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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0400.13.001553-2/001 Númeração 0015532-


Relator: Des.(a) Sandra Fonseca
Relator do Acordão: Des.(a) Sandra Fonseca
Data do Julgamento: 03/12/2013
Data da Publicação: 17/12/2013

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA - AJUIZAMENTO POR PARTICULAR -


PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MARIANA EM
OBRIGAÇÃO DE FAZER, CONSISTENTE NA MANUTENÇÃO E LIMPEZA
DE LAGOA DE CONTENÇÃO DE TÚNEL DE TRANSPOSIÇÃO DE
CÓRREGO QUE CRUZA ÁREA URBANA - INDEFERIMENTO DA INICIAL -
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, POR
ILEGITIMIDADE ATIVA - AÇÃO QUE VISA ANULAÇÃO DE ATO
OMISSIVO, SUPOSTAMENTE ILEGAL DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL,
AO FUNDAMENTO DE QUE A AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO E LIMPEZA
DA LAGOA DE CONTENÇÃO PROVOCA DANOS AO MEIO AMBIENTE E
AO PATRIMÓNIO PÚBLICO, EM RAZÃO DOS GASTOS PÚBLICOS COM A
OBRA DE CONTENÇÃO - TÍPICO PEDIDO DE AÇÃO POPULAR -
POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO - ANULAÇÃO DA
SENTENÇA, PARA OPORTUNIZAR O AUTOR A REGULARIZAÇÃO DO
PROCEDIMENTO. 1- Não é o nome dado a ação, mas a pretensão nela
deduzida, que indica a sua natureza. 2- A adequação do procedimento é
juízo relativo à sua validade enquanto instrumento formal do processo, não
dizendo respeito aos requisitos para o exercício do direito de ação, sendo
sempre cabível, quando presentes as referidas condições da ação, seja dada
a oportunidade para o autor corrigir o procedimento inadequadamente
escolhido. 3- A ação popular é o meio processual posto à disposição do
cidadão, e tem como objetivo a anulação de atos ilegais comissivos ou
omissivos, que lesem patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe; à moralidade administrativa; ao meio ambiente; ao patrimônio
histórico e cultural, na forma do art. 5º, inc. LXXIII da Constituição Federal de
1988. 4- Se a pretensão formulada pelo autor na petição inicial, ainda que a
ação tenha sido nomeada como "ordinária", está abarcada pelo dispositivo
constitucional que permite o manejo da ação popular, verifica-se, a

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princípio, a legitimidade ativa; e, sendo o interesse de agir, também a


princípio, evidenciado pelos fatos narrados, é descabida a extinção
prematura do processo, em razão de simples inadequação do procedimento
escolhido pelo autor, sem que seja oportunizada a adequação, mormente
considerando-se o relevante interesse público da demanda. 5- Sentença
anulada, determinando-se o retorno dos autos à origem, para que seja dada
vista ao autor para emendar a inicial, no prazo legal.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0400.13.001553-2/001 - COMARCA DE MARIANA


- APELANTE(S): ROBERTO RODRIGUES - APELADO(A)(S): MUNICÍPIO
DE MARIANA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
à unanimidade, em DAR PROVIMENTO, PARA ANULAR A SENTENÇA.

DESA. SANDRA FONSECA

RELATORA.

DESA. SANDRA FONSECA (RELATORA)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação, interposto por Roberto Rodrigues,


em face à r. sentença de fls.196/198, que, nos autos da ação ordinária com
pedido de obrigação de fazer, por ele ajuizada contra o Município de
Mariana, julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, por ilegitimidade
ativa do apelante.

Entendeu S.Ex.ª, do digno Juiz a quo, que o ora apelante não


detém legitimidade para tutela de interesse transindividual, concernente na
obrigação de a Administração Municipal zelar pela

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integridade de obra pública, que somente seria passível de ser defendido em


juízo pelos legitimados referidos no artigo 5º, da Lei 7.347/85, Lei da Ação
Civil Pública.

Nas razões recursais de fls.200/208, o apelante insiste em sua


legitimidade ativa, ao fundamento, em síntese, que a ação tem como objetivo
promover a defesa de garantias fundamentais do cidadão, concernentes ao
meio ambiente ecologicamente saudável, a integridade dos recursos públicos
municipais gastos com a obra, e a dignidade do cidadão que suportará a
necessidade de realização de novas obras, para corrigir os prejuízos
decorrentes da omissão em proporcionar manutenção preventiva das obras
de contenção do córrego urbano.

Afirma que a resolução que se pretende anular está em pleno vigor,


devendo a ação popular ter o curso normal até a declaração da nulidade
ventilada.

Ao final, requer seja recebida a inicial, com o regular


processamento do feito.

Contrarrazões às fls. 211/219, requerendo a manutenção da


sentença.

Ouvida, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou, às fls.


226/228, pelo desprovimento do recurso.

Conheço do recurso, pois presentes os requisitos de


admissibilidade.

Compulsando os autos, extraí-se da inicial, que o autor narra, em


síntese, que, entre os anos de 2010 a 2012, o Município de Mariana realizou
obra de transposição do Córrego do Catete - único rio canalizado
subterraneamente na cidade e que recebe toda a drenagem pluvial de vários
bairros da viagem.

Afirma que a obra, além do transtorno à população, teve um

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custo de R$ 28.000.000,00 (vinte e oito milhões de reais).

Assevera o autor, ainda, que, quando exerceu mandato de prefeito


municipal, implementou melhorias na obra, construindo um decantador de
resíduos sólidos na entrada do túnel, objetivando criar um obstáculo artificial
para resíduos que pudessem ficar presos e obstruir o túnel.

Sustenta que, no entanto, todos os esforços e gastos com a obra


pública estão sendo ameaçados pelo Município réu, que, de forma
negligente, vem se omitindo de realizar a manutenção e limpeza da entrada
do túnel do córrego, ameaçando assim, por a perder toda a obra realizada,
pondo em risco o meio ambiente, e ainda lesando o erário municipal.

O digno Juiz de primeiro grau indeferiu a inicial, por ilegitimidade


ativa, ao fundamento de que o interesse perseguido na presente ação é
transindividual, que somente seria passível de ser defendido em juízo pelos
legitimados referidos no artigo 5º, da Lei 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública,
e não por simples particular, em ação ordinária.

Como é curial, não é o nome dado a ação, mas a pretensão nela


deduzida, que indica a sua natureza.

Nesta esteira, da leitura da inicial, pode-se extrair que, apesar de


ter o autor nomeado a ação como "AÇÃO ORDINÁRIA C/C OBRIGAÇÃO DE
FAZER", a pretensão nela deduzida, bem como pedido, é de típico de
verdadeira ação popular.

Com efeito, como cediço, a ação popular é o meio processual posto


à disposição do cidadão que vise a "anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (...)" (CF/88, art. 5º, inc.
LXXIII).

A ação popular tem como objetivo a anulação de atos ilegais

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comissivos ou omissivos que lesem patrimônio público ou de entidade de que


o Estado participe; à moralidade administrativa; ao meio ambiente; ao
patrimônio histórico e cultural. É importante remédio constitucional posto a
disposição de qualquer cidadão, para que, nesta qualidade, e atendidos os
requisitos da lei, possa implementar controle direto da Administração Pública.

Neste sentido, a doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA acerca da


natureza da ação popular:

"Trata-se de um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica


investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza
essencialmente política, e constitui manifestação direta da soberania popular
consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da CF: 'Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, (...)'.
Sob esse aspecto, é uma garantia constitucional política. Revela-se como
uma forma de participação do cidadão na vida pública, no exercício de uma
função que lhe pertence primariamente. Ela dá a oportunidade de o cidadão
exercer diretamente a função fiscalizadora, que, por regra, é feita por meio
de seus representantes nas Casas Legislativas. Mas ela é também uma ação
judicial, porquanto consiste em um meio de invocar a atividade jurisdicional
visando à correção de nulidade de ato lesivo (a) ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe; (b) à moralidade administrativa; (c) ao
meio ambiente; e (d) ao patrimônio histórico e cultural. Sua finalidade é, pois,
corretiva, não propriamente preventiva; mas a lei pode dar - como deu - a
possibilidade de suspensão liminar do ato impugnado, para prevenir a lesão.

Contudo, ela se manifesta como uma garantia coletiva, na medida em


que o autor popular invoca a atividade jurisdicional, por meio dela, na defesa
da coisa pública, visando à tutela de interesses coletivos, não de interesse
pessoal."(Comentário contextual à Constituição. 7.ed., Malheiros Editores,
2010, pág. 173/174).

Na esteira do ensinamento acima colacionado, é possível ao


particular, na qualidade de cidadão, pretender a defesa de interesse

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coletivo, especificamente relacionado no permissivo constitucional, através


da ação popular.

No caso dos autos, analisando-se minuciosamente a inicial, verifica-


se que o pleito autoral é de que seja compelida a Administração Municipal de
Mariana a implementar medidas de conservação de obra pública, referente a
transposição e canalização de córrego urbano, ao fundamento expresso de
que a omissão administrativa "coloca em risco o meio ambiente, o erário
(perda dos R$ 28.000.000,00 gastos com a construção da obra de
transposição)" (fls.07).

Desta forma, ainda que a pretensão formulada na presente ação


seja relativa a interesse coletivo, está ela abarcada pelo permissivo
constitucional que permite o manejo da ação popular, uma vez que visa coibir
omissão administrativa, que, segundo alega o autor, poderá lesar o meio
ambiente e o erário público.

O c. Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade do


manejo de ação popular em hipótese semelhante:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. INTERESSE DE AGIR. PROVA


PERICIAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. 1. O
recurso especial não é a via adequada para análise da suscitada afronta ao
art. 5º, LXXIV e LV, da CF, cujo exame é da competência exclusiva da
Suprema Corte, a teor do contido no art. 103 da Carta Magna. 2. As
condições gerais da ação popular são as mesmas para qualquer ação:
possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade para a
causa. 3. A ação popular pode ser ajuizada por qualquer cidadão que tenha
por objetivo anular judicialmente atos lesivos ou ilegais aos interesses
garantidos constitucionalmente, quais sejam, ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. 4. A ação popular é o
instrumento jurídico que deve ser utilizado para impugnar atos
administrativos omissivos ou comissivos que possam causar danos ao meio
ambiente. 5. Pode ser proposta ação popular ante a omissão do Estado em
promover condições de melhoria na

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coleta do esgoto da Penitenciária Presidente Bernardes, de modo a que


cesse o despejo de elementos poluentes no Córrego Guarucaia (obrigação
de não fazer), a fim de evitar danos ao meio ambiente. 6. A prova pericial
cumpre a função de suprir a falta ou insuficiência de conhecimento técnico do
magistrado acerca de matéria extra-jurídica, todavia, se o juiz entender
suficientes as provas trazidas aos autos, pode dispensar a prova pericial,
mesmo que requeridas pelas partes. 7. Recurso especial conhecido em parte
e não provido. (STJ, REsp 889766/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, j.
4.10.2007, )".

Desta feita, uma vez que o pedido do autor, em tese, adéqua-se ao


permissivo constitucional, verifica-se, a princípio, a legitimidade ativa; e,
sendo o interesse de agir, também a princípio, evidenciado pelos fatos
narrados, com a devida vênia do digno Juiz sentenciante, é descabida a
extinção prematura do processo, sem que seja oportunizada ao autor a
adequação do procedimento, na forma da Lei 4.717/65, mormente
considerando-se o relevante interesse público da demanda.

Com efeito, o procedimento é simples instrumento formal do


processo, e a escolha inadequada do iter procedimental, não implica, por si
só, na inexistência de legitimidade, ou de qualquer das outras condições para
o exercício de ação.

Neste sentido, a doutrina de FREDIE DIDIER JR., citando


LEONARDO GRECO:

"O procedimento é a espinha dorsal da relação processual, O processo,


em seu aspecto formal, é procedimento. O exame da adequação do
procedimento é um exame da sua validade. Nada diz respeito ao exercício
do direito de ação. Não há erro de escolha de procedimento que não possa
ser corrigido, por mais discrepantes que sejam o procedimento
indevidamente escolhido e aquele que se reputa correto." (in Curso de direito
processual civil. Volume I. 14. ed. 2012. pág. 228, grifamos).

Nesta esteira, o entendimento de que a ação somente

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poderia ser ajuizada pelas entidades legitimadas para a ação civil pública,
obstaria a participação do cidadão no controle dos atos da Administração
Pública, restringindo indevidamente o alcance da norma constitucional
permissiva presente no art. 5º, LXXIII, da CF/88, negando-se ao autor o
exercício legítimo de seu direito de ação, em razão de simples falha na
escolha do procedimento, perfeitamente sanável, através de simples emenda
da inicial, na forma do art. 284, do CPC.

Com essas considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO,


PARA ANULAR A SENTENÇA, determinando o retorno dos autos à origem,
para que seja dada vista ao autor para emendar a inicial, no prazo legal.

É o meu voto.

DES. CORRÊA JUNIOR (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. EDILSON FERNANDES - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO, PARA ANULAR A


SENTENÇA."

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