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Qualquer situação de saúde e doença que nos torne vulnerável diante da vida se configura
como um momento de crise existencial. É como se a nossa relação entre passado, presente
e futuro se modificasse a partir do início de um sintoma, do resultado de um exame, de um
acidente ou outro acontecimento que nos torna física e/ou mentalmente vulneráveis. Muito
do que conhecíamos sobre nós ou esperávamos para o futuro deixa de ser e dá lugar a
tudo que permeia a nova condição existencial.
Mesmo quando o quadro parece ser somente de natureza orgânica, tudo que acontece
impacta nosso ser integralmente trazendo consequências emocionais, sociais, espirituais e
econômicas em maior ou menor grau.
Mas, como saber se estamos recebendo um atendimento que nos humaniza em nossa
condição e que favorece o nosso cuidado e recuperação?
Mas, nem sempre é fácil identificar se os itens acima listados estão realmente acontecendo
na relação estabelecida entre quem cuida e é cuidado. Por isso, também é importante que
saibamos reconhecer se há a desumanização.
Vale ressaltar que nem sempre a questão é responsabilidade do (s) profissional (is) que nos
atende (m). Muitas questões, como a estrutura física do local onde o tratamento é
realizado, por exemplo, faz parte do funcionamento de uma instituição e, por vezes, a
própria equipe também está exposta de maneira desumana e insalubre. Neste caso, é
preciso que saibamos identificar de onde vem o problema para acionar os meios corretos e
tentar solucioná-lo.
Como diz Leonardo Boff, “o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é
mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção.
Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro”.
É o tão falado “olhos nos olhos” que humaniza o tratamento. É ele que permite a troca, o
cuidado e o crescimento mútuo entre quem cuida e quem é cuidado. Em um atendimento
humanizado todos saem ganhando independente do resultado final, porque nele o amor
ao humano prevalece em sua mais nobre essência.
Aquele médico de família, que acompanhava todos os seus integrantes ao longo de suas
vidas, não existe mais. Ou restam pouquíssimos. Hoje temos um estranho avaliando outro
estranho - em apenas alguns minutos de curto diálogo, provavelmente, nunca mais se
encontrarão. É de se lamentar...
Vivemos tempos de grande avanço tecnológico. Com todas as vantagens da globalização,
verificamos, ao mesmo tempo entristecidos, o distanciamento entre as pessoas. Assim
como em nossa vida particular, este distanciamento ocorre no campo profissional e
também nos consultórios e hospitais. Cada vez é mais comum ver médicos e pacientes
dando lugar a números, exames e diagnósticos tornarem-se códigos, e a comunicação
perder sua essência.
Aquele médico de família, que acompanhava todos os seus integrantes ao longo de suas
vidas, não existe mais. Ou restam pouquíssimos. Hoje temos um estranho avaliando outro
estranho - em apenas alguns minutos de curto diálogo, provavelmente, nunca mais se
encontrarão. É de se lamentar.
Entretanto, parece que, aos poucos, tanto os profissionais de medicina, como pacientes,
vêm repensando conceitos. Constatam que nada substitui o tratamento humanizado, nada
é mais importante do que o médico que tem nome e rosto e que conhece o nome e o rosto
de seu paciente.
É tempo de recuperar nossas raízes, de resgatar do bom e velho médico, e suas principais
qualidades sem, é claro, abrir mão de toda a modernidade a que temos direito. O resgate
da humanização tão bem inserida naquele contexto de antigamente, deve pautar sempre
a prática da medicina, com principal objetivo de oferecer assistência digna e de qualidade
à população.
Seja da rede pública ou privada, o médico necessita de tranquilidade e deve ter todas as
ferramentas necessárias para um atendimento no qual possa oferecer o melhor do seu
conhecimento, toda a sua atenção e, principalmente, todo o seu respeito. Ele precisa de
tempo suficiente para conhecer o paciente, descobrir suas queixas, averiguar seu passado,
seus anseios e angústias, e fazer com que saia aliviado, com perspectiva de ter seu
problema encaminhado.
Enfim, queremos ver novamente o paciente confiando sua saúde com a mesma
tranquilidade que confiávamos antigamente. Ainda não é o que acontece na maioria dos
casos. Em parte porque este profissional vestido de branco não dispõe de tempo de
condições adequadas ao aprofundamento da relação com seu paciente. Pior, é pressionado
por todos os lados. Na saúde pública pelas filas intermináveis, falta de equipamentos etc.
Na rede privada, são as pressões das operadoras de planos de saúde, baixa remuneração
e o constante descredenciamento da rede conveniada que frequentemente engessam o
médico nas suas atividades.
A medicina é humana em sua essência, feita de humanos para seres humanos. Não é
possível mais assistir à sua fragmentação em duas medicinas - uma para os pobres e outras
para os ricos. Dar e receber assistência médica de qualidade e universal, mais do que um
anseio, é um direito de todos.
Antonio Carlos Lopes é Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Artigo publicado em 11/05/2011no jornal Acorda Pará
Artigo publicado em 14/05 no Diário Catarinense
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04 / DEZEMBRO / 2018
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“as doenças não são consideradas isoladamente e como um problema especial, mas
é no homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis
universais que a regem e com
“as doenças não são consideradas isoladamente e como um problema especial, mas
é no homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis
universais que a regem e com
Mais do que um biólogo, mais do que um naturalista, o médico deveria ser, fundamentalmente,
um humanista. Um sábio
que, na formulação do seu diagnóstico, leva em conta não apenas os dados biológicos mas
também os ambientais,
culturais, sociológicos, familiares, psicológicos e espirituais – pois não podemos nos esquecer
que, para o homem grego,
os deuses não deixam de ser sujeitos ativos na História e na vida das pessoas.
Apesar do rápido desenvolvimento do chamado método experimental – ou simplesmente
“método científico” – durante o
século XIX, a visão humanística da medicina continuou a dominar diversas gerações de médicos
em todo o mundo.
Durante essa época forjou-se a imagem romântica do médico sábio, conhecedor dos avanços
científicos no campo da
médico romântico aliava seus conhecimentos científicos com os humanísticos e utilizava ambos
na formulação dos seus
muito próximo de seus pacientes – como médico de família que era – esse respeitável doutor
sabia que curar não era
Os enormes progressos alcançados graças às ciências físicas, químicas e biológicas, aliados aos
desenvolvimentos
de valores. Na medida em que o prestígio das ciências experimentais foi crescendo, o das
ciências humanas esvanecia-
se no meio médico.
As descobertas ainda mais surpreendentes que ocorreram nas últimas décadas, principalmente
no âmbito da biologia
celular e molecular, que ultimamente têm culminado nas pesquisas do genoma, parecem ter
definitivamente confirmado
a idéia de que a chave de todo o conhecimento médico está nas ciências experimentais.
Anuncia-se para dentro em breve o descobrimento das verdadeiras causas de todas ou pelo
menos quase todas as
Visto dessa forma, as ciências humanas – a história, a filosofia e a literatura – não têm mais nada
a dizer à medicina, a
não ser louvar as suas lutas e conquistas e relatar a sua tremenda evolução. Obviamente, um
verniz humanístico nunca
deixa de ser algo apetecível ao bom médico que zela pela sua imagem de intelectual livre-
pensador e, que em última
mais visível, a “desumanização” do médico. Um sujeito que foi se transformando cada vez mais
em um técnico, um
dos aspectos humanos presentes no paciente que assiste. E isso, não apenas por força das
exigências de uma
formação cada vez mais especializada, mas também em função das transformações nas
condições sociais de trabalho
É óbvio que quando se pensa em termos de saúde pública e, em certos casos, de epidemiologia
os aportes sociológicos
e antropológicos são vistos como essenciais e indiscutíveis. Mas quando adentramos o território
da clínica e das
seria só isso? Será que o advento do conhecimento científico – entendido aqui no sentido estrito
das atuais ciências
pseudo-científicos?
história serviria apenas para trazer à luz do presente as carências, erros e absurdos das teorias
e procedimentos
médicos do passado – apesar da imensa boa vontade e esforço desses - e admirar a lenta e difícil
conquista da verdade
Tal teoria da ciência, bastante em voga nos nossos dias, já vem sendo combatida e criticada
desde a virada do século
por filósofos como Gaston Bachelar e, mais recentemente, Thomas Kuhn, mas parece não ter
sido suficientemente
absorvida pela maioria dos médicos e cientistas da saúde contemporâneos, que continuam
demasiadamente
Não que tais perspectivas não sejam de fato entusiasmantes e benéficas. O problema,
entretanto, é a falta de reflexão
crítica sobre elas; sobre as suas conseqüências éticas, sociais, culturais e existenciais.
Ainda que quase todo mundo concorde teoricamente, na prática poucos são os que
efetivamente estão conscientes de
que a ciência e a tecnologia não podem resolver todos os problemas da humanidade. A crença
na panacéia científico-
tecnológica da atualidade por um lado impulsiona a evolução do conhecimento mas por outro
o bloqueia, hipertrofiando
que o conhecimento científico-tecnológico para que possam ser superadas. E isso é uma
realidade que já se
apenas por uma questão de ética, como já se afirmou acima, mas por uma exigência
fundamentalmente epistemológica;
físico-experimental.
As ciências humanísticas têm muito a contribuir para o desenvolvimento das ciências da saúde
e da medicina em
particular. Mas tal contribuição só pode se efetivar quando médicos, cientistas da saúde,
historiadores, filósofos,
antropólogos, psicólogos, literatos, pedagogos e alunos perceberem a necessidade de, sem pré-
conceitos e com o
Nunca como hoje se faz tão necessário a reflexão histórico-filosófica para que se possa
reumanizar a medicina e as
* O que se passava na medicina nesse momento não deixava de ser uma manifestação do
sentimento que dominava
uma grande parcela dos cientistas, intelectuais e ideólogos da época: a crença religiosa no poder
salvador da ciência.