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Trump e o cheiro de nazismo no ar - 21/06/2018 - Clóvis Rossi - Folha https://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2018/06/trump-e-o-ch...

clóvis rossi (/colunas/clovisrossi/)

Trump e o cheiro de nazismo no ar


Criminalizar até crianças é uma política aberrante

Manifestante carrega cartaz associando o presidente dos EUA, Donald Trump, à Ku Klux Klan
em protesto contra a separação de crianças filhas de imigrantes ilegais em Nova York - Drew
Angerer/Getty Images/AFP

21.jun.2018 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2018/06/21/)

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A última coisa que poderia imaginar na vida é que, algum dia, um dirigente
americano pudesse ser associado ao nazismo. Afinal, os Estados Unidos foram
essenciais para a derrota do nazismo no século passado e gozavam de um
certo status de campeões da liberdade.

É verdade que esse rótulo já foi arranhado um punhado de vezes, por terem
apoiado ou até financiado a instalação de ditaduras (https://www1.folha.uol.com.br/poder
/2018/05/brasil-resistiu-a-diminuir-repressao-apontam-documentos.shtml) nefandas, em especial na

América Latina.

Mas, agora, Donald Trump atropelou todos os limites com a sua insistência em
deportar imigrantes (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/05/governo-trump-separa-maes-imigrantes-
ilegais-de-seus-filhos-na-fronteira.shtml) e, ainda por cima, separar crianças de seus pais

(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/06/eua-nao-vao-virar-campo-de-refugiados-afirma-donald-trump.shtml).

Voltar atrás agora, como anuncia, não apaga o já ocorrido.

Basta citar a avaliação de David Leonhardt, editor da "newsletter" de Opinião


de The New York Times: ele menciona o fato de que Trump usou a palavra
"infestação" (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/04/trump-diz-que-nao-fara-acordo-para-regularizar-
imigrantes-ilegais.shtml) para se referir à chegada em massa de imigrantes aos Estados

Unidos.

E emenda que infestação "é uma palavra particularmente dura porque sugere
que imigrantes são equivalentes a insetos ou ratos —uma analogia que os
nazistas frequentemente usavam para descrever os judeus, como nota [a
colunista] Aviya Kushner em The Forward [centenária publicação judaica]".

É bom esclarecer que Leonhardt não acha que Trump seja nazista, ainda que o
ache bastante confortável com "muitas ideias de supremacia branca". Uma
maneira sutil de dizer que o presidente é racista.

Aviya Kushner não é a única a pôr o nazismo na avaliação dos episódios que
estão chocando o planeta.

Hadley Freeman, colunista de The Guardian, escreveu nesta quarta-feira (20):

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"Analogias com o nazismo podem não ajudar, mas é impossível para aqueles
de nós que somos descendentes de sobreviventes do Holocausto ouvir as
gravações de crianças chorando por seus pais e não pensarmos nas crianças
judias de nossa família que foram forçadas a se separar de seus pais".

Sempre haverá quem diga que todo país tem o direito de impedir a entrada de
imigrantes ilegais. É verdade, mas adotar uma política aberrante como a que
está em curso nos Estados Unidos contraria até mesmo a pregação de Mike
Pompeo, o secretário de Estado de Trump.

Em pronunciamento sobre o Dia Mundial do Refugiado, Pompeo escreveu:

"Quando deslocamentos globais alcançam níveis recordes, torna-se vital que


novos atores —incluindo aí governos, instituições financeiras internacionais e
o setor privado— venham à mesa a fim de colaborar na resposta global para
enfrentá-los".

E acrescenta com uma frase que só pode ser tomada como cínica: "Os Estados
Unidos continuarão a ser um líder mundial na provisão de assistência
humanitária e no trabalho para forjar soluções políticas para os conflitos
subjacentes que levam aos deslocamentos".

Se ser líder em assistência humanitária é separar crianças dos pais e prendê-


las em jaulas, o conceito de humanidade está em seu nível mais baixo desde a
Idade da Pedra.

Recordo o escritor argentino Ernesto Sábato (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad


/fq0105201130.htm)(1911-2011), que disse no ato de lançamento das Avós da Praça de

Maio, as que buscavam seus netos desaparecidos: "Nós, adultos, de algo


sempre somos culpados. Mas as crianças, de que podem ser culpadas as
crianças?".

Sorte sua, Sábato, que morreu antes de ver um presidente americano


criminalizar também as crianças. Arrepender-se agora é confissão de culpa.

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Clóvis Rossi
É repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha. É vencedor do prêmio Maria
Moors Cabot.

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