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O que é o tratamento humanizado O tratamento humanizado é aquele em que o médico

entende o paciente como indivíduo, uma pessoa com personalidade e necessidades


particulares. O profissional de saúde estabelece com esse paciente um diálogo a partir do
momento da investigação sobre a doença à prescrição e aplicação do tratamento ou
procedimento. De acordo com Teixeira, isso é fundamental para que o paciente confie no
médico e cumpra as mudanças de hábito que este prescrever. “A capacidade de diálogo e
de estabelecer uma relação de confiança se tornou imprescindível porque 90% das
prescrições médicas são mudanças na vida, da esfera comportamental [como parar de
fumar ou evitar certos alimentos, por exemplo]. Tratamento humanizado não é uma
questão de bom mocismo, de ser um cara bacana, mas um pré-requisito técnico para que
o paciente siga as recomendações” Ricardo Teixeira Professor de medicina preventiva da
faculdade de medicina da USP, em entrevista ao Nexo Na opinião do professor, “é difícil
definir o que é um atendimento humanizado, mas ninguém tem dúvidas sobre quando
passa por um atendimento desumanizado”. Exemplos de atendimento 'desumano'
DIAGNÓSTICO INSENSÍVEL Quando a costureira Edilene Bolkart foi diagnosticada com
metástase óssea, ouviu a seguinte frase do médico que a atendeu: “aproveita o teu filho
porque você tem pouco tempo de vida”. O garoto, então com nove anos, estava do lado da
mãe, segundo reportagem do jornal “Folha de S. Paulo”. Edilene sobreviveu. PARTO
MECÂNICO O parto também é frequentemente envolto em procedimentos impessoais,
padronizados e dolorosos, como repetidos exames vaginais, posição fixa da mãe, jejum,
lavagem intestinal, anestesia e uso de fórceps. Críticos afirmam que muitos procedimentos
- com destaque para cesáreas - são desnecessariamente realizados sem que a mãe seja
consultada ou informada sobre o que está ocorrendo. Eles servem para acelerar e facilitar
o processo do nascimento do ponto de vista médico e do funcionamento do hospital, e não
dos pacientes. A preocupação é com produtividade e o máximo de garantia de que
nenhuma complicação vai ocorrer. O relato da veterinária Alessandra Caprara é um
exemplo de parto desumanizado. Após ser incapaz de estabelecer um diálogo com a
equipe de enfermeiras que a tratava, foi atendida por um médico, que realizou uma
cesárea. “O obstetra não disse nada, colocou os panos, passou algo gelado em mim, me
cortou e meu bebê saiu. Trouxeram ele para mim e logo depois levaram embora. Não vi
mais meu marido, nem sei quando ele entrou ali. Terminei sozinha, em um quarto, sem
nenhuma explicação.” Alessandra Caprara Veterinária, em depoimento concedido em
2013 ao site M de Mulher O que torna médicos ‘desumanos’ A desumanização pode
parecer frontalmente contrária à ideia da prática da medicina. Mas quem trabalha
cotidianamente no sistema público de saúde relata que se manter envolvido e atento aos
problemas individuais de um grande número de desconhecidos não é tarefa simples. Em
entrevista ao Nexo, a estudante do sexto ano de medicina Clarissa Rogel, 25, conta que,
durante os primeiros anos de faculdade, teve disciplinas que abordavam o tratamento
humanizado. Mas a partir do quinto ano, quando passou a trabalhar com mais frequência
no pronto-socorro ao lado de residentes e professores, viu como é difícil manter o
envolvimento na prática. Ela relata um episódio em que atendeu um paciente de cerca de
30 anos que tinha complicações graves no braço por causa da quimioterapia para o
tratamento de câncer. Às 22h, Clarissa disse que ele teria que fazer um novo exame e que
o resultado sairia em três horas. O paciente começou a chorar. Ele não tinha dinheiro e
estava desde as 5h fora de casa sem comer. Quando relatou o problema para médicos
residentes, a estudante também chorou. “Eu nunca me imaginei dizendo isso, mas tem um
distanciamento que é necessário por conta desse tipo de desgaste. Se você leva esse tipo
de problema para casa todo dia, isso afeta a sua produtividade, você não consegue ajudar
as pessoas” Clarissa Rogel Estudante do sexto ano de medicina Como a desumanização
se integra à estrutura dos hospitais O professor Teixeira, da USP, afirma que o debate em
torno do atendimento humanizado ganhou força durante os anos 50, no pós-guerra,
quando a implementação da tecnologia no atendimento médico atingiu um novo patamar.
A implementação de procedimentos técnicos padronizados em estruturas hospitalares
maiores e mais complexas contribuiu para apagar a dimensão humana individual dos
pacientes. O artigo “Um Paciente, não uma Pessoa: o mau hábito de desumanizar
pacientes”, da Escola de Administração de Kellog, ligada à Universidade Northwestern,
identifica as formas como a desumanização do atendimento se tornou parte da medicina.
Ele foi escrito a partir de pesquisas sobre administração hospitalar realizadas por Omar
Sultan Haque, psicólogo e médico da Universidade de Harvard, e Adam Waytz, psicólogo
que leciona na Escola de Administração de Kellog. Do ponto de vista do médico, não
encarar um doente como um indivíduo é útil para: Lidar melhor com os sucessivos casos
de dor, morte e sofrimento com que tem contato - e que muitas vezes são causados ou
agravados pelo próprio tratamento. ”Desmembrar” os pacientes - em sistema
cardiovascular, neurológico, linfático etc - na busca por problemas e permitir o tratamento
através das equipes especializadas que compõem os hospitais. A desumanização se
integrou à medicina contemporânea. Desumanização na estrutura da profissão ENSINO
Médicos aprendem, durante o seu treinamento, a controlar suas respostas à dor alheia. A
falta de empatia permite que tenham uma avaliação mais objetiva dos problemas que
encontram e sejam capazes de recomendar ou aplicar tratamentos dolorosos, mas
necessários. DESIGUALDADE De acordo com Sultan Haque e Waytz, pesquisas em
psicologia social mostram que pessoas costumam encarar aquelas que são diferentes
delas mesmas como menos humanas. A relação de poder entre médicos e pacientes
tende a ser desigual e colaborar para que isso ocorra. O médico está saudável e no
ambiente de trabalho ao qual se dirige todos os dias: o hospital. Ele tem conhecimento
técnico superior sobre o assunto em questão. No sistema público de saúde brasileiro, o
médico também tende a ter níveis socioeconômico e de educação maiores do que os do
paciente. Este, por outro lado, está doente, em um ambiente e em uma situação
estranhos. Ele não entende o que está passando com seu corpo. E, no sistema público de
saúde brasileiro, é em geral menos educado e mais pobre do que aqueles que o atendem.
FALTA DE AUTONOMIA Pacientes em coma, com problemas de cognição causados por
doenças associadas à idade avançada ou desnorteados pelo uso de remédios perdem a
autonomia para tomar decisões. Isso também contribui para que deixem de ser encarados
como indivíduos. DESINDIVIDUALIZAÇÃO O uso de uniformes, com os jalecos de
médicos de um lado e os pijamas padronizados dos pacientes de outro, faz com que os
membros de cada um dos grupos se pareçam menos com indivíduos e mais com uma
peça de coletivos distintos. Aliado à estrutura do hospital, com suas camas e quartos
idênticos, esse fator faz com que os pacientes se pareçam, aos olhos dos médicos, como
um grupo uniforme, sem características humanas individuais. Os próprios médicos
também compõem um coletivo distinto, e se sentem menos individualmente responsáveis
pelos pacientes de que cuidam, afirma o trabalho. Humor também retrata a
desumanização Em um esquete do filme “O Sentido da Vida”, o grupo britânico de humor
Monty Python é preciso ao abordar a questão. Nele, uma mulher em trabalho de parto se
mostra apreensiva e assustada enquanto é submetida a uma série de procedimentos
mecânicos por uma equipe barulhenta em uma sala repleta de luzes e máquinas
incompreensíveis. Após o parto, o bebê é rapidamente retirado das mãos da mãe
enquanto a maior parte da equipe deixa a sala sem dizer uma palavra. “Você pode
descobrir tudo sobre o parto quando chegar em casa. Está disponível em [nos formatos]
VHS, betamax e super-8”, diz o médico responsável enquanto vira as costas. Como
humanizar o atendimento Segundo Teixeira, da Faculdade de Medicina da USP, a prática
da medicina é extremamente exigente. Mas profissionais de saúde devem estar
preparados para lidar com isso, e não há justificativa para desumanizar o atendimento.
Formas de humanização MEDICINA BÁSICA De acordo com o professor da USP, cursos
de medicina devem ser menos voltados para áreas especializadas, como cardiologia ou
neurologia, e mais para atenção primária, ligada à prevenção de doenças. Isso envolve
compreender de forma mais completa o contexto em que os pacientes vivem, o que só
pode ser feito através de uma abordagem mais próxima e pessoal. “Você tem que preparar
o médico para ouvir e lidar com o sofrimento em geral das pessoas, e não apenas com
doenças específicas”, afirma. REESTRUTURAÇÃO DO ATENDIMENTO Ele afirma que
pressão excessiva, com grande número de pacientes e um sistema de saúde desfuncional
impedem que se desenvolva um atendimento individualizado. “Não adianta o cara ter uma
formação com valores humanistas se você tiver que atender 20 pessoas em três horas.
Você precisa de condições de trabalho que permitam o diálogo.” UNIFORMES Sultan
Haque e Adam Waytz sugerem alguns experimentos para tornar o atendimento mais
humanizado. Para quebrar a dicotomia entre médicos de jalecos e pacientes com pijamas,
sugerem abolir o uso de jalecos idênticos entre os médicos. Ressaltar a individualidade
poderia contribuir para um atendimento mais humano. NOMES Os pesquisadores sugerem
também que médicos tomem o cuidado de falar em voz alta os nomes de seus pacientes,
e não apenas suas doenças, ao informarem detalhes dos casos para colegas.
RESPONSABILIDADES Dar tarefas para os pacientes em unidades de saúde - como
aguar plantas, por exemplo - poderia aumentar a sua desenvoltura e ressaltar sua
identidade nesses ambientes. Políticas públicas no Brasil A discussão sobre a
humanização da saúde é particularmente forte no Brasil. Em 2001, o governo implementou
o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Para Teixeira, essa
preocupação é grande no país porque está na essência da criação do SUS (Sistema Único
de Saúde). O documento de apresentação da política pública de 2001 evoca um conceito
da Constituição de 1988 e que serviu como base para a criação do SUS. “É direito de todo
cidadão receber um atendimento público de qualidade na área da saúde”. O programa
resultou em palestras e workshops visando mudar a cultura do atendimento de saúde no
país. Também estabeleceu a Rede Humaniza SUS, um website que concentra material
sobre o tema da humanização. Política Nacional de Humanização do SUS Em 2003, foi
lançada a Política Nacional de Humanização do SUS. Ela parte do pressuposto de que
uma gestão mais democrática de unidades de saúde, na qual os trabalhadores têm maior
poder para repensar o seu funcionamento, permitiria criar um atendimento mais humano
dos pacientes. Teixeira admite, no entanto, que essas políticas têm limites: sem verba para
contratar quadros, a pressão sobre poucos médicos e a dificuldade para estabelecer
diálogo continuam a existir.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/08/06/Por-que-a-


medicina-%C3%A9-desumanizada-e-como-torn%C3%A1-la-mais-humana

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Qualquer situação de saúde e doença que nos torne vulnerável diante da vida se configura
como um momento de crise existencial. É como se a nossa relação entre passado, presente
e futuro se modificasse a partir do início de um sintoma, do resultado de um exame, de um
acidente ou outro acontecimento que nos torna física e/ou mentalmente vulneráveis. Muito
do que conhecíamos sobre nós ou esperávamos para o futuro deixa de ser e dá lugar a
tudo que permeia a nova condição existencial.

Mesmo quando o quadro parece ser somente de natureza orgânica, tudo que acontece
impacta nosso ser integralmente trazendo consequências emocionais, sociais, espirituais e
econômicas em maior ou menor grau.

Assim, quando adoecemos vivemos as mais variadas emoções, experienciamos diversos


sentimentos e situações novas e inesperadas, para as quais nem sempre temos os recursos
internos para lidar.
Quando em tratamento, nossa adesão e confiança dependerão da nossa segurança na
equipe que cuida da gente. E, neste aspecto, muitos estudos mostram que a relação
paciente-família e equipe é tão importante quanto a qualidade do tratamento técnico que
nos é oferecido.

Mas, como saber se estamos recebendo um atendimento que nos humaniza em nossa
condição e que favorece o nosso cuidado e recuperação?

Um atendimento humanizado é aquele que considera a integralidade da “unidade de


cuidado”, ou seja, ele pressupõe a união entre a qualidade do tratamento técnico e a
qualidade do relacionamento que se desenvolve entre paciente, familiares e equipe.

Estamos recebendo um atendimento humanizado quando:

 O tratamento baseado na ética profissional.


 O tratamento é individualizado, ou seja, considera a pessoa como um todo e não a
classifica de maneira generalista em função do seu diagnóstico ou quadro geral.
 O cuidado é realizado com empatia, atenção e acolhimento integral ao paciente e sua
família/ acompanhante.
 Existe uma escuta atenta e diferenciada, com a presença de um olhar sensível para as
questões humanas.
 Há respeito a intimidade e as diferenças.
 A comunicação é eficiente e permite a troca de informações levando em consideração
o estado emocional do paciente e da família.
 O atendimento transmite confiança, segurança e apoio.
 A estrutura física atende às necessidades de cuidado e tratamento.

Mas, nem sempre é fácil identificar se os itens acima listados estão realmente acontecendo
na relação estabelecida entre quem cuida e é cuidado. Por isso, também é importante que
saibamos reconhecer se há a desumanização.

Assim, alguns comportamentos podem ser indicativos da falta de humanização no


tratamento:

 Frieza e indiferença diante da situação do paciente e/ou família.


 O profissional não chama o paciente pelo nome, o infantiliza ou mantém sua atenção
somente no diagnóstico ou procedimento, sem considerar o paciente como um todo
ou os sentimentos envolvidos na situação.
 A expressão dos sentimentos, medos e ansiedades não são acolhidos ou são
desvalorizados.
 Frases prontas, como “você tem que ser forte”, “não chore por isso”, tem situações
muito piores que a sua”, etc. surgem no lugar de atitudes empáticas e acolhedoras.
 O espaço e a estrutura de onde o atendimento ocorre é inadequada, ou precária ou
expõe a saúde física e emocional da unidade de cuidado.
 Não há o fornecimento das informações necessárias ou as dúvidas não são
esclarecidas.
 O paciente e/ou sua família se sentem inibidos ou com medo de perguntar ou se
posicionar diante de uma situação.
 A opinião e o que paciente e/ou família têm a dizer não são levados em consideração,
não é escutado ou valorizado.
 O paciente ou sua família é rotulado em função do seu diagnóstico ou algum
comportamento característico.
 Evita-se os “olhos nos olhos”.
 O atendimento é demasiadamente rápido.
 A intimidade física ou emocional do paciente e/ou família fica exposta
desnecessariamente.
 As crenças pessoais não são levadas em conta ou não são respeitadas.
 Não há inclusão da família na atenção oferecida.
 Há situações em que “falam sobre mim como se eu não estivesse presente”.

Vale ressaltar que nem sempre a questão é responsabilidade do (s) profissional (is) que nos
atende (m). Muitas questões, como a estrutura física do local onde o tratamento é
realizado, por exemplo, faz parte do funcionamento de uma instituição e, por vezes, a
própria equipe também está exposta de maneira desumana e insalubre. Neste caso, é
preciso que saibamos identificar de onde vem o problema para acionar os meios corretos e
tentar solucioná-lo.

Investir na formação básica do ser humano e especialmente numa formação profissional


que forneça os alicerces para um atendimento humanizado é a chave para que situações de
descaso e descuido deixem de acontecer.

Como diz Leonardo Boff, “o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é
mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção.
Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro”.

É o tão falado “olhos nos olhos” que humaniza o tratamento. É ele que permite a troca, o
cuidado e o crescimento mútuo entre quem cuida e quem é cuidado. Em um atendimento
humanizado todos saem ganhando independente do resultado final, porque nele o amor
ao humano prevalece em sua mais nobre essência.

Relação médico-paciente: humanização é


fundamental
Vivemos tempos de grande avanço tecnológico. Com todas as vantagens da globalização,
verificamos, ao mesmo tempo entristecidos, o distanciamento entre as pessoas. Assim
como em nossa vida particular, este distanciamento ocorre no campo profissional e
também nos consultórios e hospitais. Cada vez é mais comum ver médicos e pacientes
dando lugar a números, exames e diagnósticos tornarem-se códigos, e a comunicação
perder sua essência.

Aquele médico de família, que acompanhava todos os seus integrantes ao longo de suas
vidas, não existe mais. Ou restam pouquíssimos. Hoje temos um estranho avaliando outro
estranho - em apenas alguns minutos de curto diálogo, provavelmente, nunca mais se
encontrarão. É de se lamentar...
Vivemos tempos de grande avanço tecnológico. Com todas as vantagens da globalização,
verificamos, ao mesmo tempo entristecidos, o distanciamento entre as pessoas. Assim
como em nossa vida particular, este distanciamento ocorre no campo profissional e
também nos consultórios e hospitais. Cada vez é mais comum ver médicos e pacientes
dando lugar a números, exames e diagnósticos tornarem-se códigos, e a comunicação
perder sua essência.

Aquele médico de família, que acompanhava todos os seus integrantes ao longo de suas
vidas, não existe mais. Ou restam pouquíssimos. Hoje temos um estranho avaliando outro
estranho - em apenas alguns minutos de curto diálogo, provavelmente, nunca mais se
encontrarão. É de se lamentar.

Entretanto, parece que, aos poucos, tanto os profissionais de medicina, como pacientes,
vêm repensando conceitos. Constatam que nada substitui o tratamento humanizado, nada
é mais importante do que o médico que tem nome e rosto e que conhece o nome e o rosto
de seu paciente.

É tempo de recuperar nossas raízes, de resgatar do bom e velho médico, e suas principais
qualidades sem, é claro, abrir mão de toda a modernidade a que temos direito. O resgate
da humanização tão bem inserida naquele contexto de antigamente, deve pautar sempre
a prática da medicina, com principal objetivo de oferecer assistência digna e de qualidade
à população.

Seja da rede pública ou privada, o médico necessita de tranquilidade e deve ter todas as
ferramentas necessárias para um atendimento no qual possa oferecer o melhor do seu
conhecimento, toda a sua atenção e, principalmente, todo o seu respeito. Ele precisa de
tempo suficiente para conhecer o paciente, descobrir suas queixas, averiguar seu passado,
seus anseios e angústias, e fazer com que saia aliviado, com perspectiva de ter seu
problema encaminhado.

Enfim, queremos ver novamente o paciente confiando sua saúde com a mesma
tranquilidade que confiávamos antigamente. Ainda não é o que acontece na maioria dos
casos. Em parte porque este profissional vestido de branco não dispõe de tempo de
condições adequadas ao aprofundamento da relação com seu paciente. Pior, é pressionado
por todos os lados. Na saúde pública pelas filas intermináveis, falta de equipamentos etc.
Na rede privada, são as pressões das operadoras de planos de saúde, baixa remuneração
e o constante descredenciamento da rede conveniada que frequentemente engessam o
médico nas suas atividades.

A insegurança comum a médicos e população gera, não apenas atraso em diagnósticos ou


tratamentos, como também traz consequências por vezes desastrosas. Ou seja, com todos
os avanços, equipamentos de última geração e descobertas, temos hoje um dos piores
cenário que este país já conheceu no sistema de saúde.

A medicina é humana em sua essência, feita de humanos para seres humanos. Não é
possível mais assistir à sua fragmentação em duas medicinas - uma para os pobres e outras
para os ricos. Dar e receber assistência médica de qualidade e universal, mais do que um
anseio, é um direito de todos.
Antonio Carlos Lopes é Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Artigo publicado em 11/05/2011no jornal Acorda Pará
Artigo publicado em 14/05 no Diário Catarinense
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TEL (11) 590

04 / DEZEMBRO / 2018

Os 5 passos da humanização no cuidado da


Saúde

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Levar em consideração as necessidades do paciente e trabalhar com dados são


dois deles; saiba como tornar a assistência mais humana e, com isso, diminuir os
custos com complicações e agravos

Um dos desafios mais evidentes da gestão da Saúde Pública no Brasil é a


melhoria da qualidade dos serviços. A tecnologia trouxe a evolução de técnicas
importantes e ganhos na gestão, mas, por outro lado, não é suficiente para
promover a humanização na Saúde - que está diretamente ligada à satisfação dos
cidadãos. Prova disso é que mais da metade dos brasileiros (54%) avalia o
atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como ruim ou péssimo, segundo
pesquisa do Datafolha encomendada pelo Conselho Federal de Medicina em
2017. Outros 28% avaliam como regular e 17% como bom ou ótimo. O principal
problema citado é a demora para marcar consultas e exames, seguido da
falta de recursos e má gestão.
Esse levantamento é um retrato de que as reivindicações mais básicas são
também as mais evidentes. E o maior prejuízo é que o enfoque essencialmente
técnico se limita à cura e à manutenção da vida, desconsiderando aspectos
relativos às necessidades psíquicas dos cidadãos.
Para reverter esse quadro, seis passos são fundamentais:
1- Promover a qualidade dos dados dos usuários:
A implantação do Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), obrigatório em todas as
Unidades Básicas de Saúde (UBSs) desde janeiro de 2017, é um primeiro passo
para conhecer melhor os cidadãos e suas necessidades. Afinal, um atendimento
humanizado não pode abrir mão de informação confiável. Com o uso do PEC
ou seu sucessor com mais funcionalidades, o Prontuário Eletrônico do
Paciente (PEP), os profissionais passam a compreender melhor o histórico
do indivíduo e, assim, ampará-lo a partir de uma abordagem mais
humanizada.
Outra alternativa é a criação de uma central de regulação com o apoio de um
sistema de gestão. Ela garante não só o cumprimento das leis de atenção aos
cidadãos, garantindo vaga a quem precisa, como também controla a qualidade dos
serviços, impedindo fraudes e estabelecendo padrões mínimos de atendimento. A
implementação de consórcios intermunicipais também deve ser considerada, já
que eles melhoram a oferta de serviços, principalmente aqueles de maior
complexidade e maior custo.
2 - Humanizar o ambiente:
Para colocar em prática um atendimento humanizado, a própria unidade de Saúde
deve adotar princípios de humanização entre os profissionais, equipes e gestores.
Isso porque a satisfação dos que recebem a assistência depende da satisfação de
quem a realiza. Contar com uma equipe devidamente capacitada para prestar
um atendimento pautado na solidariedade pode ser consequência de um
ambiente orientado por esse mesmo princípio. Saber dialogar, reconhecer as
limitações do outro, respeitar posicionamentos e evitar situações constrangedoras
são algumas formas de melhorar o relacionamento interpessoal.
3- Melhorar a relação entre médico e paciente:
Para construir uma relação de qualidade nessa interação, os profissionais devem
ser capazes de lidar com os aspectos emocionais dos cidadãos. Os fatores
humanos não podem ser deixados de fora da anamnese. É fundamental precisar
diagnósticos e entregar informações sobre qualquer que seja o quadro de saúde
em questão, mas tão importante quanto trilhar o caminho da cura é respeitar a
realidade e a condição social do cidadão.
4- Promover a boa gestão dos processos:
O Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) do
governo federal trouxe orientações básicas e parâmetros para garantir a
humanização na Saúde. Por meio da requalificação das unidades públicas e da
valorização da condição humana, o PNHAH serve de referência para guiar as
instituições. Ele inclui a boa gestão dos processos que envolvem a assistência
como parte fundamental da mudança. Adotar a metodologia de gerenciamento
de processos com foco na humanização é um caminho para alcançá-la.
Aliada a um sistema de gestão da Saúde Pública, os resultados são ainda
mais simples de serem avaliados, pois os dados geram informações para
tomada de decisão.
5- Criar programas de medicina preventiva:
Lançar uma campanha de Saúde é uma forma de transmitir e perpetuar uma
mensagem, garantindo assim que informações-chave cheguem ao conhecimento
da população. Mas, além do aspecto educativo, a prática da medicina
preventiva traz mais qualidade de vida aos cidadãos, que deixam de adoecer
ou de registrar agravos com alto custo para os cofres públicos.
Os dados gerados por essas campanhas e pelos programas de medicina
preventiva se tornam valiosos para prever cenários e planejar demandas. Um
exemplo é a criação de um plano de cuidados para portadores de hipertensão, que
recebem acompanhamento de equipe multidisciplinar, indicação de dieta,
atividades físicas e estímulo à adoção de hábitos saudáveis - e,
consequentemente, têm menos possibilidade de sofrer infartos.
Portanto, a humanização na Saúde deve aliar a tecnologia aos processos e
às pessoas de forma a garantir mais qualidade de vida ao cidadão e menos
custos para os cofres públicos.

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“as doenças não são consideradas isoladamente e como um problema especial, mas

é no homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis
universais que a regem e com

a qualidade individual dele, que [o médico] se fixa com segura visão”.hipocrates

“as doenças não são consideradas isoladamente e como um problema especial, mas

é no homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis
universais que a regem e com

a qualidade individual dele, que [o médico] se fixa com segura visão”.1

Mais do que um biólogo, mais do que um naturalista, o médico deveria ser, fundamentalmente,
um humanista. Um sábio

que, na formulação do seu diagnóstico, leva em conta não apenas os dados biológicos mas
também os ambientais,

culturais, sociológicos, familiares, psicológicos e espirituais – pois não podemos nos esquecer
que, para o homem grego,

os deuses não deixam de ser sujeitos ativos na História e na vida das pessoas.
Apesar do rápido desenvolvimento do chamado método experimental – ou simplesmente
“método científico” – durante o

século XIX, a visão humanística da medicina continuou a dominar diversas gerações de médicos
em todo o mundo.

Durante essa época forjou-se a imagem romântica do médico sábio, conhecedor dos avanços
científicos no campo da

clínica, da patologia e da farmacologia mas também amante da literatura, da filosofia e da


história. Homem culto, o

médico romântico aliava seus conhecimentos científicos com os humanísticos e utilizava ambos
na formulação dos seus

diagnósticos e prognósticos. Conhecedor da alma humana e da cultura em que se inseria, já que


invariavelmente andava

muito próximo de seus pacientes – como médico de família que era – esse respeitável doutor
sabia que curar não era

uma operação meramente técnica, mas fundamentalmente humano-científica; uma operação


que envolvia elementos de

caráter cultural e psicológico.

Os enormes progressos alcançados graças às ciências físicas, químicas e biológicas, aliados aos
desenvolvimentos

tecnológicos, foram, cada vez mais, redirecionando a formação e a atuação do médico,


modificando também sua escala

de valores. Na medida em que o prestígio das ciências experimentais foi crescendo, o das
ciências humanas esvanecia-

se no meio médico.

As descobertas ainda mais surpreendentes que ocorreram nas últimas décadas, principalmente
no âmbito da biologia

celular e molecular, que ultimamente têm culminado nas pesquisas do genoma, parecem ter
definitivamente confirmado

a idéia de que a chave de todo o conhecimento médico está nas ciências experimentais.

Anuncia-se para dentro em breve o descobrimento das verdadeiras causas de todas ou pelo
menos quase todas as

doenças que flagelam a humanidade. E, dessa forma, através de manipulações em nível


genético, assim como por meio

de precisos e eficazes tratamentos preventivos, poder-se-á prever, reverter e principalmente


prevenir grande parte das
doenças que nos espreitam, como o câncer, as deficiências imunológicas ou os distúrbios
cardiovasculares.

Visto dessa forma, as ciências humanas – a história, a filosofia e a literatura – não têm mais nada
a dizer à medicina, a

não ser louvar as suas lutas e conquistas e relatar a sua tremenda evolução. Obviamente, um
verniz humanístico nunca

deixa de ser algo apetecível ao bom médico que zela pela sua imagem de intelectual livre-
pensador e, que em última

análise, deve se preocupar com as questões de relacionamento médico-paciente.

De fato, todo esse processo de supervalorização das ciências biológicas, da super-especialização


e dos meios

tecnológicos que acompanharam o desenvolvimento da medicina nestas últimas décadas trouxe


como conseqüência

mais visível, a “desumanização” do médico. Um sujeito que foi se transformando cada vez mais
em um técnico, um

especialista, profundo conhecedor de exames complexos, precisos e especializados, porém, em


muitos casos, ignorante

dos aspectos humanos presentes no paciente que assiste. E isso, não apenas por força das
exigências de uma

formação cada vez mais especializada, mas também em função das transformações nas
condições sociais de trabalho

que tenderam a proletarizar o médico, restringindo barbaramente a disponibilidade deste para


o contato com o paciente,

assim como para a reflexão e a formação mais abrangente.

É óbvio que quando se pensa em termos de saúde pública e, em certos casos, de epidemiologia
os aportes sociológicos

e antropológicos são vistos como essenciais e indiscutíveis. Mas quando adentramos o território
da clínica e das

especialidades no que poderiam ajudar os conhecimentos históricos, filosóficos ou literários que


determinado médico ou

cientista possa ter?

Certamente ninguém discute que tais conhecimentos possam ajudar na questão do


relacionamento com o paciente, mas

seria só isso? Será que o advento do conhecimento científico – entendido aqui no sentido estrito
das atuais ciências

exatas e biológicas – terá significado a superação definitiva da “medicina humanística”, uma


medicina que, carente de
conhecimentos efetivamente científicos, se viu obrigada historicamente a apelar para saberes
pré-científicos ou mesmo

pseudo-científicos?

Dentro dessa perspectiva que se poderia chamar de cientificista-evolucionista – senão


propriamente de positivista – a

história serviria apenas para trazer à luz do presente as carências, erros e absurdos das teorias
e procedimentos

médicos do passado – apesar da imensa boa vontade e esforço desses - e admirar a lenta e difícil
conquista da verdade

científica no decurso do tempo.

Tal teoria da ciência, bastante em voga nos nossos dias, já vem sendo combatida e criticada
desde a virada do século

por filósofos como Gaston Bachelar e, mais recentemente, Thomas Kuhn, mas parece não ter
sido suficientemente

absorvida pela maioria dos médicos e cientistas da saúde contemporâneos, que continuam
demasiadamente

entusiasmados com as novas perspectivas da ciência.

Não que tais perspectivas não sejam de fato entusiasmantes e benéficas. O problema,
entretanto, é a falta de reflexão

crítica sobre elas; sobre as suas conseqüências éticas, sociais, culturais e existenciais.

Ainda que quase todo mundo concorde teoricamente, na prática poucos são os que
efetivamente estão conscientes de

que a ciência e a tecnologia não podem resolver todos os problemas da humanidade. A crença
na panacéia científico-

tecnológica da atualidade por um lado impulsiona a evolução do conhecimento mas por outro
o bloqueia, hipertrofiando

certas dimensões da verdade em detrimento de outras.

Certamente, mesmo depois de totalmente desvendado o código genético e desenvolvidas as


mais sofisticadas técnicas

de diagnóstico e prognóstico clínico, os médicos continuarão enfrentando limitações e


dificuldades que exigirão mais do

que o conhecimento científico-tecnológico para que possam ser superadas. E isso é uma
realidade que já se

experimenta, muitas vezes de forma traumática e desalentadora, nos dias de hoje.


Sem dúvida há uma grande necessidade de se “reumanizar” a medicina. De se desenvolver e
fornecer recursos

humanísticos para o processo de formação e de atuação do médico e dos cientistas da saúde


em geral. E isso não

apenas por uma questão de ética, como já se afirmou acima, mas por uma exigência
fundamentalmente epistemológica;

pela própria lógica do desenvolvimento do conhecimento científico. Só se pode falar em


verdadeira evolução do

conhecimento biológico-médico quando se procura a integração dos saberes que extrapolam o


campo eminentemente

físico-experimental.

As ciências humanísticas têm muito a contribuir para o desenvolvimento das ciências da saúde
e da medicina em

particular. Mas tal contribuição só pode se efetivar quando médicos, cientistas da saúde,
historiadores, filósofos,

antropólogos, psicólogos, literatos, pedagogos e alunos perceberem a necessidade de, sem pré-
conceitos e com o

espírito aberto, se constituírem canais comuns de estudo, discussão e troca de experiências.

Nunca como hoje se faz tão necessário a reflexão histórico-filosófica para que se possa
reumanizar a medicina e as

ciências da saúde em geral.

* O que se passava na medicina nesse momento não deixava de ser uma manifestação do
sentimento que dominava

uma grande parcela dos cientistas, intelectuais e ideólogos da época: a crença religiosa no poder
salvador da ciência.

18. Freidson E. Profession of medicine: a study of sociology of applied


knowledge. New York: Harper & How, 1988

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