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CURITIBA
2016
ROSA AMALIA ESPEJO TRIGO
CURITIBA
2016
DEDICATÓRIA
Agradeço a meu supervisor o professor Paulo Vinicius Baptista da Silva pela grande
oportunidade de desenvolvimento como ser humano que me deu, pelas oportunidades
que dá para os jovens negros, pelos ensinamentos, pela tranquilidade, respeito,
confiança e liberdade. Sou muito grata por tudo isso.
Agradeço a minha linda família, meu companheiro Ramón e meus filhos Carlos Alberto
e Ana Maria, que sempre me apoiaram com a maior alegria, na convivência, nos
amigos, nas longas noites de trabalho, nas angustias, nos momentos tristes que
sempre envolvem o espaço do pesquisador, em especial quando o tema é racismo e
discriminação.
Agradeço a minha amiga Adriana de Souza que com seu jeito rompeu barreiras e
ajudou muito a conseguir as entrevistas. Muito obrigada amiga!
Este informe muestra un trabajo de investigación pós-doctoral que adhiere a los estudios
realizados por el Núcleo de Estudios Afro-Brasileros/NEAB de la Universidad Federal de
Paraná e se insiere en la línea de Políticas Públicas del Programa de Pós-Graduación en
Educación. Constituyese en el marco de las Políticas de Acción Afirmativa y tiene como
objetivo analizar como la política afirmativa es implementada en la Universidad Federal de
Paraná, en términos de contribución para la permanencia y desempeño de los alumnos
negros. Se postula como hipótesis que el proceso de adopción de políticas de Acción
Afirmativa realizado como cuotas para alumnos negros es mediado por el proceso histórico
que justifica estas políticas, o sea arrastra prácticas de racismo, prejuicios e discriminación
que se extienden también para el ámbito universitario. Por lo que el acompañamiento analítico
considera como telón de fondo preponderante las relaciones raciales instituidas. El referencial
teórico metodológico adoptado se basa en la concepción socio histórica de la sociedad y de
los sujetos, destacándose el diálogo con autores que posibilitaron un análisis crítico y ético de
la realidad social. Como instrumentos de investigación fueron utilizados la investigación
bibliográfica y documental, las entrevistas semi-estructuradas, los grupos de discusión y una
propuesta de postura en la investigación más amplia de manera de permitir una mejor
inmersión en el objeto de estudio. Formaron parte de este estudio profesores, estudiantes y
profesionales servidores de la UFPR. El análisis de los datos se llevó a cabo en diálogo con
autores de la perspectiva crítica de lo racial, autores de una perspectiva socio histórica y con
los subsidios de autores de una teoría de discurso crítica, centrada principalmente en las
relaciones de poder como sumisión, explotación e jerarquía social. En el curso de este estudio
fue constatándose un descompromiso, un distanciamiento, un desconocimiento y una
desvinculación con la política por parte de las instancias institucionales para con los alumnos
cuotistas negros, lo que se refleja en condiciones de arduas luchas y en mecanismos de
vivencia y sobrevivencia relatados por los alumnos cuotistas negros entrevistados, que a
pesar de los fuertes impedimentos que dificultan su desempeño e permanencia de igual forma
avanzan para su empoderamiento posibilitando la pluridiversidad de la Universidad. Procesos
que se constituyen entremedio a tramas complejas de relaciones raciales jerarquizadas,
entrelazadas y actuantes en todos los espacios de la universidad, corroyendo a política
afirmativa, lo que nos lleva a cuestionar varias de las disposiciones reglamentadas en la
universidad y nos lleva al encuentro de la teoría de-colonial en la denuncia que esta hace de
un racismo embutido en la sociedad, que se manifiesta de diversas formas, lo que nos lleva a
pensar en la necesidad de nuevas propuestas en el ámbito universitario, en busca de una
sociedad más justa, para la superación de un racismo pos-colonial.
LISTA DE GRÁFICOS
Esta pesquisa adere aos estudos realizados junto ao Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros/NEAB da Universidade Federal do Paraná e se insere na linha de pesquisa
de Políticas Públicas da Pós-Graduação em Educação da UFPR. Constitui-se a partir
da adoção de políticas afirmativas nas entidades de ensino superior e a necessidade
de acompanhar esses processos como política pública para afirmação da população
negra.
Especificamente nosso objetivo centra-se em analisar como é que a política
afirmativa para jovens negros é implementada na UFPR, em termos de contribuição
para sua permanência e desempenho. Para isso estabelecemos uma análise de como
a política de Ações Afirmativas está sendo assumida (vivenciada) por estes alunos em
sua trajetória universitária. Nesse processo considera-se fundamental as relações
raciais constituídas, como fatores fundamentais para o processo de inclusão/exclusão
na universidade. Nosso intuito é problematizar e refletir possíveis dispositivos que
vieram contribuir/obstruir os resultados esperados da Política Pública de Ações
Afirmativas.
As Ações Afirmativas na educação superior surgem das demandas dos
movimentos sociais negros na evidência de um percurso histórico da sociedade
brasileira marcado pela discriminação racial (SANTOS, 2007). Estas demandas têm
um momento importante e assumem visibilidade no país no marco da III Conferência
Mundial do Combate ao racismo, realizada em Durban, no ano 2001, num processo
que já vinha se gestando das diversas manifestações ligadas aos movimentos negros
brasileiros, despertando também a preocupação e iniciativa de entidades
internacionais dos direitos humanos.
O processo de preparação para participação nesta conferência gerou uma
grande mobilização na sociedade, em diferentes instâncias da população e do
governo. Estas iniciativas culminaram na elaboração de um documento oficial que foi
levado pelo Brasil à III Conferência de Durban, resultando em 23 propostas destinadas
aos direitos da população negra, destacando-se, entre essas, a proposta que previa
a adoção de medidas reparatórias às vítimas do racismo, com ênfase na educação.
A participação do Brasil nesse evento contribuiu com o relatório final da III
Conferência, que reconhece a necessidade de adotar medidas especiais e/ou
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campo da ação social, transitar pelo campo tema pensando-se em meio ao cenário
de pesquisa. Envolver-se significa não só considerar um vínculo de influências sobre
um campo ou atores, mas implica em situar-se dentro no entremeado mais amplo das
relações. O envolvimento implicaria assumir o campo da pesquisa pela ideia do campo
tema proposta por Spink (2005), que nos leva a considerar, a pensar, a pesquisar pela
nossa experiência o campo, não como lugar delimitado onde se vai procurar dados,
mas como o espaço onde se está inserido e acontece a processualidade do tema,
pelas infinitas relações que lá se instauram. Nesse sentido, importantes foram os
diferentes espaços aos quais tive acesso, as conversas informais, as orientações e o
contato com os alunos negros que participaram da pesquisa.
Nesse contexto buscou-se fazer a análise das Políticas Afirmativas na UFPR,
tendo como intuito dar ênfase à experiência dos próprios alunos cotistas raciais que
vivenciam a política nas interações sociais como prática social, buscando canalizar
suas vozes, muitas vezes silenciadas no peso das interações acadêmicas e no peso
institucional. É a partir das práticas do dia a dia, na constituição das histórias destes
alunos na interação com os pares e com os diversos espaços institucionais da UFPR,
que se pretende avaliar o percurso das Ações Afirmativas no mundo real, como o
movimento temporal da constituição dos seres humanos e suas significações na
complexa trama das mediações e relações configuradas.
Assim, no pressuposto que os indivíduos se constituem nas relações sociais e
no processo de sua historicidade, a pergunta que cabe é: como se dá o processo de
apropriação, por parte dos alunos cotistas negros, dos espaços abertos pela política
afirmativa?
Em termos analíticos a dialética da inclusão/exclusão foi um fator importante
na avaliação das condições da política de Ações Afirmativas para alunos negros
inseridos nos espaços de Educação Superior. Considerar o fenômeno da exclusão em
seu processo de inversão pela inclusão, pode nos possibilitar acompanhar o processo
da inserção dos alunos cotistas raciais da UFPR numa perspectiva mais ampla e
focada nos sujeitos da política.
Sawaia (1999) postula que focar a realidade dos sujeitos pela exclusão nos
possibilita ampliar nosso olhar, na medida em que permite capturar a dimensão
objetiva da desigualdade social, a dimensão ética da injustiça e a dimensão subjetiva
do sofrimento. A exclusão passa a ser entendida como descompromisso político com
o sofrimento do outro, o que leva a considerar as subjetividades além da exclusão
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2. A RAIZ DA DESIGUALDADE
1954), e sentir essa aversão por alguém, atribuir condições de inferioridade pela cor
da pele, ou por qualquer outra característica é o que define o preconceito racial. Assim,
o preconceito caracteriza-se por uma atitude de hostilidade nas relações
interpessoais, dirigida contra um grupo ou contra indivíduos desse grupo (JAHODA e
ACKERMAN, 1969).
O preconceito surge como tema de estudos na década de 1920, referindo-se a
atitudes frente a grupos considerados inferiores, tendo como base a naturalização das
formas sociais hierárquicas da época. Na década de 1940 a 1950 o preconceito é
articulado a questões intraindivuais como frustração-agressão e personalidade
autoritária, o que surge com os estudos da escola de Frankfurt, na crítica aos regimes
nazi-fascistas. Logo depois o preconceito será estudado a partir das teorias que vão
destacar as relações intergrupais trazendo categorias de análise referentes a
identidade social, conflito intergrupal e categorização social (SOUZA, 2008).
O preconceito racial subsidia a discriminação racial que se configura como a
manifestação comportamental do preconceito, ou seja, está ligada ao ato mais que ao
pensamento. As ações destinadas a manter as características de um grupo, bem
como sua posição privilegiada, à custa dos participantes do grupo de comparação,
configuram-se como discriminação (JAMES, 1973).
A discriminação racial considera limitar, privar, dificultar a uma pessoa o acesso
ou gozo de um determinado bem ou direito no desmerecimento de seu fenótipo e/ou
cor da pele. Favorecimentos e privilégios a certos setores são realizados na base da
discriminação racial, sendo legitimados por concepções preconceituosas de racismo,
inscritos historicamente no processo da constituição das sociedades.
No interesse de considerar não só o princípio da igualdade mas de dar especial
conotação às diferenças, no contexto dos direitos humanos as Nações Unidas
aprovam em 1965 a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial, assinada atualmente por 167 países. Na convenção se declara
que qualquer doutrina de superioridade baseada na raça é cientificamente falsa,
moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa. E define-se discriminação
racial como...
De acordo com Jaccoud (2008), a partir dos anos 1930 diminui o discurso
racista para dar lugar a um pensamento racial que destaca a dimensão positiva da
mestiçagem, afirmando a unidade do povo brasileiro que na convivência harmônica
consegue escapar dos problemas raciais existentes em outros países. A mescla das
raças passaria a ser considerada como um dos pontos centrais na identidade nacional
do Brasil (TELLES, 2003).
Impõe-se a ideologia da Democracia Racial como parte da autoimagem
nacional, que pode ser percebida como um meio cultural dominante, cujo principal
efeito tem sido o de manter as diferenças inter-raciais inteiramente acobertadas e
distanciadas da arena política. A democracia racial, junto com as ideias correlatas de
ausência de preconceito e discriminação racial, pode ser assumida como uma
representação mais ampla sobre o caráter nacional brasileiro que inclui noções tais
como as do homem cordial, povo pacífico e a tendência à conciliação e ao
compromisso (HANSELBALG, 1988).
A ideia da democracia racial consolida-se a partir da obra de Gilberto Freyre
fundamentada numa perspectiva benevolente do passado escravista e em uma visão
otimista e tolerante da mestiçagem (JACCOUD, 2008). Segundo Telles (2003), as
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movimentos negros. Foi assim que nos anos 20 do século XX se consolidava uma
imprensa negra que denunciava a segregação e as injustiças a que os negros eram
submetidos, destacando a necessidade da educação formal.
Da mobilização que despertavam os jornais nasceu a Frente Negra Brasileira
(1931), uma das organizações mais importantes da luta dos negros contra o racismo.
Criado em São Paulo, este movimento chegou a se transformar numa referência
importante para os negros de quase todo o Brasil, chegando a mobilizar até 100.000
militantes. A Frente Negra tinha na educação uma de suas reivindicações primordiais.
É por intermédio do jornal “a Voz da Raça” que esta entidade critica o descaso do
governo com a educação dos negros. Ainda, a experiência escolar mais completa para
alunos negros, nesse período, foi uma iniciativa da Frente Negra Brasileira que
chegou a atender cerca de 4.000 alunos (GONÇALVES; SILVA, 2000).
Em 1944 foi fundado no Rio de Janeiro o Teatro Experimental do Negro (TEN)
por iniciativa de Abdias do Nascimento. Esta instituição foi muito importante para a
luta contra o racismo e a discriminação racial e teve um papel muito importante na
Constituinte de 1946. O projeto do TEN tinha entre suas propostas implementar
instrumentos jurídicos que garantissem o direito dos negros, a democratização do
sistema político, a abertura do mercado de trabalho, o acesso dos negros à educação
e à cultura e a elaboração de leis anti-racistas (GONÇALVES; SILVA, 2000). De
acordo com Santos (2007), foi relacionado com o Teatro Experimental do Negro que
nasceu a primeira proposta de ação afirmativa para negros no ensino superior e
técnico, nas proposições da Convenção Nacional do Negro Brasileiro em 1945.
Mesmo sendo esses espaços diversificados, o grande denominador das
demandas dos movimentos negros era a educação formal. A educação aparecia
continuamente como o fator reivindicatório fundamental para a superação das
condições precárias em que se encontrava a população negra. Algumas vezes a
educação era vista como estratégia para se equiparar com os brancos; outras, como
forma de ascensão social ou como instrumento de conscientização por meio do qual
os negros podiam valorizar a cultura de seu povo, podendo assim reivindicar direitos
sociais e políticos e também outros direitos (GONÇALVES, 2000, apud GONÇALVES;
SILVA, 2000).
Em 1978, caminho à democratização, os movimentos sociais negros culminam
na criação do Movimento Unificado contra a discriminação Racial (MUCDR), que
depois simplifica seu nome para Movimento Negro Unificado (MNU). A partir deste
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Ações Afirmativas não são novidade, elas já existiam na Índia e, também foram
muito importantes no processo de superação da segregação racial nos Estados
Unidos. Experiências semelhantes ocorreram em vários outros países da Europa
Ocidental, Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do Sul, Argentina, Cuba dentre
outros (MOEHLECKE, 2002).
Postula-se que as Políticas Afirmativas, via cotas, estariam estabelecendo
categorias raciais, implicando em novas formas de segregação racial, ainda
comprometendo a qualidade do ensino das Universidades Públicas.
Maggie e Fry (2002) afirmam que as cotas rompem com a ideologia que define
o país como sendo de misturas, o que poderia provocar uma bipolarização, ao
classificar as pessoas como brancas e negras, ou seja, entre as que têm direito às
cotas e as que não têm. Durham (2003) reconhece o lastro histórico do racismo, o
preconceito, a segregação racial e suas consequências nos processos de exclusão e
discriminação dos bens da sociedade na marca racial de alguns setores. No entanto,
postula que não se pode sacrificar um princípio universal para resolver um problema
específico. Para esta autora, as Políticas Afirmativas pela via das cotas estaria
estabelecendo categorias raciais, implicando em novas formas de segregação racial,
ainda comprometendo a qualidade do ensino das Universidades Públicas. As
considerações de Durham apontam à necessidade de fortalecer o ensino médio e
fundamental, possibilitando assim à população negra poder competir de acordo com
seus méritos no vestibular, realizado para todos por igual, preservando um processo
isento de todo tipo de tendências, segregações e discriminações.
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Argumenta-se também que a desigualdade não se deve à raça, mas sim a uma
desigualdade socioeconômica, mediada pela questão do mérito, ou seja, cada um tem
aquilo que ganha com seu esforço (FERES JUNIOR, 2004). Tendo em vista o
princípio universal da igualdade para todos, considera-se que não se pode sacrificar
um princípio universal para resolver um problema específico. Recorre-se ao princípio
da igualdade para questionar a discriminação positiva, considera-se que a
implementação das cotas raciais fere a possibilidade de que todos concorram
igualitariamente às vagas oferecidas.
Feres Junior (2005), postula: “A igualdade não deve ser apenas um direito
formal, uma teoria, mas sim uma igualdade de fato; um resultado e não um mero
procedimento”. Este autor refere-se a uma noção de igualdade que se situa além da
igualdade formal. Considera-se à igualdade substantiva (material) como o conceito
que supera o formal, fundamentado na universalidade. Quando a universalidade do
princípio de igualdade não dá suporte para uma realidade, é necessário introduzir
mecanismos que auxiliem na restauração das igualdades, o que veria a se consolidar
como políticas afirmativas.
As Ações Afirmativas vão se impondo no contexto de um leque de discussões,
levantadas pelos debates em torno das cotas raciais, referidos a uma série de
aspectos que confluem e evidenciam a complexidade de alguns argumentos. Assim,
a adoção de Ações Afirmativas nas universidades brasileiras promove uma série de
argumentações que, vindo do setor acadêmico das universidades, tornam-se
importantes, posto que trata-se de “discursos” que evidenciam representações
sociais, ideologias, atitudes, crenças, preconceitos e outros que mediatizam as
relações nos âmbitos universitários, nos processos de inserção das políticas públicas,
nos relacionamentos de ensino-aprendizagem e em geral nas diversas tramas que se
constituem no mundo social do estudante universitário.
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g) políticas afirmativas representam uma g) após seis anos de adoção dessas políticas por
violação da propriedade privada. parte do Estado, alguns bons resultados,
sobretudo na área da educação, desmantelam na
base os argumentos contrários (BENEDITO, 2007).
... um dos recursos mais preciosos para a manutenção de seu status social.
Não devemos, portanto, ser ingênuos e apostar no futuro de uma política que
tem o potencial de democratizar a universidade brasileira. Esse é um solo
muito movediço para sustentar uma iniciativa que redistribui de fato esse
recurso tão precioso (FERES JUNIOR, 2009, p.49).
reais) aos alunos ingressantes por meio de cotas, que terão direito ao benefício alunos
de baixa renda (até 1½ salário per capita) matriculados em cursos com jornada diária
de 5 horas ou mais. O governo também decretou a criação do Comitê de
Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas instituições Federais de
Educação Superior e de ensino Técnico de Nível Médio com o objetivo de acompanhar
e avaliar o cumprimento do disposto na lei e decretos sobre ações afirmativas. O
comitê seria formado por dois representantes do Ministério da Educação, dois
representantes da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República em um representante da Fundação Nacional do índio.
Estes programas, implementados pelo governo, centram-se nas condições
socioeconômicas dos alunos de forma geral, sem considerar especificidade para com
os alunos de corte racial. Essa posição foi-se fortalecendo nos diferentes espaços das
universidades cujos gestores demonstram mais sensibilidade à questão da pobreza
que à questão racial (PAIVA; ALMEIDA, 2010). Em pesquisa realizada por estas
autoras foi constatada a dificuldade de tratar a questão racial, sendo que
majoritariamente considera-se as Ações Afirmativas para a população negra
condicionadas à questão social, o que se afirma no requisito da escola pública para a
postulação à vaga por cotas. Justifica-se essa condição na argumentação de que
pretos e pardos, ao se concentrar nas classes sociais mais baixas, igualmente
estariam incluídos.
Dyane Brito Reis Santos (2011), autora que pesquisa permanência de
estudantes negros no Ensino Superior, nos situa conceitualmente ao definir
permanência como o ato de durar no tempo que deve possibilitar não somente a
constância do indivíduo, como também a possibilidade de transformação e existência.
Com subsídios do âmbito filosófico considera, a partir de Kant e Lewis (apud SANTOS,
2011), concepções do que é a permanência, conceito vinculado em sua origem ao
sentido da essência do ser. Santos destaca a permanência como um constante fazer
e por isso o define como algo em constante transformação.
A partir de Kant a autora assume o sentido da permanência como expressão
do tempo, sendo correlativo constante de toda existência de fenômenos. Assim,
considera-se que as mudanças que ocorrem não se referem ao tempo em si, mas aos
fenômenos que mudam no percorrer do tempo. A mudança seria então um modo de
existir que resulta num outro modo de existir.
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Além disso, este autor destaca que sofre-se uma falta, uma carência pela falta
de um capital simbólico específico que pode ser a senha de entrada para alguns
espaços, independente do desempenho curricular, abre portas para setores de
privilégio e poder. A falta de subsídios outorgados na apropriação cultural de filmes,
livros, história, viagens, lugares demarcadores de classe. Ainda, outros signos são
importantes, segundo o autor: o principal deles, a própria aparência, que de acordo
com a nossa perspectiva, deriva em estigmas, discriminação e preconceitos que
conturbam e fragilizam o aluno negro cotista racial.
Poucas são as universidades que implementaram políticas de permanência
complementares (SOUSA; PORTES, 2011). Estes autores fazem um estudo que pode
nos ajudar a elaborar uma visão panorâmica de como se distribuíam as diversas
modalidades de ações afirmativas antes da Lei que regulamentou a disposição das
Ações Afirmativas para todas as universidades federais, definindo destas as que
adotaram políticas de permanência. Sendo 59 instituições federais, 38 universidades
federais tinham adotado ações afirmativas.
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Entre as Universidades que optaram pela forma de reserva Reserva Reserva Reserva
de vagas (28) sociorracial social Racial
57% 32% 11%
16 9 3
Total das universidades federais que não citam na documentação analisada a Não Sim
questão da permanência/assistência. 74% 26%
28 10
Gráfico 4 Dados sobre a inserção das universidades federais em Ações Afirmativas anterior à
Lei 12.711.
programas da UERJ que criam melhores condições e também ao apoio familiar que
os cotistas recebem. A UERJ mantém programas de apoio ao estudantes cotistas,
como o Programa de Iniciação Acadêmica que oferece cursos de português, inglês,
italiano, alemão, informática e atividades culturais. Até o ano 2008 a presença dos
alunos cotistas era obrigatória, hoje é facultativa. Também se concede uma bolsa de
manutenção de 250 reais e anualmente uma ajuda para os- materiais de apoio.
Em estudo realizado por Deps (2010), procurou-se analisar o rendimento
acadêmico dos alunos ingressos por cotas e pelo sistema geral, analisando-se
também outras variáveis que a autora considerou relacionada com rendimento, como
autoestima do aluno. Fez-se um levantamento do coeficiente de rendimento de cada
aluno, acumulado no 1º semestre de cada ano, e aplicou-se a esses alunos um
questionário com a finalidade de caracterizar seu autoconceito. O estudo foi repetido
por 4 anos consecutivos aos mesmos alunos, mesmo com a mostra ter diminuído por
conta da dispersão dos alunos. As notas dos alunos ou os seus coeficientes de
rendimento acumulados anualmente foram fornecidos pela Secretaria Acadêmica da
Universidade. Conclui-se neste trabalho que alunos não cotistas que tinham uma
percepção de autoestima mais alta mantiveram-se estáveis, enquanto o grupo de
alunos cotistas que tinham se classificado com um desempenho médio passaram em
porcentagem significativa a se perceber como alunos de alto desempenho. Ou seja,
no decorrer do tempo houve maior progresso dos cotistas, que foram adquirindo maior
confiança em suas possibilidades de desempenho acadêmico.
Pesquisa realizada por Velloso (2009) compara as médias das notas de alunos
cotistas e não cotistas considerando o nível de prestigio social do curso e sua área do
conhecimento: humanidades, ciências e saúde. A tendência dos dados indicou que
não há diferenças sistemáticas de rendimento entre os cotistas e não cotistas.
a 5,8% com uma leve recuperação no ano de 2015. Sempre muito abaixo do
estipulado na Resolução 37/2004 e na Lei nº 12.711.
Gráfico 5 Ingressos dos alunos UFPR 2005 – 2014 Dados extraídos de Cervi, 2013 e UFPR, Relatório
de Plano de Metas, 2016.
política de cotas teria alcance reduzido parecia favorecer sua aprovação. Esta medida
tornava-se interessante pois permitiria não abandonar o princípio da meritocracia
Ainda, no vestibular 2004 para 2005 se estabeleceu um índice de linha de corte
que definiria os alunos que passariam para a segunda fase. No vestibular de 2005
para 2006 o índice foi modificado, tornando-o mais rigoroso, interferindo diretamente
na ocupação de vagas dos cotistas raciais (PORTO, 2012).
No debate e nas decisões assumidas evidencia-se o interesse na preservação
da excelência acadêmica. A predominância dos valores fundamentados no
individualismo e a meritocracia, promovem que o objetivo das políticas de ação
afirmativa voltados à inclusão se diluam, destacando-se a preservação da excelência
acadêmica, distorcendo assim a própria essência da implementação da política
afirmativa, voltada, como afirma Feres Junior (2005) para a reparação histórica, a
justiça distribuitiva e na necessidade de somar a pluridiversidade buscando a
democratização da expressão acadêmica. Carvalho (2006) critica a ideologia do
mérito e do concurso que passa a ser prevalecida e defendida cegamente,
desvinculada de qualquer causalidade social, flutuando num vácuo histórico, na
invisibilidade das dificuldades que os estudantes negros enfrentam para a sua
inserção na universidade.
De acordo com análise realizada por Cervi (2013), confirma-se que, com o
decorrer destes anos, o percentual dos aprovados cotistas raciais foi regredindo. Os
inscritos mantiveram entre 5,3% e 4,3%, enquanto os percentuais de aprovação se
iniciaram com 11,9%, culminando o ano 2012 com 5,4%. A média de aprovação dos
cotistas raciais é de 6,9%, notoriamente abaixo dos 20% previstos pela
regulamentação UFPR. Sendo que os negros cotistas que passavam para a segunda
fase eram em percentual menor aos 20% destinados a eles, os candidatos de cotas
sociais aprovados poderiam ocupar as vagas que sobraram da cota racial. Enquanto
isso, as vagas gerais representaram 68,6% das aprovações no período. Os principais
beneficiados pela política afirmativa foram os candidatos inscritos por cotas sociais na
possibilidade de usufruir das vagas destinadas às cotas raciais (CERVI, 2013).
O vestibular em duas fases foi apontado como uma barreira para a entrada
de estudantes negros na UFPR pela comissão da instituição, que realizou um balanço
da aplicação do Plano de Metas de Inclusão Racial e Social desde seu início, ano
2005. O corte obrigava aos alunos atingir uma nota para recém poder concorrer pelas
cotas. Em 2014 nenhum estudante de cotas raciais conseguiu entrar em 26 dos 117
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…no hay una única forma de hacer análisis del discurso, ni una única
estrategia para introducir aproximaciones sensibles a las polémicas sociales
y a los contextos en los que nuestros estudios cualitativos debería intervenir”
(LOPEZ e LINAZA, 1996, p.20).
recentes indicam que os estudantes negros são os que têm menos evasão, e também
que à medida que vão se introduzindo no âmbito acadêmico seu desempenho vai
aumentando, chegando em algumas ocasiões a superar os colegas que ingressaram
de forma geral. Como isso acontece? Qual a relação com a universidade? Como esta
subsidia aos alunos em seu processo de permanência pela universidade? Como veem
esse processo os professores?
Trazemos para este espaço inicial o depoimento de 12 alunos que deram
entrevistas semiestruturadas (anexo). Sempre que foi possível tentou-se levar a
sequência da entrevista, no entanto, também sempre foi respeitado o percurso que o
aluno foi dando à entrevista. Para esta etapa do estudo foram enviadas cartas via e-
mail a todos os endereços de alunos cotistas raciais que foi possível conseguir, alguns
de listas guardadas no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFPR, outros
de listas que alguns alunos possuíam. Os alunos selecionados foram aqueles que se
disponibilizaram a participar, e que depois de ajustar data e horário, concretizaram
sua participação.
O objetivo destas entrevistas foi indagar quem são esses alunos, como
vivenciam o ser “cotista racial” e como se dá o processo de sua inserção na
universidade em seus processos de permanência e desempenho. Teve-se como
pano de fundo as relações raciais instituídas nesse processo. Os nomes dos alunos
são substituídos de maneira a preservar a sua identidade.
1) Aluno Adriano: Identifica-se como preto, vinha de Rondônia, de pais com quase
nada de instrução, mãe viúva, trabalhadora doméstica, com 8 filhos para criar sozinha.
Estando ainda no colégio, ficou sabendo da UFPR, se interessou, especialmente pela
existência da Casa do Estudante, onde morou até o momento de sua formatura. Fez
cursinho em troca de trabalho no Positivo, entrou na UFPR com a primeira turma no
ano 2005, ingressou primeiramente no curso de Engenharia, no ano 2007 fez
novamente vestibular e ingressou em 2008 no curso de Direito noturno. Foi
incentivado a fazer um curso superior pela irmã, que teve a oportunidade de trabalhar
num espaço em que havia muitas pessoas formadas, estimulando a ele e às suas
duas irmãs mais novas a estudar, elas fizeram faculdade posteriormente em
universidades particulares. Foi o primeiro e único de sua família que estudou em
universidade pública, federal, hoje já está formado.
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2) Aluna Betânia: Aluna parda, morava na região metropolitana, até vir a Curitiba para
fazer faculdade, começou a trabalhar entre 14 a 16 anos, pai semianalfabeto, trabalha
como pedreiro e a mãe tem ensino básico incompleto, trabalha como servente de
limpeza, tem 4 irmãos, nenhum deles faz faculdade. Ingressou com a primeira turma
de cotistas raciais no curso de Química, formou parte do Afroatitude. Não gostou do
curso de Química e fez Provar , ingressando em Ciências Sociais em 2008. Em 2011
volta a fazer vestibular para limpar o histórico em Ciências Sociais, se forma em 2013.
Morou na Casa do Estudante e logo em casa de amigos até casar, teve depressão
profunda em 2010 mas conseguiu reagir e hoje, já formada, é professora concursada
de Ensino Médio.
temporária e junta dinheiro para o período de aulas. Tem muita paixão pelo curso,
embora tenha muitas dificuldades de todo tipo, financeiras, de relacionamento com os
professores, com os colegas, falta de subsídios, etc.
5) Aluna Maria: Esta aluna tinha 24 anos no momento da entrevista (2013), é parda,
com fenótipo mais de branca, mãe descendente de italianos e pai negro. Mora e
trabalha em Araucária e se desloca a Curitiba todo dia, volta de van, é agente de
saúde, participa da igreja, é católica praticante. Fez primeiro um vestibular para
Jornalismo e não passou. Hoje faz Letras e está muito contente e satisfeita com seu
curso, estava se formando já no fim de ano. Tem bom rendimento acadêmico, não
teve problemas durante o curso e tem um bom grupo com o qual faz os trabalhos,
pretende seguir estudando na universidade.
8) Aluno Felipe: Este aluno é pardo, tem 32 anos, é casado. Inicialmente em 2011
ingressou no curso de Física, logo que ingressou se informou que tinha o curso de
Engenharia Mecânica noturno e conseguiu passar para esse outro curso no ano de
2012. Trabalha e, apesar de estar com algumas matérias em atraso, está muito
72
tranquilo e feliz de saber que poderá melhorar muito as condições de sua vida uma
vez formado.
10) Aluno Francisco: Este aluno tem 20 anos, é aluno de Direito, muito disciplinado
e vai muito bem em seu curso. Seu pai tem Ensino Fundamental Incompleto e sua
mãe Ensino Médio Completo. Seus pais se dedicam afetivamente em cuidar que tenha
as condições para estudar. Faz estágio bem remunerado no Tribunal de Justiça e com
essa renda ajuda em casa. Seu interesse pelo curso de Direito se ocasionou devido a
um incidente que deixou seu único irmão preso na cadeia por vários anos.
11) Aluna Daniella: Esta aluna tem 20 anos, ingressou no curso de Medicina em
2013. Seus país são muito politizados e viam as cotas raciais como uma conquista e
um direito. O pai já começou algumas faculdades que não conseguiu concluir por ter
que trabalhar, atualmente está concluindo o curso de Direito. A mãe é pedagoga e já
fez pós-graduação. Esta aluna fez o ensino médio na UTFPR.
12) Aluna Matilde: Esta aluna tem 21 anos, ingressou em 2014 no curso de Filosofia
noturno, estando lá se informou que existiam as bolsas e decidiu tentar pelo PROVAR
para mudar para o curso de Agronomia. Conseguiu ingressar neste novo curso em
2015, no entanto ficou sem bolsa de permanência no primeiro semestre o que a afetou
muito, por causa de suas condições econômicas muito precárias. Sua mãe é
73
4. INICIANDO A ANÁLISE
Quem é o cotista racial? Como ele se sente? Como ele se vê? Como os outros
o veem? Voltando-nos ao aluno, centramo-nos na pergunta “quem sou eu?”.
Quando surge a pergunta “Quem sou eu?” podemos dizer que estamos
refletindo sobre nossa identidade. Magistralmente Montero (1987), refere-se a essa
construção com detalhe a partir das palavras de outro autor (TAP, 1980), deixando
clara a repercussão dos outros na identidade, o que vai ao encontro daquilo que o
sujeito é, o que tenta ser, muitas vezes apesar das forças escravizadoras e opressoras
que o submetem. Assim, a identidade é ...
Quando iniciei a entrevista com este aluno de Direito, que vou chamar de
Adriano, percebi que tinha algo estranho, ele tinha me falado que ingressara em 2008.
No entanto, antes deste aluno ingressar à universidade já morava na Casa do
Estudante. Indaguei mais, forçando o tema, o que obrigou ao aluno a falar que ele
tinha feito antes dois ano e meio de Engenharia Cartográfica, ou seja, pertencia aos
jovens que entraram no primeiro vestibular com cotas raciais. Notoriamente ele tinha
pretendido ocultar essa etapa de sua vida, assim como quando perguntei se ele tinha
76
entrado por cotas, senti que duvidou... e depois de fazer um silêncio e pensar, me
falou que “achava” que sim, confirmando logo depois que efetivamente entrou por
cotas raciais no ano que se iniciaram as cotas. Este aluno tinha se formado em Direito
alguns dias antes da entrevista e, apesar de ter culminado com pleno sucesso sua
etapa acadêmica, não mostrava para nós, no momento da entrevista sentimento de
orgulho, alegria ou satisfação, mas o que estava aparecendo era mais um sentimento
de insegurança e até de vergonha, diante das perguntas realizadas, sentimentos que,
parece, ficavam nele como resíduos quase imperceptíveis que delatavam o processo
histórico-social de sua vida nos significados que dava à sua permanência na
universidade.
Porque ele poderia ter sentido a necessidade de ocultar algumas experiências
de sua vida acadêmica e ter vergonha por isso? Quais seriam as relações instituídas
em torno dessa experiência, provavelmente marcada de acontecimentos que ele
preferia não lembrar? Estas reflexões nos levam a realizar essa análise nos dispondo
a tentar compreender desde a experiência de jovens alunos cotistas raciais o que é
ser cotista racial na UFPR, o que se apresenta como um elemento desafiador para a
identidade destes jovens estudantes negros.
A construção de ser um aluno cotista racial constitui-se a partir das interações
estabelecidas na historicidade de sua vida e na apropriação de novas realidades
configuradas nos contextos da vida acadêmica pelas significações que se dão às
experiências com os outros. Os alunos negros que ingressam na universidade
comumente provêm de famílias muito pobres, têm pais quase analfabetos, são jovens
que moram nos lares disponibilizados pela universidade ou na periferia da cidade, e
regularmente são os primeiros a ter a oportunidade de ser aluno de uma universidade
federal, pública, gratuita e de qualidade. Mas também são jovens atuantes e ativos
que, a partir de suas interações, na revisão de sua historicidade, aspiram a transformar
e superar condições que perpetuam sua inserção social. Ao fim das contas, transpor
as barreiras colocadas historicamente para este setor populacional implica numa
potencialidade que situa estes alunos como possuidores de um grande “mérito”, que
na racionalidade eurocentrada não tem valor acadêmico. São jovens que se dispõem
a lutar por uma vida diferente, na “resistência a poderes, alguns deles, poderosos,
num esforço extremo para recusar a ser o que quiseram fazer dele” (SAWAIA, 2000,
p.2).
Adriano confirma seu pioneirismo na universidade quando diz...
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Eu sou, sei lá... dos meus amigos de infância, talvez seja a única pessoa que
tenha... um negro, alguém que tenha passado na universidade federal. [...]
Eu acho que eu sou o primeiro membro da história da minha família a entrar
na universidade pública. Então historicamente não existia nenhuma influência
(Adriano).
Esse fato, que situa Adriano como uns dos alunos cotistas raciais da UFPR, em
uma de suas características comuns, articula-se na engrenagem de sua vida a um
outro fato, que é a de ser um jovem negro, o que o situa num lugar na sociedade e
traz repercussões para a construção de sua identidade.
Ser negro é, para este aluno, sofrer as consequências do que é ser negro e
isso passa pela construção de uma subjetividade que transita na insegurança social
quando a probabilidade de um jovem negro morrer assassinado antes da idade adulta
é 134 vezes maior que a de um jovem branco (BRASIL, Documento Perspectivas
Negras, 2011), isso com o agravo de que é a ação policial que contribui com a
estatística do genocídio cotidiano da juventude negra.
Ingressar na univesidade é uma grande possibilidade de mudança e mobilidade
social. No entanto, podemos dizer, a partir dessa realidade, que as condições de um
jovem branco são as mesmas que as de um moço negro, e ainda dizer que não há
diferenciação no que chamamos de oportunidades?
Ainda, vivemos a ilusão que a nossa identidade social é consequência de
opções livres que escolhemos a partir de nosso meio social, isso só acontece
parcialmente, considerando que de fato as condições sociais que vivemos e o lugar
que temos nesse espaço social definem em grande parte nossa identidade social. Ao
se referir à sua realidade, Adriano nos conta...
A gente estava sentada numa determinada (?) na fila da frente tinha um grupo
de pessoas do Direito. Dentre esse grupo, mais ou menos seis pessoas.
Dentro desse grupo de pessoas existia um negro. Sujeito, sei lá, tão pardo
quanto eu. Existia um negro lá. E outras cinco pessoas. E assim, as pessoas
conversavam entre elas e tal e de vez em quando, o negro, ele inseria algum
comentário. Ele falava: “Ah, tal”. O sujeito estava falando lá da novela, ele
dizia “Ah, o Gianechinni é bonitão mesmo e vamos aí”. E aí quando ele
inseria, quando ele tentava se inserir na conversa, as outras pessoas do
grupo paravam aquele assunto, de alguma maneira assim... é... não faziam
com que ele.. paravam o assunto, trocavam... então não havia uma
continuidade na conversa daquele tema. Isso aconteceu com nós, sabe, na
mesa de trás... a diferença entre o tratamento deles com ele, o tratamento
deles com o negro e a relação dessas duas coisas. Era bastante evidente. E
aí eu e um outro negro, a gente estava sentado na fila de trás, a gente... aquilo
começou a chamar a atenção o negócio... e aí isso aconteceu uma vez,
duas... lá pela X vezes que isso aconteceu, o negro, que estava inserido no
grupo, que fazia parte daquele grupo, era também estudante da mesma
carreira, ele parou de intervir na conversa e começou a comer. O que que o
sujeito está fazendo aí? Eu vim pra comer, vou comer, beleza. Mas eu
também vim pra bater papo, conhecer outras pessoas, enfim... E aí ele meio
que para essa troca e vai comer o negócio dele é comer a refeição dele e
beleza. Eu aposto, eu aposto o meu dedo, como esse sujeito não percebeu a
ação de exclusão daquele grupo. Mas o grupo não agiu de maneira de
discriminar porque é perigoso fazer isso, nesse caso, mas ainda assim, ele
foi excluído, entendeu? Então a estratégia de exclusão é diferente da
estratégia de discriminação, aqui pra nós. É possível que um sujeito seja
excluído, mas pra ele ser discriminado de maneira... é... de maneira incisiva,
de maneira a caracterizar o crime, isso é muito difícil (Adriano).
Discriminação direta, de alguém falar: “Ah, não vou fazer um trabalho com
você porque você é preto” não. Não aconteceu. Diretamente não. O que não
exclui o processo de exclusão. [...] ...quando, por exemplo, o grupo era um
número fechado, que você sobrava e o professor... você era obrigado a entrar
nesses outros grupos no qual você não era bem aceito... você chegava lá e
eles te rejeitavam. Eu cheguei num grupo e falei:” Ó, eu tô sem grupo, (?)”
Eles olharam pra mim e eles não me responderam, fizeram de conta que eu
não estava ali (Adriano).
Mas não tenho dúvida, nenhuma dúvida disso. Não tenho nenhuma dúvida,
e não é com relação a mim, é com relação a todo e qualquer negro em todo
e qualquer curso da Universidade. É... o... o... o fato de ter... o fato de ter
várias ações consideradas mínimas, no somatório disso, se você for ver...
pensar, sei lá... eu passo por dois processos de exclusão diariamente, chega
uma hora que não são dois processos de exclusão, chega uma hora que são
duzentos processos de exclusão. E aí a gente vê... recentemente aconteceu
com um menino, com um menino aqui do Direito, dele... teve um surto. Ele
surtou. É... o menino, ele surtou. E aí a galera falou: “Meu, mas como, né? O
cara estava bem anteontem, quatro dias atrás e tal, estava bem...(Adriando).”
apoiado por diversas teorias psicossociais que postulam que as condições sociais das
pessoas são determinantes para sua constituição e desenvolvimento como pessoa.
Adriano prossegue, reforçando essa condição...
Gordon Allport, em sua clássica obra “La Naturaleza del Prejuicio”, nos convida
a refletir sobre o fato de como seria para todos ser constantemente desvalorizados.
Moya (1996) postula que, mesmo tendo fundamentos falsos, o fato de estar sempre
escutando opiniões desvalorizadoras, acaba por repercutir nas pessoas. A partir
dessas reflexões nos perguntamos, como estes jovens estudantes negros vivem sua
condição de serem alunos cotistas raciais?
Adriano expõe...
no meu curso, eles são velados assim, eles não abrem muito, mas quando
eles falam, eles são extremamente contra cotas [...] Isso, as políticas de
cotas, as políticas sociais, políticas do governo, qualquer política nesse
sentido, eles são extremamente contra (Caio).
Sondando a fala dos alunos, vai ficando a percepção de que eles sofrem a
rejeição pela condição de serem cotistas, não há a compreensão do significado
histórico dessa condição, o que obriga ao aluno a guardar sobre sigilo sua identidade,
já não como uma opção sua, dele autolimitar-se, mas como um fator que pode
interferir e fragilizar suas interações sociais na sala de aula. Perguntei ao aluno: “E
isso repercute no relacionamento que você têm com eles?” ao que me responde que
não, agregando...
Não, porque eles não particularizam, eu na minha turma hoje, eu não sei
quem é negro lá dentro, quem se considera negro (Caio).
Ao que eu pergunto: “Não será justamente porque as pessoas ficam com medo
de se colocar, por causa da opinião da maioria?” Obtenho como resposta...
... eu acho que as pessoas são contra, a maioria eu acho que é contra, mas
assim porque nunca tiveram mais informação. Porque nasceram brancos e
acham que é assim mesmo, que não têm cotas, que as pessoas não
merecem entrar pelas cotas, mas porque não... (Elisa).
O relato dos alunos entrevistados evidencia essa percepção dos outros “serem
contra”, o que implica uma forma de se relacionar, de se situar, de estar em sala de
aula a partir do lugar que está sendo dado. Na dialética de ser o que os outros atribuem
e o que o aluno é constituem-se as subjetividades, na demarcação do racial. Elisa
reflete e nos diz:
Eu não tinha ideia de que dentro da universidade você é visto diferente, dentro
da universidade porque não é um espaço onde tem muitos negros, a gente
está em Curitiba, é uma capital onde tem mais pessoas brancas, tem
pouquíssimas pessoas negras na cidade inteira (Elisa).
E também essa questão né? De ser cotista que pesou um pouco no início do
curso, eu percebia né? Que as opiniões eram bem controversas a respeito
das cotas, e outra coisa também que me causou um pouco de dificuldade, foi
a sensação de não lugar que eu tinha dentro da Universidade, era como se a
Universidade não fosse para mim (Adriano).
poder, e pela luta a se manter permanecendo num curso do setor da Saúde, que ela
prefere não especificar, para não ser identificada. Quase quando ainda estamos
iniciando nossa fala ela declara....
Em São Paulo tem muito mais negros, então é uma coisa mais comum....
Aqui como que tem poucos negros, eles não conhecem e por isso eles julgam
de uma forma errada, até uma situação engraçada foi que uma menina
perguntou: “nossa, como é que você vai se manter aqui?” não me conhecia
nem nada, nem de uma forma, de uma forma bem pejorativa, como se eu não
tivesse capacidade de estar ali. Claro, eu estou batalhando para ficar na
universidade, assim como todo aluno (Luana).
Nem um pouco. Não, pelo contrário, me reafirmou, porque aqui tem essa
cobrança também, porque as pessoas acham que os alunos que vêm de
cotas, têm que ter um nível intelectual baixo... (Luana).
Sim, eu percebo isso, tem que ser, eles acham que tem que ter a deficiência,
com relação a conhecimento, a tudo (Luana).
O que eu vejo é que tem alguns professores... você faz uma pergunta eles
ignoram um pouco [SE EMOCIONA], eles até respondem mas com uma certa
rispidez. Até ontem passei por isso, uma professora falando mal de mim para
um outro professor, que eu sou um pouquinho mais lerdinha com relação
às outras pessoas, e ela falando assim: ‘’ai você viu o quanto ela demora?”
então quer dizer, ao invés dela tentar ajudar ela faz com que a coisa fique
mais difícil então é complicado, e isso dói um pouco pois você vê que é um
professor, se fosse uma outra pessoa eu poderia até nem me importar tanto,
mas uma professora que poderia estar mais ao lado do aluno, fazendo com
que o aluno cresça, parece que quer o contrário. Se tem alguma coisa errada,
é a pessoa negra (Luana).
MOREIRA, 2008). O estigma forma parte da vida de pessoas que pertencem a grupos
sociais percebidos estereotipadamente e de forma desvalorizada, sendo situadas no
extremo inferior das relações hierarquizadas.
Arregui (2008) postula que quando o estigma é atribuído a condições externas,
ou seja, ao “preconceito”, as pessoas afetadas conseguem preservar sua autoestima
e a identidade. No entanto, quando o estigma consegue corroer a identificação de si
mesma, e fragilizar a autoimagem, abre-se a possibilidade de se atribuir conotações
desfavoráveis que lhe são outorgadas preconceituosamente, internalizando atributos
que a fazem sentir inferior, culpabilizando-se, e trazendo sentimentos tristes como
vergonha de ser o que se é (ARREGUI, 2008).
Percebemos um pouco isso quando a aluna fala “eu sou um pouquinho mais
lerdinha com relação às outras pessoas”, legitimando em parte o que a professora
está afirmando. Ainda, sua consciência crítica lhe possibilita questionar essa posição
e se reestabelecer mantendo firme sua permanência e lutando intensamente pelas
notas e pela defesa de seu desempenho. Pergunto para a aluna: “Você não sente
vontade de responder ou contestar às vezes?”
Sinto, mas o que acontece é que lá [...] essa professora que eu tenho aula
agora, eu terei aula com ela no semestre que vem, e eles são muito de
represálias, teve um professor que eu contestei correção de prova, ele até
falou que eu era arrogante, de estar contestando, assim, quando eu estou
errada eu nem falo nada, mas assim, são coisas muito perceptíveis (Luana).
[...] essa professora, então ela vai de bancada em bancada, são quatro
equipes, ela vai no primeiro, no segundo e no terceiro e no meu ela não vai,
então quer dizer se eu precisar de alguma coisa, eu tenho que ir até lá, não
tem espontaneidade. Deixa de escanteio, é diferente o tratamento (Luana).
Sim, quase todas. [...] E tem uma matéria que chama [...] e o professor parece
que tem um olhar que você sabe que é tipo: “você vai reprovar”, desde o
primeiro dia você sente isso. Então eu luto contra isso, porque eu sei que ele
quer me reprovar, fica procurando algo que eu faço de errado, então ele tenta.
Teve uma época que eu até fui na casa 3 para tentar o psicólogo porque tava
difícil de aguentar isso. Mais aí eu tô levando, mas, todo semestre é essa luta,
88
Sim, ajudam sim, mas não são muitos, são poucos que também têm essa
dificuldade, o perfil do pessoal daqui é muito elitizado, então ele acha que a
dificuldade não existe, então como eles têm dinheiro, não têm dificuldade,
pois têm família muito próxima, então como eles não precisam de ninguém,
eles acham que não precisam ajudar ninguém, e também tem outra coisa,
você está na Federal então acham que todo mundo é muito bom, mas nem
sempre todo mundo é muito bom, nem sempre todo mundo está entendendo
tudo, então passa uma imagem de que está tudo perfeito, mas tem muita
coisa que precisa ser melhorada e os professores não estão vendo isso
(Luana).
Tem, sim, esse professor do PET, uma pessoa muito aberta, a experiência
de vida dele ajuda, porque ele estudou fora do Paraná, e tem uma visão muito
aberta, ele conversa com os alunos, ele deixa os alunos falarem, então a
minha inserção, e meu desemprenho foram muito melhores (Luana).
Uma das matérias foi realmente dificuldade minha, outras foi... eu reprovei de
uma disciplina que é genética, e eu vi que tinha um pouco de perseguição
assim, dessa professora... [...] Então, tem a minha questão, da minha
dificuldade pessoal em entender, mas tem a dificuldade do professor me
aceitar, então uma questão que vale 1,5 o meu é sempre 0,6; 0,8; nunca
consigo atingir a pontuação, tudo que eu faço nunca consegue a pontuação
adequada, sempre fica aquém, eu sempre estudo, eu percebo que na hora
que o professor corrige, porque é fácil de me identificar, eu sou a única negra,
eles corrigem, e parece que o ponto vai direcionado (Luana).
...eu tive uma certa dificuldade. Mas com o tempo eu comecei a ler, a discutir.
E aí eu já tinha amigas que eram do Afroatitude, e que faziam ciências sociais
e que se dispuseram “ah, vamos lá. Você está fazendo isso? Então vamos
ver” (Betânia).
Ter referências com as quais identificar-se constitui ums dos fatores mais
favoráveis para a superação de sentimentos ruins, produzidos pela série de fatores
pouco amigáveis que preenchem o entorno dos jovens negros. A construção de uma
identidade coletiva no reconhecimento de si mesmo nos outros é um fator importante
para a consolidação dos jovens negros. Nesse sentido, os programas “Conexão de
Saberes” e “Afroatitude” desenvolvidos a partir do NEAB-UFPR nos primeiros anos da
implementação das cotas raciais na UFPR foram enriquecedores da identidade racial,
constituindo um alicerce no trânsito acadêmico dos alunos cotistas raciais. A
identidade coletiva constrói-se na consciência de problemas comuns, no
questionamento das condições dadas historicamente e nas possibilidades de
transformação, ou seja, uma identidade coletiva constitui-se como politização da
identidade, como identidade racial fortalecida.
A inscrição do racismo marca a identidade, ou seja, tem repercussão na
pergunta de quem sou eu, de como as pessoas se reconhecem. Na medida em que
os outros são uma referência em nossa constituição. Em ambientes sociais de
exclusão, não é possível se contrapor, no vácuo social da distância social. Por isso é
importante a construção de espaços de referência (MUNANGA, 2008), que
possibilitem ampliar os círculos sociais, que possam, além de fortalecer as identidades
construídas, propor novas soluções materiais e psicológicas ao sofrimento ético-
político provocado.
Para Munanga (2008), uma identidade negra não surge somente da tomada de
consciência de uma diferença na pigmentação ou de uma diferencia biológica entre
populações negra, branca e amarela, mas a identidade negra resulta do longo
processo que marca a vida e história dos negros no Brasil, que implica também num
processo de consciência racial. Feres Junior (2009) acrescenta que no Brasil a
discriminação acontece, majoritariamente, não pela identidade que o sujeito se atribui,
mas sim pela identidade que os outros lhe assignam, assim a identidade do negro
passa pela intersubjetividade do racial.
Na medida que realizávamos as entrevistas, confirmava-se mais a importância
dos pequenos grupos de aula para a permanência e o desempenho, grupos
93
Adriano destaca que é a rejeição nos outros grupos que impulsa a formação do
grupo dos diferentes. O grupo que chamamos de acolhedor, acaba sendo também o
grupo dos incluídos pela exclusão, é também o grupo que dá suporte às ações
afirmativas. Nota-se que esta divisão de grupos se constitui nos significados, na
transmissão de símbolos e códigos que evidenciam o lugar de cada um, decorrente
de condições similares, de valores mútuos, de interesses e questões de classe. A
presença dos grupos percebe-se na experiência de Maria. Ao perguntar se ela teve
dificuldades nas disciplinas, me responde:
A presença do grupo acolhedor, aquele que funciona como o eixo das ações
afirmativas, interaciona na mútua ajuda e possibilita aos alunos superar as limitações
do estudo individual. Aciona-se o trabalho em grupo, aparece o “desenvolvimento
proximal” proposto por Vygotsky. Pergunto para a aluna: “Esse grupo, quem são
eles?”
É misto, nós somos em seis, dentro desse grupo tem um menino (que é o
único menino do grupo) que sempre estudou em escola pública, mas é um
menino muito estudioso [...] aí eu tenho amigas que têm quarenta anos nesse
grupo e são advogadas, mas a paixão dela é Letras, tem mais uma que tem
mais idade também, tem por volta de quarenta anos, ela já fez outra faculdade
também, ela é geógrafa e agora está fazendo Letras, e uma outra que é
94
Insisto em perguntar: quem são seus amigos? Como você descreveria seus
amigos?
É porque eu estudo no curso noturno né? Então as pessoas são mais velhas,
mais mesmo assim, meus amigos geralmente são um pouquinho mais velho
que eu necessariamente (Francisco).
Eu acho que foi um pouco do convívio com colegas, que tinham uma outra
vivência com relação...de colegas negros que tinham uma outra forma de
enxergar a Universidade, que estavam há mais tempo, entende? Então,
poder conviver com essas pessoas e conversar com essas pessoas a
respeito das cotas, talvez tenha me ajudado um pouco né? (Paola).
Sim, a idade não, porque a faixa etária é distante, mas são pessoas
compreensivas, pessoas boas, e generosas e delas eu tendo a me
aproximar mais (Luana).
95
Aqui, aqui é bem fraco assim, nesse ponto, matérias, assim, que são mais
difíceis, e a gente sente falta de ter alguém mais para tirar uma dúvida assim.
Mesmo que seja um aluno mais avançado que eles pudessem recrutar, a
gente aqui não tem. Não tem [...] Então. Tenho boas amizades. Mas, como
a gente fica assim, meio despriorizado, daí fica numa turma e na outra... [...]
Mas sempre tem alguns que estão na mesma situação e aí a gente já... já fica
ali, não é? (Pedro).
Que existe, a gente sabe que existe, mas onde ela se materializa, em que eu
vejo ela, não, não. [...] Pois ser, a gente só ouve falar, eu como professor sei
que as pró-reitoras encaminham isso, mais eu não sei dizer, de que forma
viabilizam isso, quais são os programas que eles têm, não sei, não conheço,
quais são os tipos de ações que hoje a Universidade vem efetivando,
implementando, não sei (Professor do Setor de Ciências Humanas).
.
Eu não me lembro de chegar nada, eu sei que havia, havia as bolsas... mas
eu não tenho ideia de como era o processo seletivo, nunca chegou assim
nada na coordenação (Professor do Setor de Ciências Humanas).
Tem, tem grupo... tem, tem. Na realidade é mais uma questão do aluno
procurar do que a coordenação. Porque aqui, por exemplo, na questão das
cotas, nós não sabemos quem são alunos cotistas (Professora do Setor das
Ciências Biológicas).
Nesse caso não é o sigilo de quem são os alunos cotistas raciais, mas de igual
forma existe o distanciamento, o não conhecer, a falta de informação. As políticas
estão, mas em outra dimensão, longe dai. A ação afirmativa que traz os alunos cotistas
raciais para a universidade e que realiza-se na presença dos alunos não tem
presença, concretiza-se pela inexistência.
Similar situação encontra-se em outros cursos, como confirma a professora A
do Setor de Ciências da Saúde, que diz:
Entrevistadora: E vocês não saberiam então para onde tem que ser
encaminhado?
Entrevistadora: Mas para você assim como professor foi implementada alguma
informação específica para vocês?
Não, que eu me lembre não. Mas sempre sabemos que está acontecendo o
processo, que o curso [...] está participando e que os alunos estão aí
aproveitando (professor A de Ciências Agrárias).
.
O professor parece ter alguma informação sobre a demanda e a necessidade
que surge em torno das Ações Afirmativas, da inserção da universidade nessa
proposta, mas também a informação chega até ali, não há apropriação do que
acontece na UFPR em relação à política de ações afirmativas para alunos negros.
Em relação à abertura, o professor B do Setor Tecnológico também se
manifesta e diz:
Eu não sei se o setor de Tecnologia tem aberto espaços para esse tipo de
debate. Eu acho que não (Professor B do Setor Tecnológico).
Entrevistadora: a gente tem visto em algum curso a condição das bolsas que
são determinadas e definidas para os alunos cotistas. Como você lidam com isso, por
ser, assim, por um lado não tem acesso à informação de quem é cotista. Por outro
lado estão essas bolsas.
Nós... nós não tomamos conhecimento das bolsas, porque não passa por
nós. Isso é... é um acordo... eu nem sabia que eles recebiam bolsas, se
você quer saber. É um acordo. É um acordo, provavelmente, em instâncias
superiores de pró-reitoria que conversa com o aluno. Nós não temos
conhecimento (Professor B de Ciências da Saúde).
O silêncio das vozes que transitam na UFPR, nos dá indícios que existe pouco
envolvimento com a política e ainda mais que se trate de atitudes que se contrapõem
à politica. Esta situação é constante, de alguma forma se reconhece que as Pró-
Reitorias viabilizam alguma informação relacionada à questão racial, mas o
conhecimento é superficial. O que foi se percebendo no decorrer das entrevistas é
que a maioria dos professores entrevistados não sabem quase nada a respeito do
processo de inclusão dos alunos cotistas negros, aduzem que não receberam
informação, tampouco não procuram. Na persistência do vazio de informação dos
professores, o que modifica-se é o contexto do qual vão emergindo as diversas
formulações do porquê dessa dinâmica da “não comunicação”, da acolhida aos
silenciamentos, no entanto este persiste como o grande denominador comum em
nossos entrevistados.
Tentamos perceber se existem alguns outros vínculos nas distintas instâncias
da universidade e perguntamos: “A PRAE tem alguns projetos que têm como intuito
acompanhar os processos dos alunos com precariedade social, mas esses projetos
têm alguma articulação com a coordenação?
Não, nada. Essa é uma crítica que também eu faço, eu soube que para o
aluno que.... a PRAE por exemplo dá bolsa, ela cobra um determinado nível
de aprovação nas disciplinas e tudo mas nunca ninguém da PRAE veio
conversar comigo, saber como que é o curso, saber como são as disciplinas,
como se obtém esse índice ou perguntar de um aluno, “ô esse aluno aqui
específico, o que você acha?” então a articulação é zero. Pelo menos a
minha. [...] Mas é aí fica faltando, até para a gente saber quem tem bolsa,
quem não tem bolsa, quem é acompanhado que se deve, a gente fica ... zero
(Professor B do Setor de Ciências Agrárias).
não sei talvez pelo que fato de quando eu assumi a coordenação, ainda era
muito recente... (Professor do Setor de Ciências Humanas).
A constante repete-se uma e outra vez, se sabe que existe, funciona em algum
lugar, mas não há a experiência pessoal de vivenciar, debater, promover, a política de
ação afirmativa. O vazio fica evidente, o professor reflete e sente-se em evidência ante
si mesmo e diante nós, no ambiente percebe-se que esse “silenciamento”, que
configura-se como geral pode ser interpretado como uma forma de criar um vazio e
poderíamos aduzir que isso configura-se em contraposição ao que está sendo posto.
De uma forma ou de outra majoritariamente os professores entrevistados acionam o
que podemos chamar de “dispositivos de silenciamentos”, que, ao silenciar o discurso,
silenciam também os sujeito das ações afirmativas, que ao não ter escuta, nem voz,
recriam a universidade na hierarquização social, sem os acompanhamentos
necessários, sem as informações corriqueiras que se dão na informalidade, mas muito
valiosas para a permanência e propiciadores de desempenho, tudo silenciosamente,
impondo o (des)conhecimento como forma de se relacionar.
A ruptura nos diferentes eslabões da informação que possibilitam a prática da
política não funcionam, decorrentemente, a apropriação de uma cultura própria da
universidade não poderá ser facilitada em seus ritos e códigos, tendo que ser
conquistada pelos alunos cotistas raciais no acionar de outros mecanismos.
Podemos discernir que o sigilo estabelecido na origem se desmembra como
não informação, falta de conexão, invisibilidade do aluno negro, mutismo,
desconhecimento e assim vai se constituindo como um dos dispositivos mais
relevantes de uma instância que se impõe na contraposição às ações afirmativas.
Omissão? Falta de tempo para se apropriar da política? Falta de comunicação?
Sem dúvida o silêncio significa alguma coisa, há um modo de estar no silêncio que
corresponde a um modo de estar no sentido (ORLANDI, 2007). Silêncio que atravessa
as palavras, que existe entre elas, ou que indica que o sentido pode ser outro, ou
ainda aquilo que é mais importante que nunca se diz. Ainda falta indagar, a sensação
de falta e de cobrança fica no ar.
105
... a gente mal ouvia falar nessa questão, eventualmente heeeee, a gente
nem sabia ao certo quem eram os alunos cotistas né? Isso não é,
eventualmente na coordenação a secretária sinalizava de... (Professor do
Setor de Ciências Humanas).
A comunicação dispensa o tema das cotas raciais, nas interações o tema não
transitava, aduzindo a impossibilidade de identificar os cotistas raciais. No entanto,
esse não reconhecimento parece formar parte dos códigos que se articulam em
106
contraposição à política. O aluno negro cotista negro traz consigo uma história, uma
forma de ser no mundo, adquirida na mediação das interações, pode-se lhe
reconhecer por inúmeras marcas de sua cultura, pelo seu fenótipo, e especialmente
pelo registro que deixa a pobreza. Existem inúmeras formas de comunicar, inclusive,
sim, ter esse propósito, existem numerosas formas de enviar uma mensagem e de
recebê-la, muitas formas de perguntar e de corresponder. Ainda....
Pode-se perceber que o silêncio não ocorre apenas no fluxo das comunicações
com as instâncias superiores, a condição se mantém, de igual forma, entre os pares.
Por que será que não se fala de um tema que viria a transformar a universidade?
Estar-se-ia quebrando uma tradição enraízada na sociedade brasileira. A atitude de
distanciamento persevera, evita-se falar do tema, evita-se olhar para quem poderia
ser cotista. O professor entrevistado confirma o que percebemos:
... acho que não tem o perfil do professor que fica querendo problematizar
isso, e saber quem é, entendeu? É claro que eu falo muito por mim né? E dos
colegas que eu convivo, mas, por exemplo, nas conversas informais com os
professores, nas conversas em reunião, de pós, reunião, de almoço, de bate-
papo do café, não é um tema que aparece, não é um tema. Eu
particularmente nunca ouvi um professor comentando algo sobre essa
questão. Não é uma coisa assim que aparece... (Professor do Setor de
Ciências Humanas).
107
Aqui no nosso setor não teve nenhum tipo de... (Professora do Setor de
Ciências Biológicas).
Hum ... Eu acho que não houve uma discussão, pelo menos aqui, em nível
de cursos e setores, eu acho que uma discussão mais em nível de conselhos
superiores e nós não tivemos muita informação de como é que foi essa
discussão, como que ela se deu, eu acho que a maior parte da informação
veio pela imprensa. Então a gente soube que ia acontecer porque saiu no
jornal, saiu na televisão muito mais que uma discussão, de como é que foi
feito, de como é que seria implementado (Professor B do Setor de Ciências
Agrárias).
Este professor refere-se a uma ideia que transita nas conversações com os
colegas, e que nos dá alguma noção do sentido dos silêncios. As Ações Afirmativas
significadas como atitudes populistas do governo, decorrem da dificuldade em
compreender metas que situam a universidade como atuante nos desafios
contemporâneos que implicam a inclusão de setores historicamente precarizados. A
universidade tradicional e meritocracia em contraposição à universidade plural, da
diversidade. O professor dá voz a uma das contraposições às ações afirmativas, no
entanto, já nas deliberações para a implementação das Ações Afirmativas estava
presente uma série de ideias que configuram-se contrárias às políticas afirmativas e
que são acionadas nos espaços cotidianos, sendo acobertadas pelo silêncio que
mediatiza o âmbito universitário. As palavras e o silêncio que as encobre são tecidos
a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações
sociais em todos os domínios (BAKHTIN, 2004), produzindo barreiras, construindo
distâncias que impõem uma forma conservadora de olhar para universidade.
Pergunto para o professor do Setor das Ciências Humanas: “Os alunos negros
recorrem à coordenação, eles vão para a coordenação pedir informação? Ou isso
também não acontece?”
Pelas falas também se infere que os alunos cotistas raciais não se identificam,
mantêm em sigilo sua condição de cotistas raciais, com todo o peso que isso pode
acarretar pelo desconhecimento de como funcionam as coisas na universidade e a
impossibilidade de se colocar a partir desse lugar. Com a professora do Setor de
Ciências Biológicas o diálogo é o seguinte: “Especificamente em relação aos alunos
negros, têm alguma iniciativa? Algum encaminhamento?”
Tem, tem grupo... tem, tem. Na realidade é mais uma questão do aluno
procurar do que a coordenação. . Porque aqui, por exemplo, na questão das
cotas, nós não sabemos quem são alunos cotistas (Professora do Setor de
Ciências Biológicas).
113
Já foi possível perceber que o aluno não procura, guarda silêncio, e isso pode
ser atribuível a diversas condições, oculta sua condição de cotista racial, desconhece
o funcionamento da universidade, pensa que não pode, que não tem direito, não quer
deixar em evidência suas deficiências, considera que não adianta, não recebe os
códigos para o acesso... A pergunta é como isso atinge sua identidade, e como essas
condições repercutem nos processos de permanência e desempenho. A professora
confirma...
Não tem como saber. Então, o núcleo de assuntos acadêmicos, eles não
divulgam quem são esses cotistas. Então, é uma questão, acho que até de
preservação da identidade deles ou se eles se sentem discriminados ou não...
(Professora do Setor de ciências Biológicas).
Sim, sim, sim, eu tenho alunos tanto que chegam aqui que se é um pouquinho
menos favorecido, provavelmente entra por cotas sociais ou mesmo por cotas
raciais eles têm chegado, têm conversado, acho que a universidade tem uma
política de bolsas de estudos para cotistas né? aí a maioria deles têm bolsa
(Professor B do Setor das Ciências Agrárias).
A não ser que o aluno se autoidentifique, o que não tem acontecido. Mas, nós
não conseguimos identificar... (Professor do Setor de Educação).
Não. Nós não temos casos de alunos que tenham esse hábito de se identificar
(Professora do Setor de Educação).
Não, não consigo definir, talvez porque, veja, nós temos mil e cem (1.100)
alunos no curso, a gente não consegue ter, a coordenação não consegue ter,
a gente consegue identificar quando tem problema, quando está indo tudo
bem, a gente não consegue perceber isso, então os problemas são trazidos,
e ao longo do curso... eu, por exemplo, dou aula a partir do sexto período só,
geralmente essas questões, se ocorreram já foram resolvidas, talvez, não sei
lhe dizer (Professora do Setor das Ciências da Saúde).
Para mim nunca foi colocado, eu tenho alunos que vêm e procuram algum
auxílio, por questões sociais, cotistas não, raciais né? (Professora A do Setor
das Ciências da Saúde).
Quando esse assunto foi uma vez levantado de que algum ministro aí, não
me lembro quem foi, não sei se foi o Mercadante, ele, numa declaração aí
na mídia, ele disse que as universidades teriam que pensar alternativas
para receber esses alunos, do tipo, aulas de reforço, isso foi muito mal
recebido aqui no curso, isso foi muito, foi muito, naquele momento
específico que ele deu essa declaração, que ele falou isso publicamente aí
na mídia, isso teve uma repercussão aqui, que eu me lembro que numa
reunião específica do colegiado nós estávamos discutindo isso, isso foi
levantado de uma maneira bastante negativa, e se encerrou ali, do tipo, sem
chance, de pensar uma forma de reforço (Professor do Setor de Ciências
Humanas).
Não, nunca foi relacionada com as cotas, mais ela tem se tornado uma
constante, a ponto de estar preocupando os professores, professores falando
que estão abaixando o nível dos textos, abaixando o nível das aulas, eu já
ouvi de vários professores, você já trabalhou esses textos? Imagina se eu
vou trabalhar com esse texto, eles não leem, não conseguem entender nem
outro lá que eu dei que é todo mastigado, vou trabalhar com esse texto?
(Professor do Setor de Ciências Humanas).
Fica a dúvida, existem muitas razões pelas quais o perfil dos alunos está
mudando, no entanto um deles não pode ser ignorado, os alunos de escola pública e
alunos negros estão mudando o perfil dos alunos da UFPR. Num momento posterior
o professor agrega...
118
nós temos o curso noturno, então existe muita cultura de que o aluno do curso
noturno é mais fraco. E eu procuro mostrar que não, porque a gente tem os
dados. Então, a nota de corte, quantos passaram... é muito parecido noite e
manhã, então a gente procura informar. Eu acho que vai muito da
desinformação. Ou seja, “achar que” – o achismo (Professora do Setor de
Ciências Biológicas).
O que está por trás desses posicionamentos é todo um esquema que se tem
da universidade tradicional em oposição a uma universidade articulada com os novos
desafios. Os dados que indicam que alunos do curso noturno estão tendo bom
rendimento não é tão só importante porque não desmerece a racionalidade
meritocrática da universidade mas também porque levanta outros desafios em relação
aos processos de aprendizagem. Cabem algumas perguntas e alguns desafios de
pesquisa: O que faz com que pessoas com elementos bem mais deficientes, tendo
que trabalhar e tomar conta de outros fatores consigam acompanhar a universidade,
mesmo com dificuldade? O que funciona como fator preponderante nesse processo?
Quais seriam as condições que favorecem a persistência no aprendizagem? São
119
elementos novos que devem ser pesquisados e incorporados nas reflexões do âmbito
acadêmico.
Falando com a professora A do Setor das Ciências da Saúde, pergunto: “Você
consegue visualizar que existem alunos cotistas raciais aqui dentro da medicina?”
Não, no dia a dia a gente não percebe isso, o que eu percebo é nas
avaliações que nós fazemos, que os alunos fazem do curso, ou seja, eles
preenchem semestralmente uma avaliação, eu não consigo identificar se a
cota é racial ou social, isso eu não consigo discernir, mas eu tenho questões
que eles apontam nas avaliações, e dificuldades por serem cotistas,
principalmente em relação ao idioma, leitura de textos em outros idiomas,
nesse sentido, mas não se isso e racial ou social, isso eu não consigo
(Professora A do Setor das Ciências da Saúde).
O curso A do Setor de Ciências da Saúde é uns dos que recebe mais alunos
cotistas raciais, ainda com scores muito elevados. A baixa do rendimento pode ser
devido a esse processo de inclusão, que poderia precisar de um acompanhamento.
Sua invisibilidade, o silenciamento, obstrui a possibilidade de construir canais de
fortalecimento que impliquem na inclusão acadêmica, cultural, cognitiva e histórica do
aluno cotista racial.
Pergunto para o professor do curso B do Setor das Ciências Agronómicas:
“Com efetivação da cota você percebeu alguma mudança do perfil do curso?”
120
...a gente vê que com o tempo tem diminuído um pouco o nível dos alunos, a
gente fala no geral. A gente não sabe se isso é uma coisa geral ou se a cota
também ajudou para que isso acontecesse (Professor B do Setor de Ciências
Agrárias).
Não. Não temos medidas individualizadas, não temos. Todos são tratados
iguais, o que reprova, repete vai e faz a disciplina, não é chamado. Alguns
professores, sim, têm atitudes isoladas que chamam os alunos, fazem
revisões e repetem algum conteúdo. Outros alunos até se antecipam, vêm e
declaram que tiveram dificuldade com determinado conteúdo na escola de
origem (Professor A do Setor das Ciências Agrárias).
.
121
Não. Não mudou. Os alunos estão tendo rendimento menor de maneira geral.
Os alunos hoje não querem estudar mais (acha graça). É muito difícil. Tudo
é eletrônico, tudo é internet, eles não querem saber mais de estudar. Então,
eu não diria que os cotistas rendem menos ou o curso rende menos porque
os cotistas baixaram a média, não, Não (Professor A do Setor das Ciências
Agrárias).
Existe uma cobrança geral em relação ao rendimento dos alunos, que não é
atribuída diretamente ao ingresso de alunos cotistas raciais, mas que aparece
concomitantemente às ações afirmativas na universidade.
A maioria dos professores aduz que em seus cursos não aconteceram
episódios que pudessem ser definidos como racistas. No entanto, alguns processos
pouco mobilizaram a universidade, como o caso seguinte que relata o professor do
Setor de Ciências Humanas.
E isso ficou mais visível de um tempo para cá, especificamente esse ano...
[...] Nós tivemos um caso levantado esse ano, de um professor, inicialmente
foi feito como uma acusação, um pouco mais assim direta, depois talvez por
receio de judicialização do caso foi relativizada a acusação, aí a gente ficou
naquela coisa, de que primeiro se acusou, depois recuaram um pouco, ou,
não é bem assim, a gente não tá acusando, mas enfim, isso acabou se
tornando público, por meio de uma carta de repúdio, que o centro acadêmico
publicou em relação às atitudes de um professor, em específico, em sala de
aula, atitudes essas que foram consideradas como sendo de preconceito
racial, assim de preconceito racial, isso disparou uma discussão, uma
reflexão e uma discussão generalizada entre professores e alunos (Professor
do Setor de Ciências Humanas).
Esse caso, retratado pelo professor, parece ter detonado um tema latente que
não aparecia, mas que existia, gerando debates e discussões que são relatadas pelo
professor:
Inicialmente criou-se até um mal estar aí, nas relações, porque daí começou
éééé, o questionamento da relação professor-aluno, como sendo uma
relação de poder, uma relação de opressão, e isso num primeiro momento
assumiu assim, um tom meio generalizador, do tipo olha, você é professor,
você está numa relação de poder, logo você oprime, e os professores né?
Não, pera aí né? Como assim? E daí daquele caso individual, parece que a
coisa começou a querer se generalizar, e aí começaram essas situações
pontuais e do cotidiano acadêmico, começaram a aparecer, como exemplos
de situações de preconceito, exemplos de situações de opressão, etc.
(Professor do Setor de Ciências Humanas).
Outros casos similares, sim, isso, isso, aí por conta disso eeee, disparou-se
aí, uma série de... como se fosse constituído, espaços para discutir o
problema, então a coordenação começou a encaminhar reuniões com centro
acadêmico, para entender o que estava acontecendo, o centro acadêmico
disparou uma série de reuniões de assembleias para estudar. Eu, como chefe
de departamento, chamei uma plenária departamental, para a gente discutir
o problema, por que daí o professor pediu o direito de resposta à carta de
repúdio, e quis apresentar a sua defesa, e ele pediu espaço na reunião do
colegiado, enfim esse caso em específico, né? Desses alunos, né? Que
procuraram o centro acadêmico para se queixar da atitude do professor e que
culminou com essa carta de repúdio, acabou disparando esse processo, que
agora eu diria assim, ele ficou mais tenso, ficou tensa a coisa aqui [...], tanto
na parte dos alunos, e eu avalio como professor, a partir do contato que eu
tenho com alunos de diferentes segmentos do curso né? Que o clima ficou
tenso, entre os alunos com grupos... (Professor do Setor de Ciências
Humanas).
Entrevistadora: E agora essa polêmica que foi gerando quase um debate, ela
levou a que argumentações? Você ouve assim informações do que são as cotas?
Como elas surgiram?
Em relação às cotas? Não, tudo isso que eu estou falando, desse clima tenso,
desse acontecimento, dessa discussão sobre relações de opressão,
relações de poder de racismo de preconceito, discriminação, em nenhum
momento, posso estar enganado, em nenhum momento houve qualquer
referência ou associação ou ligação disso com a questão das cotas, a
questão ficou centralizada mesmo na discussão teórica, ética e acadêmica
do que é o preconceito, se aquilo aqui se caracterizava realmente como uma
questão de preconceito, quando vocês estão falando de relação de poder e
opressão, na relação professor-aluno, vocês estão falando de quê? E os
professores também se perguntando isso, mas em nenhum momento, eu pelo
menos (Professor do Setor de Ciências Humanas).
Beatriz conta que existia por parte de algumas das pessoas da equipe certa
reticência em reconhecer a necessidade de um acompanhamento diferenciado. No
entanto, nos diz, isso foi superado. Seguindo com minhas indagações, pergunto para
Júlia, outra profissional, colega da Beatriz, se alunos negros procuram o serviço, e ela
me diz:
Pouco, viu? Aparecem bastante pardos, negros, assim mesmo eu lembro de
poucos (Júlia).
Eu acho que não, acho que a universidade pelo menos em termos de bolsas
aqui da PRAE, está fazendo um papel dessas pessoas ficarem invisíveis, não
chegarem aqui se identificandocomo cotistas raciais, acho que o trabalho que
está sendo feito aqui na PRAE em termos de bolsas é de tornar essas
pessoas o mais invisíveis possível, mesmo. Acho que esse é o caminho
(Júlia).
Não temos, não temos. Essa é a grande questão que eu coloquei, porque a
gente não tem nem para onde encaminhar, “tipo assim”, o geral, é ouvidoria,
para encaminhar uma queixa do aluno. Mas, como isso vai tramitar, como vai
ser a resposta para esse aluno... não mais. O que a gente faz é “tipo”, se a
gente vê que aquilo afetou de uma forma demasiada o aluno, talvez,
encaminhar para um atendimento psicológico. Então, são esses os caminhos
que a gente tem. Talvez faltasse algo... (Beatriz).
eu acho que não, porque nossa questão aqui é de renda, não é de raça,
não é de cor, de cota. Por exemplo, a gente não trata diferente também os
cotistas de escola pública. Aqui a gente divulga que tem inscrição aberta para
bolsistas e coloca os critérios que é a renda. Nos procura quem dela
necessitar (Júlia).
...eu acho que cotista racial, ele traz mais sofrimento na sua fala, ele é mais
preconceituado do que o social. Porque o cotista social por vezes tenta
esconder, ele tenta ocupar um outro lugar, não que ele tenha que fazer isso,
que eu não acho que ele tenha que fazer isso... [...] E aí, o cotista racial não,
ele tem que enfrentar e é duro, às vezes no curso... dependendo do curso
que ele está é muito difícil, é muito difícil, muitas vezes ele é preconceituado
pelo professor e a gente tem... bom, enfim, às vezes ele não foi
preconceituado, mas ele passa a ler todas as relações como relações de
preconceito, então tem todo... tem os dois lados, também (Sofia).
atrelada à cor de pele. Ou seja, estudantes negros obtêm piores resultados, não
apenas por serem pobres, mas também e independentemente por serem negros.
Essa perspectiva foi destacada inicialmente por Valle Silva e Haselbalg (1990) e
significou um novo patamar nas pesquisas sobre relações raciais no Brasil. Os autores
mostraram em análise de dados que pretos e pardos apresentam desvantagens em
relação aos brancos, nos resultados escolares. Pergunto para Felipe se ele conseguiu
perceber alguma distinção entre os alunos cotistas raciais e os outros alunos?
Pergunto para a Júlia: “E voces tiveram como resolver isso, dar algum
subsídio? O sistema dá a vocês alguma facilidade pra isso?”
Um respaldo, assim, alguma coisa? Não. O que eu vejo assim que ocorre é
de querer abafar o caso, sabe. De não querer passar pra frente, de vamos
resolver aqui no diálogo né, não vai ficar bom pra imagem da universidade.
Isso que eu vejo, eles não procuram resolver o problema e até punir os
responsáveis né, por esse crime né, que é um crime hoje. Eu vejo no âmbito
aqui da instituição querendo colocar panos quentes mesmo na situação
(Júlia).
Outras universidades têm espaços que oferecem suporte para essas situações,
previsíveis diante a implementação das Ações Afirmativas. Considerar como política
da universidade que “todos os alunos são iguais” fragiliza fundamentos para políticas
complementares de acompanhamento e legitima a exclusão, que aparece como
desinteresse político com o sofrimento do aluno negro.
Pergunto para Júlia: “Como você vê os procedimentos, as políticas que são
colocadas pelas autoridades, qual é o desenvolvimento que você vê nisso? De mais
abertura, de menos abertura...?” As palavras de Júlia confirmam nossas reflexões:
Eu acho que não tem uma política própria aqui da universidade. Eu acho que
eles acompanham a política nacional mesmo. Não vejo muito empenho em
desenvolver uma campanha ou uma política que atenda essa clientela,
digamos. Não vejo um empenho por parte da reitoria, por exemplo. Eu acho
que eles, se sai alguma coisa deles, é por pressão dos movimentos sociais
aqui internos da universidade, depois de muita pressão, mas iniciativa
própria, acho difícil (Júlia).
Fiquei surpresa, mas que nada, porque se tratava de dois cursos muito
diferentes, que podia justificar uma decisão tão radical? Sem dúvida estava frente a
um caso extremo de decisão necessária e muito importante para a sua permanência
na universidade. Pedi para ele falar mais disso, então prosseguiu dizendo:
bolsa era praticamente pra pagar a Casa. E aí, enfim, não... não supria
os gastos naquela altura (Adriano).
Como nos fala Adriano, a bolsa é valiosa, mas é necessário ressaltar que
lamentavelmente, não é suficiente, o que faz com que estes alunos tenham que
procurar outros subsídios complementares. Prosseguindo com a entrevista, pergunto:
“Como que você se achou com essa mudança, porque os conteúdos são totalmente
diferentes. Você conseguiu assumir bem? Como foi isso?”
Você abre mão de uma dose de emoção ali mais por racionalidade.
Eu preciso fazer determinada coisa. Até porque não tinha opção né?
Se eu optasse pelo meu sonho, de fato, ah... meu sonho era fazer
Engenharia. Mas pra fazer isso você precisa de algumas ferramentas.
Não tem como fazer Engenharia e sei lá, e não comer, por exemplo...
(Adriano).
Eu consegui bolsa né? Eu fui fazer uma prova no cursinho Dom Bosco, era
muito caro, muito caro, muito caro mesmo, e aí surgiu uma prova, aí eu fui lá
fazer, consegui um desconto muito bom de setenta por cento (70%) da bolsa,
135
só que também não tinha dinheiro para pagar mesmo com a bolsa, aí a gente
teve que fazer um empréstimo, um empréstimo para conseguir fazer o
cursinho, porque mesmo vindo de um colégio muito bom que era o CEFET
tudo, eu não senti ainda tanto pelo curso que eu queria né? Curso de direito
muito concorrido e difícil de entrar, eu não me sentia preparado ainda para
isso, então a gente fez lá uns esforços e empréstimos e pagamos o cursinho,
fiz o cursinho, no cursinho daí a disparidade de situação econômica, isso é
muito daí é muito maior, especialmente em cursinhos grandes, lá agente
via um disparidade muito grande de situação econômica (Francisco).
Não, eu... é... quando... depois de ter vindo pro Direito, aí sim, mas eu
já tinha... já conhecia o caminho. Mas durante a engenharia, eu... esse
foi um processo... eu era... quase que impossível ter uma bolsa...
(Adriano).
Entrevistadora: Dependendo do curso é mais fácil ter bolsa ou foi você que foi
se apropriando de... do jeito de conseguir as bolsas?
É... a forma... o mecanismo que leva pra ganhar uma bolsa, pra
conhecer esse trajeto, é muito mais importante do que propriamente
os requisitos ou o curso... Você acaba conhecendo o caminho que leva
à ganhar a bolsa... (Adriano).
E aí, como é que eu ia ficar o dia todo lá e.. sabe? Então foram muitas
dificuldades. E daí comecei a pensar que eu também não gostava, não
estava gostando daquilo. E a convivência com as pessoas estava me
deixando assim, sabe? Então eu estava tendo dificuldade de
convivência. Boa parte dos alunos ali eram de classe média (Betânia).
que a fez assumir a séria decisão de mudar de curso. De igual forma, decisões
contundentes, para sobreviver na universidade, abandonar. Deu forças o Afroatitude,
onde encontra-se com os iguais, encontra um “nós”, e isso tornava-se acolhedor e
motivante para a permanência e o empoderamento.
Isso, isso. Eu senti bastante diferença, mas eh... da Química para cá.
Ali eu sabia que ninguém ia olhar para a roupa que eu estava vestindo,
para o jeito que estava o meu cabelo, se eu era preta ou se eu era
branca. Sabe? [...] e isso me deixava mais à vontade para... para
continuar (Betânia).
Ah, com certeza, senti muito mais facilidade ali do que antes lá na
Química (Betânia).
Betânia deve prosseguir na luta por um espaço na sociedade e para isso deve
trabalhar...
Surge aqui o sujeito ativo, que consegue dar uma reviravolta em sua vida, num
processo de apropriação de um lugar, a universidade, marcado pelo sofrimento ético-
político, que faz adoecer, corrói a resistência, age rompendo o nexo entre o agir, o
pensar e o sentir. O sofrimento ou mal-estar psicossocial na mediação das conjunturas
estruturais, históricas e subjetivas (SAWAIA, 1995).
... posso dizer que o meu processo foi traumático. Eu, assim, eu rezo
para acabar, eu tenho assim, eu tenho esse sentimento de que... sabe,
professora? Por mais que (suspiro) eu deveria seguir no mestrado e
tudo, eu tenho esse sentimento de nunca mais querer voltar aqui,
sabe? Eu tenho esse sentimento (Betânia).
140
O sentimento que ressalta é aquele que estava mais presente no percurso pela
universidade, aquele que torna-se mediação de todo o processo de permanência e
que evidencia o quanto foi difícil. A universidade concedeu a vaga, mas não é
suficiente, são necessários mecanismos de acompanhamento mais próximos que
tornem esse processo mais fácil.
Entrevistando um aluno da engenharia, pergunto para ele: “É difícil o curso de
Engenharia Mecânica?”
Então é, o curso é bem puxado [...] faço menos matérias, eu... já não estou
com a minha turma, mas... mas como eu falei, é uma coisa que eu gosto de
fazer, então, a gente vai e consegue ir levando dessa forma. [...] E daí
também principalmente o começo também, essa... essa defasagem do
ensino, então muita coisa que você teria que ter de pré-requisto, você não
tem. Então você tem que correr e tem que estudar mais para conseguir
vencer. Então tem tudo isso também, né? (Pedro).
Pergunto para Pedro: “E o que tem sido importante para a sua permanência...
o que tem ajudado na sua permanência?”
...eu vejo que os professores são muito frios, muito frios.[...], a classe
de professores, eles são muito frios [...]. Estude, estude, quer dizer, o
capítulo do livro é tal, estude, não me interessa a sua vida fora daqui,
você está aqui, você cumpra o que eu estou dizendo, estude, o seu
papel é estudar (Caio).
Pergunto para ele: “Você tem algum conhecimento ou informação, sobre alguns
apoios que a Universidade dá, como por exemplo, psicólogos, apoio psicológico? “
Entrevistadora: Não? Nunca pediu, não tem? Ao que ele responde: “Não”.
Entrevistadora: Ah, então funciona desse jeito? Todos os dias tem apenas uma
disciplina?
Isso, eu acho isso muito, muito, muito desgastante, para o aluno e para
o professor, porque um professor mantendo um ritmo de quatro horas,
não dá quatro horas de aula, ele dá três horas de aula, mas três horas
dando aula? O cara dá uma hora e meia de aula, faz um intervalo,
pega lá um papel que ele estuda em casa e diz, olha galera estuda,
se vira, estuda aí e me entrega no final da aula, esse é sistema dos
professores, poucos professores ficam lá no horário das sete às dez
da noite, poucos ficam até as dez horas da noite lá, poucos
pouquíssimos ficam até às dez horas da noite, não aguenta, professor
também não aguenta, professor é gente também, cansa né? (Caio).
... eles fazem muitos seminários lá no meu curso, tem muita apresentação,
tem que ir muito lá na frente dos colegas apresentar as lâminas de
Powerpoint, tem que ir muito, quase que em todas as matérias tem que fazer
isso, eu sinto uma dificuldade muito grande de falar em público, porque eu
sentia, e sempre me senti muito envergonhado, acho que por ser o único
diferente dentro da turma, né? Eu acho que isso aí eu trouxe pra frente agora
(Caio).
Trata-se de um aluno que tenta, que luta por uma vida melhor, mas que
provavelmente não consiga se formar, não consegue se articular aos benefícios que
a universidade aporta, falta para ele o encontro com um “nós”, com os iguais, com a
solidariedade e o acolhimento da universidade e de seus iguais, do grupo, o que vai
se evidenciando como uns dos eixos mais importantes para a permanência.
O caso de Maria é bem diferente, o que pode ser atribuído ao fato de que a
dinâmica dos cursos é diferenciada, nem todos têm a mesma cultura de interações e
as formas de se relacionar é decorrente de outros fatores, como tradição,
especificidades de cada curso em seus objetivos, campo de atuação, etc. Também
Maria tem um fenótipo mais próximo do “tipo branca”, ela tem pai negro e mãe italiana,
os cabelos bem cacheados denotam sua ancestralidade, mas o tom de sua pele e os
traços de seu rosto são mais europeus, o que atenua o inter-relacionamento racial.
Pergunto para ela se o processo de concorrer pelas cotas significou algo para ela,
como, por exemplo, o fato de ter que se identificar como negra, ela responde....
Percebe-se que não há uma identificação como negra. Embora tenha um pai
negro, seu próprio fenótipo lhe possibilita se situar a partir de um outro lugar. A ação
afirmativa é vista mais que um direito, uma forma de oportunizar seu ingresso na
universidade. Para saber mais a respeito, pergunto: ”Você sentiu em algum momento
que o fato de você ter passado por cotas comprometia a sua identidade, ter que se
assumir como negra?
Foi, foi melhorando. Eu fiz o 1° ano, fui mal, aí, no 2° eu melhorei bastante,
as notas melhoraram, consegui fazer mais matérias, e no 3° caiu de novo por
conta das matérias serem mais [...] mais pesadas (Manuel).
Este aluno batalha e vai conseguindo, na falta de apoio pedagógico vai fazendo
as matérias duas vezes, mas sem problemas para ele, muito seguro de si mesmo, fala
do futuro com muito otimismo, de fazer especialidade e trabalhar. Este aluno mora no
CELU, onde consegue bom suporte de informações e suporte afetivo/emocional.
Na sequência falamos com Paola. Perguntei a ela: “Quais foram as maiores
dificuldades em relação ao seu ingresso na Universidade?”
146
Eu não fui informada de nada, eu descobri depois que tinham bolsas. Mas
assim, eu fui atrás. Esse ano que eu consegui uma bolsa, mas ela é do CNPq,
não é da... da faculdade, de pesquisador. Eu, particularmente, acho a
permanência estudantil da Federal... ridícula, absurda, uma política que não
ajuda ninguém a permanecer aqui. Daí dentro da medicina assim, a gente
tem que comprar materiais supercaros para o nosso curso e não tem, tipo,
você não tem dinheiro, você não compra. Você não tem uma biblioteca que
você possa emprestar materiais, por exemplo, que já foi uma proposta dos
alunos, a universidade comprar material, ser da universidade o material e a
gente poder emprestar o material para a gente, durante as aulas. Não tem
(Daniella).
...eu sinto sempre me reconheci como negra, sempre acreditei, assim ((acha
graça)) sem falar antes da universidade. Mas, como os meus pais sempre
foram bem politizados, assim, em casa também conversavam sobre política,
tudo, então, eu reconhecia as cotas raciais como uma vitória do movimento e
147
olhar, uma forma de posicionar-se diante das cotas raciais, o que define sua situação
a partir de suas significações e das significações que os outros constroem em relação
a eles, e das representações simbólicas que configura sobre si mesmo e sobre os
outros no contexto do mundo vivenciado.
Após a exibição do vídeo, e considerando as argumentações ali colocadas, a
pergunta que foi postulada para promover as falas foi: Existe racismo na
universidade?
Prontamente, Manuel, um aluno da história, manifestou-se, respondendo:
... existe, assim como qualquer, qualquer, é... qualquer parte da sociedade.
A universidade faz parte da sociedade, o racismo tá na sociedade e ele entra
na universidade também. Só a necessidade da existência do sistema de
cotas já demonstra a existência do racismo (Manuel).
É, então, pelas cotas em si não vejo nenhum problema, dentro do curso. É...
nunca vi ninguém, nenhum aluno, nenhum professor fazer qualquer
comentário negativo sobre o sistema de cotas (Manuel).
que existe uma luta racial na universidade, que é mediação das atividades
curriculares.
Outro episódio que surge neste grupo é contado por Jéssica, aluna do curso de
Psicologia, que ingressou em 2008. Ela conta:
em 2005 ainda não, mas em 2008 já tinha, por exemplo, muita pesquisa
sendo divulgada, comprovando que tanto os cotistas raciais quanto os de
escola pública, já tinham plenas condições de ficar no curso, se manter no
curso e às vezes até de superar os outros alunos, concorrência geral que a
gente chama aqui (Luiz).
155
tanto quanto ou mais no Movimento Social, que foi através [...] do Movimento
Negro, é... e que me levou pra conhecer o Movimento Negro de Curitiba, né?
Pra ver a atuação dessas pessoas, me engajei na Rede de Mulheres Negras
e esse... e o Movimento Social me trouxe essa linguagem dessa... de ser
aguerrido, de... dessa argumentação que o movimento Negro tá fazendo há
mais de vinte anos, que foi essa pressão toda que conseguiu, ... consolidar
as ações afirmativas, ao mesmo tempo que a universidade me propiciou um
conhecimento que a própria academia define como legítimo e científico e
isento e imparcial sobre as relações raciais. Só que a, a grande questão foi
que a partir do momento que eu bebi na fonte do Movimento Social eu nunca
mais consegui fazer uma, uma... ter uma visão isenta como talvez a academia
nos termos me pediria, das relações raciais, tanto na própria academia,
quanto nas minhas relações com os professores, quanto nos meus
posicionamentos em sala de aula (Adelia).
6. REFERÊNCIAS
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