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HUMANIDADES

BIOGRAFIA

Newton, o mago da razão


último Feiticeiro (Record, 378 pági- cia. Os Principia, em especial, são
Biografia revela nas, R$ 40,00), que revela o intenso prova disso", assegura White.
interesse de Newton pelo ocultismo Segundo White, das mais de 4 mi-
paixão do cientista e de que forma isso foi responsável lhões de palavras que Newton deixou
pelo ocultismo por suas descobertas científicas mais escritas, 3 milhões remetem ao mun-
importantes. "Ele sempre foi consi- do oculto. "Ele, porém, temia deixar
derado um cientista rígido, adepto público esse envolvimento, pois a al-
eats não perdoava Newton por ferrenho do empirismo e ninguém quimia era crime passível de pena de
K ele "ter destruído toda a poesia
do arco-íris", fazendo, talvez, a pri-
podia acreditar que pudesse ter
idéias alheias à corrente científica
morte, já que seus adeptos queriam
produzir ouro e isso era uma amea-
meira crítica ao excessivo racionalis- tradicional. Mas ele tinha, em segre- ça para o sistema monetário", expli-
mo científico, do qual Sir Isaac, desde do, um outro campo de estudo, a al- ca o jornalista. "Foi a alquimia, com
então, foi entronizado como o mais quimia, com o qual queria desven- seu conceito de um espírito de afini-
ortodoxo ícone. Mas, em verdade, dar os segredos do Universo, em vez dade química difundida pela maté-
longe de ser o primeiro representan- de por meio da matemática e da ciên- ria e permitindo a ocorrência de
te da idade da Razão, reações químicas, aliada ao
ele foi, em verdade, "o arianismo secreto de Newton
último dos magos, o úl- e à sua noção do corpo espi-
timo dos babilônios e ritual de Cristo difuso pelo
. .
dos sumérios, a última umverso, como um mew on-
grande mente que viu de a matéria pode se movi-
além do mundo visível mentar, que permitiu a ele acei-
e racional, com os mes- tar que a força da gravidade
mos olhos daqueles que pudesse agir a uma distância
iniciaram a construção aparente", explica.
de nossa herança inte- A maçã? Bem, já sabíamos
lectual': como o definiu que a história da inspiração
outro inglês, Keynes. O da queda da fruta diante dos
mundo preferiu não ou- olhos de Newton não era
vir a definição de New- para ser levada a sério. O que
ton dada pelo célebre desconhecíamos era o autor
economista, em 1942, da ficção: ninguém me-
após ter comprado, em nos do que o próprio
um leilão, manuscritos Sir Isaac. "Ele inven-
de Newton e descober- tou essa história para
to, atônito, o intenso in- encobrir a verdadei-
teresse do cientista pelo ra linha de raciocínio
mundo oculto. oculta que utilizou
Michael White, edi- para chegar às forças
tor de ciência de várias gravitacionais. New-
publicações inglesas, pe- ton, quando velho,
gou a pista de 50 anos quis encobrir seus
atrás e resolveu investi- estudos alquímicos e
gar. O resultado é uma também deixar uma
surpreendente biogra- imagem póstuma fasci-
fia do pai da Física mo- nante e condigna a seu
derna, Isaac Newton: o status de grande gênio de

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sua era. Ele adorava fazer au- ·~ esse seu lado secreto. Ao se
::>
o
topromoção", conta White. ver encurralado, sem poder
"Mas devemos sempre nos ~ revelar a fonte de suas idéias,
remeter à sua época e não jul- ele lançou mão de um 'éter'
gá-lo com nossos olhos. Para hipotético, a fim de explicar
ele, nada havia de errado em, a gravidade. Isso não apenas
ao lado das ferramentas cien- ia de encontro ao seu propa-
tíficas, lançar mão de conhe- lado comprometimento com
cimentos extraídos da Bíblia a razão experimental, como
e da alquimia': diz. também o deixou exposto ao
Basta, efetivamente, lem- ataque - para ele terrível,
brar que Newton, nascido em dado o seu credo religioso -
1642 e morto em 1727, viveu de que era um mecanicista",
numa era em que se faziam conta White. O cientista gas-
guerras e se assassinavam ho- tou 40 anos de sua vida per-
mens por suas crenças religio- seguindo o colega Leibniz,
sas e as análises meticulosas da numa campanha nunca an-
natureza da luz aconteciam tes vista no mundo acadêmi-
simultaneamente a tentativas Newton: descobrindo os segredos do universo na alquimia co, para destruí-lo, conven-
sérias de se encontrar a pedra cido de que fora roubado
filosofal. Longe de um Newton dimi- tureza. Ele procurou reunir esses uni- pelo companheiro de ciência na sua
nuído, encontramos o cientista hu- versos em equilíbrio." Mas, antes de formulação do cálculo.
mano e criativo. "Até hoje, a maioria seu biógrafo e de Keynes, um con- "Newton era uma pessoa detestá-
dos cientistas não pensa em termos temporâneo havia revelado a estra- vel, um homem amargo, estranho,
puramente matemáticos ou empíri- nha paixão do sábio racional: seu ar- recluso. Diz a lenda que só riu uma
cos e são pessoas muito imaginativas. quiinimigo Leibniz. vez na vida: quando lhe perguntaram
Mesmo a ciência que enterrou a físi- "Leibniz denunciou que o concei- que utilidade via em Euclides. É, com
ca newtoniana, a mecânica quântica, to da gravidade estava muito ligado certeza, um exagero, mas não está de
convenhamos, não é uma coisa das ao mundo do ocultismo. De fato, todo longe da sua personalidade
mais lógicas e se tentarmos entendê- Newton deixou-se cair numa arma- real", fala White. "Quando fez 19 anos,
la apenas com a razão não consegui- dilha intelectual ao tentar esconder ele escreveu uma lista dos pecados que
remos", fala.
Mais: a alquimia não é distante da
física quanto sonha a nossa filosofia.
"Os alquimistas buscavam abranger
A relatividade de Einstein
todos os segredos do universo de for-
ma, como chamamos hoje, holística. Ele pôs abaixo o universo zelosa- cos", escreveu Felix Klein, um colega
Eram excelentes observadores do mente engendrado por Newton, mas, matemático de Albert.
mundo físico, o qual tentavam enten- assim como o colega passado inglês, O livro, assim como a biografia
der e explicar o seu funcionamento, Albert Einstein também subiu nos de Newton de Michael White, tam-
com um olhar alternativo para o uni- ombros de gigantes obscuros. Essa é bém traz outros "podres" do célebre
verso. Newton compreendeu que, se uma das conclusões descritas no li- cientista, em especial a sua incons-
desejava levar a Física adiante, preci- vro recém-lançado nos EUA, Eins- tância sentimental, um pecado que,
saria também reinventar o universo e tein in Lave: a Scientific Romance ainda bem, ele não repetia em sua
criar uma nova narrativa", afirma. (416 págs., Viking, US$ 27,95), de vida profissional, permanecendo
"Logo, para ele, a alquimia não era Dennis Overbye, o editor sênior de fiel toda a sua vida a uma única
uma diversão, mas a sua musa inspi- ciência do The New York Times. Se- concepção filosófica do mundo. O
radora. E deve ser louvado por inven- gundo ele, seguindo as pegadas do mesmo não valia, no entanto, para
tar a ciência criativa e que vai além arquiinimigo de Newton, Leibniz, sua relação com as mulheres que
do dado imediato", avisa. "Era um Einstein postulou que espaço e povoaram a sua existência. Em es-
homem muito religioso e acreditava tempo não tinham realidade objeti- pecial, na sua juventude, quando o
ser seu dever desvendar os segredos va. "Einstein não é um matemático, gênio era bem diferente da figura de
do universo e só havia duas formas mas trabalha sob a influência de vovô santinho, língua de fora, a que
de fazer isso: estudando a palavra de impulsos obscuros físicos e filosófi- nos acostumamos.
Deus, a Bíblia, e a obra divina, a na-

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cometera em sua existência e o de nú- outras idéias, bíblicas, a Sir Isaac.
e refugiou-se na vida pública, em es-
mero 13 é assombroso: 'Quis queimar "Newton, tudo leva crer, foi um ho-
pecial, com a sua nomeação como
meu padrasto e mãe e a casa sobre mossexual reprimido que se apaixo-
Mestre da Casa da Moeda Real': fala.
eles: O seguinte tampouco é melhor: "Lá, Newton mostrou o pior de sua
nou por Fatio de forma intensa. Boa
'Desejei a morte a muitas pessoas e personalidade, transformando-se nu-
parte das cartas entre os dois tem
gostaria que realmente ocorresse para partes destruídas pelo próprio New-
ma autoridade cruel, impiedosa, ob-
alguns'. Era um homem problemáti- ton para encobrir partes mais revela-
sessiva, sempre em busca de qualquer
co, solitário e sofrido", fala. "E sempre tentativa de falsificação, que punia
doras. Ainda assim, o que restou é su-
procurou compensar suas origens ficiente para levantar essa hipótese.
com rigor exagerado. Não aceitava
humildes com o sucesso. Assim, se na nenhum tipo de pedido de clemência
Seja como for, após pararem subita-
juventude fazia suas pesquisas para de condenados à morte e fazia ques-
mente de se corresponder, o físico so-
glorificar Deus, com o passar do tem- tão de assistir às execuções': diz Whi-
freu um abalo nervoso dramático.
po ele queria apenas se promover, fa- Creio que a causa disso foi a recusa
te. "O mesmo vale para o seu período
zendo ciência para seu próprio inte- como presidente da Royal Society, que
do suíço de ir viver com ele na Ingla-
resse", revela o biógrafo. terra", fala White. governou com mão-de-ferro, vingan-
O último dos magos, embora afe- do-se de todos os que acreditava de-
Isso não interessaria à posterida-
tasse modéstia, dizendo ter, em ver- safetos seus ou não respeitosos o bas-
de se não tivesse sido o catalisador do
dade, chegado onde chegou subindo fim da criatividade newtoniana. ''Após
tante com sua contribuição científica."
no ombro dos gigantes que o antece- Sua primeira medida foi mandar
esse acontecimento trágico, ele aban-
deram, adorava ser adulado pelos co- donou o interesse nas suas pesquisas
arrancar da parede e queimar o qua-
legas e perseguia todos os ~trr~~~~-~~~-;------, 0 dro de seu antecessor e críti-
que, acreditava, não o trata- ·~ co, Robert Hooke.
vam como um gênio único.
o
i
''Ainda assim, essa frieza
Só foi extremamente pacien- confunde-se com a sua habi-
te com um jovem discípulo, o lidade de conceber o univer-
matemático suíço Nicholas so como se o homem -antes
Fatio de Duilier, com quem o observador privilegiado, a
manteve uma tórrida corres- medida de todas as coisas -
pondência. Bem, a maçã fosse uma nota de pé de pá-
pode não lhe ter inspirado a gina irrelevante", analisa o
teoria gravitacional, mas deu biógrafo. •

Overbye lembra que o físico o dinheiro que ganharia


teve uma filha ilegítima (cuja se fosse o vencedor do
vida é descrita em outro livro Nobel. Em 1921, ele ga-
recente, Einstein Daughter: The nhou e cumpriu o trato.
Search for Lieserl, de Michele Outra obra fascinan-
Zackheim), Lieserl, que nunca te sobre ele que acaba de
se interessou em ver e pode Einstein: tomado pela influência de impulsos físicos obscuros sair é Driving Mr Albert
mesmo ter obrigado a mulher, (224 págs., US$ 18,95),
Mileva, a colocá-la para adoção. dade da mulher, Mileva, um a expe- de Michael Paterniti. Um road book
Também gostava de bater na pobre riente matemática. Pelo fato de ter que descreve a viagem do autor, um
esposa e, assim que pôde, traiu com publicado um ensaio, com 26 anos, repórter da Harper's, com o médico
a prima da criatura, Elsa, que, pou- pouco depois de seu casamento com Thomas Harvey, o responsável, em
co depois, trocou por outra. Quan- a sérvia, o boato espalhou-se e perse- 1955, pela autopsia de Einstein, que
do seu filho mais jovem passou a so- guiu por tempos a reputação de Eins- roubou o cérebro do gênio e guar-
frer de esquizofrenia, Einstein o tein. Mas, diz o livro, além de corrigir dou em casa, fatiado, dentro de um
rejeitou. Segundo o jornalista, era algumas equações matemáticas, Mi- tupperware, exibindo-o ocasional-
um homem misógino, egoísta e mu- leva, naquela época, estava mesmo mente por alguns trocados. Arre-
lherengo incorrigível. preocupada em criar os filhos e dei- pendido, o médico resolveu devol-
Mas Overbye desmente a velha xar o marido livre para pensar. Ainda vê-lo à neta do cientista e convidou
lenda de que o cientista teria rouba- assim, para poder conseguir a separa- o jornalista para acompanhá-lo.
do idéias para a sua teoria da relativi- ção, ele foi obrigado a prometer a ela Uma leitura deliciosa.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 2000 • 79

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