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ASSISTÊNCIA EM AÇÕES COLETIVAS

ASSISTÊNCIA EM AÇÕES COLETIVAS


Revista de Processo | vol. 88/1997 | p. 269 - 271 | Out - Dez / 1997
Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 9 | p. 341 - 344 | Out / 2011
DTR\1997\417

Antonio Gidi

Área do Direito: Processual


Sumário:

Poder-se-ia entender que nas ações coletivas em defesa de direitos superindividuais


(difuso e coletivo), à semelhança do que ocorre nas ações coletivas em defesa de
direitos individuais homogêneos (art. 94 do CDC (LGL\1990\40)), qualquer pessoa
lesada e, portanto, com interesse jurídico no resultado da demanda, poderia intervir no
processo como assistente, a fim de auxiliar a parte impropriamente chamada principal
(art. 52 do CPC (LGL\1973\5)).

Tratar-se-ia do instituto da assistência simples, porquanto a influência que a sentença


coletiva tem no conflito individual não é decisiva. É verdade que a influência será total,
se a sentença coletiva for de procedência; no entanto, não se pode dizer que a influência
seja decisiva porque, em caso de improcedência do pedido coletivo, o direito individual
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permanece intacto. Seria, como denomina a doutrina, uma "influência relativa".

Acontece que, a ser admitida a intervenção assistencial de particulares nas ações


coletivas, estar-se-ia negando a própria razão de ser das ações coletivas no direito
brasileiro. Enfim, tanto razões de caráter dogmático como razões de caráter pragmático
convergem para a vedação à possibilidade de um particular intervir numa ação coletiva
como assistente.

O primeiro argumento a ser levantado é de ordem pragmática. Ao feito poderiam acorrer


tantos particulares como assistentes, o que inviabilizaria completamente a condução
regular do processo, comprometendo o pleno exercício da jurisdição, da ação e da
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defesa. E é exatamente isso, entre outras coisas, que a ação coletiva visa evitar.

Outros argumentos, estes de caráter dogmático, contrários à admissão de assistência


por particulares em ação coletiva podem ser elencados. Por exemplo: a) se o indivíduo
não tem legitimidade ad causam para propor, não a terá para intervir em ação coletiva;
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b) o interessado não teria interesse processual para intervir; c) não há relação do
interessado com a pessoa a quem assiste etc.

Dizer que negar a intervenção das pessoas diretamente interessadas no direito


superindividual afrontaria os princípios constitucionais do devido processo legal e da
inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5.º, LIV e XXXV, da CF/1988
(LGL\1988\3)) não seria aceitável por duas razões básicas. Em primeiro lugar, porque
essas garantias constitucionais já estariam asseguradas pela "adequada representação"
e pelas diversas normas que acautelam os interesses dos ausentes. Em segundo lugar,
porque, como vimos, o particular, individualmente, não é o titular do direito subjetivo
em questão, mas a comunidade ou a coletividade indivisivelmente consideradas. O
particular, já o dissemos, é titular apenas de um "interesse", não tutelado pelo
ordenamento, de que o direito superindividual ou individual homogêneo da comunidade
ou coletividade à qual pertence venha a ser tutelado em juízo através de uma ação
coletiva.

Uma vez proposta a ação coletiva (art. 263 do CPC (LGL\1973\5)) por qualquer uma das
entidades co-legitimadas (art. 5.º da LACP e art. 82 do CDC (LGL\1990\40)), já não
mais será possível que um outro co-legitimado reproponha a mesma ação coletiva
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anteriormente ajuizada sem que isso induza litispendência (art. 301, §§ 1.º a 3.º, do
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CPC (LGL\1973\5)).

Isso não pode significar, todavia, que as portas estejam definitivamente fechadas para
os demais co-legitimados, porquanto qualquer ente legitimado à propositura da ação
coletiva terá interesse e legitimidade para intervir no processo instaurado por um outro
legitimado. O instituto através do qual essa intervenção se realiza é o da assistência
(arts. 50 a 55 do CPC (LGL\1973\5)).

Com efeito, o legitimado-assistente tem uma relação jurídica (conflito de interesses)


com o adversário do legitimado-assistido, "da mesma forma que tem, esse mesmo
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conflito, o próprio assistido".

Trata-se, portanto, do instituto da assistência litisconsorcial, que em tudo a lei equipara


ao litisconsórcio. O assistente passa a gozar dos mesmos poderes, em face do processo,
que a impropriamente chamada "parte principal", podendo, inclusive, aditar a petição
inicial e acrescentar novo pedido até a citação do réu (art. 264 do CPC (LGL\1973\5)).

Se é verdade que todas as razões justificam, e até aconselham, a possibilidade da


assistência litisconsorcial por parte de qualquer outro ou outros co-legitimados, o mesmo
não se pode dizer quanto à intervenção direta dos indivíduos nas ações coletivas.

No que diz com a natureza jurídica da intervenção do particular nas ações coletivas em
defesa de direitos individuais homogêneos (art. 94 do Cógido de Defesa do Consumidor),
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a doutrina se divide.
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Arruda Alvim a aproxima da "assistência litisconsorcial"; Ada P. Grinover a considera
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"litisconsórcio unitário"; Rodolfo de Camargo Mancuso , nessa mesma linha, a classifica
como "litisconsórcio unitário facultativo ulterior". Todavia, a questão tem sabor
exclusivamente acadêmico.

Afigura-se-nos de todo insatisfatório e injustificado o tratamento diferenciado que o


Código de Defesa do Consumidor deu à matéria. Muito mais adequado seria se adotasse
o mesmo tratamento que dispensou para os casos de defesa coletiva de direitos
superindividuais (difuso e coletivo), em que vedou a intervenção do particular na ação
coletiva, mas impediu a formação de coisa julgada erga omnes ou ultra partes nos casos
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de improcedência por insuficiência de provas.

(1) Aliter, admitindo uma "assistência litisconsorcial qualificada" e ainda mesmo


"litisconsórcio" do indivíduo em ação civil pública, Hugo Nigro Mazzilli ( A defesa dos
interesses difusos em juízo, p. 126-130), Galeno Lacerda (Ação civil pública. Revista do
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, p. 33), e Édis Milaré ( A ação civil
pública na nova ordem constitucional, p. 9). Admitindo a "assistência simples" do
particular no mandado de segurança coletivo, Calmon de Passos ( Mandado de
segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data, p. 72), Celso Agrícola Barbi (As
novas dimensões do mandado de segurança. Seminário sobre os novos direitos
fundamentais na Constituição brasileira, p. 12, citado por Cruz e Tucci ( "Class action" e
mandado de segurança coletivo, p. 45) e Alfredo Buzaid, ( Considerações sobre o
mandado de segurança coletivo, p. 58-59), embora este último autor reconheça que o
indivíduo não tem legitimidade ad causam para propor um mandado de segurança
coletivo.

(2) O litisconsórcio facultativo, quando muito numeroso (multitudinário), foi considerado


por Cândido Dinamarco como recusável e até mesmo o processo desdobrável ex officio
pelo juiz (Litisconsórcio, p. 269-276).

(3) Alegando carência de interesse processual, Rodolfo de Camargo Mancuso ( Ação civil
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pública, p. 141-144).

(4) Cf. Antonio Gidi ( O instituto da coisa julgada e a litispendência nas ações coletivas
do direito brasileiro, subcapítulo Litispendência entre duas ações coletivas).

(5) Cf. Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim Pinto ( Manual de direito processual civil, vol.
II, p. 63).

(6) O referido dispositivo sofreu severa crítica de José Rogério Cruz e Tucci, (Código do
consumidor e processo civil - Aspectos polêmicos. RT 671/34).

(7) Da coisa julgada no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. n. 9, p. 17, nota


32. A ressalva se encontra adiante (n. 35, p. 85, nota 92). Texto inédito, gentilmente
cedido por cortesia do autor.

(8) Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.


p. 547.

(9) Ação civil pública. p. 326-330.

(10) Cf. Antonio Gidi ( O instituto da coisa julgada e a litispendência nas ações coletivas
do direito brasileiro, subcapítulo Defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos,
onde o tema é retomado mais amplamente).

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