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O texto a seguir foi publicado na revista Ciência Hoje (vol. 20, no115, novembro de 1995), da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Pode ser reproduzido total ou
parcialmente para fins acadêmicos, sendo que para isso a fonte deve ser citada. Para fins
comerciais, é necessária a autorização prévia da revista Ciência Hoje.
[introdução]
Ao lançar, no início do século, a teoria da relatividade, Einstein previu que a luz sofreria
desvios quando passasse perto de corpos de grande massa. Como a comprovação desse
efeito dependia de um objeto com massa suficiente para causar um desvio perceptível, o
cientista teve a idéia de fotografar estrelas distantes que estivessem próximas da borda do
Sol, o que só é possível em um eclipse total, e comparar as imagens com outras, das
mesmas estrelas, obtidas à noite, para verificar se estas mudavam de posição. A história das
tentativas de fazer essas fotografias registra vários fracassos, mas em 1919, em eclipse
observado no Ceará, astrônomos ingleses mediram o desvio, consagrando Einstein
definitivamente.
[início]
Ao decidir, em 1907, enfrentar o problema da gravitação, Albert Einstein encontrou
encorajamento em poucos cientistas. Afinal, isso significava pôr em cheque a teoria da
gravitação universal de Sir Isaac Newton, lançada 220 anos antes e até então incontestada.
O que poderia daí resultar? Para o físico alemão, porém, tratava-se de uma questão de
princípio. A presença de uma dúvida na grandiosa construção teórica de Newton era
insuportável para Einstein, mas tinha, ao mesmo tempo, um lado agradável, por significar
que ainda restava alguma coisa a ser compreendida.
O detalhe que perturbava Einstein pode ser apresentado da seguinte forma: enquanto o
conceito de velocidade -- dentro da teoria da relatividade restrita, que ele próprio havia
elaborado e publicado em 1905 -- é relativo, isso não ocorre com o conceito de aceleração.
Assim, o sistema inercial (sistema no qual são válidas as leis da mecânica) parece ocupar
um lugar privilegiado na teoria de Newton, situação que incomodava o cientista, por indicar
que algo não estava bem esclarecido nas relações entre o princípio da relatividade e a
gravitação newtoniana. Esse incômodo o fez consagrar os 10 anos seguintes de sua vida ao
problema e o levou ao desenvolvimento da teoria da relatividade geral.
Embora a relatividade restrita tenha introduzido profundas modificações na estrutura
conceitual da mecânica clássica - as idéias de espaço e tempo relativos e de uma
velocidade máxima (c) para todos os corpos, por exemplo -, essa nova teoria, ao ser
justaposta à gravitação newtoniana (justaposição obrigatória, já que a relatividade restrita é
uma superteoria, ou seja, todas as outras teorias da física têm que obedecer a seus
postulados) trazia um sério problema. Os sistemas referenciais inerciais (sistemas de
coordenadas onde não existem forças externas atuando) aparentemente continuavam a ter
uma situação privilegiada, comparados a outros sistemas ditos não-inerciais.
Já a teoria da relatividade geral propõe tornar os sistemas não-inerciais 'equivalentes' aos
sistemas inerciais. Em outras palavras, com a formulação de sua teoria da relatividade geral,
Einstein procurou construir uma física que fosse válida para todo e qualquer sistema de
referência.
Para esclarecer a dúvida, ele precisou estudar a geometria de Riemann, contando com a
ajuda de Marcel Grossmann, antigo companheiro de estudos na Eidgenossische Technische
Hochschule, em Zurique. O recurso a uma tal geometria, baseada no conceito de curvatura,
contrariava as desconfianças iniciais de Einstein, pois parecia significar que a natureza não
era tão simples quanto ele imaginava, ou pelo menos desejava.
Outro problema que precisava ser encarado estava na constatação de que as equações
newtonianas da gravitação conservavam sua forma em relação às transformações
(equações de comparação entre sistemas referenciais distintos) de Galileu, mas não em
relação às de (Hendrick) Lorenz. Em suma, a teoria de Newton não era compatível com a
relatividade restrita. Apesar disso, as críticas de Einstein ainda não convenciam inteiramente
alguns de seus colegas. Afinal, a teoria da gravitação universal não havia sido
'perfeitamente' verificada? Não era aplicável ao sistema solar e aos sistemas de estrelas
duplas, e portanto válida para todo o universo?
Os físicos teóricos da época certamente sabiam que as relações conceituais entre a
relatividade restrita e a gravitação newtoniana eram imperfeitas, e talvez admitissem a
existência de uma incoerência entre as duas teorias. Mas eles acreditavam que outras
questões da física deveriam ser atacadas antes desse problema. Um exemplo era a teoria
quântica, que começava a ser desenvolvida, reclamando enormes esforços da comunidade
científica, e tinha um programa de pesquisa já estabelecido, ou mais detalhado que o
proposto por Einstein para o problema da gravitação newtoniana. Além disso, a teoria
quântica colocava questões que, além de ricas e interessantes, eram aparentemente mais
'abordáveis', ou seja, mais 'resolúveis'.