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Nos últimos vinte anos, o estudo dos da religião era a teoria das relações entre
novos movimentos religiosos esteve no auge, igrejas e seitas. A bibliografia revela, no en
na América. Tanto nas investigações empíri tanto, que a utilização desses conceitos pelos
cas como na discussão teórica destacaram-se sociólogos resultou apenas num conjunto de
quatro orientações temáticas, em torno das tipologias idiossincrásicas que não contribuí
quais organizamos este trabalho: a redefini ram significativamente para a explicação dos
ção dos conceitos de igreja e seita; a análise fenômenos religiosos (Stark, 1985).
do processo de conversão aos novos movi Nas últimas décadas, a maior parte dos
mentos religiosos; o estabelecimento de rela pesquisadores preferiu abandonar completa
ções entre as mudanças produzidas na socie mente esses conceitos, adotando a expressão
dade e o surgimento e desenvolvimento des “novos movimentos religiosos”, mais genéri
ses movimentos; a determinação de relações ca e menos carregada valorativamente. A pe
entre os novos movimentos religiosos e as si sar disso, muitos autores se dedicaram à re
tuações de pobreza, particularm ente na definição dos termos “igreja” e “seita”, bem
América Latina. como à exploração de suas possibilidades
Realizaremos prim eiram ente uma revi teóricas.
são sintética dos achados teóricos e m etodo Por volta de 1930, foi proposta a teoria
lógicos efetuados segundo cada uma dessas de um processo invariável, de acordo com o
orientações temáticas, para depois discutir qual as seitas separavam-se das igrejas para
mos suas conseqüências para o avanço da posteriormente se transformarem em novas
compreensão dos novos movimentos religio igrejas. O proponente dessa teoria (Niebuhr,
sos, seu surgimento e expansão. 1929) tratou de explicar a grande diversi
dade de grupos cristãos nas sociedades
Redefinição dos contem porâneas, postulando um processo
Conceitos de Igreja e Seita no qual as organizações religiosas seriam
sucessivamente capturadas pelas classes m é
Por mais de cinqüenta anos imaginou- dias e altas e acomodadas ao mundo, per
se que um dos maiores triunfos da sociologia dendo, desse modo, sua capacidade “do ou-
* A primeira parte deste trabalho foi realizada graças a uma bolsa do CONICET. A última parte rece
beu subsídio da Fundación Antorchas. Devo agradecer especialmente o assessoramento bibliográfico
do Dr. Alejandro Frigerio, generosam ente prestado durante os cinco anos que dediquei à investiga
ção desses temas. A tradução do original espanhol, “Tendencias en el Estúdio de los Nuevos Movi-
mientos Religiosos en America: Los Últim os 20 A nos”, é de Júlio Assis Simões.
BIB, Rio de Janeiro, n. 37, 1.° sem estre 1994, pp. 61-78 61
tro m undo” de satisfazer os sonhos e desejos também trouxe à luz fenômenos até então
das populações carentes. Seu modelo postu não considerados, como o fato de que assim
lava um ciclo contínuo de nascimento, trans como se produziam cismas em grupos sectá
formação e renascim ento dos grupos sectá rios que se encaminhavam para um grau
rios. Essa idéia, porém, não foi investigada maior de tensão com o meio, às vezes tam
em profundidade pelos sociólogos que o su bém ocorria o contrário, isto é, grupos que
cederam, os quais optaram por prosseguir a se cindiam para se encaminhar a um estado
tarefa de classificação dos agrupam entos re de tensão menor com o meio (Stark, 1985).
ligiosos. A definição dos conceitos freqüente A partir da reformulação dos conceitos de
mente incluía conjuntos de características igreja e seita, operacionalizou-se também o
que estavam associadas som ente em alguns conceito de “tensão com o meio” para sub
movimentos. O s sociólogos afirmavam, por metê-lo à indagação empírica. Alguns auto
exemplo, que as seitas tendiam a ser grupos res definiram a tensão como um “desvio sub
menores de m embros convertidos, caracteri cultural” medido pelo grau de diferença, an
zados pela austeridade e pelo desenvolvi tagonismo e separação entre um grupo reli
mento de estilos de culto muito emocionais gioso e seu ambiente sócio-cultural (Stark e
(Dynes, 1957; 0 ’Dea, 1966). Porém, muitos Bainbridge, 1980).
grupos eram tratados como seitas embora Outro subproduto da reformulação dos
apresentassem apenas algumas dessas carac conceitos de igreja e seita foi a diferenciação
terísticas. O resultado inevitável foi um acú entre classes de grupos de alta tensão, com
mulo de tipos mistos. base em suas origens. De acordo com os t u
Somente na década de 60 seria reaviva tores, nem todos os grupos que apresentam
do o interesse teórico pelo tema. Em primei graus elevados de tensão com seu meio am
biente sócio-cultural provêm da cisão de
ro lugar, tentou-se definir os conceitos de
igrejas convencionais. U m a sociedade fre
igreja e seita de acordo com um único atri
qüentem ente importa novas religiões e às ve
buto. Assim, foi proposto que igrejas e seitas
zes alguém descobre ou inventa novas pers
seriam nomes aplicáveis a grupos religiosos
pectivas religiosas e estabelece um a nova
situados nas extremidades de um continuum
crença. Alguns autores propuseram aplicar o
definido exclusivamente pelo grau de tensão
termo “culto” às novas religiões e o termo
entre o grupo e o am biente sócio-cultural.
“seita” aos movimentos originados nas cisões
As igrejas seriam corpos religiosos em estado
de uma tradição religiosa convencional
de baixa tensão, ao passo que as seitas cons
(Stark, 1985).
tituiriam corpos religiosos com elevado grau
de tensão em relação ao seus respectivos
O Processo de Conversão
meios sociais (Johnson, 1963). A vantagem
de usar uma única característica para dife A questão de como os indivíduos en
renciar seitas e igrejas residia na pos tram em contato com novas religiões, acei
sibilidade de ordenar os grupos religiosos de tam sua cosmovisão e se mantêm dentro de
forma não ambígua e verificar se qualquer seu sistema de crenças revestiu-se de parti
grupo dado se encaminhava para um grau de cular importância para a sociologia da reli
tensão maior ou m enor com o ambiente. gião nos últimos vinte anos (Robbins e An
Essa reform ulação deu origem a algu thony, 1979; Beckford, 1985; Robbins, 1988;
mas proposições de caráter teórico; afirmou- Snow e Machalek, 1984). Robbins (1991)
se, por exemplo, que, quando num movi afirmou que esse florescimento dos estudos
mento religioso a quantidade de membros sobre conversão deve-se principalmente a
socializados dentro do próprio grupo passa a dois fatores. Em primeiro lugar, a preocupa
ser maior do que a de membros convertidos, ção dos meios de comunicação de massa e
é provável que diminua sua tensão com o da imprensa não científica com a suposta uti
meio ambiente sócio-cultural. A formulação lização de métodos de “lavagem cerebral”
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pelos novos movimentos religiosos, para for víduo e a transformação psicológica através
çar a conversão. E m segundo lugar, o fato de da qual os pressupostos básicos do converti
que numa sociedade secularizada, onde a re do são reconstruídos. De acordo com a auto
ligião passou a ser algo marginal ou rotineiro ra, a conversão inclui uma transformação
na vida dos indivíduos, costuma-se imaginar aceitável do eu e um a demonstração social
que as pessoas que efetivamente experimen mente reconhecida das mudanças. A conver
tam a religião como algo central em suas vi são é, portanto, de acordo com Jules-Roset-
das teriam sofrido “uma estranha m etam or te, uma transformação interior e subjetiva,
fose”, especialmente se não pertencem a tanto quanto exterior. Esse conceito é
grupos tradicionais. compartilhado por M eredith Mc Guire, que
em seu estudo sobre os católicos pentecos-
O Que Muda no tais (Mc Guire, 1982) define a conversão co
Processo de Conversão mo uma transformação do próprio eu conco
mitante a uma transformação do próprio sis
Não há unanimidade entre os estudio
tema principal de significados. Ambas as au
sos em relação ao “grau de transformação
toras (Jules-Rosette, 1975; Mc Guire, 1982)
suficiente para constituir uma verdadeira
afirmam que a natureza das teorias sobre a
conversão” (Snow e Machalek, 1984), nem
conversão expressadas em cada religião influí
ao que se transform a durante o processo.
nos relatos dos convertidos. As doutrinas re
Foi proposto que no processo de conversão
ligiosas influem na explicitação da conversão
podem mudar: as crenças, os valores, o com
como uma experiência livre ou forçada, dra
portamento, a identidade e as lealdades
mática ou parcial, repentina ou gradual. As
interpessoais. Em bora se costume explicar a
sim, as religiões que se propõem a reivindi
conversão em term os das mudanças de cren
car os “verdadeiros princípios” contidos em
ça e “visão de m undo”, parece lógico supor
alguma tradição anterior darão ênfase à con
que tais mudanças necessariamente impli
tinuidade em relação a essas tradições.
cam transformações no repertório de identi
R obert Balch (1980) observou que mui
dades sociais que o indivíduo atribui a si pró
tos autores incorrem no erro de supor que
prio e, conseqüentem ente, no seu com porta
mento, pelo menos em certos contextos de uma mudança nas crenças do indivíduo é o
interação. Por outra parte, dada a im portân passo inicial da conversão. O autor afirma
cia atribuída aos “outros significativos” (Ber- que as pessoas que se juntam a um culto re
ger e Luckmann, 1973: 175ss.) no processo ligioso mudam primeiro seu com portamen
de socialização, um a mudança na visão de to, adotando um novo papel. As mudanças
mundo implica tam bém mudanças nas leal podem ser dramáticas, mas não estão neces
dades interpessoais e no elenco de pessoas sariamente baseadas na convicção. D e acor
com as quais se dá a interação habitual. do com esse autor, a fé ilimitada do verda
G rande parte da discussão em torno do deiro crente em geral se desenvolve somente
que constitui uma “verdadeira conversão” depois de uma prolongada participação nas
provém de uma confusão entre conversão, atividades cotidianas do culto. Essa afirma
recrutam ento e com prom etim ento (Rob- ção, todavia, não parece ser aplicável univer
bins, 1991: 64). Nem toda pessoa recrutada salmente. As pessoas podem desenvolver
a um grupo religioso converte-se às crenças uma “fé ilimitada” em algumas crenças que
desse grupo, e nem todos os convertidos as supõem ser compartilhadas pelos demais
sumem o mesmo tipo de com prom etim ento membros do movimento religioso desde o
com o grupo que lhes ofereceu um a nova início de seu processo de conversão, antes de
cosmovisão e um a nova visão de si próprios. conhecerem amplamente as “verdadeiras
Jules-Rosette (1975), que passou por crenças” do grupo.1 Balch assinala — cor
uma experiência pessoal de conversão, enfa retamente, a nosso ver — que para a com
tizou a mudança da visão de m undo do indi preensão adequada do processo de conver-
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são é necessário observar as rotinas da vida ções que lhe são apresentadas como verda
cotidiana nos cultos; e, sob esse aspecto, po deiras. Tornar-se um praticante Z en é um
de ser vantajoso em pregar a distinção de Er- processo que implica o desenvolvimento de
vin Goffman entre o com portam ento “em estados fisiológico-mentais mediante uma
cena” (front-stage) e “fora de cena” (back- técnica determinada e requer a interação
stage). Os membros do culto estão em cena com outros praticantes, a fim de aprender o
quando se defrontam com as pessoas de fo significado das conseqüências de tais estados.
ra, e seu com portam ento nessas ocasiões
não deixa dúvidas a respeito de sua convic Interação e Identificação Afetiva
ção; quando estão sozinhos, porém, voltam a com a Comunidade Religiosa
agir como pessoas reais. O autor recomenda
a observação participante como instrumento Berger e Luckmann (1973) afirmaram
para descobrir o que fazem os membros do que a conversão religiosa constitui o protóti
culto quando estão entre seus pares, fora de po histórico dos processos de ressocializaçâo
cena. que, invariavelmente, supõem a transforma
Balch e Taylor (1977) e Lynch (1977) ção quase completa da realidade subjetiva de
criticaram a idéia de que os novos movimen um indivíduo. A conversão requer processos
de ressocializaçâo que se assemelham à so
tos religiosos necessariamente envolvem
cialização primária realizada no seio da famí
uma visão de m undo estranha às predom i
lia, pois implica voltar a atribuir tons de reali
nantes na sociedade e afirmaram a prece
dade a um novo mundo de conhecimento.
dência do meio social, onde os pressupostos
Em conseqüência, o grupo religioso deve re
do movimento adquirem sentido. Espera-se
produzir em grande parte a forte identifica
que o indivíduo, pelo menos nas primeiras
ção afetiva com os elencos socializadores, ca
etapas da conversão, possa interpretar o no
racterística da infância. Além disso, a conver
vo conhecimento a partir dos paradigmas
são deve enfrentar um problema de desman
preexistentes em seu universo cognoscitivo
telamento, ao desintegrar a estrutura prece
(Carozzi e Frigerio, 1992). Do contrário, seu
dente da realidade subjetiva.
próprio etnocentrismo o levaria a afastar-se De acordo com os autores, a condição
de imediata. É provável que quanto mais mais importante para a conversão é dispor
afastada a nova cosmovisâo estiver das visões de “uma base social que sirva de ‘laborató
de mundo preexistentes na sociedade, mais rio’ da transformação” (p. 208). Essa base
lenta e gradual será a conversão, pois a ap re social será constituída por outros indivíduos,
sentação dos fatos e interpretações mais ra com os quais o convertido potencial estabe
dicalmente diferentes dos conhecidos de iní lecerá uma relação afetiva forte. Sem essa
cio tende a ser postergada até que o indiví espécie de identificação, não é possível pro
duo esteja suficientemente integrado ao no duzir-se uma transformação radical da reali
vo grupo, de modo a assegurar sua perm a dade subjetiva. A identificação inevitavel
nência (Frigerio, 1989; Carozzi, 1992). m ente reproduz as experiências infantis de
David Preston (1981), em seu estudo dependência emocional com relação aos ou
sobre o aprendizado das práticas Zen, intro tros significativos, que mediatizam o novo
duz um conceito que passou despercebido mundo de conhecimento para o indivíduo. O
por outros estudiosos da conversão, mas que centro do mundo cognoscitivo e afetivo do
parece im portante no caso do pentecostalis- indivíduo passa a ser o novo grupo, o que su
mo, das religiões orientais e das religiões põe uma concentração de toda a interação
afro-americanas, que envolvem estados alte significativa dentro do grupo, particularmen
rados de consciência. Preston observa que te no subgrupo encarregado da tarefa de res-
tornar-se um praticante Zen parece ser um socialização. Os autores afirmam, portanto,
aprendizado gradual, onde o indivíduo expe que somente dentro da comunidade religiosa
rimenta e confirma a realidade de proposi a conversão pode ser mantida com eficácia.
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A conversão pode anteceder a filiação ao ria mais para resolver os problemas que se
grupo religioso; no entanto, para continuar lhe apresentam. O autor afirma que a hete
levando-a a sério e conservar o sentido de rogeneidade e as mudanças velozes do meio
sua possibilidade, é preciso participar da co social são condições que favorecem a con
munidade religiosa, que confere à nova reali versão religiosa. Além disso, Greil afirma
dade a indispensável estrutura de m anuten que a presença de certas características pes
ção (Frigerio, 1989). Para que a conversão soais predispõem alguns indivíduos à conver
se concretize, essa estrutura de manutenção são, especialmente a presença de um modo
deve se tornar “o m undo” do indivíduo. O peculiar — não especificado pelo autor — de
convertido desfilia-se, às vezes corporalm en aceitar e validar novas proposições.
te e às vezes mentalmente, de seu mundo ante
rior e da estrutura social que o mantinha. M udança da D efinição
A conversão, de acordo com os autores, da Realidade Subjetiva
comporta uma reorganização do aparelho
conversacional. M udam os interlocutores A diferença entre uma conversão (ou
que participam no diálogo significativo, o ressocializaçâo) e uma simples socialização
principal m antenedor da realidade subjetiva; secundária, como o aprendizado de uma
profissão, uma nova habilidade ou uma nova
e o diálogo com os novos outros significati
disciplina intelectual, é expressada por Ber-
vos instaura a nova realidade, que se m an
ger e Luckmann (1973: 215) da seguinte for
tém mediante o contínuo diálogo com eles
ma: “Na ressocializaçâo [uma de cujas for
ou na comunidade que representam . A alter
mas é a conversão religiosa] o passado é
nação e, portanto, a conversão religiosa su
reinterpretado para se harmonizar com a re
põem mecanismos que legitimam não so
alidade presente, havendo a tendência a re-
mente a nova realidade, mas também as eta
trojetar no passado vários elementos que
pas através das quais esta é assumida e m an
não eram acessíveis naquela época. Na socia
tida, bem como o abandono ou repúdio de
lização secundária o presente é interpretado
todas as realidades alternativas. A velha re
de modo a manter-se numa relação contínua
alidade deve ser reinterpretada nos termos com o passado, existindo a tendência a mini
da nova realidade. Essa reinterpretação pro mizar as transformações realmente ocor
voca uma ruptura na biografia subjetiva do ridas. Dito de outra maneira, a realidade bá
indivíduo, o que freqüentem ente implica sica para a ressocializaçâo é o presente, para
uma nova interpretação da biografia anterior a socialização secundária é o passado.”
à conversão, conforme os termos da nova re Em outras palavras, enquanto na socia
alidade subjetiva. As pessoas, os outros signi lização secundária o indivíduo fixa novas
ficativos, também são reinterpretadas de for identidades sociais ao mesmo fio condutor,
ma semelhante. sem modificar a definição de sua identidade
Arthur Greil (1977), seguindo as p re pessoal subjetiva, na conversão o indivíduo
missas do interacionismo simbólico, desen altera a interpretação de sua biografia, muda
volveu hipóteses sobre a conversão religiosa o fio condutor que mantém a continuidade
muito próximas do modelo de Berger e de sua experiência; modifica, em suma, a d e
Luckmann. D e acordo com o autor, a con finição subjetiva de sua identidade pessoal.
versão dependeria da existência de algumas Por que um indivíduo se dispõe a modi
destas circunstâncias: a aceitação de um gru ficar sua rede de relações sociais e sua reali
po de referência cuja perspectiva é diferente dade subjetiva, inclusive a definição de sua
da do próprio indivíduo; uma mudança na própria identidade? A resposta de Berger e
perspectiva de seu próprio grupo de referên Luckmann faz referência à socialização pri
cia; o desaparecimento do grupo de referên mária deficiente, isto é, a que resulta numa
cia que mantinha sua perspectiva ou a cons assimetria entre realidade objetiva e subjeti
tatação de que a velha perspectiva não servi va. Uma socialização primária deficiente
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propõe ao indivíduo uma escolha entre per riência paulina”, isto é, uma mudança dra
fis de identidades que ele apreende como mática e intempestiva das crenças religiosas
possibilidades biográficas genuínas e faz sur do indivíduo, capaz de alterar radicalmente
gir a pergunta: “Q uem sou eu?” — isto é, sua vida (Richardson, 1985). Essa visão da
permite opções para a própria identidade. conversão baseia-se nas teorias tradicionais
Surge aqui a possibilidade de uma identida que vêem os convertidos como sujeitos pas
de oculta, que não é fácil de reconhecer, por sivos, presas de suas características psicológi
que não concorda com as tipificações objeti cas e seu meio social (Heinrich, 1977). Mais
vamente disponíveis. Aparece uma as recentemente, afirmou-se que a conversão
simetria, socialmente dissimulada, entre a constituiria um processo envolvendo modifi
biografia pública e a “privada”. Essa sociali cações gradativas no repertório de identida
zação primária deficiente está ancorada em des sociais ou papéis que o indivíduo exerce
uma complexa distribuição social do co em contextos determinados. O indivíduo as
nhecimento que institucionaliza diversas “reali sumiria as novas identidades fornecidas pela
dades” possíveis, canalizadas à criança através religião em situações específicas, à medida
da heterogeneidade dos elencos socializadores que lhe fossem concedidas algumas vanta
ou da mediação entre mundos agudamente gens diferenciais. A conversão se completa
discrepantes realizada por outros significativos ria quando o indivíduo construísse sua iden
(Berger e Luckmann, 1973:220ss.) tidade pessoal primordialmente nos termos
Bankston, Forsyth e Floyd (1981), em dessas novas identidades sociais adquiridas
sua análise da conversão radical, retom am a
dentro do grupo religioso.
idéia de uma mudança da definição da iden O modelo de conversão de Lofland e
tidade pessoal subjetiva. Os autores afirmam
Stark (1965) foi um dos primeiros a conside
que certas condições da estrutura social es
rar que as causas da conversão não incluem
tão associadas a sérias perturbações nas
apenas fatores “de predisposição”, próprios
identidades e promovem a tendência para a
do indivíduo, mas também elementos situa-
construção de identidades alternativas e
cionais, próprios do contexto em que o indi
comprometimentos que significam afasta
víduo se insere. Esse modelo também deu
mentos radicais de estados anteriores.
ênfase ao caráter processual e interacional
Os autores sustentam que a definição
da conversão. Inúmeros estudos basearam-
do eu não é um processo mecânico, mas dia
se no “modelo” de Lofland e Stark, visto co
lético, que envolve criatividade e reflexão. Às
mo uma tentativa de estabelecer as condi
vezes, as pessoas vêem sua identidade real
ções causais necessárias para produzir a con
como “inadequada” e se engajam em novas
versão; parece conveniente, portanto, resu
formas de interação, à procura de novos sig
mi-lo aqui. D e acordo com o modelo, para se
nificados para a própria existência. Para si
converter o indivíduo deveria: (1) experi
tuarem a si próprios, buscam novos pontos
m entar tensões (frustração, carências, esfor
de referência, que podem assinalar m udan
ças dramáticas em relação às identidades ços) de forma aguda e duradoura, (2) dentro
passadas. Para os autores, a conversão radi de uma perspectiva religiosa de resolução de
cal implica um a transformação mantida, problemas (em oposição a uma perspectiva
abrupta e extensa da identidade, que se reali política, psiquiátrica, fisiológica etc.), (3) que
za na ausência de um a mudança de statiis o levaria a se definir como um “buscador”
institucionalmente prescrita. religioso (religious seeker); (4) encontrar o
culto num momento crítico de sua vida,
quando não mais pudesse seguir as antigas
Desenvolvimento do
orientações, (5) momento esse em que esta
Processo de Conversão
belece (ou recompõe) uma ligação afetiva
Tradicionalmente, a conversão foi vi com os adeptos, (6) os laços externos ao cul
sualizada como o que se chamou de “expe to afrouxam-se ou neutralizam-se (7) e o in
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divíduo se expõe à interação intensa com os empíricos. Conseqüentemente, às vezes se
membros do grupo. considera um processo social e o seu contrá
Gerlach e H ine (1970) elaboraram um rio como fatores que influenciam de forma
modelo mais explicitamente cronológico que positiva a expansão dos novos movimentos
o de Lofland e Stark, identificando sete eta religiosos.
pas no que cham am de “processo de com
prom etim ento”. Seu modelo deriva de um Novos Movimentos Religiosos
extenso estudo sobre os movimentos neo- e Secularização
pentecostais e o poder negro. O modelo ex
clui as características de “predisposição”, co Existem pelo menos quatro posições a
meçando com o “contato inicial”, mas consi respeito da relação entre processos de secu
dera que a m udança da identidade é central larização e expansão dos novos movimentos
no processo de conversão. As etapas incluí religiosos. O ponto de vista mais comum é o
das no modelo são: (1) contato inicial com de que, no mundo moderno, as “novas reli
um participante; (2) redefinição das neces giões” fazem parte do próprio processo de
sidades do convertido potencial; 3) reeduca secularização. Assim, argumentou-se (Wil
ção mediante interação grupai intensa; 4) son, 1975: 80) que o mundo moderno pro
substituição repentina ou gradual da velha duz “um supermercado de crenças”, que
identidade; (5) um evento que marca o com coexistem porque são artigos de consumo
prometimento e rom pe as pontes com o pas pouco importantes. Essa avaliação dos novos
sado; (6) testem unho público da experiência; movimentos religiosos como superficiais e
(7) apoio contínuo do grupo para a conserva inautênticos, repetida por muitos autores, foi
ção das novas crenças e padrões de conduta. criticada por se basear mais em preconceitos
Diversos estudos (Strauss, 1979; Down- que na observação empírica. Q ualquer um
ton, 1980) apresentam modelos alternativos que passe algum tempo observando os mór-
do processo de conversão, seja formulando mons, por exemplo, seu comprometimento
os aspectos mencionados em termos de deci com a religião e a influência onipresente des
sões do convertido, seja modificando a or ta em suas vidas cotidianas, perceberá que
dem dos fatores. Os estudos mais recentes eles não a consideram um “artigo de consu
avaliam esses paradigmas e enfatizam a im mo pouco im portante”. Equiparar os novos
portância da interação intensa e dos vínculos movimentos religiosos a trivialidades, con
afetivos com os m em bros dos grupos religio vertendo-os em meros sintomas do processo
sos (Snow e Philips, 1980; Greil e Rudy, de secularização, significa “perder a oportu
1984), a natureza gradual da conversão nidade de investigar os laços entre a seculari
(Downton, 1980) e o papel ativo do conver zação e a inovação religiosa”, conforme
tido potencial, ao decidir se irá ou não inte expressam alguns críticos (Stark e Bainbrid-
grar-se ao grupo religioso (Ríchardson, ge, 1986: 437).
1985). Vários autores assinalaram o caráter Dentre os críticos da visão de que a ex
permanente da conversão e sua necessidade pansão dos novos movimentos religiosos é
de uma revalidação contínua (Jules-Rosette, um sintoma da secularização, estão alguns
1975). que propõem perspectivas opostas. Segundo
Stark e Bainbridge (1986), a expansão do
pensamento científico representou o recuo
Novos Movimentos Religiosos
e Mudança Social das religiões que, originárias de épocas pré-
científicas, continham elementos mágicos
Inúm eras teorias foram elaboradas para significativos. Essas religiões foram reduzin
explicar o florescimento dos novos movimen do progressivamente suas afirmações sobre a
tos religiosos desde o início da década de 70, força e a ação do sobrenatural no mundo
especialmente nos EUA. Muitas não foram empírico. A ciência teria gerado o ceticismo
suficientemente confrontadas com os dados para com a religião, e os cientistas, enquanto
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clilc, seriam recompensados por esse ceticis dade que, a julgar pelo que transmitem os
mo, que se estenderia a todas as elites inte meios de comunicação, parece indiferente a
lectuais. Segundo os autores, as religiões tra esse ponto de vista.
dicionais foram deixando pouco a pouco Alguns estudos assinalaram, por fim,
suas posições doutrinárias a fim de manter que o surgimento e expansão dos novos mo
em níveis baixos sua tensão com o ambiente vimentos religiosos nas últimas décadas põe
social. A bandonando todo com ponente m á em questão a associação implícita entre mo
gico, essas tradições religiosas atualm ente dernidade e secularizaçâo. Segundo os auto
ofereceriam apenas compensações débeis e res, a teoria da secularizaçâo progressiva e
genéricas. Sua concepção do sobrenatural li- inexorável, que os sociólogos da religião as
mitar-se-ia a um a divindade remota, inativa, sumiram como um dogma até meados deste
quase inexistente, e ofereceria pouco consolo século, atualm ente não encontra apoio nos
aos aflitos, aos moribundos, aos pobres e aos dados empíricos, pois as novas religiões dão
que buscam entender os enigmas da existên sinais de um reencantamento do mundo (Ri
cia (Kelley, 1972). chardson, 1985b; Carozzi, 1991).
Segundo esses autores, o fato de que as
sociedades contam com recursos científicos e Novos Movimentos Religiosos
tecnológicos não significa que os indivíduos e Sociedade de Massas
que as consituem não sofram mais as angús
Existem inúmeras teorias que postulam
tias da existência ou não sintam desejo por
uma relação direta entre o surgimento dos
recompensas inalcançáveis. Se as igrejas dei
novos movimentos religiosos e as transfor
xaram de satisfazer a necessidade de tais
mações ocorridas na sociedade e na cultura
compensações, os movimentos religiosos que
ocidental moderna (Robbins, 1991: 27).
as oferecem estariam num a situação particu
Alguns autores (Richardson, Stewart e
larmente favorável para se expandirem. Na
Simmonds, 1978 e Bradfield, 1976) afirmam
medida em que são possíveis a inovação ou a
que a sociedade de massas, dominada por
divergência, essas crenças triunfariam, dando
estruturas burocráticas e impessoais, cria a
origem a novos movimentos religiosos, como necessidade de relações interpessoais gratifi-
resultado da secularizaçâo das organizações cantes, oferecidas nas comunidades consti
religiosas tradicionais (Stark e Bainbridge, tuídas pelos novos movimentos religiosos.
1986: 437-439). De forma complementar, afirma-se (Brad
Uma terceira posição afirma que a se field, 1975) que a fragmentação da vida em
cularizaçâo, em bora não tenha levado ao d e âmbitos diversos e desconectados entre si,
saparecimento da religião, como haviam su própria da sociedade moderna, resulta na
gerido os antigos sociólogos, confinou-a ao desagregação da identidade pessoal. Isso au
âmbito da prática e da crença privadas. Se mentaria o encanto que os grupos religiosos
gundo Berger (1967), a ausência de uma exercem junto aos indivíduos descontentes
cosmovisão religiosa na cultura pública faz com a identidade desagregada, propiciando-
os indivíduos que conservam uma visão reli lhes as bases para concepções totalizadoras
giosa da vida se sentirem como um minoria da própria identidade (Anthony et a i, 1978;
cognoscitiva — e uma minoria cognoscitiva Beckford, 1984).
precisa de uma intensa interação interna pa Em outros estudos (Hunter, 1981;
ra manter a plausibilidade de sua cosmovi Prandi, 1992), os novos movimentos religio
são. Segundo esse autor, parte do sucesso sos são interpretados como respostas ao di
dos novos movimentos religiosos deve-se à vórcio entre as esferas pública e privada da
constituição de pequenas comunidades nas existência humana na sociedade moderna.
quais uma freqüente interação face a face D e acordo com H unter, na sociedade mo
permite a manutenção de um a visão religio derna ampliar-se-ia a lacuna entre um domí
sa do mundo e da própria vida, num a socie nio público altamente institucionalizado e
68
um domínio privado desinstitucionalizado. de intermediação entre os indivíduos e as fa
Os novos movimentos religiosos, com sua re mílias, por um lado, e a sociedade mais am
gulamentação minuciosa da esfera privada, pla, por outro2 — que anteriormente pro
constituiriam uma resposta ao vazio norm a viam apoio e serviços às famílias nucleares —
tivo que nela se produziu. Prandi (1992) encontram-se enfraquecidas. As famílias iso
analisa os diversos contextos de expressão lam-se cada vez mais das outras instituições
pública oferecidos pelos novos movimentos sociais e tornam-se, portanto, mais frágeis
religiosos no Brasil. (Keniston, 1977). O isolamento estrutural da
Outros autores (Mauss e Petersen, família, afirmam alguns autores, pode envol
1974; Evans, 1973) afirmam que os novos ver uma descontinuidade radical entre a
movimentos religiosos surgem como respos qualidade afetiva dos papéis familiares e a
ta a uma sociedade caracterizada pela diver qualidade impessoal dos papéis adultos. Essa
gência entre normas e valores. A grande va descontinuidade estaria na base de uma ten
riedade e diversidade de normas e valores dência, verificada especialmente entre os jo
transmitidos pelas distintas instituições so vens, para procurar alternativas para a famí
ciais e meios de comunicação de massa dei lia nas relações extrafamiliares (Anthony e
xariam um campo aberto para a formação Robbins, 1974; Gordon, 1980).
dos novos movimentos religiosos. Cada um De acordo com alguns trabalhos, os no
desses movimentos proporcionaria a seus vos movimentos religiosos proporcionariam
adeptos um a cosmovisão coerente e unifica sistemas familiares alternativos ao adulto ou
da que, diferentem ente do bombardeio de ao adolescente, oferecendo-lhes aceitação in
normas e valores diversos da sociedade m o condicional, calor, uma estrutura normativa
derna, pareceria propiciar respostas, mais e uma sólida autoridade. A linguagem familiar
que formulá-las. (irmãos, irmãs, pai, mãe) seria empregada nos
Afirmou-se, por fim, que o surgimento
novos movimentos religiosos de forma mais
e florescimento dos novos movimentos reli
freqüente e significativa do que nas igrejas ins
giosos na década de 70 deve-se ao fato de
titucionalizadas (Doress e Porter, 1981).
que nessa época a visão favorável ao m ate
Assinalou-se também que os novos mo
rialismo e ao progresso econômico indefini
vimentos religiosos proporcionariam serviços
do provara ser ilusória. O antropólogo Mar-
e apoio às famílias dos devotos, incluindo
vin Harris argum enta que os novos movi
trabalhos, cuidado às crianças, assistência
mentos religiosos procuraram enfrentar esse
médica, am paro social e compromissos de
fracasso através de um retorno aos meios
valores compartilhados.3 Esse auxílio, no en
mágicos para obter fms materiais, seja en
tanto, somente seria viável se toda a família
toando mantras, confiando em Jesus ou pro
passasse a integrar o movimento. Se isso não
porcionando treinam ento psíquico (Harris,
acontece, costuma-se afirmar que o efeito do
1981: 141-165). Oro, por sua vez, vincula a
expansão das novas religiões populares no grupo religioso sobre a família é desagrega-
Brasil às decepções do processo de m oder dor, especialmente se o movimento for mili
nização, que não cumpriu as promessas de tante e autoritário (Beckford, 1982; Brom
favorecer o bem -estar geral (Oro, 1992). ley, Shupe e Ventimiglia, 1983).
De acordo com alguns estudos (R ob
bins, 1991: 46; Coleman, 1970: Forni, 1992)
Novos Movimentos Religiosos a importância dos novos movimentos religio
e Organizações de Interm ediação
sos, enquanto organizações de intermedia
Alguns autores assinalam que o surgi ção, provém de sua capacidade de criar valo
mento e expansão de novos movimentos reli res universais e simbolos que legitimam no
giosos estão relacionados com a decadência vas formas de relação interpessoal e intera
das organizações tradicionais de intermedia ção comunitária. Os convertidos acredita
ção. Na sociedade moderna, as organizações riam desfrutar um companheirismo comuni-
69
tário especial nos novos movimentos religio vos movimentos religiosos ofereceriam aos
sos, onde as relações de am or entre parentes pobres maior acesso a recursos materiais.
espirituais são consideradas como derivadas Por um lado, esse acesso seria obtido m e
da relação íntima de cada devoto com Jesus, diante a constituição de grupos que intera
o Espírito Santo, um mestre espiritual ou gem intensamente entre si. Esses movimen
uma força mística. As relações satisfatórias tos possibilitariam o acréscimo de uma nova
entre os devotos de um mesmo grupo consti rede de ajuda m útua às previamente existen
tuiriam um a estrutura de manutenção para tes (Mariz, 1990; Galliano, 1992).
o sistema de significados do movimento. E s Por outro lado, assinalou-se que os no
se sistema de significados, por sua vez, pro vos movimentos religiosos, ao ocuparem a
porcionaria uma mística simbólica que au maior parte do tempo livre em atividades re
mentaria a satisfação proveniente do com pa ligiosas, proporcionariam uma estratégia pa
nheirismo espiritual afetuoso. ra a redução das despesas das famílias po
bres. Isso fica especialmente claro no caso do
Novos M ovimentos R eligiosos pentecostalismo, que fornece uma legitima
e Situações de Pobreza ção religiosa à estratégia de “apertar os cin
tos” (Mariz, 1990). Com relação a esse movi
Na América Latina, a expansão dos no mento, afirmou-se que a resistência ao alcoolis
vos movimentos religiosos, particularm ente mo e ao tabagismo teve como efeito a m e
do pentecostalismo e das religiões afro-brasi lhoria da situação familiar e econômica dos
leiras, fora de seu país de origem, foi explica convertidos (Mariz, 1990; Tarducci, 1992).
da freqüentem ente como um a resposta às si Os novos movimentos religiosos propi
tuações de pobreza (Pi H ugarte, 1992; Ca ciariam, por fim, o fortalecimento da auto-
margo, 1961; Ameigeiras, 1991: 24; Mariz, estima dos pobres. No caso do pentecostalis
1990). Afirmou-se que esses movimentos re mo, isso se produziria mediante a valoriza
ligiosos proporcionam diversas estratégias de ção dos dons espirituais, em oposição às van
sobrevivência às famílias pobres. tagens materiais, e pela obtenção de uma
Alguns autores assinalaram que os no consciência e uma aparência de “pessoa de
vos movimentos religiosos oferecem respos bem ”. A segurança de estar entre os que se
tas sobrenaturais às necessidades cotidianas rão salvos num mundo caótico e imoral, a
nas situações em que a mobilização política abstenção do álcool e do tabaco e o uso de
foi reprimida ou perdeu vigor como estraté roupas simples diferenciariam claramente a
gia de melhoria sócio-econômica. A solução mulher pobre da prostituta e o homem po
dos problemas existentes mobilizaria a filia bre do ladrão, formando a base de uma valo
ção àqueles movimentos e o cumprimento rização da identidade pessoal, diante das al
de seus rituais (Pi H ugarte, 1992: 32-33). ternativas da miséria e da marginalidade
Afirmou-se tam bém que os movimentos reli (Mariz, 1990). Nas religiões afro-americanas,
giosos não som ente ofereceriam um a inter a valorização da identidade pessoal seria al
venção sobrenatural para a solução de pro cançada mediante a crença na aquisição de
blemas, especialmente de saúde, mas também um poder mágico e na relação direta do indi
dariam um sentido às dificuldades, apresentan víduo, sua personalidade e as dificuldades de
do-as como parte de um plano divino e ensi sua vida com uma divindade venerada pelo
nando as pessoas a conviverem com os proble grupo religioso (Carozzi, 1992).
mas. A sensação de “sentido” para os proble
mas cotidianos contribuiria para a sobrevivên Discussão
cia ao propor a inexistência de destinos ilogica-
mente ruins e ao fornecer razões para o sofri Quais são as conseqüências dessas
mento da perspectiva de um destino global po orientações temáticas para a compreensão
sitivo para os homens (Mariz, 1990). dos novos movimentos religiosos, seu surgi
Afirmou-se com freqüência que os no mento e expansão?
70
Redefinição dos C onceitos possui a palavra “seita” na cultura popular.
de Igreja e Seita Ninguém parece disposto a aceitar que o
Em primeiro lugar, devemos considerar movimento religioso do qual participa consti
que a redefinição dos conceitos de igreja e tui uma seita. Na cultura popular, “seita” as-
seita, nos term os da tensão com o meio am socia-se invariavelmente a termos como in
biente sócio-cultural, baseia-se no pres vasão, destruição, cultos satânicos, fanatis
suposto — no mínimo, discutível — de uma mo, risco, perigo, perversidade, lavagem ce
cultura compartilhada onde o elem ento sub- rebral etc. A estigmatização é suficiente para
cultural definir-se-ia como um “desvio”. Se, legitimar, em relação aos sectários, um com
pelo contrário, considerarmos que toda so portamento que não seria admitido em ou
ciedade possui um alto grau de diversidade tros seres humanos. Em conseqüência, a
cultural interna, surge um a questão básica: compreensão do uso do conceito de seita nas
em relação a qual “am biente sócio-cultural”, disciplinas sociais de forma não-valorativa,
dentre os vários em que os indivíduos partici baseada em critérios empíricos, invariavel
pam, deveríamos estabelecer o grau de ten mente encontrará um obstáculo na forma de
compreensão do leigo.
são, a fim de determ inar se um certo movi
mento religioso é mais ou menos sectário?
Um tema relevante a esse respeito, por Análise do Processo
sua repercussão, é o da relação de certos de Conversão
movimentos religiosos com a cultura pública,
Os estudos que analisam o processo de
particularmente a que é transmitida pelos
conversão aos novos movimentos religiosos
meios de comunicação de massa.4 O repúdio
fizeram muitas contribuições para a descri
da mídia por certos movimentos religiosos, ção e compreensão do fenômeno. Dentre
porém, raram ente se baseia nas característi elas se destacam: a diferenciação entre re
cas próprias dos movimentos e parece estar crutamento, conversão e comprometimento
mais freqüentem ente relacionado com o religioso; a distinção entre adotar o compor
grau de identificação dos que produzem a tamento de um grupo religioso e convicção
cultura pública com os movimentos religio religiosa; o estabelecimento de continuida-
sos tradicionais e com a dose de pluralismo des entre as crenças precedentes do indiví
cultural que estão dispostos a aceitar. Essas duo e as novas crenças adotadas; o papel dos
características constituem atributos da cultu estados alterados de consciência e da identi
ra pública e da economia religiosa vigente, ficação afetiva com o grupo religioso no
mais do que dos novos movimentos religio processo de conversão; a determinação de
sos em si. A parentem ente, a única caracterís uma série de fatores próprios do indivíduo e
tica comum dentre os diversos movimentos de sua situação, freqüentemente presentes
que a cultura pública repudia é o seu caráter nas experiências de conversão (tais como
de “novidade” para aqueles que produzem frustrações, momentos de crise pessoal, bus
tal cultura. Como “religião” está conotativa- ca religiosa, afrouxamento dos laços externos
mente associada a “tradição”, qualquer mo ao grupo religioso, interação intensa com os
vimento religioso percebido como “novo” é membros do grupo, comprometimento com
automaticamente posto sob suspeita. Essa o grupo, reinterpretação da biografia etc.) e
característica de novidade é, porém, muito o caráter perm anente da conversão que, pa
melhor descrita pela expressão “novos movi ra se manter, requer a revalidação contínua
mentos religiosos” do que pelo termo “seitas”. através da interação com o grupo.
Por fim, uma consideração, que até cer De um ponto de vista metodológico, os
to ponto escapa dos limites da reflexão teóri- achados ressaltam, em primeiro lugar, a im
co-metodológica e se relaciona com o diálo portância da observação participante para
go entre as ciências sociais e os membros da estabelecer o comportamento “fora de cena”
sociedade, é a carga valorativa negativa que nos novos movimentos religiosos. Por outra
parte, os estudos assinalam a reinterpretação ção com a definição de sua identidade pes
das histórias de conversão conforme os te r soal subjetiva. A adoção de um a “perspecti
mos do movimento, recomendando o acom va religiosa” para a resolução d e problemas,
panhamento m ediante entrevistas e a obser converter-se num “buscador religioso” em
vação dos convertidos potenciais, quando se vez de efetuar mudanças em outros aspectos
quiser evitar tal reinterpretação. da vida — como casar-se, m udar de residên
Talvez a contribuição mais importante cia ou de trabalho etc. — tam bém parece re-
dos estudos de conversão religiosa em preen lacionar-se com o fato de que a conversão
didos nos últimos anos seja a de que deles se religiosa é uma das únicas alterações capazes
desprende a visão do convertido como um de produzir mudanças na totalidade da reali
sujeito ativo, que aprende novos significados dade, tal como esta é definida subjetivamen
a partir de sua interação com os m embros do te, possibilitando um a redefinição da própria
grupo e decide o curso de ação a tom ar de identidade. Redefinir a própria identidade
acordo coi^i seus objetivos e suas neces implica também cortar os laços — em ter
sidades. Esse fato, no entanto, questiona a mos físicos e mentais — com os que ajuda
possibilidade de se estabelecer modelos fixos vam a manter a identidade antiga, em favor
e universais do processo de conversão. Esses da interação com os que tornaram possível a
modelos, em bora tenham chamado a aten identidade nova. Os momentos de crise, on
ção tanto para as predisposições como para de os antigos métodos de resolução de pro
os fatores situacionais freqüentem ente pre blemas parecem não mais funcionar, consti
sentes na conversão, parecem ser redefinidos tuem oportunidades particularmente ade
continuamente, conforme o movimento reli quadas para se decidir uma redefinição do
gioso e os indivíduos em questão. Pode ser eu com base em um novo universo de signifi
cados. Nesse sentido, os estados alterados de
mais frutífero perguntar por que determ ina
consciência, que freqüentem ente parecem
dos “fatores” ou circunstâncias acham-se as
desempenhar um papel na conversão, pro
sociados de forma tão extensa às experiên
porcionam um a evidência experimental de
cias de conversão a diversos movimentos re
que “ser outro” é possível.
ligiosos, em vez de supor que tal associação
A possibilidade de transcender os mo
provenha de uma forma universal do processo
delos mecânicos da conversão e estabelecer
de conversão, que seria mister “descobrir”.
as motivações e as modificações nos signifi
A conceituação da conversão religiosa
cados que nela se produzem parece depen
como uma mudança da identidade pessoal
der da realização de estudos onde a observa
subjetiva, que é sim ultaneam ente desejada
ção participante e, particularmente, o acom
pelo convertido e construída em sua intera
panhamento mediante entrevistas não estru
ção com os membros do novo grupo, parece
turadas ou semi-estruturadas junto aos con
particularmente útil para explicar a reiterada vertidos potenciais complementam a infor
presença de certos fatores e circunstâncias mação obtida por meio de questionários.
nas experiências de conversão. Por exemplo,
a redefinição da própria biografia, que Ber-
ger e Luckmann apontam como constitutiva Novos Movimentos Religiosos
e Mudança Social
do processo de conversão, seria a conse
qüência de um a redefinição da própria iden Os estudos macrossociológicos dos no
tidade. As “tensões largamente sentidas”, vos movimentos religiosos chamaram a aten
que os convertidos parecem experimentar ção para a vinculação de algumas caracterís
em relação a problemas objetivamente cate ticas desses movimentos com processos re
gorizáveis como ordinários, parecem indicar gistrados na sociedade moderna, tais como a
— como afirmaram Bankston, Forsyth e secularização das igrejas tradicionais e da
Ford (1981) — certa desconformidade bási cultura pública, a fragmentação dos papéis e
ca que poderia ter sua raiz em um a insatisfa identidades sociais, a diversidade valorativa e
72
normativa, a decadência da idéia de progres Novos Movimentos
so indefinido e o enfraquecim ento das orga R eligiosos e Pobreza
nizações de intermediação. Os estudos sobre os novos movimentos
A nosso ver, a discussão dessas relações religiosos na América Latina enfatizam co
entre os novos movimentos religiosos e as mo estes freqüentemente constituem estra
transformações na sociedade m oderna seria tégias de sobrevivência para as famílias po
favorecida por um diálogo mais intenso com bres, ao lhes proporcionarem: meios mágicos
os estudos sobre conversão; por definições para o acesso a maiores recursos, nos momen
mais precisas dos term os da relação; por tos em que a mobilização política perde vigor
uma perspectiva histórica e por investigações ou credibilidade como instrumento de me
empíricas das teorias, freqüentem ente sus lhoria social; um sentido sobrenatural para as
tentadas ex-post facto. dificuldades da vida; redes de ajuda mútua; e a
De nosso ponto de vista, os estudos so base para uma elevação da auto-estima.
bre conversão, se realizados sob a orientação Com algumas exceções, no entanto,
das hipóteses referentes às relações entre chama a atenção o fato de que as razões de
mudança social e expansão dos novos movi caráter econômico ocupam um lugar quase
mentos religiosos, podem responder à ques exclusivo na explicação do aparecimento e
tão central de se as relações macrossocio- desenvolvimento de novos movimentos reli
lógicas postuladas têm sentido do ponto de vis giosos na América do Sul. O fato de serem
ta das decisões dos convertidas. Até o momen os pobres que majoritariamente aderem a
to, no entanto, constata-se um divórcio entre esses movimentos não parece implicar neces
os estudos microssociais sobre conversão e as sariamente que as estratégias para sobrevi
teorias macrossociais que relacionam mudança ver na pobreza sejam a causa universal de
social e novos movimentos religiosos. seu florescimento (Frigerio e Carozzi, 1992).
A definição mais precisa de conceitos A nosso entender, os estudos seriam favore
polissêmicos, como “secularização”, ou mui cidos por um maior diálogo com as teorias
to genéricos, como “divórcio entre as esferas sustentadas em outras áreas geográficas.
pública e privada”, “enfraquecim ento da fa Não é preciso destacar a necesssidade
mília”, “divergência valorativa e normativa” etc., de estudos empíricos para confrontar as teo
facilitaria a investigação empírica dessas teorias rias; grande parte dos estudos que postulam
macrossociológicas para a explicação do flores relações diretas entre pobreza e filiação reli
cimento dos novos movimentos religiosos. giosa não apresentam dados sobre a compo
Uma perspectiva histórica, freqüente sição sócio-econômica dos fiéis dos movi
mente ausente nos estudos sobre novos mo mentos religiosos considerados, nem sobre
vimentos religiosos, que costumam conside os mecanismos concretos que ligam ambos
rar inédito o fenômeno, permitiria a com pa os termos da relação.
ração com as efervescências religiosas do
passado e, por conseguinte, a elaboração e o
confronto de teorias em relação a um maior (Recebido para publicação
acúmulo de dados empíricos. em outubro de 1993)
Notas
73
3. Conforme veremos mais adiante, essa hipótese é freqüentem ente sustentada por aqueles
que realizam estudos sobre os novos movimentos religiosos na América Latina, onde, se
gundo se afirma geralmente, as redes de solidariedade oferecidas por esses movimentos
constituem um a resposta às situações de pobreza.
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