutimos. Mas, especificamente no curso de Pedagogia, não
(Professor do Setor de Educação).

Como o professor se remete a outro espaço, insisto na minha pergunta: “E


dentro do curso de pedagogia você sabe, por ser... se houve encontros, seminários
que tratam da discussão racial?”

Eh... não. Dentro do curso de pedagogia, não. O que temos é um grupo... um


núcleo de pesquisa aqui na universidade que aborda o tema das políticas
afirmativas, entrada por cota, mas eu não tenho a informação se promoveram
uma discussão especificamente para o curso de pedagogia (Professor do
Setor de Educação).

O assunto fica no estrutural, nas instâncias institucionais que


determinam as diretrizes da universidade, e é para lá que se dirige o discurso, se aduz
que é lá, num outro lugar, mas ninguém conhece de perto. Ainda o professor tenta
positivar sua resposta aludindo ao núcleo de pesquisa, mas não tem como não
confirmar que não há debates ou outra atividade que tenha a ver com a
implementação das cotas raciais na UFPR no curso onde ele ministra aulas.
Também no Setor de Educação houve um caso que provocou muita polêmica,
e foi amplamente noticiado, pergunto para o professor se isso provocou mudanças,
alguns procedimentos, ao que ele responde...

... não provocou mudanças em procedimentos. Provocou uma ampla


discussão sobre questões éticas, sobre o entendimento do que é racismo, de
onde há conotação de ofensa racial. Essa discussão circulou. Circularam
manifestações de apoio [...] circularam manifestações de ataque [...] Isso
circulou. No entanto... em relação a procedimentos, em relação a políticas...
[...] isso, não, não impactou (professor do Setor de Educação).
108

A implementação das políticas de inclusão trazem muitos desafios para dentro


da universidade. Não é suficiente determinar o ingresso dos alunos afrodescendentes,
eles chegam com um patrimônio cultural histórico enriquecendo os conhecimentos e
desafiando saberes, mas muitas vezes desconhecido para o âmbito universitário,
trazem consigo processos identitários, demarcados pela sua historicidade, que
significam outras simbologias e códigos na dimensão de novos caminhos da
exclusão, revelando a multidimensionalidade da exclusão, apontando a necessidade
do diálogo, das transformações acompanhando os processos de inclusão, da
apropriação de novas realidades e formas de conhecimento que impõem a revisão
das políticas educacionais e dos processos pedagógicos.
A necessidade da discussão, do debate, é generalizada, mas o que persiste é
o silêncio, a não informação. Pergunto para a professora do Setor de Ciências
Biológicas a respeito, e ela afirma:

Ah, sim... é, eu acho que aqui na universidade teve poucos debates em


relação a esse tipo de inserção, né? Não só de cotas, mas... eu lembro que
nós tínhamos uma discussão mais... eh... presente na questão dos alunos
com necessidades especiais do que agora com as cotas. Eu achei que lá foi
uma discussão um pouco mais aprofundada, houve consultas... e aqui houve
uma... eu acho que uma discussão mais superficial nesse aspecto
(Professora do Setor de Ciências Biológicas).

Entrevistadora: Debates, assim...

Aqui no nosso setor não teve nenhum tipo de... (Professora do Setor de
Ciências Biológicas).

Entrevistadora: Assim... encontro de opiniões...

Não, não... (Professora do Setor de Ciências Biológicas).

Entrevistadora: ...entre os colegas...

Não. Nós começamos a fazer isso no núcleo docente estruturante. No


momento em que a gente instalou esse núcleo docente estruturante, nós
começamos... porque existe uma regulamentação que nós precisamos inserir
alguns conteúdos dentro da nossa proposta pedagógica. E a nossa proposta
pedagógica é de 2008. E pouca coisa tinha lá. Então, nós inserimos um
109

conteúdo maior a partir dessa última minha gestão aí (Professora do Setor de


Ciências Biológicas).

Entrevistadora: E isso é uma iniciativa de vocês, do curso?

Isso, da coordenação do curso vinculada, principalmente às necessidades do


MEC e às necessidades que nós tivemos o ano passado avaliações do nosso
curso. E isso é um critério que conta para o conceito do nosso curso. [...] Isso,
como que lida e como esses conteúdos são inseridos na nossa proposta
pedagógica. Então, nós inserimos em algumas disciplinas que têm um caráter
um pouco mais aberto, entre elas são disciplinas de seminários e disciplinas
voltadas a essa questão social, como algumas voltadas à licenciatura
(Professora do Setor de Ciências Biológicas).

Encontramos aqui uma iniciativa que considera entrar em sintonia com a


política de Ações Afirmativas, demonstrando que existem vias de viabilização da
política estipulada, inclusive em nível mais estrutural, consideradas pelas políticas do
Ministério de Educação, mas, ao parecer, desconhecidas pela maioria dos
professores. Necessários se tornam fluxos de comunicação nas diversas instâncias
da educação que tenham como intuito as diferenças, a diversidade e o
multiculturalismo.
Neste espaço, é importante conhecer qual é a dinâmica que se impõe entre os
professores, quais os motivos que estão por trás das posições que assumem. Na
entrevista com o professor B do Setor de Ciências Agrárias, trazemos o tema: “A cota
foi aprovada aqui na UFPR, a cota racial, por uma resolução em 2004 para ser
efetivada em 2005. Como chegou isso aos professores? Houve alguma informação?
Um preparo relacionado a essas políticas? Você lembra um pouco disso?”

Hum ... Eu acho que não houve uma discussão, pelo menos aqui, em nível
de cursos e setores, eu acho que uma discussão mais em nível de conselhos
superiores e nós não tivemos muita informação de como é que foi essa
discussão, como que ela se deu, eu acho que a maior parte da informação
veio pela imprensa. Então a gente soube que ia acontecer porque saiu no
jornal, saiu na televisão muito mais que uma discussão, de como é que foi
feito, de como é que seria implementado (Professor B do Setor de Ciências
Agrárias).

Remete-se às instâncias superiores aduzindo que nunca a discussão esteve


nesse espaço, mas também no meio dos professores a Informação, as proposições,
o reconhecimento da diferença não fluem. Insisto com o professor e detalho mais:
“Palestra? Debate?”
110

Não, isso não ocorreu (Professor B do Setor de Ciências Agrárias).

Pergunto para o professor A do Setor Tecnológico e ele me responde:

Sim. Essa comissão, ela fez reuniões em todos os setores. Em todos os


setores, essa comissão passou fazendo esse debate. Parece que teve
debate, também, no auditório da reitoria. Mas, as pessoas iam para esse
debate, sem ter informações adequadas, sem ter distribuído um documento
com os assuntos. As pessoas iam por ouvir falar que ia fazer isso. Mas,
ninguém sabia exatamente como ia funcionar essa questão. Então, as
pessoas chegavam nisso aí, na maioria das vezes, para externar algum
preconceito (Professor A do Setor Tecnológico).

Houve uma rodada de reuniões no início, no momento em que se estava


discutindo as cotas na UFPR, mas a maioria não lembra, não participou, não está de
acordo, não estava na universidade.
O professor A do Setor de Ciências Agrárias mostra uma perspectiva mais
ampla em relação aos processos que envolvem Ações Afirmativas. Pergunto para ele:
“Foram organizadas palestras, debates para que os professores participassem de
forma mais próxima da implementação?”

Sim, teve uma discussão no fórum dos coordenadores, em alguns colegiados


superiores, mas não foi muito aprofundado, sempre no sentido de explicar
como que seria o processo, o que caberia a participação da universidade e
era algo que precisaríamos participar e acompanhar ao longo dos anos
sempre com assunto em pauta a sua efetivação, se estava sendo positiva ou
não, se contribuiu, se os objetivos do programa maior eram alcançados ou
não, isso sempre até na roda do cafezinho, na hora do bate-papo, conversa
com outros coordenadores, sim (Professor A do Setor de Ciências Agrárias).

Entrevistadora: No curso, entre os professores, seus colegas, se discute as


cotas às vezes no cafezinho, no trânsito?

Sim, sim (Professor A do Setor de Ciências Agrárias).

Entrevistadora: E como é isso?

A maioria eu acho que por falta de um conhecimento mais aprofundado,


sempre acham que, opinião minha retirada da conversa com eles, não tem
uma base cientifica, não apliquei um formulário, é uma impressão de
diferentes conversas com diferentes pessoas, acham que esse programa
nada mais é do que mais uma atitude populista do governo, não conseguem
ver como algo diferente, que precise de uma atenção, que eu tenha que ler,
que eu tenha que sugerir a exclusão de um artigo, de uma proposição
(Professor A do Setor de Ciências Agrárias).
111

Este professor refere-se a uma ideia que transita nas conversações com os
colegas, e que nos dá alguma noção do sentido dos silêncios. As Ações Afirmativas
significadas como atitudes populistas do governo, decorrem da dificuldade em
compreender metas que situam a universidade como atuante nos desafios
contemporâneos que implicam a inclusão de setores historicamente precarizados. A
universidade tradicional e meritocracia em contraposição à universidade plural, da
diversidade. O professor dá voz a uma das contraposições às ações afirmativas, no
entanto, já nas deliberações para a implementação das Ações Afirmativas estava
presente uma série de ideias que configuram-se contrárias às políticas afirmativas e
que são acionadas nos espaços cotidianos, sendo acobertadas pelo silêncio que
mediatiza o âmbito universitário. As palavras e o silêncio que as encobre são tecidos
a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações
sociais em todos os domínios (BAKHTIN, 2004), produzindo barreiras, construindo
distâncias que impõem uma forma conservadora de olhar para universidade.

Gráfico 8 O Discurso: dos Professores para os professores


112

4.2.3 O Discurso: dos Professores aos Alunos

Pergunto para o professor do Setor das Ciências Humanas: “Os alunos negros
recorrem à coordenação, eles vão para a coordenação pedir informação? Ou isso
também não acontece?”

Na minha época de coordenador, o que eu posso dizer, é que, primeiro né?


Esse tipo de busca ela chega muito pouco ao coordenador, isso acaba
esbarrando e se limitando à Secretaria da Coordenação, então assim, ao
coordenador do curso, esse tipo de orientação, esse tipo de informação não
chega, isso eu posso falar independentemente de quem é o coordenador, né?
(Professor do Setor de Ciências Humanas).

A engrenagem da não informação alcança todos os níveis da estrutura


universitária. O funcionamento da estrutura organizativa exige fluidez nas
informações. No entanto, não se tem registro de quais as demandas, quais as
necessidades das pessoas que estão se inserindo via ações afirmativas na
universidade.
Pergunto para o professor do Setor de Educação: “Os alunos negros, eles
recorrem à coordenação, se eles têm dificuldades, se acabou o prazo, se têm
problema em alguma matéria?”

Eles... procuram. Procuram a coordenação, mas nunca percebi a questão de


raça ligada a essa procura. Alunos procuram, indistintamente. Eu nunca... na
verdade, eu nunca prestei atenção se essa procura tem alguma motivação,
se o aluno entra por cota racial ou por cota... ou se o aluno é um aluno regular
(Professor do Setor de Educação).

Pelas falas também se infere que os alunos cotistas raciais não se identificam,
mantêm em sigilo sua condição de cotistas raciais, com todo o peso que isso pode
acarretar pelo desconhecimento de como funcionam as coisas na universidade e a
impossibilidade de se colocar a partir desse lugar. Com a professora do Setor de
Ciências Biológicas o diálogo é o seguinte: “Especificamente em relação aos alunos
negros, têm alguma iniciativa? Algum encaminhamento?”

Tem, tem grupo... tem, tem. Na realidade é mais uma questão do aluno
procurar do que a coordenação. . Porque aqui, por exemplo, na questão das
cotas, nós não sabemos quem são alunos cotistas (Professora do Setor de
Ciências Biológicas).
113

Já foi possível perceber que o aluno não procura, guarda silêncio, e isso pode
ser atribuível a diversas condições, oculta sua condição de cotista racial, desconhece
o funcionamento da universidade, pensa que não pode, que não tem direito, não quer
deixar em evidência suas deficiências, considera que não adianta, não recebe os
códigos para o acesso... A pergunta é como isso atinge sua identidade, e como essas
condições repercutem nos processos de permanência e desempenho. A professora
confirma...

Não tem como saber. Então, o núcleo de assuntos acadêmicos, eles não
divulgam quem são esses cotistas. Então, é uma questão, acho que até de
preservação da identidade deles ou se eles se sentem discriminados ou não...
(Professora do Setor de ciências Biológicas).

Ressalta o sigilo como dispositivo que impede uma aproximação, um


acompanhamento do aluno cotista racial. Pergunto para a professora: “Os alunos
negros recorrem à coordenação quando têm problemas?”

Nós não tivemos nenhum problema... nenhum aluno nosso... (Professora do


Setor de ciências Biológicas).

Cabe a dúvida se não há problemas ou se não há acolhida para que esses


problemas possam serem colocados e acompanhados para solução. Pergunto para o
professor B do Setor das Ciências Agrárias: “Mas os alunos negros se aproximam da
coordenação, por alguma dificuldade?”

Sim, sim, sim, eu tenho alunos tanto que chegam aqui que se é um pouquinho
menos favorecido, provavelmente entra por cotas sociais ou mesmo por cotas
raciais eles têm chegado, têm conversado, acho que a universidade tem uma
política de bolsas de estudos para cotistas né? aí a maioria deles têm bolsa
(Professor B do Setor das Ciências Agrárias).

Neste professor há uma atitude receptiva e orientada a promover espaços, a


dar apoio, comenta as bolsas. Referente a elas eu pergunto como se lida com a
desinformação, e o professor responde...

É, também eu não consigo acompanhar esses alunos que precisam muito de


um acompanhamento mais próximo, eles vieram com uma base às vezes
muito fraca do ensino público e teria que estar próximo dessas pessoas para
acompanhar o desenvolvimento delas e até tentar fazer um reforço ou alguma
coisa, mas eu não sei quem são. Então para mim eu chego e todo mundo é
igual, eu tenho que tratar todo mundo igual (Professor B do Setor das
Ciências Agrárias)..
114

Embora não haja uma proposta de solução, percebe-se o reconhecimento de


uma necessidade orientada à inclusão dos alunos e para uma universidade mais
pluralista. Há um reconhecimento da realidade e a inquietude de fazer algo, o que é
impedido pelo acúmulo de tarefas e também pelo sigilo, aquele forte obstrutor de
alguma possibilidade de acompanhamento.
Entrevistando o professor A do Setor de Ciências Agrárias e me referindo aos
alunos negros, pergunto se eles recorrem à coordenação, por problema de
desempenho acadêmico, por problema de relacionamentos?

Não, não. Eles se diluem com os outros. Normalmente quando apresentam


um probleminha já vem com outros grupos, com outros alunos, independente
disso que contam também com uma determinada dificuldade. Já tive um caso
especÍfico de um indígena, só. Mas cotista racial não. Geralmente os
indígenas, porém ainda não consegui levar ao final e de ter um indígena
colando grau em medicina veterinária (Professor A do Setor de Ciências
Agrárias).

No curso A do Setor das Ciências da Saúde pergunto se os alunos cotistas


raciais se aproximam da coordenação quando eles têm algum problema. A resposta
foi precisa:
Não (Professor A do Setor das Ciências da Saúde).

Entrevistadora: Não? Não, por permanência?

Não... (Professor A do Setor das Ciências da Saúde).

Entrevistadora: por jubilamento?

Não, se eles chegam, eles não se identificam como cotistas (Professor A do


Setor das Ciências da Saúde).

De forma geral percebemos que existe uma vinculação entre a impossibilidade


de fazer o acompanhamento e o sigilo que se guarda com respeito à identidade dos
alunos cotistas raciais. Perguntamos então para o professor do Setor de Ciências
Humanas: “Você consegue identificar alunos de cotas raciais aqui no curso?”

Não... Não tem como... (Professor do Setor de Ciências Humanas).


115

Os alunos também não se identificam?

Não, pra mim nunca se identificaram, e também nunca identifiquei ninguém,


nem como coordenador eu sabia quem era, quem eram esses alunos, quando
tinha as inscrições, obviamente que a gente até questionava isso. A pró-
reitoria, será que não tem essa lista, ao criar o edital, que o sujeito tem que
se inscrever, ele tá assim... (Professor do Setor de Ciências Humanas).

Referindo-me aos alunos cotistas raciais, pergunto para o professor do Setor


de Educação: “Você consegue identificar?”

A não ser que o aluno se autoidentifique, o que não tem acontecido. Mas, nós
não conseguimos identificar... (Professor do Setor de Educação).

Entrevistadora: Isso. Ele se autoidentifica? Ele diz: "Eu, como aluno-cotista


racial"...?

Não. Nós não temos casos de alunos que tenham esse hábito de se identificar
(Professora do Setor de Educação).

No curso A do Setor de Ciências da Saúde também não conseguem ter uma


noção de quem são os alunos e quais são as suas necessidades. Também pode-se
evidenciar que não há o interesse em levantar essas necessidades nos
direcionamentos do curso.

Não, não consigo definir, talvez porque, veja, nós temos mil e cem (1.100)
alunos no curso, a gente não consegue ter, a coordenação não consegue ter,
a gente consegue identificar quando tem problema, quando está indo tudo
bem, a gente não consegue perceber isso, então os problemas são trazidos,
e ao longo do curso... eu, por exemplo, dou aula a partir do sexto período só,
geralmente essas questões, se ocorreram já foram resolvidas, talvez, não sei
lhe dizer (Professora do Setor das Ciências da Saúde).

Entrevistadora: Os alunos, eles revelam a sua condição de cotistas?

Para mim nunca foi colocado, eu tenho alunos que vêm e procuram algum
auxílio, por questões sociais, cotistas não, raciais né? (Professora A do Setor
das Ciências da Saúde).

Pergunto para o professor B do Setor das Ciências Agronómicas: “Você acha


que se houvesse identificação do bolsista seria mais facilitado o processo?”
116

Na verdade a gente poderia acompanhar mais de perto esses alunos, até


cobrar deles algumas posturas e tendo dificuldade indicar alguém para ajudar
eles, em determinadas áreas que eles tivessem essa dificuldade. Por
exemplo, aqui a gente tem muita dificuldade com matemática, na parte de
Exatas então a gente poderia tentar fazer algumas ações para melhorar isso,
mas não tem como saber quem que são essas pessoas que têm essas
dificuldades (Professor B das Ciências Agronômicas).

Nas interações a comunicação não funciona só a partir do dito e menos ainda


a partir da regra. Os alunos cotistas negros, quando transitam pela universidade, não
se fazem isentos de sua identidade, apagando sua cultura, mostrando erudição nos
desafios da universidade. Eles participam e atuam a partir de suas condições sócio-
históricas que emergem no âmbito cultural e que se articula com os outros,
enriquecendo o meio social das trocas acadêmicas.
Pode-se dizer que os alunos negros, ao realizarem atividades, se valem de
formas culturais que lhe são próprias, com determinadas linguagens, formas de se
vestir, gestos, comportamentos ritualizados, expressando significados que
possibilitam a identificação, não pela documentação, mas nas interações
estabelecidas.
Nesse contexto a “não identificação”, além de impulsionar a invisibilização do
aluno cotista racial, nega-lhe identidade e abandona-o à sua própria sorte, ao ter que
procurar por si só e sem os meios necessários de informação as vias de acesso para
o encaminhamento de seu curso.
No percurso da entrevista o professor do Setor de Ciências Humanas postula:

Quando esse assunto foi uma vez levantado de que algum ministro aí, não
me lembro quem foi, não sei se foi o Mercadante, ele, numa declaração aí
na mídia, ele disse que as universidades teriam que pensar alternativas
para receber esses alunos, do tipo, aulas de reforço, isso foi muito mal
recebido aqui no curso, isso foi muito, foi muito, naquele momento
específico que ele deu essa declaração, que ele falou isso publicamente aí
na mídia, isso teve uma repercussão aqui, que eu me lembro que numa
reunião específica do colegiado nós estávamos discutindo isso, isso foi
levantado de uma maneira bastante negativa, e se encerrou ali, do tipo, sem
chance, de pensar uma forma de reforço (Professor do Setor de Ciências
Humanas).

Esta fala que é coletiva de um setor de professores evidencia tendências,


formas de assumir a política de ações afirmativas. Demonstra também que o silêncio
deve-se a uma postura, que não é muito amigável com a proposta das Ações
Afirmativas. Na sequência, eu pergunto: “É, isso não seria necessário, na medida em
117

que a maioria desses alunos vem de escolas bem deficientes?” Na resposta, o


professor aduz:

O que os professores comentam nas reuniões, tanto de colegiado, quanto de


departamento, é uma situação generalizada de maior dificuldade dos alunos
em relação ao conteúdo e aprendizagem, o que eu ouço em diferentes
contextos, nas reuniões de departamento e colegiado, por incrível que pareça
é uma contradição, ao passo que o nosso curso vai se tornando a cada ano
um dos mais concorridos da Universidade, hoje acho que nós estamos no
terceiro lugar em relação candidato-vaga, os professores sentem, comentam
e se queixam demais do nível dos alunos que têm chegado, dizendo que a
coisa está cada vez pior, mais difícil, os alunos estão cada vez tendo mais
dificuldades, menos interesse, os professores têm se queixado bastante de
um certo.... de dificuldades.. (Professor do Setor das Ciências Humanas).

O professor desconversa e coloca outra coisa no lugar. O que se consolida nas


tramas dos significados são elementos ideológicos que se manifestam na vontade de
desconhecer a diferença e a diversidade. As metas são traçadas fundadas no mérito,
e na universidade se referem a posições no ranking e na excelência acadêmica.
Prosseguindo com a entrevista, pergunto, se o que se está reclamando é de baixa
qualidade. O professor do Setor de Ciências Humanas prossegue...

Baixa qualidade do ensino, isso de forma generalizada, [...] situação


contraditória, nós somos os mais concorridos, então em tese entrariam alunos
entre aspas né? Seletos, e ao contrário, os professores se queixando de uma
queda na qualidade, os alunos apresentando baixo rendimento, eu ouço isso,
esses comentários das formas mais diversas, desde os professores que
comentam isso, de uma forma mais contundente, né? Do tipo “ah, os alunos
não prestam nem um pouco atenção”, até professores comentando e
tentando analisar a coisa de forma mais complexa, né? (Professor de
Ciências Humanas).

Entrevistadora: Isso foi relacionada com as cotas?

Não, nunca foi relacionada com as cotas, mais ela tem se tornado uma
constante, a ponto de estar preocupando os professores, professores falando
que estão abaixando o nível dos textos, abaixando o nível das aulas, eu já
ouvi de vários professores, você já trabalhou esses textos? Imagina se eu
vou trabalhar com esse texto, eles não leem, não conseguem entender nem
outro lá que eu dei que é todo mastigado, vou trabalhar com esse texto?
(Professor do Setor de Ciências Humanas).

Fica a dúvida, existem muitas razões pelas quais o perfil dos alunos está
mudando, no entanto um deles não pode ser ignorado, os alunos de escola pública e
alunos negros estão mudando o perfil dos alunos da UFPR. Num momento posterior
o professor agrega...
118

A Universidade que nós conhecíamos, e que nós conhecemos morreu,


acabou, até tem um autor que publicou alguma coisa recente aí dizendo a
Universidade está morta. A Universidade como espaço de produção de
conhecimento, do saber, morreu, isso foi dito, eu até separo esse texto para
você, esse autor está ali, então quer dizer, significa assim, a Universidade
está mudando, mas eu não saberia dizer que essa mudança tem a ver com
que...(Professor do setor de Ciências Humanas).

Há uma queixa generalizada neste curso, não há manifestações em relação às


polícias de inclusão recentes, mas uma nostalgia da universidade tradicional e uma
crítica aos elementos postos hoje, orientando-se a crítica à qualidade dos alunos. São
posições que demarcam as interações, que se desdobram nas decisões, nas formas
de se comunicar, de se colocar como professor. Evidentemente são vários os
elementos postos em discussão, em especial, os elementos tecnológicos que
modificaram drasticamente a relação com o conhecimento. No entanto a inclusão dos
alunos diferentes é um fator preponderante nas mudanças que são significadas uma
vez mais, a partir do viés da excelência acadêmica.
Com a professora do Setor de Ciências Biológicas, a questão do rendimento se
encaminhou para o curso noturno.

nós temos o curso noturno, então existe muita cultura de que o aluno do curso
noturno é mais fraco. E eu procuro mostrar que não, porque a gente tem os
dados. Então, a nota de corte, quantos passaram... é muito parecido noite e
manhã, então a gente procura informar. Eu acho que vai muito da
desinformação. Ou seja, “achar que” – o achismo (Professora do Setor de
Ciências Biológicas).

O que está por trás desses posicionamentos é todo um esquema que se tem
da universidade tradicional em oposição a uma universidade articulada com os novos
desafios. Os dados que indicam que alunos do curso noturno estão tendo bom
rendimento não é tão só importante porque não desmerece a racionalidade
meritocrática da universidade mas também porque levanta outros desafios em relação
aos processos de aprendizagem. Cabem algumas perguntas e alguns desafios de
pesquisa: O que faz com que pessoas com elementos bem mais deficientes, tendo
que trabalhar e tomar conta de outros fatores consigam acompanhar a universidade,
mesmo com dificuldade? O que funciona como fator preponderante nesse processo?
Quais seriam as condições que favorecem a persistência no aprendizagem? São
119

elementos novos que devem ser pesquisados e incorporados nas reflexões do âmbito
acadêmico.
Falando com a professora A do Setor das Ciências da Saúde, pergunto: “Você
consegue visualizar que existem alunos cotistas raciais aqui dentro da medicina?”

Não, no dia a dia a gente não percebe isso, o que eu percebo é nas
avaliações que nós fazemos, que os alunos fazem do curso, ou seja, eles
preenchem semestralmente uma avaliação, eu não consigo identificar se a
cota é racial ou social, isso eu não consigo discernir, mas eu tenho questões
que eles apontam nas avaliações, e dificuldades por serem cotistas,
principalmente em relação ao idioma, leitura de textos em outros idiomas,
nesse sentido, mas não se isso e racial ou social, isso eu não consigo
(Professora A do Setor das Ciências da Saúde).

Importante é identificar os fatores fragilizados para promover e sistematizar


subsídios nesses aspectos. Idiomas e leitura de textos são identificados como os
fatores frágeis. Políticas complementares que acompanhem o processo da inclusão,
que se somem às já implementadas no âmbito da permanência, no intuito de promover
o rendimento e uma exitosa culminação dos estudos destes jovens. Esta professora
também assume o discurso do enfraquecimento da condição acadêmica dos alunos.

O que a gente escuta, o que escuto de professores, é que parece haver um


rendimento pior, mas também o professor, não sabe quem é cotista ou não,
então talvez o rendimento, não seja relacionado só à cota, ou seja, um
rendimento... Os alunos são muito bons, porque eles passaram nesse
vestibular que é o mais concorrido, né? Geralmente os scores são muitos
elevados, mesmo para quem é cotista, ele teve que ter um, tem que ser o
melhor cotista né? Independente pelo qual tipo de cota que ele entrou, então
às vezes eu escuto que, haaaa talvez haja um rendimento menor, nós não
sabemos quem é cotista ou não, e ele não se identifica (Professora A do Setor
das Ciências da Saúde).

O curso A do Setor de Ciências da Saúde é uns dos que recebe mais alunos
cotistas raciais, ainda com scores muito elevados. A baixa do rendimento pode ser
devido a esse processo de inclusão, que poderia precisar de um acompanhamento.
Sua invisibilidade, o silenciamento, obstrui a possibilidade de construir canais de
fortalecimento que impliquem na inclusão acadêmica, cultural, cognitiva e histórica do
aluno cotista racial.
Pergunto para o professor do curso B do Setor das Ciências Agronómicas:
“Com efetivação da cota você percebeu alguma mudança do perfil do curso?”
120

...a gente vê que com o tempo tem diminuído um pouco o nível dos alunos, a
gente fala no geral. A gente não sabe se isso é uma coisa geral ou se a cota
também ajudou para que isso acontecesse (Professor B do Setor de Ciências
Agrárias).

A situação se repete, uma noção geral de diminuição do rendimento, mas que,


de forma geral, não é diretamente atribuída aos alunos cotistas raciais, no entanto
esse dado fica no ar, no silêncio que persevera em relação a esse tema. Pergunto
para o professor B do Setor das Ciências Agronómicas: “Como você qualificaria a sua
atenção para aqueles alunos que você considera que são cotistas, você tenta
acompanhar mais de perto esse processo como coordenador? Assumir alguma
medida especial?”

É bom, a coordenação é muito burocrática e tem muita gente, muito serviço.


Aí eu não consigo realmente acompanhar os alunos, nem os alunos normais
e nem os cotistas de uma forma muito mais próxima. Eu tenho 600 e tantos
alunos e aí a burocracia come muito do tempo da coordenação e além disso,
eu sou professor da graduação, da pós-graduação, tenho horário do
doutorado, do mestrado e tenho que fazer pesquisa, tenho que publicar,
então é impossível dar uma atenção especial para alguns alunos. Então não
tem sido feito (Professor B do Setor de Ciências Agronômicas).

Além das condições da não identificação, soma-se o excesso de atividades dos


professores, inviabilizando de forma prática qualquer tipo de acompanhamento.
A entrevista ao professor B do Setor das Ciências da Saúde, só confirma os
dados que temos ressaltado.
Pergunto para o professor A do Setor de Ciências Agrárias: “No curso foram
detectados, até por opinião dos professores, mudança no rendimento acadêmico, por
ser uma descida no rendimento acadêmico por causa do ingresso dos cotistas? Que
opinião tem?”

Não, mas eu percebo que nós tivemos um aumento na taxa de retenção,


concomitantemente com a instalação do programa de cotas raciais (Professor
A do Setor das Ciências Agrárias).

Entrevistadora: E tem alguma medida tentando resolver isso?

Não. Não temos medidas individualizadas, não temos. Todos são tratados
iguais, o que reprova, repete vai e faz a disciplina, não é chamado. Alguns
professores, sim, têm atitudes isoladas que chamam os alunos, fazem
revisões e repetem algum conteúdo. Outros alunos até se antecipam, vêm e
declaram que tiveram dificuldade com determinado conteúdo na escola de
origem (Professor A do Setor das Ciências Agrárias).

.
121

Reproduza-se o discurso da igualdade, na submissão das diferenças, a


igualdade universalista descontextualizada do que é a realidade. No curso B do Setor
de Ciências da Saúde, a situação se repete, pergunto para o professor: “Você, como
coordenador, detecta que tem alguns alunos que podem estar promovendo que o
curso tenha menos rendimento?”

Não (Professor A do Setor das Ciências Agrárias).

Não mudou o rendimento?

Não. Não mudou. Os alunos estão tendo rendimento menor de maneira geral.
Os alunos hoje não querem estudar mais (acha graça). É muito difícil. Tudo
é eletrônico, tudo é internet, eles não querem saber mais de estudar. Então,
eu não diria que os cotistas rendem menos ou o curso rende menos porque
os cotistas baixaram a média, não, Não (Professor A do Setor das Ciências
Agrárias).

Existe uma cobrança geral em relação ao rendimento dos alunos, que não é
atribuída diretamente ao ingresso de alunos cotistas raciais, mas que aparece
concomitantemente às ações afirmativas na universidade.
A maioria dos professores aduz que em seus cursos não aconteceram
episódios que pudessem ser definidos como racistas. No entanto, alguns processos
pouco mobilizaram a universidade, como o caso seguinte que relata o professor do
Setor de Ciências Humanas.

Essas questões, agora, relacionadas à questões raciais, a questões de


preconceito, elas começaram, elas começaram a aparecer mais, a ser
tornarem um pouco mais evidentes agora, para nós aqui internamente no
curso de [...]. Recentemente, de um tempo para cá, não que antes não
acontecesse, não que antes não houvesse, não que antes não tivessem
problemas...(Professor do Setor de Ciências Humanas).

A problemática da questão racial vai aparecendo aos poucos, vai adquirindo


visibilidade para o professor que até afirma que, quiçá alguns episódios sejam ocultos
dele, pois, como autoridade, poderia levar a questão à formalidade. O que se verifica
é que existem algumas tensões não esclarecidas que vão ficando evidentes no trecho
seguinte, um pouco extenso, mas que retrata alguns traços do que no cotidiano deste
curso está entrando em questionamento, promovendo reflexões no contexto da
riqueza das interações sociais. O professor relata....
122

E isso ficou mais visível de um tempo para cá, especificamente esse ano...
[...] Nós tivemos um caso levantado esse ano, de um professor, inicialmente
foi feito como uma acusação, um pouco mais assim direta, depois talvez por
receio de judicialização do caso foi relativizada a acusação, aí a gente ficou
naquela coisa, de que primeiro se acusou, depois recuaram um pouco, ou,
não é bem assim, a gente não tá acusando, mas enfim, isso acabou se
tornando público, por meio de uma carta de repúdio, que o centro acadêmico
publicou em relação às atitudes de um professor, em específico, em sala de
aula, atitudes essas que foram consideradas como sendo de preconceito
racial, assim de preconceito racial, isso disparou uma discussão, uma
reflexão e uma discussão generalizada entre professores e alunos (Professor
do Setor de Ciências Humanas).

Esse caso, retratado pelo professor, parece ter detonado um tema latente que
não aparecia, mas que existia, gerando debates e discussões que são relatadas pelo
professor:

Inicialmente criou-se até um mal estar aí, nas relações, porque daí começou
éééé, o questionamento da relação professor-aluno, como sendo uma
relação de poder, uma relação de opressão, e isso num primeiro momento
assumiu assim, um tom meio generalizador, do tipo olha, você é professor,
você está numa relação de poder, logo você oprime, e os professores né?
Não, pera aí né? Como assim? E daí daquele caso individual, parece que a
coisa começou a querer se generalizar, e aí começaram essas situações
pontuais e do cotidiano acadêmico, começaram a aparecer, como exemplos
de situações de preconceito, exemplos de situações de opressão, etc.
(Professor do Setor de Ciências Humanas).

Entrevistadora: Começaram aparecer outros casos similares?

Outros casos similares, sim, isso, isso, aí por conta disso eeee, disparou-se
aí, uma série de... como se fosse constituído, espaços para discutir o
problema, então a coordenação começou a encaminhar reuniões com centro
acadêmico, para entender o que estava acontecendo, o centro acadêmico
disparou uma série de reuniões de assembleias para estudar. Eu, como chefe
de departamento, chamei uma plenária departamental, para a gente discutir
o problema, por que daí o professor pediu o direito de resposta à carta de
repúdio, e quis apresentar a sua defesa, e ele pediu espaço na reunião do
colegiado, enfim esse caso em específico, né? Desses alunos, né? Que
procuraram o centro acadêmico para se queixar da atitude do professor e que
culminou com essa carta de repúdio, acabou disparando esse processo, que
agora eu diria assim, ele ficou mais tenso, ficou tensa a coisa aqui [...], tanto
na parte dos alunos, e eu avalio como professor, a partir do contato que eu
tenho com alunos de diferentes segmentos do curso né? Que o clima ficou
tenso, entre os alunos com grupos... (Professor do Setor de Ciências
Humanas).

Entrevistadora: Os alunos defendem?

Os alunos se dividiram, em apoio ao centro acadêmico, em apoio, não diria


aos professores, mas contrários aos encaminhamentos que vinham sendo
dados, eu particularmente senti meio que um racha né? Entre os alunos, no
123

entendimento da coisa, do tipo alguns concordando, outros dizendo não é


nada disso que está acontecendo, ao mesmo tempo senti, também, uma
certa cisão entre professores, professores assumindo posições mais
defensivas, professores tentando entender e mais solidários ao problema e
tentando entender o que estava acontecendo, se colocando, se colocando
solidário né? Numa posição de movimento de tentar entender, e até atuar,
até ajudar naquilo que fosse preciso, professores completamente
indiferentes, e firmes assim na sua posição, do tipo, olha eu tenho clareza
absoluta de que, é bem isso que eu faço, o que eu faço visa isso aqui, é meu
jeito, é assim que eu vou ser, e eu não vou mudar, e criou um clima tenso,
um clima tenso, ficou um clima bem tenso nos últimos messes em relação a
isso... (Professor do Setor de Ciências Humanas).

Entrevistadora: E agora essa polêmica que foi gerando quase um debate, ela
levou a que argumentações? Você ouve assim informações do que são as cotas?
Como elas surgiram?

Em relação às cotas? Não, tudo isso que eu estou falando, desse clima tenso,
desse acontecimento, dessa discussão sobre relações de opressão,
relações de poder de racismo de preconceito, discriminação, em nenhum
momento, posso estar enganado, em nenhum momento houve qualquer
referência ou associação ou ligação disso com a questão das cotas, a
questão ficou centralizada mesmo na discussão teórica, ética e acadêmica
do que é o preconceito, se aquilo aqui se caracterizava realmente como uma
questão de preconceito, quando vocês estão falando de relação de poder e
opressão, na relação professor-aluno, vocês estão falando de quê? E os
professores também se perguntando isso, mas em nenhum momento, eu pelo
menos (Professor do Setor de Ciências Humanas).

Ao que parece, as cotas mantêm-se como um tema vedado, no entanto, cabe


supor que os conflitos, as reflexões geradas proveem das interações com a
diversidade, do confrontamento de realidades e saberes, da apropriação de novas
formas de ver o mundo, as pessoas, a realidade. Ou seja, trata-se de um movimento
totalmente enriquecedor das relações sociais, mediadas pelas relações raciais,
processos que orientam-se para um posicionamento com a sociedade na
consideração de uma amplitude aos problemas que alguns setores, que não tinham
acesso à universidade trazem para sua reflexão, teorização, e solução. O professor
prossegue seu relato contribuindo com mais detalhes desse processo....

Isso disparou um questionamento sobre vários temas hoje relacionados a


grupos de minorias, né? Questões de gênero, aí generalizou de um jeito
que... A sensação que eu fiquei, assim, é que parecia que todos esses temas
sociais contemporâneos, né?, do dia para a noite, apareceram aqui, assim
começou a se discutir, questão de gênero, questão de marxismo, homofobia,
preconceito, racismo, de repente veio tudo assim, à tona assim (Professor do
Setor de Ciências Humanas).
124

Este episódio retrata como a interconexão entre diferentes suscita


contraposições que, levadas ao debate, enriquecem o âmbito reflexivo da realidade.
O que podemos capturar nesse episódio é a possibilidade suscitada pela situação de
constrangimento de rever toda uma série de posicionamentos e relacionamentos com
respeito a conceitos, a realidade, a posicionamentos. O que devemos conhecer? o
que é preconceito? Qual é a minha postura como professor? Questionamentos que
subjazem a questões epistemológicas e ontológicas que surgem do espaço da
diversidade, do que se está vivendo na universidade, ampliando o leque dos temas
que devem serem tratados na universidade. Por outro lado, também questionam-se
os lugares estabelecidos, as posições de poder e a condição do aluno, trazendo ao
debate essas problemáticas, ainda estendidas para outros temas afins, como de
gênero, violência, sexualidade.

Gráfico 9 O Discurso: dos Professores em relação aos Alunos

4.3 O Discurso, a Escuta e a Assistência Estudantil

Neste espaço as vozes que serão ouvidas pertencem a cinco profissionais da


equipe da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), que acompanham o processo
125

de permanência de todos os alunos com condições de fragilidade socioeconômica


e/ou psicossocial, incluindo os alunos que ingressam via Ações Afirmativas. Na
medida do possível os profissionais não serão identificados de forma específica, como
uma forma de tentar guardar em sigilo suas identidades. Para tanto, estes
profissionais serão distinguidos pelos nomes fictícios de Beatriz, Júlia, Laura, Sofia e
Felipe.
De acordo com a resolução 37/2004, a UFPR não implementa políticas de
acompanhamento específicas para os alunos negros, optando pelo acompanhamento
e apoio a todos os alunos da universidade. No entanto, de igual forma considerou-se
importante escutar alguns profissionais que trabalham com o processo de assistência
estudantil aos alunos cotistas negros, de maneira a conhecer e levantar reflexões a
partir do discurso dos entrevistados.
Tentando conhecer como as cotas raciais são assumidas pelos profissionais
da PRAE, pergunto para Beatriz se alguém da equipe olha de forma desfavorável para
as cotas raciais.
Eu percebi assim, quando eu entrei aqui, até as próprias meninas, você
percebia que elas falavam uma coisa do tipo... "não é tão necessário que
haja a questão da cota racial"; você percebia que havia um pouco esse
discurso da maioria [...]. Houve uma mudança. Porque você traz uma
discussão e aí, você é apoiada por aqueles que também já pensavam um
pouco assim, mas que mesmo não se aprofundando num estudo mais... já
pensavam que sim, que era injusto, que você colocava em balanças
desiguais. Então, isso para mim é bem pontual dentro da equipe assim, é
bem marcante assim que você via que antes as pessoas falavam assim e que
hoje não falam mais, assim. [...] ... o racial, ele teve sim, no início, na minha
entrada, que eu via que tinha essa fala, do tipo... não, "eu acho que não
tem porque ter esse recorte", mas que hoje não se vê mais dentro da
equipe esse tipo de pensamento. Uma superação (Beatriz).

Beatriz conta que existia por parte de algumas das pessoas da equipe certa
reticência em reconhecer a necessidade de um acompanhamento diferenciado. No
entanto, nos diz, isso foi superado. Seguindo com minhas indagações, pergunto para
Júlia, outra profissional, colega da Beatriz, se alunos negros procuram o serviço, e ela
me diz:
Pouco, viu? Aparecem bastante pardos, negros, assim mesmo eu lembro de
poucos (Júlia).

Define-se como negros as pessoas pretas e pardas. Pode-se deduzir que


quando Júlia fala dos alunos que não aparecem, refere-se aos alunos pretos.
Pergunto para Júlia: e eles (os alunos pretos), aparecem aqui pela questão racial?
Será que está faltando informação, subsídio? Ao que a profissional me responde....
126

Eu acho que não, acho que a universidade pelo menos em termos de bolsas
aqui da PRAE, está fazendo um papel dessas pessoas ficarem invisíveis, não
chegarem aqui se identificandocomo cotistas raciais, acho que o trabalho que
está sendo feito aqui na PRAE em termos de bolsas é de tornar essas
pessoas o mais invisíveis possível, mesmo. Acho que esse é o caminho
(Júlia).

Compreendo que o contexto em que foi formulada a resposta de Júlia refere-


se a que o foco da equipe é socioeconômico e o racial não pode interferir. Ao que
parece, a profissional tem como intuito ser eficiente, mostrando clareza dos objetivos
de seu trabalho na norma institucionalizada, o que determina a universidade, e isso
está focado na renda. Portanto, a questão racial não poderia ser considerada até
porque pode se constituir num elemento de dispersão, tornando o processo de
distribuição das bolsas parcial e/ou subjetivo.
Sabemos que as questões socioeconômicas são fundamentais para o processo
de permanência dos alunos. No entanto, alunos negros têm outras dificuldades,
advindas das condições que geraram as Ações Afirmativas e que buscam ser
superadas mediante a inserção na universidade. Processos de identidade,
autoestima, afirmação, apropriação do lugar, conhecimento e informação de diversos
procedimentos que são alheios à rotina destes estudantes, até porque, comumente,
eles são os primeiros de suas famílias a acessar a universidade.
Por outro lado, como trabalhar com aquilo que se ignora, do qual não existem
procedimentos, para o qual não há capacitação nem procedimentos de sensibilização,
esse algo que não tem visibilidade. Quando pergunto para Beatriz se existem esses
suportes, me diz:

Não temos, não temos. Essa é a grande questão que eu coloquei, porque a
gente não tem nem para onde encaminhar, “tipo assim”, o geral, é ouvidoria,
para encaminhar uma queixa do aluno. Mas, como isso vai tramitar, como vai
ser a resposta para esse aluno... não mais. O que a gente faz é “tipo”, se a
gente vê que aquilo afetou de uma forma demasiada o aluno, talvez,
encaminhar para um atendimento psicológico. Então, são esses os caminhos
que a gente tem. Talvez faltasse algo... (Beatriz).

Sem dúvidas são vários os problemas que podem desenvolver-se atrelados à


questão racial, problemas para os quais os alunos negros precisam de suporte
específico. Revisando o Manual da Política de Assistência Estudantil, encontramos
sobre preconceitos e outras coisas....

A afirmação da educação superior como política de Estado; a igualdade de


condições para o acesso, a permanência e a conclusão de curso; a garantia
127

da democratização e da qualidade dos serviços prestados à comunidade


estudantil; a defesa em favor da justiça social e a eliminação de todas as
formas de preconceitos (Manual de Gestão do Programa de Bolsa
Permanência, 2013).

Os encaminhamentos das diretrizes dadas apontam para “a defesa em favor


da justiça social e a eliminação de todas as formas de preconceitos”. Na sequência
da entrevista com Júlia, me expresso: “então... a ver se entendi bem... como essas
pessoas poderiam se aproximar, se elas... não deveria haver alguma modificação no
sistema?”

eu acho que não, porque nossa questão aqui é de renda, não é de raça,
não é de cor, de cota. Por exemplo, a gente não trata diferente também os
cotistas de escola pública. Aqui a gente divulga que tem inscrição aberta para
bolsistas e coloca os critérios que é a renda. Nos procura quem dela
necessitar (Júlia).

A política de Assistência Estudantil não é só bolsa de permanência para


garantir o desempenho. No entanto, percebe-se que a norma da instituição é mais
forte, trata-se de bolsas para cotistas e a questão racial não deve ser considerada. No
entanto, é esse o lugar da assistência estudantil, o lugar que deveria remeter o aluno
cotista negro que tivesse qualquer tipo de problemas - raciais ou não raciais -, mas
que dificultassem seu processo na universidade. A bolsa é fundamental, muito
importante, dado que trata-se de jovens de precária condição econômica. Porém, não
é o único fator que deva ser considerado, há por trás de todo processo de cota racial
uma história de discriminação e preconceitos que, além de atribular o aluno, constitui-
se numa trama de redes complexas como poderosos impeditivos para um processo
acadêmico de sucesso.
Consegue-se evidenciar que o objetivo da PRAE, entre outros, é principalmente
a distribuição do auxílio permanência e outros auxílios ligados à questão
socioeconômica, voltados a garantir o rendimento acadêmico, como fator fundamental
para a manutenção do auxílio de permanência. A posição de Laura, outra profissional
da equipe, traz outros aspectos que se referem à relação com o racial...

O problema é mais com relação à questão social. Não a questão racial. A


questão – vamos dizer assim – da defasagem do ensino médio, de um ensino
médio de pouca qualidade. Entendeu? Essa questão é a que “pega”. Quanto
a qualquer outro tipo de discriminação ou de defasagem que eles
tenham em relação ao racismo, a gente não teve nenhuma dificuldade.
Um aluno branco com um aluno negro, ele tem a mesma capacidade. Agora,
o aluno que estudou em escola particular e o aluno que estudou em escola
128

pública, independentemente de ser branco ou negro, têm dificuldades


diferenciadas. “Então assim”... o que vem da escola pública muitas vezes vem
com uma defasagem muito maior. Isso é o que nós temos de claro, mesmo.
Em relação à cor, assim, não existe nenhuma discriminação (Laura).

Ações Afirmativas foram acionadas a partir de séculos de racismo,


preconceito e discriminação. No intuito de ignorar o racial aciona-se a democracia
racial, o que deriva em que “todos somos iguais” e, portanto, não há problemas raciais.
Além de negar o racial como um fator necessário a ser considerado num espaço de
Assistência Estudantil na universidade, nega-se também como fato histórico. No
reconhecimento do racial deve-se falar de oportunidades além de falar em igualdade;
a falta de oportunidades promovem desigualdade que tem suas raízes no preconceito
e na discriminação.
Pergunto para outra profissional que atende os jovem que chegam para a
Assistência Estudantil: “E qual é mais ou menos a demanda deles? Qual seria... por
que é que os jovens negros procuram....eles procuram?”

Geralmente as pessoas que eu já atendi foi por questão de preconceito, por


se sentir... [...] os cotistas, em geral, o aluno que entra por vaga suplementar,
ele acaba sendo... algumas pessoas acabam colocando ele no lugar de não
merecimento daquela vaga. E a gente tenta trabalhar também com essa
questão, assim, muitos vêm para se afirmar, na verdade, para afirmar que
merece, que merece estar nesse lugar, que esse é um lugar conquistado,
mas muito... a maioria vem com essa questão do preconceito sofrido em sala
de aula ou entre os colegas (Sofia).

Alguns alunos conseguem chegar, consegue-se encontrar um espaço para


colocar as dificuldades. Pergunto para Sofia, que já teve essa experiência como
profissional para atendimento dos alunos: “Você vê alguma distinção, assim, entre os
cotistas raciais, sociais, ou você pensa, ou percebe que há uma demanda?”

...eu acho que cotista racial, ele traz mais sofrimento na sua fala, ele é mais
preconceituado do que o social. Porque o cotista social por vezes tenta
esconder, ele tenta ocupar um outro lugar, não que ele tenha que fazer isso,
que eu não acho que ele tenha que fazer isso... [...] E aí, o cotista racial não,
ele tem que enfrentar e é duro, às vezes no curso... dependendo do curso
que ele está é muito difícil, é muito difícil, muitas vezes ele é preconceituado
pelo professor e a gente tem... bom, enfim, às vezes ele não foi
preconceituado, mas ele passa a ler todas as relações como relações de
preconceito, então tem todo... tem os dois lados, também (Sofia).

Estudos demonstram que as questões raciais têm repercussões nos retornos


educacionais (BARBOSA, 2005), e não se está falando de tendências biológicas pela
cor de pele, mas de interações, de convivência, de preconceito, de discriminação
129

atrelada à cor de pele. Ou seja, estudantes negros obtêm piores resultados, não
apenas por serem pobres, mas também e independentemente por serem negros.
Essa perspectiva foi destacada inicialmente por Valle Silva e Haselbalg (1990) e
significou um novo patamar nas pesquisas sobre relações raciais no Brasil. Os autores
mostraram em análise de dados que pretos e pardos apresentam desvantagens em
relação aos brancos, nos resultados escolares. Pergunto para Felipe se ele conseguiu
perceber alguma distinção entre os alunos cotistas raciais e os outros alunos?

Olha, o que eu posso te dizer é mais no sentido de suposição. Eu acredito


que uma demanda que os alunos possam ter é justamente enfrentar esse
preconceito, que a gente sabe que é forte. A própria ideia da cota, de uma
reserva de vagas, a sociedade inteira né, se você fala, super polemiza, o povo
fica horas discutindo isso. Então acredito que seja essa a maior demanda que
os cotistas raciais enfrentam, esse olhar que está também dentro da
universidade, de pessoas que foram diferenciadas, que não concorreram com
igualdade, qualquer coisa nesse sentido. Isso acho que produz sofrimento
pra qualquer um (Felipe).

Entrevistadora: Você consegue perceber isso entre seus colegas em outros


âmbitos da universidade, existe essa tensão?

Se eu percebo uma tensão em relação a isso? Eu percebo uma tensão em


relação a isso, não vou saber te dizer onde. Mas percebo, sim. As pessoas
têm muito medo de falar sobre isso, falam com mais liberdade em pequenos
grupos, e eu percebo uma tensão, sim. Não sei se é uma tensão da
universidade, uma tensão geral, mas acho que tem, sim (Felipe).

A tensão que está na universidade se dilui nas relações cotidianas, nas


interações, nos espaços das salas de aula e também nos espaços da Assitência
Estudantil. Evidencia-se uma necessidade de trazer à discussão esses fatores, de
trabalhar mais os mecanismos de conflito. Lidar com a diversidade é um grande
desafio para a universidade, e se evidencia como urgente, para a plena inserção e
permanência dos novos sujeitos que estão chegando. Enfrentar o racial precisa de
apropriação de fatores históricos, de fazer o debate para a superação dos
preconceitos e a abertura ao diferente. Carvalho (2006), postula que argumentar que
o problema dos estudantes negros é apenas um problema social seria supor duas
coisas: que as causas objetivas que geraram a desigualdade presente entre brancos
pobres e negros pobres frente aos brancos ricos sejam todas do mesmo tipo. E,
também, que brancos e negros pobres estariam lutando entre si em igualdade de
condições pela mesma ascensão social. Vale lembrar, postula este autor, que os
estudantes negros perdem
130

...na disputa milimétrica pelas poucas vagas existentes na universidade


pública, não apenas para os estudantes brancos egressos da escola
particular, mas também para os estudantes brancos da escola pública (os
quais, lembremos, ainda têm uma maior riqueza familiar e um maior capital
cultural e de autoconfiança, que eles) (CARVALHO, 2006, p.59).

No racismo que impera no Brasil verifica-se que as repercussões da ideologia


de uma democracia racial ainda são muito presentes e profundas na sociedade
brasileira. Com base em relacionamentos afáveis entre as pessoas considera-se que
não há racismo e que as condições de fragilidade socioeconômica dos alunos cotistas
raciais devem ser atribuíveis a outros fatores, que recaem na ideologia liberal do
esforço, da competitividade e do mérito. Desconhece-se todo o processo que
demarcou uma condição socioeconômica gerada no não reconhecimento de
humanidade deste setor populacional, mas na injustiça, na discriminação e na
desigualdade. Essas condições acarretam consequências na estrutura psicossocial
das pessoas, influindo nos processos afetivos/volitivos/cognitivos. Assim, são alunos
que, para aproveitar os espaços oportunizados na universidade, precisam superar a
defasagem de conhecimento na apropriação cultural de códigos e simbologias que lhe
são alheios pela falta de acesso histórico de ambientes persistentemente vedados.
Embora muito tenha se produzido questionando, criticando a falácia da
democracia racial, ela se impõe no cotidiano, nas relações sociais do dia a dia, nos
diversos setores, nos mais recônditos espaços, funcionando como um dispositivo do
poder a serviço de um racismo que se impõe na argumentação de sua inexistência,
promovendo uma falta de sensibilidade para os aspectos raciais, tentando igualar o
que é desigual.
Voltando às entrevistas, pergunto para Júlia: “Mas, tem chegado alguns casos
desses? Casos relacionados ao racial...?” Júlia me responde:

Eu acompanhei um caso numa entrevista de rendimento acadêmico, que teve


uma questão de preconceito do docente com o aluno. Porque a gente chama
porque vê que alguma coisa tá acontecendo com o aluno. Que o rendimento
dele não tá bom, que ele tá recebendo todas as bolsas e só estuda, então
algum problema ocorreu, então a gente chama e ele conta toda a história.
Essa questão eu participei, como eu não participo de todas as entrevistas
então eu não tenho assim uma amostra grande pra falar. Mas essa entrevista
me marcou bastante, porque foi assim um caso bem grave. Que eu me senti
envergonhada enquanto pessoa, enquanto profissional, enquanto tudo assim
(Júlia).
131

Pergunto para a Júlia: “E voces tiveram como resolver isso, dar algum
subsídio? O sistema dá a vocês alguma facilidade pra isso?”

Um respaldo, assim, alguma coisa? Não. O que eu vejo assim que ocorre é
de querer abafar o caso, sabe. De não querer passar pra frente, de vamos
resolver aqui no diálogo né, não vai ficar bom pra imagem da universidade.
Isso que eu vejo, eles não procuram resolver o problema e até punir os
responsáveis né, por esse crime né, que é um crime hoje. Eu vejo no âmbito
aqui da instituição querendo colocar panos quentes mesmo na situação
(Júlia).

Outras universidades têm espaços que oferecem suporte para essas situações,
previsíveis diante a implementação das Ações Afirmativas. Considerar como política
da universidade que “todos os alunos são iguais” fragiliza fundamentos para políticas
complementares de acompanhamento e legitima a exclusão, que aparece como
desinteresse político com o sofrimento do aluno negro.
Pergunto para Júlia: “Como você vê os procedimentos, as políticas que são
colocadas pelas autoridades, qual é o desenvolvimento que você vê nisso? De mais
abertura, de menos abertura...?” As palavras de Júlia confirmam nossas reflexões:

Eu acho que não tem uma política própria aqui da universidade. Eu acho que
eles acompanham a política nacional mesmo. Não vejo muito empenho em
desenvolver uma campanha ou uma política que atenda essa clientela,
digamos. Não vejo um empenho por parte da reitoria, por exemplo. Eu acho
que eles, se sai alguma coisa deles, é por pressão dos movimentos sociais
aqui internos da universidade, depois de muita pressão, mas iniciativa
própria, acho difícil (Júlia).

Assim, é de se perguntar qual é a universidade que se quer, como ela deve


enfrentar os desafios da atualidade, na pluridiversidade, na abertura a outros
conhecimentos e os problemas emergentes da sociedade. São temas necessários
para se discutir a ampliação dos horizontes da universidade.
132

Gráfico 10 O Discurso, a Escuta e a Assistência Estudantil

4.4 Permanência e Desempenho: construindo subjetividades

Pesquisas publicadas referem-se ao nível satisfatório de desempenho dos


alunos cotistas raciais, num processo que se inicia com os índices mais baixos, mas
que no decorrer do curso vai gradualmente se elevando. Como estes alunos
conseguem superar suas condições materiais, morais, de preconceito, de autoestima
para alcançar o sucesso nesta jornada? Apesar de ser o preconceito racial um fator
extremamente preponderante no desânimo dos alunos negros, promovendo
condições desfavoráveis que os fazem em certas ocasiões perder o norte, Moya
(1996), assevera que estudos recentes indicam que o preconceito ou a discriminação
não provoca de forma generalizada consequências psicológicas prejudicais e/ou uma
diminuição nos níveis de autoestima. Também não se trata de postular que a condição
de preconceitos não repercute nas pessoas, mas o que se quer destacar é o
desenvolvimento de diversos mecanismos de defesa, utilizados pelas pessoas
afetadas se contrapondo ao que se impõe.
Encontramos nas vivências destas histórias relatadas pelos alunos fatores
importantes que se articulam à permanência e ao desempenho. Condições financeiras
que impactam nas condições de alimentação, moradia, transporte, materiais de
133

estudo, repercutindo nas formas de se relacionar e de se apropriar do universo que


implica a vida universitária. Neste recorte tentamos evidenciar, através do percurso
de alguns dos alunos entrevistados, a trama de significados inscritos no processo da
inserção, permanência e desempenho dos alunos cotistas raciais.
Iniciamos esta parte com os depoimentos de Adriano, aluno que tinha
ingressado no ano 2005, primeiro ano das Ações Afirmativas ao curso de Engenharia
Cartográfica e que mudou para o curso de Direito em 2008. Perguntei o por quê da
mudança do curso, ao que ele afirmou:

... a engenharia, a partir de um determinado período, ... a grade vira


integral, passa a ser integral, e aí elimina parte da possibilidade de se
trabalhar e eu precisava de uma renda, não tinha como. E aí eu acabei
levando um ano e, pouco mais de um ano, ... empurrando, fazendo
bicos e essas coisas, mas depois de um ano a situação não se
sustentava mais. Então o determinante foi... foi a questão do trabalho.
Eu precisava trabalhar e não conseguia trabalhar fazendo engenharia
e ai eu mudei pra um curso à noite. A ideia era fazer um curso à noite
e poder trabalhar durante o dia e aí, com essa renda do trabalho, eu
conseguiria me manter. Essa era a ideia (Adriano).

Fiquei surpresa, mas que nada, porque se tratava de dois cursos muito
diferentes, que podia justificar uma decisão tão radical? Sem dúvida estava frente a
um caso extremo de decisão necessária e muito importante para a sua permanência
na universidade. Pedi para ele falar mais disso, então prosseguiu dizendo:

Naquela altura, em 2007 pra 2008, não tinha engenharia. A primeira


engenharia da noite foi em 2010, se não me engano [...] o sujeito tem
que ter capacidade de... capacidade financeira pra suportar ficar o dia
todo na universidade (Adriano).

As circunstâncias obrigaram Adriano a optar por um curso que nunca tinha


pensado cursar. Pergunto para ele se tinha bolsa quando estava na engenharia. Ao
que ele responde:

Eu tinha uma bolsa de... bolsa permanência [...] Só que a bolsa


permanência teve uma evolução a partir de... eu acho que a partir de
2008. Quando eu entrei na universidade, se não me engano a bolsa
era duzentos reais, duzentos e dez reais. Então... [...] Não dava muita
coisa. Claro, sempre ajuda. Pra quem tem pouco dinheiro duzentos
reais é uma grande ajuda. Mas isso não alterava o meu quadro, que
as minhas despesas eram bem maiores que duzentos reais naquela
altura. Só na Casa do Estudante eu imagino que a mensalidade fosse
alguma coisa entre cento e oitenta, cento e noventa reais. Então a
134

bolsa era praticamente pra pagar a Casa. E aí, enfim, não... não supria
os gastos naquela altura (Adriano).

Como nos fala Adriano, a bolsa é valiosa, mas é necessário ressaltar que
lamentavelmente, não é suficiente, o que faz com que estes alunos tenham que
procurar outros subsídios complementares. Prosseguindo com a entrevista, pergunto:
“Como que você se achou com essa mudança, porque os conteúdos são totalmente
diferentes. Você conseguiu assumir bem? Como foi isso?”

Então... o processo de readaptação, ele é... o processo de adaptação


é sempre bastante doloroso. Sair de uma área que... eu gostava da
matemática, era uma coisa que... enfim, tinha uma certa afinidade. E
aí por uma opção quase que alheia à minha vontade... mudar de curso
faz com que você... que seja um processo um pouco traumático
(Adriano).

“E onde ficaram os seus sonhos?”, perguntei….

Você abre mão de uma dose de emoção ali mais por racionalidade.
Eu preciso fazer determinada coisa. Até porque não tinha opção né?
Se eu optasse pelo meu sonho, de fato, ah... meu sonho era fazer
Engenharia. Mas pra fazer isso você precisa de algumas ferramentas.
Não tem como fazer Engenharia e sei lá, e não comer, por exemplo...
(Adriano).

O que veio primeiro em meus pensamentos com as palavras do aluno foram as


palavras de Marx, quando se refere ao primeiro pressuposto de toda a existência
humana e, portanto de toda a história: “É que os homens devem estar em condições
de viver para poder ‘fazer história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer,
beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais” (MARX, 1996, p.39). As
revelações desta primeira entrevista, que foram se repetindo nas seguintes, já foram
me impactando e demonstrando que a permanência na universidade deste jovem e
da maioria dos outros que ingressam via cotas raciais articula-se às suas condições
materiais e significa a luta por sua vida, derivando em diversas estratégias e decisões
contundentes voltadas para a superação das condições de vida, motivados
provavelmente pelo desejo de ascensão na hierarquia social.
Pergunto para Francisco como foi sua experiência para chegar à universidade,
ele me conta...

Eu consegui bolsa né? Eu fui fazer uma prova no cursinho Dom Bosco, era
muito caro, muito caro, muito caro mesmo, e aí surgiu uma prova, aí eu fui lá
fazer, consegui um desconto muito bom de setenta por cento (70%) da bolsa,
135

só que também não tinha dinheiro para pagar mesmo com a bolsa, aí a gente
teve que fazer um empréstimo, um empréstimo para conseguir fazer o
cursinho, porque mesmo vindo de um colégio muito bom que era o CEFET
tudo, eu não senti ainda tanto pelo curso que eu queria né? Curso de direito
muito concorrido e difícil de entrar, eu não me sentia preparado ainda para
isso, então a gente fez lá uns esforços e empréstimos e pagamos o cursinho,
fiz o cursinho, no cursinho daí a disparidade de situação econômica, isso é
muito daí é muito maior, especialmente em cursinhos grandes, lá agente
via um disparidade muito grande de situação econômica (Francisco).

A objetividade de uma realidade histórica marcada pela pobreza, possivelmente


de repercussões de uma discriminação racial retratada na posição que a população
negra mantém no extremo inferior da sociedade brasileira, o que confirma-se em toda
pesquisa socioeconômica realizada, revelando que os alunos negros provêm de
extrema precariedade material, com pouco ou nada de subsídios familiares e que
precisam trabalhar para se sustentar.
Pergunto para Adriano como fez para poder mudar de curso, ao que o
entrevistado relata:

Eu só tinha o dinheiro pra pagar uma inscrição. Então.... eu tinha que


optar: ou fazia a inscrição do PROVAR ou fazia a inscrição do
vestibular. E como no vestibular tinham quarenta vagas... Quarenta?
Não, eram oitenta vagas. Naquela altura, pensei: “Eu acho que é mais
fácil eu conseguir pelo vestibular que pelo PROVAR”. E aí eu acabei
estudando esse período que faltava em dois, três meses e fiz
vestibular de novo (Adriano).

Encontramos aqui uma relação inquestionável entre subjetividade,


desigualdade e transformação social, evidenciando, como postula Sawaia (2009), que
“por trás da desigualdade social há sofrimento, medo, humilhação, mas também há o
extraordinário milagre humano da vontade de ser feliz e de recomeçar onde qualquer
esperança parece morta”, refutando a crença de que as pessoas fragilizadas social e
economicamente se contentam com pouco, e não se interessam pelo seu crescimento
pessoal. Prossegui com minhas perguntas, tentando entender como ele conseguia se
sustentar. Perguntei em que trabalhava.

Eu fazia... durante as férias eu trabalhava como .... trabalhava em


lanchonetes e restaurantes assim... como garçom. E durante o
semestre eu fazia estágio e no contraturno, daí, fazia bicos. Então
conseguia durante as férias... sei lá... as férias de final de ano... daí ia
pra praia, trabalhava de garçom e conseguia o dinheiro pra juntar
dinheiro pra ficar quase todo o semestre (Adriano).
136

As palavras deste estudante denotam a vida dura que acompanha a


universidade, extremamente diferente do que ocorre com os alunos padrão das IFES,
remetendo também às mudanças drásticas que se originam da inserção de uma
população para o qual o ingresso à universidade é um fato excepcional. Pergunto
para o aluno: “Você sente que ela (a universidade) deu subsídios pra você levar em
frente os estudos? Assim, por ser, quando você precisou de alguma ajuda econômica,
quando você precisou de informação...”

Não, eu... é... quando... depois de ter vindo pro Direito, aí sim, mas eu
já tinha... já conhecia o caminho. Mas durante a engenharia, eu... esse
foi um processo... eu era... quase que impossível ter uma bolsa...
(Adriano).

Entrevistadora: Dependendo do curso é mais fácil ter bolsa ou foi você que foi
se apropriando de... do jeito de conseguir as bolsas?

É... a forma... o mecanismo que leva pra ganhar uma bolsa, pra
conhecer esse trajeto, é muito mais importante do que propriamente
os requisitos ou o curso... Você acaba conhecendo o caminho que leva
à ganhar a bolsa... (Adriano).

Entrevistadora: Quais foram as suas maiores dificuldades? Aqui dentro da


Universidade...

A adaptação... questão financeira... o...o... o fato de não ter dinheiro


pesa em todos os âmbitos da vida, né? O fato de não ter dinheiro faz
com que você às vezes não durma bem, faz com que você não coma
bem, faz com que você não se relacione bem com as pessoas que
estão à sua volta, ter dinheiro é um divisor de águas. Ter ou não ter
dinheiro é um divisor de águas. É claro que você consegue trabalhar
dentro de uma margem de... então acima de... o céu é o limite... eu
consigo manter uma determinada, uma determinada comodidade de
vida. Mas abaixo desse limite, isso influencia tudo. Tudo, inclusive o
rendimento na universidade. Então, a renda, talvez seja um grande
fator... a... a adaptação à mudança de curso também foi... (Adriano).

A história deste aluno nos remete ao que encontramos insistentemente na


literatura das relações raciais (HANSELBALG, 1988). Histórias marcadas pela
discriminação racial que implicam precariedade, carência, exclusão. O impacto das
condições objetivas de vida confluídas na pobreza, mas pouco nos revela sobre a
força, a motivação, a coragem do sujeito em transformação, exprimindo sua história
para conseguir condições melhores.
137

O percurso pela universidade é também marcado pela mobilidade, pela luta e


pelo sofrimento no relato desta aluna que decide ingressar no curso de química:

Na verdade, no início quando eu fui escolher o curso, eu fiquei em


dúvida entre Química e História. Eu queria fazer muito História, mas
eu queria muito fazer Química, que eu tinha muita facilidade com
números, essa coisa aí. E aí, na dúvida, fiquei ali, “faço química!” E fiz
química. Quando eu cheguei lá eu tive muita dificuldade. Muita
dificuldade assim, principalmente com a parte de cálculo. E outra
dificuldade que eu tive foi que o curso era período integral. Então, eu
tinha que passar o dia todo no Politécnico e eu não tinha condições
financeiras de me manter daquela forma. E então era... Tinha dia que
eu tinha aula às 7:15 a primeira e a última começava às 19:30 e
terminava às 22:00 h (Betânia).

As repercussões foram concretas, poucas condições para poder estudar como


reflexo de uma série de carências. Questões básicas como comida, transporte,
habitação... A relação com a sociedade se dá pelas carências e pelas necessidades
não supridas. As Ações Afirmativas chegam pelo lado mais fraco, sem suporte, sem
orientação. As condições vividas foram minando o desejo de estar nesse lugar. Por
outro lado outros fatores surgem...

E aí, como é que eu ia ficar o dia todo lá e.. sabe? Então foram muitas
dificuldades. E daí comecei a pensar que eu também não gostava, não
estava gostando daquilo. E a convivência com as pessoas estava me
deixando assim, sabe? Então eu estava tendo dificuldade de
convivência. Boa parte dos alunos ali eram de classe média (Betânia).

Outro fator extremamente preponderante revelava-se pelas relações


instituídas. O encontro no desencontro com os outros, na falta de pertença, a escassa
identificação, a diferenciação nos valores que foram demarcando o desejo da saída
do curso de Química.

E teve uma situação lá que me deixou, assim, horrorizada. Que uma


das minhas amigas era negra. E tiraram uma foto dela sentada
assistindo aula. [...] e aí começaram a fazer um monte de comentários
absurdos, [...]. Mas meio que foi a gota d'água, assim. Eu não
conseguia conviver mais com aquelas pessoas (Betânia).

O que mais pesou na rejeição ao curso, não foram as condições materiais


adversas, mas a questão racial, os relacionamentos infortunados que vivenciou a
aluna nas interações sociais no espaço acadêmico. Foi a situação de racismo sofrida
pela amiga que nos relata, o contexto pouco amigável que foi se tornando violento e
138

que a fez assumir a séria decisão de mudar de curso. De igual forma, decisões
contundentes, para sobreviver na universidade, abandonar. Deu forças o Afroatitude,
onde encontra-se com os iguais, encontra um “nós”, e isso tornava-se acolhedor e
motivante para a permanência e o empoderamento.

E eu cheguei à conclusão de que era aquilo que eu queria, sem dúvida


nenhuma. E aí, no ano de 2006 eu fiz o Provar e em 2007 eu comecei
Ciências Sociais (Betânia).

A diferença que se torna desigualdade e que se vivencia como discriminação


não foi tolerada. A mesma força que estava no querer ingressar na universidade
estava também na saída para um outro lugar da universidade. A transferência como
possibilidade de sobrevivência na universidade, e a vontade de lutar e vencer, mas
num ambiente que supere os preconceitos, as relações hostis, mais fortes que as
carências econômicas e que os sacrifícios e o esforços de suprir as deficiências da
escola.

Isso, isso. Eu senti bastante diferença, mas eh... da Química para cá.
Ali eu sabia que ninguém ia olhar para a roupa que eu estava vestindo,
para o jeito que estava o meu cabelo, se eu era preta ou se eu era
branca. Sabe? [...] e isso me deixava mais à vontade para... para
continuar (Betânia).

Perguntei para ela se isso facilitou o processo de aprendizagem?

Ah, com certeza, senti muito mais facilidade ali do que antes lá na
Química (Betânia).

Betânia deve prosseguir na luta por um espaço na sociedade e para isso deve
trabalhar...

Eu trabalhei [...] de 2007 até 2011, na SANEPAR, e daí foi aquela


situação [...] reprovei bastante, não conseguia ir para a aula direito, e
eu trabalhava ... inicialmente eu trabalhava das 14:00 às 20: 00 horas,
e daí eu estudava de manhã. Mas eu tinha matéria à tarde que eu não
conseguia... [...] não conseguia acompanhar. E daí, eh... também às
vezes chegava muito cansada em casa, não conseguia dar conta das
leituras (Betânia).

No ano de 2010, no final de ano, eu fiquei 30 dias em hospital, em


tratamento em hospital, eh... com... depressão. Então, assim, foi uma
situação bem complicada (Betânia).
139

Então, eu passei várias dificuldades desse tipo que acabaram


baixando meu rendimento. Aí, a solução para mim foi... [...] Em 2011
eu... eu conversei com os meus pais falei assim, “ó, a partir de agora
eu vou tentar viver de bolsa. Vou voltar para casa e vou tentar viver de
bolsa para recuperar o tempo perdido”. Aí, eu peguei bolsa do curso
mesmo (Betânia).

A universidade é significada pelo esforço, o sofrimento aparece na impotência


de não conseguir levar o curso. No relato da aluna percebemos como ela foi engolida
pelos problemas que proveem de uma historicidade, condições objetivas se
inscrevendo no corpo, pela doença, pelo sofrimento psíquico, o sofrimento ético
político. Não percebemos em suas palavras o acolhimento, o acompanhamento, a
assistência da universidade. Passa a ideia de que a ação afirmativa se dilui, não se
expressa e o impacto de sua realização repercute no material, no simbólico e no
desempenho, mas vigoriza-se na permanência, pois a aluna não desiste de ter um
lugar na universidade. Ao fim das contas, nas estatísticas cotistas raciais são os que
menos abandonam. Tendo uma maior apropriação da cultura universitária,
conhecendo mais a dinâmica do funcionamento da universidade, promove para ela
uma outra estratégia, se inserindo na academia como aluna de pesquisa, concorrendo
a bolsa de pesquisa.

... comecei a fazer, a participar desse grupo de pesquisa, eh... comecei


a... a fazer todas as matérias que eu podia pela manhã, à tarde e à
noite, eu ficava o dia inteiro aqui. Aí eu fiz todas as matérias que eu
pude, e no ano seguinte, no final de ano eu me inscrevi para o
vestibular, prestei vestibular e pedi equivalência no ano seguinte de
tudo, para limpar o histórico. [...] Aí o meu GRR, daí ficou 2011. Daí
eu não tenho nenhuma reprovação porque eu pedi equivalência de
todas as disciplinas que eu já tinha sido aprovada (Betânia).

Surge aqui o sujeito ativo, que consegue dar uma reviravolta em sua vida, num
processo de apropriação de um lugar, a universidade, marcado pelo sofrimento ético-
político, que faz adoecer, corrói a resistência, age rompendo o nexo entre o agir, o
pensar e o sentir. O sofrimento ou mal-estar psicossocial na mediação das conjunturas
estruturais, históricas e subjetivas (SAWAIA, 1995).

... posso dizer que o meu processo foi traumático. Eu, assim, eu rezo
para acabar, eu tenho assim, eu tenho esse sentimento de que... sabe,
professora? Por mais que (suspiro) eu deveria seguir no mestrado e
tudo, eu tenho esse sentimento de nunca mais querer voltar aqui,
sabe? Eu tenho esse sentimento (Betânia).
140

O sentimento que ressalta é aquele que estava mais presente no percurso pela
universidade, aquele que torna-se mediação de todo o processo de permanência e
que evidencia o quanto foi difícil. A universidade concedeu a vaga, mas não é
suficiente, são necessários mecanismos de acompanhamento mais próximos que
tornem esse processo mais fácil.
Entrevistando um aluno da engenharia, pergunto para ele: “É difícil o curso de
Engenharia Mecânica?”

Então é, o curso é bem puxado [...] faço menos matérias, eu... já não estou
com a minha turma, mas... mas como eu falei, é uma coisa que eu gosto de
fazer, então, a gente vai e consegue ir levando dessa forma. [...] E daí
também principalmente o começo também, essa... essa defasagem do
ensino, então muita coisa que você teria que ter de pré-requisto, você não
tem. Então você tem que correr e tem que estudar mais para conseguir
vencer. Então tem tudo isso também, né? (Pedro).

Pergunto para Pedro: “E o que tem sido importante para a sua permanência...
o que tem ajudado na sua permanência?”

Eh... minha permanência aqui, primeiro é a vontade de querer evoluir, de


crescer, porque eu acho que do jeito que... de outra forma não tem, se não
tem um curso superior, hoje, por mais que você tenha conhecimento, mas
sem... sem o... sem a graduação hoje, o diploma também você fica muito
difícil eh... queria dar algo melhor para a minha família, também, para as
minhas filhas, ter um pouco mais de oportunidades (Pedro).

Possibilita-se o sonho pela oportunidade. Este aluno tinha ingressado


inicialmente no curso de Física, mas, estando dentro da universidade, ficou sabendo
que existia Engenharia Mecânica noturno, e fez a transferência de curso.
Prosseguindo com o processo que os alunos vivenciam no cotidiano da
universidade, trazemos o relato de outro aluno:

...eu entrei por cotas na Geografia, entrei na Geografia, cursei lá um


ano e meio, e aí eu tive que parar, aí passou mais alguns anos, eu fiz
de novo o vestibular e agora estou na Administração (Caio).

Uma vez mais encontramos as dificuldades, as deficiências históricas se


contrapondo ao projeto da universidade, e a mudança de curso como estratégia de
sobrevivência. Pergunto para o aluno: “Você conseguiu acompanhar os conteúdos?”

Não, não, eu não consegui, eu acabei no primeiro ano lá, eu acabei


ficando em três disciplinas, eu não consegui (Caio).
141

Entrevistadora: a que você atribui isso?

Minha, minha incompetência mesmo, foi falta de estudo mesmo


(Caio).

O aluno isola-se ao olhar para si mesmo, descolado de seu processo histórico,


demarcado pelo percurso das difíceis condições de vida. Atribui a si mesmo a
responsabilidade pelo seu fracasso. Ao centrar-se em si mesmo, culpabiliza-se de
sua situação e desconsidera a violência histórica que concretiza sua vida. No entanto
o aluno não renuncia à universidade, sai da Geografia e retruca indo para
Administração. Pergunto para ele, e como está sendo lá:

é como eu falei para a senhora, agora na Administração, eu sinto um pouco


de cansaço por causa da minha idade, a minha vida assim, ela é bem corrida,
porque eu deixo o meu filho cedo na escola, vou trabalhar, trabalho pego meu
filho levo em casa, vou para a Universidade, e daí chego em casa, muitas
vezes o menino está acordado e quer brincar e tal, então eu estou sentindo
muita dificuldade para conseguir terminar esse período aí, porque eu acho
que não vou conseguir terminar dentro do prazo, porque meu prazo termina
ano que vem né? Eu não vou conseguir terminar (Caio).

A rotina persiste, as condições materiais objetivas não mudam. Vive-se um


ambiente de processos excludentes, acentuado pela falta de espaços de
compartilhamento, de vínculos sociais, de solidariedade. A solidão na exclusão é o
que experimenta este aluno, o que o faz voltar-se para a passividade e o conformismo
diante as exigências do próprio destino. A pertença a grupos de apoio evidencia-se
como fundamental para a permanência na universidade, o que este aluno não
conseguiu fazer, ou não teve oportunidade ou não teve vontade de construir. Pergunto
“E, em relação aos professores?”

...eu vejo que os professores são muito frios, muito frios.[...], a classe
de professores, eles são muito frios [...]. Estude, estude, quer dizer, o
capítulo do livro é tal, estude, não me interessa a sua vida fora daqui,
você está aqui, você cumpra o que eu estou dizendo, estude, o seu
papel é estudar (Caio).

O que se destaca é a figura do professor distante, a legitimação do espaço


como um lugar de acolhida não chega pelos professores, não há vínculos, não há
aproximação. O aluno segue só no caminho de sua permanência na universidade. A
falta de espaços acolhedores faz mais complicada sua estadia na universidade.
142

Pergunto para ele: “Você tem algum conhecimento ou informação, sobre alguns
apoios que a Universidade dá, como por exemplo, psicólogos, apoio psicológico? “

Quando eu fiquei doente, quando eu fazia Geografia, eu frequentava


aqui a Psicologia, eu frequentei um bom tempo aqui, mas também o
horário era um horário bem ruim (Caio).

O sistema da universidade aparece no serviço psicológico disponibilizado para


os alunos, neste caso na crise do curso anterior, a Geografia. Revela-se a
impossibilidade da permanência relacionada à doença e que nos leva a pensar que o
aluno não conseguiu seguir no curso de Geografia pela dificuldade de acompanhar as
matérias, e num sofrimento psíquico que é sofrimento ético-político que reflete as
relações com a sociedade na história, no desamparo vivenciado, na repercussão no
desempenho. Continuo com a entrevista e passo a perguntar se alguma vez ganhou
bolsa da Universidade, e ele responde que “não”.

Entrevistadora: Não? Nunca pediu, não tem? Ao que ele responde: “Não”.

Entrevistadora: E alguém lhe informou sobre as possibilidades de bolsas?

....eu também nunca fui informado, nunca me informaram desse tipo


de possibilidade, lá eu nunca vi assim. A que horas que eu vou fazer
essa bolsa, eu vou trabalhar com o que, a que horas? Se para eu
conseguir cumprir com as minhas obrigações lá de dentro já está
complicado (Caio).

A bolsa não é vista como possibilidade mas como empecilho para o


prosseguimento do curso. Não há possibilidades da bolsa como oportunidade de
formação e menos ainda como meio de assistência. As condições deste aluno
confluem para a exclusão, a cota racial se dá aqui pelo não lugar, pela invisibilidade,
a indiferença, ou como diz Sawaia (1995), a inclusão pela exclusão demarcada por
um sofrimento ético-político. E como a mesma autora postula, trata-se de mais uma
vida definida pela matriz histórica escravista brasileira que se impõe pela
desigualdade, perpassando o passado e se manifestando no cotidiano das pessoas
na precariedade, confluindo no aluno que não consegue se situar no âmbito
universitário.
Do curso de Administração, ele conta...
143

A Administração é um curso muito complicado para você ter acesso


ao professor lá dentro, porque é uma disciplina por dia, o professor vai
lá só para dar a aula dele, você não consegue achar o professor outra
hora, né? Se eu não tenho aula com o professor nesse dia, e se eu for
em outro dia eu não acho o cara lá (Caio).

Entrevistadora: Ah, então funciona desse jeito? Todos os dias tem apenas uma
disciplina?

Isso, eu acho isso muito, muito, muito desgastante, para o aluno e para
o professor, porque um professor mantendo um ritmo de quatro horas,
não dá quatro horas de aula, ele dá três horas de aula, mas três horas
dando aula? O cara dá uma hora e meia de aula, faz um intervalo,
pega lá um papel que ele estuda em casa e diz, olha galera estuda,
se vira, estuda aí e me entrega no final da aula, esse é sistema dos
professores, poucos professores ficam lá no horário das sete às dez
da noite, poucos ficam até as dez horas da noite lá, poucos
pouquíssimos ficam até às dez horas da noite, não aguenta, professor
também não aguenta, professor é gente também, cansa né? (Caio).

Giroux (1999) destaca que as instituições de educação superior representam


lugares que afirmam e legitimam visões de mundo, produzem novas e garantem e
moldam relações sociais. Ainda existe um avanço na adoção da universidade por
ações afirmativas, no entanto é necessário ampliar os horizontes para os novos
desafios na abertura para o multiculturalismo e as formas de ensinar, a readequação
da universidade. Nesse contexto vale se perguntar qual é o papel dos professores?
Cunha (2004) nos fala que o grau superior é o único para o qual não há previsão legal
de formação específica para o magistério. Assim o desenvolvimento do ensino
superior se realiza com base na exigência de grau de mestre ou doutor para os
docentes, mas sem precisar formação alguma para o Magistério superior, e a
atividade pedagógica é vivenciada na angústia de querer ser e não poder.

... eles fazem muitos seminários lá no meu curso, tem muita apresentação,
tem que ir muito lá na frente dos colegas apresentar as lâminas de
Powerpoint, tem que ir muito, quase que em todas as matérias tem que fazer
isso, eu sinto uma dificuldade muito grande de falar em público, porque eu
sentia, e sempre me senti muito envergonhado, acho que por ser o único
diferente dentro da turma, né? Eu acho que isso aí eu trouxe pra frente agora
(Caio).

Apesar de se supor que a universidade é uns dos poucos lugares onde se


destaca o pensamento crítico, o que mais prevalece é a indiferença e o
desconhecimento com respeito à inclusão racial. Carvalho afirma que o ambiente
144

acadêmico exerce no aluno um profundo efeito inibitório, demarcado como um


estranhamento territorial ao transitar por espaços de classe média ou elitizados. O
aluno prossegue em seu relato, marcado pela angústia....

Outra coisa que hoje me incomoda, como eu falei no começo, é o jubilamento


né? É o terminar a Universidade, isso aí me preocupa muito, muito, muito
mesmo, porque... O tempo está passando (Caio).

Trata-se de um aluno que tenta, que luta por uma vida melhor, mas que
provavelmente não consiga se formar, não consegue se articular aos benefícios que
a universidade aporta, falta para ele o encontro com um “nós”, com os iguais, com a
solidariedade e o acolhimento da universidade e de seus iguais, do grupo, o que vai
se evidenciando como uns dos eixos mais importantes para a permanência.
O caso de Maria é bem diferente, o que pode ser atribuído ao fato de que a
dinâmica dos cursos é diferenciada, nem todos têm a mesma cultura de interações e
as formas de se relacionar é decorrente de outros fatores, como tradição,
especificidades de cada curso em seus objetivos, campo de atuação, etc. Também
Maria tem um fenótipo mais próximo do “tipo branca”, ela tem pai negro e mãe italiana,
os cabelos bem cacheados denotam sua ancestralidade, mas o tom de sua pele e os
traços de seu rosto são mais europeus, o que atenua o inter-relacionamento racial.
Pergunto para ela se o processo de concorrer pelas cotas significou algo para ela,
como, por exemplo, o fato de ter que se identificar como negra, ela responde....

Eu via como uma oportunidade a mais de estar aqui dentro, porque eu


via que as pessoas não iam optar tanto por essa opção, é uma opção
a mais, eu fiquei acompanhando quando as pessoas se inscreviam,
quantos optavam pelas cotas, e eram tão poucas pessoas, que a
minha chance era maior, uma oportunidade maior, porque eu acho que
se não fossem as cotas eu também não teria passado (Maria).

Percebe-se que não há uma identificação como negra. Embora tenha um pai
negro, seu próprio fenótipo lhe possibilita se situar a partir de um outro lugar. A ação
afirmativa é vista mais que um direito, uma forma de oportunizar seu ingresso na
universidade. Para saber mais a respeito, pergunto: ”Você sentiu em algum momento
que o fato de você ter passado por cotas comprometia a sua identidade, ter que se
assumir como negra?

Não, durante o tempo que estive na universidade nunca, até no meu


grupo de amigos a gente já conversou tudo, tenho amigas que são
145

contra as cotas raciais, mas nunca deu atrito ou problema, não! Só


conversamos, é a opinião delas, e a minha opinião, mas ficou nisso,
problema nenhum (Maria).

A ambiguidade na resposta deixa transparecer que o caso da aluna são as


cotas e não a sua identidade, promovendo dúvidas sobre se esta aluna devia ou não
ter postulado pelas cotas raciais. Sabemos que existe uma polêmica a respeito, na
qual importantes estudiosos das relações raciais e ações afirmativas como Feres
Junior consideram que a autodeclaração é suficiente. No entanto, vê-se, pela
expressão dos afetados, dos jovens negros, que solicitam um acompanhamento, de
forma a evitar que estes espaços sejam usufruídos por pessoas que, pelos seus traços
aparentes, não vivenciam racismo, preconceito ou discriminação. O problema é definir
onde começa e onde termina o limite para essas decisões. De igual forma é uma
aluna de escola pública, pai negro, que tem que trabalhar para poder se sustentar e
estudar.
Prosseguindo com as entrevistas, falo com Samuel, um aluno que vem de
Rondônia, de condições extremamente precárias e que está na UFPR, lutando por um
futuro melhor. Pergunto para ele como está sendo...

Algumas coisas superei e outras coisas eu estou superando, fazendo


matérias atrasadas, e tenho que buscar. E aqui... só que aqui é mais fácil de
eu buscar, porque aqui eu tenho acesso à internet, coisa que lá eu não tinha,
na verdade não tinha nem energia em casa. Não tem ainda lá, inclusive, onde
eu moro, onde meus pais moram. Não tem energia, não tem luz elétrica. E
muito menos (Samuel).

E em relação a seu desempenho...

Foi, foi melhorando. Eu fiz o 1° ano, fui mal, aí, no 2° eu melhorei bastante,
as notas melhoraram, consegui fazer mais matérias, e no 3° caiu de novo por
conta das matérias serem mais [...] mais pesadas (Manuel).

Este aluno batalha e vai conseguindo, na falta de apoio pedagógico vai fazendo
as matérias duas vezes, mas sem problemas para ele, muito seguro de si mesmo, fala
do futuro com muito otimismo, de fazer especialidade e trabalhar. Este aluno mora no
CELU, onde consegue bom suporte de informações e suporte afetivo/emocional.
Na sequência falamos com Paola. Perguntei a ela: “Quais foram as maiores
dificuldades em relação ao seu ingresso na Universidade?”
146

Foi justamente o fato de me manter na Universidade, porque eu me lembro


de situações, que eu não sabia direito dessa questão das bolsas e tal, então
eu passei quase dois anos do curso sem bolsa, daí as dificuldades financeiras
mesmo. Tinha dias que eu não tinha dinheiro para vir para a aula, tinha dias
que seu eu viesse para a aula, eu ia ficar o dia todo sem almoço porque eu
não tinha R$ 1,30, (um real e trinta centavos) para comer no RU, então,
assim, as dificuldades financeiras foram maiores (Paola).

A questão financeira é generalizada, como um fator extremamente


preponderante para o processo de acesso à universidade pelos alunos. E esse é um
grande desafio para a universidade. Embora exista bolsa permanência para os alunos
cotistas raciais que tenham de renda per capita em sua família até um salário mínimo
e meio, pelo valor de 400,00 (quatrocentos reais), nem todos os alunos têm essa
informação. Fundamental nesse processo são as interações, a informação não
formal, transmitida pelos colegas, mas que o cotista demora um certo tempo em
adquirir, pois depende das conexões interativas que consiga fazer, das redes que
estabeça.
Perguntamos para Daniella, aluna de medicina, se quando entrou na
universidade foi informada das boslas, ela responde...

Eu não fui informada de nada, eu descobri depois que tinham bolsas. Mas
assim, eu fui atrás. Esse ano que eu consegui uma bolsa, mas ela é do CNPq,
não é da... da faculdade, de pesquisador. Eu, particularmente, acho a
permanência estudantil da Federal... ridícula, absurda, uma política que não
ajuda ninguém a permanecer aqui. Daí dentro da medicina assim, a gente
tem que comprar materiais supercaros para o nosso curso e não tem, tipo,
você não tem dinheiro, você não compra. Você não tem uma biblioteca que
você possa emprestar materiais, por exemplo, que já foi uma proposta dos
alunos, a universidade comprar material, ser da universidade o material e a
gente poder emprestar o material para a gente, durante as aulas. Não tem
(Daniella).

Os procedimentos para informar aos alunos dos recursos que poderiam


subsidiar sua permanência não chegam a eles, as informações são truncadas,
esbarram nos silêncios, nos distanciamentos. Daniella, tem maior consciência de sua
condição e se posiciona com firmeza, buscando seu lugar como um direito, postura
que construiu com seus país que são pessoas engajadas nas lutas da população
negra, foi isso que a aluna comento para nos.

...eu sinto sempre me reconheci como negra, sempre acreditei, assim ((acha
graça)) sem falar antes da universidade. Mas, como os meus pais sempre
foram bem politizados, assim, em casa também conversavam sobre política,
tudo, então, eu reconhecia as cotas raciais como uma vitória do movimento e
147

vi isso como meu direito, assim, mesmo eu tendo estudado em escola


particular. Sabia que era um direito meu. Então a minha mãe sempre falava,
“não, meus filhos vão usar isso, a gente vai lutar enquanto movimento para
essas cotas existirem”, porque a gente sabia enquanto família que existia
uma dívida histórica, existe. [...] eu tenho noção que se eu não tivesse os
pais tão engajados, não teria chegado tão longe assim, porque a gente vai se
colocando muitas barreiras, assim, muitos medos. A minha mãe, não tinha
essa conversa com ela. ((riso)) “Vai estudar, vai fazer. E não tem essa de ter
medo, de ter vergonha”. “O teu cabelo está bom” (Daniella).

A postura assumida pela aluna, a partir de uma consciência racial, possibilita


posicionamentos que fortalecem sua permanência, além dos especilhos encontrados,
Daniella foi encontrando caminhos, conseguiu a bolsa CNPq que contribui com
condição econômica e com sua formação acadêmica.
Matilde é uma aluna que ingressou na Filosofia, se informou das bolsas e
acionou sua transferência para Agronomia, o curso que ela sempre desejou fazer,
mas achava que não iria conseguir por ser um curso integral e ela ter que trabalhar.
Com a possibilidade do acesso à bolsa, essa perspectiva se abria e podia se
transformar em realidade. Sobre as cotas, falou a aluna, “a bolsa é pequena, mas
estou acostumada a viver com muito pouco”. Só que a bolsa demorou para sair, só
viabilizou no segundo semestre e a experiência dela foi de muito sofrimento, como
nos relata:
... eu consegui na segunda chamada e não entendi porque é que eu fui para
a segunda chamada, porque minha mãe estava desempregada, eu não tinha
da onde tirar dinheiro. E é só ela que me sustenta, eu e a minha irmã, então
a gente não tinha da onde tirar dinheiro e aí eu tinha que comprar materiais,
materiais caros para mim, e aí eu acabei entrando numa depressão. E agora
eu estou, inclusive ainda muito mal, ainda eu tenho muita dificuldade para
estudar por conta de tudo que eu passei no primeiro período, eu acho, e aí
eu comecei lembrar de várias coisas que eu passei na minha infância e aí eu
estou... (emocionada); a universidade não dá suporte para estudante negro e
pobre, porque as psicólogas daqui, tudo bem, elas ajudam, só que assim...
se eu falo que eu sofri racismo, elas não conseguem entender, elas são todas
brancas, elas provavelmente vêm de uma geração rica, tipo “ah, que triste”,
(tsc). E aí o curso acabou ficando muito difícil para mim, porque várias coisas
que eu era muito boa assim... tipo Física, que eu era super boa no ensino
médio, agora eu não consigo acompanhar (Matilde).

O caso de Matilde retrata quanto é urgente a assistência e como ela pode


repercutir na vida dos alunos. Retrata, ainda, como as condições materais estão
intrinsecamente relacionadas com as subjetivas, simbólicas, de significação que é
onde se deposita a dor e os elementos que fortalecem ou fragilizam. Matilde sente
ainda as repercussões. Não compreende por que se ela deu um voto de confiança na
universidade, mudando de curso e esperando poder cumprir seu projeto com a bolsa,
148

mas esta só efetivou-se no segundo semestre, depois de ter promovido um grande


dano psíquico e material. Mesmo assim, Matilde está ali, se empoderando para o que
ela quer ser e possibilitada para isso mediante seu lugar nas Ações Afirmativas.

4.5 O grupo de discussão: um panorama das relações raciais na universidade

Estávamos no início de nossa pesquisa quando foi realizada esta atividade.


Nosso intuito era rastrear quais seriam as condições com as quais nos
defrontaríamos, tendo em consideração nossa hipótese, a de que as atividades
acadêmicas e de forma geral a inserção dos alunos cotistas negros passam pela
mediação das relações raciais. Escutamos neste espaço alunos cotistas negros que
tinham proximidade com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Estes alunos foram convidados com o
propósito de adquirir uma primeira impressão de como estes jovens vivenciavam suas
experiências como alunos na UFPR. A dinâmica da reunião manteve-se voltada a
episódios que tinham marcado a passagem destes alunos pela universidade, fatos
que relacionavam-se com a sua vida acadêmica, mas tinha uma conotação de
mediação pelo racial. Alguns dos alunos contaram suas histórias, que serão
analisadas neste espaço.
Aceitaram o convite e participaram nesse grupo cinco alunos, quatro cotistas
raciais e uma aluna cotista social. Um dos alunos era da primeira turma do curso de
Psicologia (2005), um outro aluno de História com ingresso em 2011, uma aluna com
ingresso no ano 2006 ao curso de Sociologia, outra aluna com ingresso em 2008 no
curso de Psicologia e uma outra aluna, cotista social que ingressou no curso de
Psicologia também no ano 2008. Esta última aluna encontrava-se no grupo com o
propósito de contribuir no acompanhamento da pesquisa. Para promover a discussão
foi exibido um pequeno vídeo onde um conhecido comunicador na internet se
colocava contra as cotas raciais, aduzindo argumentos preconceituosos e
discriminatórios.
Os alunos que participam desta reunião comparecem para compartilhar suas
experiências como alunos cotistas raciais que transitam pela UFPR. As falas dos
alunos referem-se predominantemente a experiências que remetem a uma forma de
149

olhar, uma forma de posicionar-se diante das cotas raciais, o que define sua situação
a partir de suas significações e das significações que os outros constroem em relação
a eles, e das representações simbólicas que configura sobre si mesmo e sobre os
outros no contexto do mundo vivenciado.
Após a exibição do vídeo, e considerando as argumentações ali colocadas, a
pergunta que foi postulada para promover as falas foi: Existe racismo na
universidade?
Prontamente, Manuel, um aluno da história, manifestou-se, respondendo:

... existe, assim como qualquer, qualquer, é... qualquer parte da sociedade.
A universidade faz parte da sociedade, o racismo tá na sociedade e ele entra
na universidade também. Só a necessidade da existência do sistema de
cotas já demonstra a existência do racismo (Manuel).

Buscando argumentos para sustentar sua posição, o aluno traz um episódio


acontecido em sala de aula...

E aí o cúmulo do cúmulo de um professor meu dizer em sala de aula que a


África não tem história, só passa a ter história quando os europeus chegam
e levam a escrita pra África, porque ele acredita que a História só se faz
através de leitura de texto. Ele é um professor bem conservador e ele disse
isso na sala de aula pra todo mundo ouvir e se orgulha de ter dito isso
(Manuel).

A política de Ações Afirmativas adotada pela UFPR, efetiva-se na disposição


da lei que regulamenta a implementação de cotas sociais e raciais, proposta que já
tinha sido adotada pela instituição a partir do ano 2004. O impacto dessa disposição
reflete nas relações instauradas nas salas de aula: como ela é interpretada e como
ela é significada nesses espaços. A sala de aula é um espaço que se constitui como
cenário social e cultural, onde compartilham-se e estruturam-se significados, se
decifram e se constroem novos significados com base nas interações e na
representação das experiências compartilhadas (MERCADO; LINAZA, 1996).
Analisar a forma, o conteúdo do que se diz em sala de aula é importante para se
aproximar dos mecanismos que facilitam ou impedem a transmissão e a construção
de conhecimento.
No trânsito macro/micro que acontece na sala de aula o aluno destaca o
aparecimento do racial na fala do professor, na imposição de saberes e formas de
conhecimento atrelados a uma ideologia que impõe a assimetria das relações sociais
pelo racial, na negação da história, da inscrição do cultural.
150

A frase “A África não tem história” repercute no aluno entrevistado na atribuição


de sentidos atrelados a um percurso histórico de significados acionados na
sustentação de uma ideologia, fundamento do escravismo colonial da população
negra, baseado na negação de sua humanidade, ignorando as contribuições
outorgadas pela população negra para as sociedades nas diversas esferas da arte,
da ciência, da filosofia e outros. Trata-se de uma frase recalcada que se impôs,
determinando políticas sociais e também moldando formas de ser, de olhar o outro e
de se olhar, definindo e demarcando relações assimétricas sustentadas no racial.
Esta acepção é colocada num espaço de sala de aula, que embora seja
enriquecedora pelas interações propiciadas e tenha como intuito o desenvolvimento
dos alunos, privilegia a relação professor-aluno, que dá ao professor a potestade da
palavra e do conhecimento num contexto no qual, o que este fala se impõe.
A frase “A África não tem história” é quase um slogan dos setores que se
posicionam sutilmente pela hierarquia racial, e que não gostam de serem
reconhecidos nessa posição. Um recurso ideológico que tem suas raízes nos
pensadores clássicos, como é assinalado por Foé (2013), que traz o pensamento de
autores como Kant, Hume, Voltaire, Montesquieu, Hegel, Vitor Hugo e outros, que
fundamentam a superioridade da raça branca e do Ocidente, negando a história da
África na imposição e justificação da exploração e violência. Cheikh Anta Diop,
senegalês, nascido em 1923, recopilou em sua obra a história da África, as ciências,
a arte, a literatura, restituindo uma outra história daquele continente. Assim, repôs as
riquezas das culturas de lá provenientes espalhadas como contribuições do continente
africano para as culturais ocidentais, culturas híbridas que adquirem sua identidade
na diversidade da imposição de um colonialismo. Nesse contexto, pode-se
compreender esta fala como um racismo, como estratégia de imposição de poder com
raízes no empreendimento colonial, que reproduz historicamente esquemas
hierárquicos em que predominam divisões do saber/poder (MIRANDA; PASSOS,
2011 ).
A imposição desse discurso afeta o aluno e afeta a sua relação com os “outros”,
incidindo no processo de ensino e aprendizagem. O aluno traz esse discurso para
evidenciar um racismo existente que veicula entre professor e alunos pelo poder que
outorga, ao primeiro, a autoridade do conhecimento. As palavras do aluno evidenciam
que o percurso histórico de um racismo secular está presente e se reproduz em sala
151

de aulas da universidade, como um saber legitimado pela autoridade do professor, se


impondo na função de situar hierarquicamente a sociedade pelo racial.
Relações de ensino-aprendizagem são interações, tal como todas as outras,
interações que geram apropriações de nossa realidade com base na compreensão
que vai se construindo no decorrer de nossas interações, análises e interpretações. O
ser humano, nos fala Serrano (1996), é um ser ativo que constrói sua vida mental a
partir da interpretação que outorga a todas e a cada uma das relações em que se
envolve. O impacto dessas formulações no aluno repercutem na ação social e política
do aluno que decide não assistir mais às aulas, então pergunto... se isso interfere no
processo acadêmico?

nenhuma aula dele. Bom, no caso desse professor, especificamente, eu parei


de assistir todas as aulas dele. Eu não assistia É... resolvi não partir pro
enfrentamento direto com ele e tive que... por não assistir nenhuma aula dele,
porque eu não ia ficar ouvindo esse tipo de absurdo e não ia ter nenhum tipo
de defesa, não ia poder nunca contrapor a ele, porque ele tá numa posição
de (?) poder, e eu tive que ficar de exame. Eu fiquei de exame e consegui
passar. Mas interferiu sim, interferiu sim. Eu não sei nada da disciplina dele,
porque eu simplesmente não fui a nenhuma aula (Manuel).

Impõe-se no aluno o “não conhecer”, cerceando-se de conhecimentos que


seriam desenvolvidos em sala de aula, aduzindo não querer polemizar, argumentando
a inviabilidade de sua participação em aula. Na nossa interpretação, como uma forma
de resistência, de se contrapor de algum jeito ao apagamento de uma história da
África, que se impõe como conhecimento, cerceando as bases de uma identidade
racial.
Dijk (1999) postula que grande parte de nossas crenças sobre o mundo é
adquirida nos espaços de interação através do discurso. Regularmente as pessoas
têm controle ativo sobre suas falas cotidianas, mas desconhecem outros âmbitos da
realidade e, por isso, se constituem receptores passivos diante da fala de alguma
pessoa empoderada pela legitimação do que transmite como conhecimento.
A posição deste aluno denota uma bagagem maior, um contexto que lhe
permite um posicionamento das condições das relações raciais, um esclarecimento
que lhe possibilita posicionar-se diante um dos substratos ideológicos mais
recorrentes no âmbito racial: “A África não tem história”. A oportunidade de usufruir de
outros espaços sociais, outras interações e possibilidades de indagar e construir
versões diferentes mune o aluno negro de instrumentos para rebater e se opor a essa
152

forma ideológica de transmissão dos “saberes”, que denotam poder e dominação no


âmbito dos tecidos mais finos do cotidiano da sala de aula.
A fala do professor promove uma série de interações e contraposições que
resultam num questionamento e remoção de algumas ideias. É isso o que se percebe
no teor dos depoimentos do aluno quando prossegue com seus argumentos:

Até os alunos... demorou muito tempo pra eu conseguir convencê-los, de


quando ele diz que a África não tem história, só tem história quando os
portugueses chegaram lá, ele estava desumanizando a África. Demorou
muito tempo pra eu conseguir convencer meus colegas disso. Agora eles
estão convencidos (Manuel).

Contudo, o depoimento deste aluno revela que a abertura promovida pelas


Ações Afirmativas com cotas raciais para alunos na universidade trouxe um
enriquecimento das interações, dos posicionamentos e dos olhares para a questão
racial, trazendo consigo o desafio de rever conhecimentos recalcitrantes que precisam
ser removidos. Hoje o curso de História está revendo seu currículo, implementando
várias disciplinas que posicionam o continente africano a partir de suas contribuições
para a humanidade, valorizando a cultura e o homem negro.
Um outro episódio deste momento refere-se a um incidente na internet relatado
pelo mesmo aluno para os presentes, uma experiência que também marcou o
percurso deste e de outros alunos, importante porque os envolve se expressando,
evidenciando uma forma de lidar com o diferente.

... eu recebi um discurso(?) racista que um colega mandou. No dia vinte de


novembro ele colocou uma imagem de dois meninos negros sendo montados
por dois meninos brancos. E ele falou assim: “Quem não sabe brincar, não
brinca”. E embaixo da, da... imagem estava escrito “Need for speed África”,
que é o nome de um jogo de videogame, ele estava dizendo que era assim
que funcionava. E isso gerou uma discussão muito grande pela internet e aí
a gente tentou fazer alguma intervenção assim mais politizada pra fora da
internet e a gente não conseguiu, mas foi bom porque, é..., os ânimos ficaram
tão exaltados, tão acirrados que as pessoas começaram a pensar no
acontecido e aí, a partir disso, eu defendo que foi a partir disso, as próprias
meninas, que o curso de História é um curso muito conservador, as próprias
meninas que viviam sofrendo racismo no curso começaram a se organizar, e
assim como elas começaram a se organizar, eu tentei colocar a pauta racial
e elas acolheram a pauta racial porque, eu não sou mulher, mas eu consigo
entender que o feminismo burguês branco é um e o feminismo das mulheres
negras é outro (Manuel).
153

Gráfico 11 Refere-se a um jogo de vídeo game

O conflito, a contraposição às cotas raciais aparece de forma indireta, na


transmutação de mensagens que implicam significações inferiorizadoras que marcam
as relações do dia a dia das salas de aula. Uma mensagem virtual, postada na
internet, é utilizada para posicionar-se diante dos que estão chegando, os “outros”,
uma mensagem que carrega significados históricos de preconceito e racismo,
postulados de forma que possibilita fugir do posicionamento cara a cara. A postagem
de uma mensagem junto com uma imagem expressa o sentir e o pensar de alguns
colegas na universidade. A mensagem que acompanha essa imagem consegue
transitar sem se referir às cotas especificamente, mas agredindo no racial,
significando hierarquia.

É, então, pelas cotas em si não vejo nenhum problema, dentro do curso. É...
nunca vi ninguém, nenhum aluno, nenhum professor fazer qualquer
comentário negativo sobre o sistema de cotas (Manuel).

A mensagem que circula na internet e que promoveu bastante mobilização não


é ligada às cotas raciais diretamente. No entanto é a presença dos alunos negros,
pela efetivação das Ações Afirmativas que promove essas mensagens no âmbito
universitário. E são esses discursos também que ferem a autoestima dos alunos
cotistas raciais, tornando difícil os processos de inclusão social. A imagem violenta
evidencia um lugar para os jovens negros, degradando a sua humanidade, uma
mensagem preenchida de agressividade, de negação de um lugar e de oposição às
Ações Afirmativas para jovens negros. No entanto, essa mesma mensagem promove
a reflexão, a organização e a busca de elementos teóricos e mobilizadores que
possibilitem subsidiar a construção de um espaço e de uma identidade mais forte. Os
alunos, reunidos neste espaço, escutam atentamente, e o que emerge do clima criado
é uma posição de protesto e contestação diante dos diferentes casos que evidenciam
154

que existe uma luta racial na universidade, que é mediação das atividades
curriculares.
Outro episódio que surge neste grupo é contado por Jéssica, aluna do curso de
Psicologia, que ingressou em 2008. Ela conta:

Já no início da faculdade a gente teve uma discussão sobre isso e acredito


que a maioria dos alunos da turma era contra e a argumentação era muito
parecida com isso, do tipo: “Aí, você não tem capacidade pra passar, não sei
o quê”. E eu acho que uma das falas que mais me marcou dentro desse
debate assim com questões de racismo foi que uma aluna falou assim:
”Falam tanto sobre isso e tal... Não, mas eu não acho, por exemplo, que eu
seja racista, afinal minha empregada é negra” (Jéssica).

Luiz surpreende-se muito, Carlos fala “Clássico” e efetivamente é uma


constante as pessoas não terem consciência de seu próprio racismo, da naturalização
das relações raciais. Ainda, extremamente importantes são os relatos que mostram
que existem confrontações referentes a racismo na universidade nos diversos
espaços e com diferentes setores: professores e alunos envolvidos manifestando-se
na sala de aula. Um racismo que metamorfoseia-se, que aparece de diversas formas,
mediando os espaços das salas de aula e forçando os alunos à confrontação. Como
no caso de Jéssica...

... daí pra mim é uma indignação estar dentro de um ambiente de


conhecimento, ouvir uma coisa tão absurda, sabe? E chegar e questionar:
“Mas você não acha que... acha que você não tem capacidade pra passar
normalmente? Por que você acha que precisava de cotas?” Então, eu vejo
muito isso dentro da Psicologia (do curso de Psicologia da UFPR) hoje, por
vários colegas assim e, foi claro pra mim a partir daquele momento que ia ter
sim um pensamento do tipo: “Ah você entrou por cotas, você não tem, sabe,
um conhecimento igual, você não vai conseguir [...] Ele (o colega) veio assim:
“Não, mas já tá comprovado que vocês não têm...”, que, que... Sabe? Então,
assim, foi uma coisa muito marcante assim, sabe? Foi uma coisa bastante
dolorida, a discussão foi muito acirrada, foi logo no começo...” (Jéssica).

Existe um debate no qual diversas posturas fundamentam as distintas


posições. No entanto, os alunos negros não têm a condição de se posicionar a partir
dessas teorias, eles estão em processo de apropriação de todo um discurso que
possibilitará o debate. Ainda, fala Luiz:

em 2005 ainda não, mas em 2008 já tinha, por exemplo, muita pesquisa
sendo divulgada, comprovando que tanto os cotistas raciais quanto os de
escola pública, já tinham plenas condições de ficar no curso, se manter no
curso e às vezes até de superar os outros alunos, concorrência geral que a
gente chama aqui (Luiz).
155

Essas manifestações de racismo aberto provêm de perspectivas tradicionais


que ainda circulam no ambiente cotidiano das pessoas, o de atribuir condições
diminuídas às pessoas negras. Temos o costume de achar que um pensamento
supera outro e que a ciência avança de forma unidirecional, deixando atrás as teorias
que foram superadas. No entanto, no bojo da sociedade a apropriação é fragmentada,
misturada com outras informações distorcidas e sendo aplicada funcionalmente para
interesses e propósitos direcionados. O que surpreende profundamente é como o
racismo circula se manifestando em diversas nuances, totalmente atualizado, sem
barreiras, acobertado nas paredes das salas de aula.
Adelia faz um relato de uma experiência dela:

E essa questão é complicada, por exemplo, no meu caso, eu sou estudante


das Ciências Sociais. No primeiro semestre, eu entrei no segundo ano de
cotas, em 2006. Ela (a professora) ficou três meses discutindo raça, com
textos do tipo Peter Fry, nesse naipe assim. E aí, éramos uma turma de
oitenta, e a professora de Antropologia, que é claramente, é... anti... anti-
cotista, fez uma disciplina de Introdução à Antropologia em que ela entrou
direto no debate [...]. Era muito complicado, assim, porque era muito
localizado, sabe? E os estudantes, os meus colegas de turma pareciam ter
uma expectativa de que eu fizesse a defesa das cotas, porque afinal eu era
cotista, que eu fizesse uma defesa, é..., contra o racismo, afinal eu sou negra,
e eu não tinha elementos teóricos, nem emocionais, nem nada pra fazer isso,
porque eu estava entrando na universidade naquele momento. E eu achei
assim uma grande sacanagem que a professora realmente politizou a matéria
dela. Foi uma violência muito forte, assim. E muita gente, é..., estudantes, é...
que tinham já um engajamento político, que não era o meu caso na época,
sabe, se revoltaram... (Adelia).

As relações raciais se implementaram nesse espaço, impactando Adelia pela


assimetria das relações de poder imposta na sala de aula. (2010) postula que existem
fatores culturais e políticos que influem na hora de decidir que conhecimento é
legitimado. Nesse ponto é importante definir a função que desempenha o poder e o
abuso de poder na gestão do conhecimento. O conhecimento, postula o autor, não é
um produto natural que cresce nas pessoas, mas é algo que se ensina, se aprende,
se gera, se utiliza, se vende, se consuma no bojo de grupos sociais, organizações,
escolas, meios de comunicação, políticos. O que nos leva à pegunta: Quem produz
o que e para quê? Adelia nos abre uma brecha nesse sentido, na sua fala:

... só depois, entrando na universidade e assim... meu processo de


empoderamento passou muito por uma das estudantes da, que foi da turma
do Afroatitude [...] que tinha esse conhecimento e me trouxe pro NEAB, isso
acho que foi fundamental, mas eu me fortaleci muito assim... me empoderei
156

tanto quanto ou mais no Movimento Social, que foi através [...] do Movimento
Negro, é... e que me levou pra conhecer o Movimento Negro de Curitiba, né?
Pra ver a atuação dessas pessoas, me engajei na Rede de Mulheres Negras
e esse... e o Movimento Social me trouxe essa linguagem dessa... de ser
aguerrido, de... dessa argumentação que o movimento Negro tá fazendo há
mais de vinte anos, que foi essa pressão toda que conseguiu, ... consolidar
as ações afirmativas, ao mesmo tempo que a universidade me propiciou um
conhecimento que a própria academia define como legítimo e científico e
isento e imparcial sobre as relações raciais. Só que a, a grande questão foi
que a partir do momento que eu bebi na fonte do Movimento Social eu nunca
mais consegui fazer uma, uma... ter uma visão isenta como talvez a academia
nos termos me pediria, das relações raciais, tanto na própria academia,
quanto nas minhas relações com os professores, quanto nos meus
posicionamentos em sala de aula (Adelia).

Esta fala é muito enriquecedora, evidencia o enriquecimento da diversidade, o


conhecimento da universidade em conjunto com o conhecimento gerado nos
movimentos sociais, empoderando uma aluna cotista negra que se posiciona hoje a
partir das possibilidades geradas pelas Ações Afirmativas, questionando, removendo,
gerando conhecimento e ganhando espaços no empoderamento da população negra.
Este grupo transitou por esses temas, quase com total consenso do que se estava
falando, somando, agregando, asseverando, enriquecendo o diálogo. Mostra quanro
são sujeitos ativos na apropriação e na construção do conhecimento, na apropriação
e na construção da universidade.
157

5. REFLEXÕES NÃO CONCLUSIVAS: Uma leitura de-colonial

Postulamos neste estudo que as Ações Afirmativas para alunos negros na


Educação Superior surgem principalmente de duas vertentes: das demandas
provindas dos setores da população negra que, desde o período de seu sequestro e
escravidão sofrem a preterição de suas condições de vida, e dos posicionamentos
das entidades nacionais e internacionais articuladas aos Direitos Humanos, que
também são fundamento do pensamento liberal eurocêntrico que postula a efetivação
dos processos da vida pelos princípios da igualdade formal e o mérito.
A confluência dessas demandas se expressa no campo das decisões e
interações na UFPR. O conflito entre os princípios tradicionais da igualdade e o mérito
na busca da preservação da excelência acadêmica em contraposição às condições
de desigualdade e discriminação vivenciadas historicamente pelas populações negras
e a emergência de se relacionar com a diferença formam parte dos desafios que
precisam ser reformulados, debatidos, analisados e configurados em políticas que
possibilitem a convivência justa, a partir de uma universidade que construa processos
democráticos e que considere a todos por igual, no reconhecimento das diferenças.
A consideração formal, das condições de injustiça e desigualdade para com a
população negra, evidenciada por abundantes dados sociodemográficos e apoiada
pelas instituições dos direitos humanos, não foram acompanhadas pelo
reconhecimento dessas condições por parte considerável dos setores da sociedade.
O que se manifesta numa complexa e multidimensional rede de práticas conflituosas
que se estabelecem no âmbito cotidiano de diversos espaços, dos quais a UFPR não
fica alheia. Práticas que decorrem desde as instâncias superiores das estruturas
sociais até os relacionamentos mais ínfimos do dia a dia, expressando-se em
estruturas discursivas que evidenciam novas formas de racismo. Essas dinâmicas
discursivas se entrelaçam entre si, consolidando o aluno cotista negro como
inexistente.

As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que


dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado
da linha” e o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado
da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo
produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer
forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como
158

inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao


universo que a própria concepção aceita de inclusão considera como sendo
o Outro (BOAVENTURA SANTOS, 2010, p.32).

Percebe-se um manto de invisibilidade que cobre os alunos cotistas negros que


pode-se interpretar no construto teórico da colonialidade, proposto por Quijano (2010,
1992), e desenvolvido por outros vários autores, que nos vai falar de um padrão de
poder que emerge de um colonialismo moderno e que mantém seus propósitos
hierarquizantes e de submissão visando “o trabalho, o conhecimento, a autoridade e
as relações intersubjetivas se articularem entre si através do mercado capitalista
mundial e da ideia de raça” (TORRES, 2007, p.131).

A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão


mundial do poder capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação
racial/étnica da população do mundo como pedra angular do referido padrão
de poder e opera em cada um dos planos, meios e dimensões, materiais e
subjetivos, da existência social quotidiana e da escala societal. Origina-se e
mundializa-se a partir da América (QUIJANO, 2010, p.84).

Percebe-se essa racionalidade como uma irradiação pelos espaços mais


recônditos da sociedade, em suas diversas construções, formalidades, nas escolhas
dos currículos, na valorização de certos conhecimentos, na imposição de uma forma
de ser e em várias outras formas de produzir subjetividades.
Percebe-se, por ser, na regulamentação da Lei nº 12.711 quando as cotas para
negros são imbuídas nas cotas sociais (para brancos), o que em termos de números
não faz muita diferença, mas que implica em forte significação simbólica na
submissão, na secundarização do lugar, o não reconhecimento da reparação pela
discriminação racial, independente da condição socioeconômica e na perda de
protagonismo da reivindicação das cotas, que foram sempre uma demanda da
população negra e não de outros setores da população. Ainda o texto da Lei fala em
“reserva de vagas”, o que não significa que elas serão ocupadas, deixando autonomia
às universidades para a organização do processo, o que pode dar lugar a um
descompromisso político com a política no intuito de privilegiar a homogeneização do
pensamento eurocêntrico, na preservação do mérito e a excelência acadêmica
fundada na epistemologia europeia.
Nesse mesmo delineamento epistemológico é que as Ações Afirmativas são
propostas, discutidas e aprovadas na UFPR quando a preocupação dos
159

representantes da UFPR que participaram no COUN centra-se em preservar as


condições da universidade, em torno da excelência acadêmica, não sendo discutidas
as condições dos Princípios das Ações Afirmativas para a população negra ancoradas
no reconhecimento da discriminação e desigualdade racial levantando a necessidade
de uma reparação histórica, justiça distributiva e diversidade, como destaca Feres
Junior (2005). Prima a racionalidade do eurocentrismo, que não é só a perspectiva
dos europeus, mas também daqueles educados sob sua hegemonia (OLIVEIRA e
CANDAU, 2010).
Os dados coletados no trabalho realizado nos falam do conflituoso dos
relacionamentos, das condições deturpadas da informação sigilosa e do
distanciamento existente entre o que já existe na universidade e o que está nascendo
com a presença dos alunos cotistas negros. Manifesta-se predominantemente nos
professores e nos profissionais que entrevistamos diversas formas de não aceitação,
seja pela indiferença, distanciamento, oposição, não reconhecimento, dispensando
experiências de vida, conhecimentos, histórias e culturas provindo de “outros lugares”.
A imposição de regulamentações, normas e procedimentos onde impera o
aluno negro como inexistente nos leva ao pensamento de Torres (2007), quando
define a colonialidade em seus desprendimentos:

Em adição à colonialidade do poder, também existe a colonialidade do saber,


então muito bem poderia existir uma colonialidade específica do ser. E se a
colonialidade do poder refere-se à inter-relação entre formas modernas de
exploração e dominação e a colonialidade do saber tem relação com o rol da
epistemologia e as tarefas gerais da produção do conhecimento na
reprodução de regimes de pensamento coloniais, a colonialidade do ser
refere-se, então, à experiência vivida da colonização e seu impacto na
linguagem (TORRES, 2007, p.130).

Experiência vivida como aluno cotista negro, no atravessamento de discursos


que o deixam invisível na universidade, mas que de igual forma na contramão vai
constituindo o seu empoderamento, promovendo sua afirmação na luta de se
contrapor ao que está sendo posto pelo inexistente, na trajetória árdua de uma
permanência e um desempenho marcado pelas dificuldades, onde a bolsa
permanência, mesmo sendo exígua, ajuda e vai dando para reinventar a universidade.
Uma universidade que precisa de aberturas, para acolher o diferente. Boaventura vai
chamar esse processo de pluriversitário em contraposição ao universitário, e que
caracteriza como...
160

...do interior da própria universidade, quando estudantes de grupos


minoritários (étnicos e outros) ingressam na universidade e verificam que sua
inclusão é uma forma de exclusão: confrontam-se com a tabua rasa que se
faz de suas culturas e dos conhecimentos próprios de suas comunidades
originárias. O que obriga ao conhecimento científico a confrontar-se com
outros conhecimentos e exige um nível de responsabilidade social mais
elevado às instituições que o produzem, e, portanto, também às
universidades. À medida que a ciência se insere mais na sociedade, esta se
insere mais na ciência (BOAVENTURA SANTOS, 2012, p.156).

O pensamento decolonial tem como razão de ser e objetivo a decolonialidade


do poder, o que implica no empoderamento dos não visíveis, dos inexistentes, na
busca, como postula Quijano (1992, apud MIGNOLO, 2008), de uma comunicação
intercultural, um intercâmbio de experiências e de significações, como sendo a base
de uma outra racionalidade que possa pretender, com legitimidade e alguma
universalidade.
E é nesse sentido que pode-se perceber a presença dos alunos cotistas negros
como os de menor evasão mas, também, e de acordo com os dados coletados nesta
pesquisa, resultado de uma trajetória de sobrevivência árdua e de muitas lutas na
preservação da permanência e o desempenho. Experiências de vida que deverão
trazer para a universidade novos desafios de relacionamentos, de conhecimentos e
de posição frente à sociedade e ao mundo. Nesse sentido muito necessário se faz a
construção de novos espaços, com conhecimentos que correspondam às
necessidades dos povos, na compreensão das realidades outras, aquelas hoje
inexistentes.
Como conclusão não conclusiva aponta-se para a necessária democratização
da universidade desde o ponto de vista do acesso e permanência dos novos atores
que estão ingressando, desde o ponto de vista da gestão e da comunicação, e
também desde o ponto de vista do conhecimento.
Foi uma longa jornada de trabalho que deixo muitos ensinamentos, cabem as
reflexões que nos levam a pensar como os desafios aqui postulados podem se
efetivarem em propostas e políticas públicas para o Ensino Superior.
161

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