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Mariana Botelho - O Silêncio Tange o Sino PDF
Mariana Botelho - O Silêncio Tange o Sino PDF
que demora
para a hora
do silêncio
ficamos imóveis
diante do imenso
pássaro de pedra:
silêncio
falamos
e ele assume-se leve
ave emplumada
n’outras arde
em mim
III
no fundo da noite
o silêncio
canta
tarde
o escuro morre
ele agita a carne
morna e
voa –
essa ave
nua
afinação
sentir-se pleno de
chuva nos
olhos
matinal
mapear os trigais da
pele
saber o cheiro de
terra o intenso
sabor de
chuva
alma de hortelã
e névoa
o silêncio perdoa
meu corpo
magro
perdoa
o homem
que se foi
é setembro
a voz continua
reboando
num verso que não cala
passos idos
ecoam
e um grilo
há um arroio onde as
palavras
abriram os
túneis
no peito o
impuro silêncio da
voz
sangra
lavoura
maduro
fonte
foz de um rio
vozes
náufragos
nossas bocas
nossas mãos
pequenos afluentes de silêncio
submersos
lembrar apenas
a invisível
arquitetura
da mudez
o silêncio
tange o sino
de tão leve
ninguém escuta
para pertencer à paisagem
às vezes prefiro
a solidão
das janelas
de onde esses
morros
se reproduzem feito
ecos
de onde
minha magreza ávida
pende
e se insinua
estação
I
aqui temos todas
as horas do
dia
lágrimas engrossam
o canto dos pássaros
o uivo dos
cães
estar só é
dádiva
II
temos o mesmo
relógio
dos pássaros
chuva sangra
os barrancos
nossa dor
estanca
1.
chove
na pele da pedra
a lágrima
prata do dia
2.
chove
para esconder
os pássaros
e recolher
as crianças
nascente
córrego
cachoeira
ribeirão
eu choro
pra pertencer à paisagem
tudo o que me resta é dizer de um corpo que chora à margem de um rio
esperando a sede
pra mim o
tempo
voa
de coração presente
regresso
em vão
nada digo
que seja digno de claridade
para Claudio Bento
querido amigo
cachorros magros
e carros de boi
não nos abandonarão
como o medo
a solidão resiste ainda
ao primeiro sopro
daquela velha quimera
para Preta
amor
manchando a nossa tristeza
nunca secou
a poesia esqueceu-se numa casa de Minas
no quintal o fantasma da
mangueira
apenas com
os olhos violentar
o horizonte
aprender
diariamente a dor da
paciência
a casa nunca esteve em
ordem
eu abro
a janela
deixo entrar
o pó
e agarro-me à
culpa de manter todas
as torneiras
abertas
sem pressa alguma
janeiro me esperava
mudar a voz
de um verso
o sapato
pra sempre
morrer lentamente
no olho claro
da memória
toma
esgota tua menina
bebe
resistência
um pote cheio
do furor que escorria dos teus olhos
guardei
e restou inteiro
esse sentimento
enrugado
que não
passa
vão
eu queria guardar
teu sorriso
o som de tua voz
teu cheiro
me segue
identidade
para líria porto
para Pedro
tento não me
perder
na sucessão
de batalhas
se escrevo
é por medo
de compreender
cada dor
que passa
arranca lascas
desses ombros frágeis
fico cada
vez
menor
quando essa dor
me escreve
ela repete o hortelã na boca
tudo o mais
entrega
eu te quis em meio a essas violentas
portas enquanto
o amor se confundia em
minhas pernas se perdia
entre as frestas
inundava meus vãos
abstrato
deitou a noite
camada após
camada
sobre mim
adoção
ele dorme
sereno
no meu alaúde
o poema
essa estranha máscara
mais verdadeira do que a própria face
(Mario Quintana)
e continuemos despidos
espelho
e eu dou-lhe a beber
de minhas ardências
nas taças de meus
desolados vãos
na profundidade dos
meus vazios
ardo
tremo
: faço
parte dessas coisas
coisas que me queimam
meu corpo ancorou
na ausência
adeus