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O Brasil
Republicano
0 tempo da ditadura - regime militar e
movimentos sociais em fins do século XX
Livro 4
6a edição
M VIIJZAÇÂO B R A S IL EIR A
Rio de Janeiro
2013
Crise da ditadura militar e o processo de
abertura política no Brasil, 1974-1985
Francisco Carlos Teixeira da Silva
Professor titular de história moderna e contemporânea. Laboratório
de F.studos do Tempo Presenre/TEMFO. Universidade do Brasil/UFRJ.
Am s l n t a ç ã o
Id I Al JURAS £ ABERTURAS POLÍTICAS
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>H
0 MN A S ) L Ht P U Q I I C A N O
dos povos latino-americanos — para alem dos interesses imediatos dos polM
ticos que articularam as chamadas aberturas, convencidos dos méritos {eilíj
alguns casos em proveito próprio) do esquecimento; (b) em segundo /;r£rf({l
dever-se-á assegurar a multiplicidade dos lugares de fala, dos diversos ator
qualificados como enunciadores de urna memória dos chamados anos de chutm
bo-, (c) devemos ter claro que boa parte do que nos próximos anos será deiHfr
minado de história terá agora a delimitação de sua legitimidade como
histórico, o que nos exige, por fim — como historiadores —, (d) um í7<jf(}ii
engajamento em direção à salvação de acervos, depoimentos, arquivos e luglli
res de memória — atingidos claramente como alvos a serem destruídos (Ml
nome da unidade nacional. Em torno de arquivos e lugares de memórlrt)
ameaçados pela ainda onipotente ação das forças militares e policiais nfí
continente -— as diversas negativas em abrir e tornar públicos arquivos
pelos políticos engajados no esquecimento, trava-se hoje uma acirrada lllfi
pela preservação de uma memória do tempo presente.
O final dos anos 1970 e a década de 1980 assistiram, por toda a Amérltf
Tqj
Latina, a um intenso movimento de redemocratização, com a substituiçfllj
das ditaduras militares que desde várias décadas dominavam o panoraffll
político continental, não sendo o Brasil um caso único ou modelar do pffl
cesso de transição democrática, embora, é claro, guarde, como veremos, Ind
meras especificidades.
Uma certa semelhança com as transformações em curso no Leste EufOj
peu dominado pelos regimes do socialismo real, desde 1985 com a ascemàl
de Mikhail Gorbachev, pode ser assinalada na América do Sul dez anos Af|!
tes, desde 1974 e 1975 e particularmente a partir de 1976, com a ascemjl
de Jimmy Cárter à presidência americana: crítica ao predomínio de um ptffi
tido oficial — ou instituição que faça as vezes deste partido; recuo do cofli
trole do Estado sobre a economia; estabelecimento da liberdade de expresíi
e de organização e denúncia da atuação de polícias políticas responsáveis P«l|
repressão das dissidências. A assunção ao poder de Mikhail Gorbachev aCfli
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ipMJllllli HPfi
( M I J l DA DI T ADURA MU I t AN « 0 M 0 f. 1 1 1 0 D I: A B l R T U RA P OL l T I C A
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trtllí Ü A ÜI TAOUHA MIUTA* ( O P UI ) C H I O () t ABERTURA POLÍTICA
projetos econômicos.s
Assim, entre 1945 e 1964 inúmeros golpes, deposições de presidentes,
plonunciamientos e quarteladas são produzidos por uma baixa oficialidade
(Hl rema mente politizada e fortemente envolvida no clima de anticomunismo
liplco da guerra fria. Neste sentido, desempenha um papel central a criação
p a atuação da Escola Superior de Guerra, a ESG, centro de formulação e
planejamento de um regime militar capaz de regenerar a nação. Daí emanam
11« princípios básicos que constituirão a ideologia da segurança nacional, fun
damental na constituição da ditadura de 1964 e de forte impacto sobre o
continente. Entretanto, coube ainda à ESG formular, com originalidade —
ipicr dizer, sem copiar qualquer modelo americano — , um viés desenvolvi-
titentista e autonomista, característico do nacionalismo existente nos círcu
lo« militares, criando a tensão permanente no interior da própria instituição.
|'or nutro lado, ao longo das lutas travadas durante o processo de abertura,
muros grupos militares desempenharam um forte papel, como a chamada
I 'imunidade de informações e o grupo áulico, montado em torno do poder,
principalmente durante o governo do general João Figueiredo.
lais são os atores principais e seus condicionantes a serem considerados
lia reconstrução do cenário da redemocratização no Brasil: a pressão externa
p os condicionantes da economia mundial, na qual o Brasil já se inseria de
Inrma determinante e definitiva; os militares e seus condicionantes institu-
ttonais, compreendidos como a corporação e seus organismos e, por fim, a
aposição, representada pelo M D B e seus condicionantes inscritos na cultura
puHiica envolvente.1'1
Estavam, assim, desde o início dos anos 1970, já escalados os atores prin-
tlpais do processo de abertura, bem como seus condicionantes políticos,
econômicos e institucionais. Cabe agora uma análise de tais atores e seus
projetos.
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0 SN A I I L A l AU B LI C AN 0
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( H I S t DA DI T ADURA MI U T A R • 0 M I H M K I DI A t I R T UK A ROLfl I CA
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Liiiiaiiiuiui
C H I S lí D A D I T A D U R A MIUTAN I Q M O C M IU UH A D t H T U MA P U L l T I C A
|;[i: 1970 acabou por sangrar fortemente a economia brasileira. Muito rapida- 1
I1, mente o país tornou-se exportador de capitais, obrigando-se a um esforço ^
li:
ircscente de aumentar as exportações para financiar as importações de pe
tróleo e, ao mesmo tempo, fazer face às obrigações decorrentes do endivida- I
mento externo.
Assim, o final da década de 1970 já assiste aos primeiros sinais de esgo
tamento dos modelos econômicos latino-americanos, praticados, até então,
tom sucesso. As exportações que haviam feito da Argentina e Uruguai países
de nível europeu ou o Milagre Brasileiro, modelo da eficiência das ditaduras
militares, mostram-se incapazes de manter um processo de crescimento
mitossustentado.
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9 IRAIIL R í P U i l, i 6 ANO
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U lll DA D I î A D U « A M U I Í M I t) M I H t l K I D ( A fl E NT U HA POL Í T I C A
2 5s
D «HAilL mruuLICANO
1
Na verdade, faz parte da postura conservadora a recusa de pensar a cidadlM
nia, e os demais atores políticos, como parte do processo político e, ácrctl(t
tar com firmeza que evoluem num cenário vazio, onde são capazes d f
controlar todas as falas.
Vamos procurar esclarecer e ampliar a análise de tal processo.
■ifjj
O processo histórico da abertura política no Brasil, entre 1974 e 1985, fi,l|
precedido de outros ensaios de reconstitudonalização do regime, temadtH
pelo poder militar e malogrados. Nas sucessões de Castelo Branco, em 196?),'
e de Médici, entre 1973 e 1974, esboçaram-se propostas de abertura poHlu í
: ca que foram rapidamente descartadas, Taís insucessos condicionaram fori'#*;
-: mente o projeto que afinal seria adotado por Geisel e Golbery, com seu carátffjjj
lento, gradual e seguro, visando exatamente a evitar os recuos antes vividdKij
A ditadura militar viu, logo após um período inicial de aceitação, um verti»
I ginoso crescimento da oposição. Parte das classes médias que haviam apolljjj
do o golpe, amedrontadas por uma forte propaganda da Igreja Católica J
as famosas Marchas da Família com Deus pela Liberdade —, afasta-se til)
governo quando este mostra a verdadeira face, com as amplas cassações tt |
profunda repressão aos sindicatos e demais órgãos de representação trabu
Ihista. Os vultosos recursos enviados pelos Estados Unidos e pela Alemanllí
Ocidental para a propaganda anticomunista, antes e imediatamente apó* (Ü
golpe — através da ação do Ipes (Instituto de Pesquisa e Estudos Socia]n|t.
fachada montada por militares, entre os quais Golbery do Couto e Silva, tli;i
Escola Superior de Guerra, e que associa grande número de empresários (i
tarde, sob a ditadura, dará origem ao SNI, Serviço de Nacional de InformL
ções, polícia política que deu origem a inúmeros quadros da ditadura* ind^
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(, K I 1 ( D* DITADURA M I kl f A N I 0 M B U I I O Dt AltltTURA fOLlTICA
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r 0 «HAUL ((1‘ UUI CANO
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Ulltt DA DITADURA MlilTAH ( 0 PK0 C( I I 0 0 li A B E R T U R A POLlTICA
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r 0 MAIIl M PUBLI C ANO
pelo alto, do qual estariam excluídas as forças de oposição, que então proCtf
ravam na revolta aberta contra o regime a realização do projeto de abcrttlfi
considerado verdadeiramente democrático.
I É neste sentido, na esteira dos sequestros de embaixadores estrangeirai;
j no país, que é editada uma nova Lei de Segurança Nacional — que será, m*ili
tarde, copiada por outras ditaduras latino-americanas — , em 18 de sett
bro de 1969, com o estabelecimento da pena de morte e o banimento
crimes políticos, institutos recusados até então em todas as constituições wj
: publicanas do país. Da mesma fornia, é instituído o exílio interno, com tNf
"j
oponentes enviados para o meio da selva, lembrando os mecanismo* i|f
banimento interno da URSS. A polícia, civil e militar, os órgãos de infonildJ
ção e os mecanismos de punição das Forças Armadas — os famosos Inquérltnl
Policiais Militares (IPMs) — adquirem maior fôlego e agem com desenvoltllfltoj1
sequestrando, torturando e matando opositores. Com apoio do empresarittiltyj
que financia os quadros da repressão, e treinamento militar americano — tf;
famoso caso Dan Mitrione — , surge a Operação Oban, responsável por llltfj
grande número de sequestros e assassinatos. Por todo o país surgem os cllJI*
macios Destacamentos de Operações e Informações e os Centros de OpefH*
ções de Defesa Interna (os DOI-Codis), íntima associação entre empresariadtfj]
e militares, e onde se pratica a tortura em larga escala. A vida pública tmtffj
bém é atingida, desde 1969, com a militarização da polícia e a expansão vl*
chamada Polícia (ou Brigada) Militar, polícia aquartelada e fardada, que pn(»:
sa a ser responsável pelo policiamento ostensivo. Em pouco tempo, a PN(
tornar-se-ia sinônimo de truculência, incompetência e corrupção.26 ij'|
Manipulando habilmente os meios de comunicação, criando a imagítUi
do Brasil grande potência — o lema do governo é: Brasil, ame-o ou deixe^f}
— , capitalizando a vitória do Brasil no campeonato mundial de futebol <l|
1970, o governo atinge grande sucesso. Sem qualquer limite ou condicio|l|t|
mento trabalhista ou sindical, praticando violento arrocho salarial, o govefi
no gere o chamado Milagre Brasileiro, um crescimento contínuo, ao longtf
do início da década de 1970, com taxas anuais em torno de 11%. O movfWj
mento sindical é inteiramente decapitado, e os sindicatos e federações (ítfj:
trabalho, colocados sob intervenção. Só são autorizados a funcionar dtilfj
partidos políticos, a Arena — Aliança Renovadora Nacional, oficialista —»f
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M U I DA DITADURA MI LI TAR | 0 M U C IU tl Dt AUCKTURA POLÍ TICA
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(...) essas três condições, acho que se justificam por si mesmas. Por que 4
tem que ser lenta? Porque não pode ser uma abertura abrupta. Porque Cfl
um problema maior com a área que é favorável à revolução. Sobretudo a df
que havia nas Forças Armadas, que era a tal chamada linha-dura. Ela tinhí d
ser gradual, progressiva. E tinha que ser segura, porque nós não podiam
admitir uma abertura que depois não funcionasse e voltasse o regime de
ceção. Era preciso que ela fosse montada e organizada de maneira que rep.
sentasse uma solução definitiva.28
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I C! A DI TADURA M I I. I 1 A R I I) K MJ [ I I I U [) t APCI ' TUNA POL Í T I CA
i*«, tir mais ao menos dez anos, n que implicaria a escolha ainda segura do|
!j| , j
Il h mm ir do próprio Geisel e a incorporarão a uma nova constituição — que ,
MÍhi deveria de maneira alguma ser fruto de uma constituinte — das cham a-,
dri» salvaguardas do regime, as medidas necessárias para manter no futuro I
tuna determinada ordem, sem o recurso à quebra da constitucionalidade.
l'odemos, assim, perceber claramente que o projeto de abertura repre-
IHliava uma volta ao Estado de Direito, a re constitua o nalização do regime,
tíliíR não exatamente a redemocratízação do país. Ao contrário de outros
«toemos de abertura, no Brasil os militares liberalizantes não contaram com
« apoio da oposição — pelo menos da chamada oposição autêntica — na sua
lliM pela reconstitucionalízação. Em suas origens, o alcance e o ritmo da
i)Ih'i lura ficavam muito aquém do que a oposição desejava. Dessa forma, para
ttt principais formuladores do projeto de abertura, a oposição seria um es-
Inrvn aos seus objetivos, obrigando-os a manobrar gradualmente, num per- 1
(Imnnite stop-and-go, entre os bolsões de resistência à mudança no interior
tln« quartéis — radicais, porém sinceros, no dizer do próprio Geisel — e a
. lijinxiçàn, desejosa de imprimir um ritmo mais acelerado e uma maior ampli
tude ao processo de abertura.
A própria eleição de Geisel, feita sob a forma de Colégio Eleitoral, irn- '
jdiRlo ao país pela Emenda Constitucional de 1969, e já com a clara promes-
M ilr liberalização, desencadeou o primeiro ato da nova oposição no Brasil.
(tllHundo todo o espaço possível, num contexto de severa censura aos meios
tlp comunicação, o MDB lançou a anticanditadura de Ulysses Guimarães e
jtiirhosa Lima Sobrinho, abrindo espaço para o debate e manifestações de
t(a»contentam en to público sob o lema de Navegar é preciso, viver não é pre-
çliuí No Colégio Eleitoral, Geisel obteve uma grande maioria, confirmando
| lupremacia da Arena (quatrocentos votos contra 76 de Ulysses/Barbosa Lima
luhtiuho, e 21 abstenções).
De posse de informações produzidas por seus próprios órgãos de espio-
tMgem, dando conta de uma provável aceitação pela opinião pública dos atos
;ju governo, a ditadura realiza eleições para o Parlamento em 1974, passo
;Í; irtante para testar as instituições do país. As urnas, malgrado as limita- j
yftcn ila censura, dão estrondosa vitória à oposição, com a eleição de 16 se- j
Hítlures e 187 deputados do M DB: “ {...) foi aí a primeira sinalização de que !
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0 I « A1H fl CPUB11CANQ t m u o a piMouRA M !U M í I « i>#(Jcr»ío ut AimtTUHA co l I tica
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o povo estava insatisfeito com aquele tipo de regime (...) foi [assim] o oçrtfli j t n» urgmentos mais atuantes da sociedade civil — como a ABI, OAB, CNBB
mento popular que empurrou tudo!” 2“, afirma o deputado Thaïes Eanuilhp, ] t 4 universidade — deveriam conformar-se com o ritmo do arranjo interno
presidente do M D B e depois companheiro de Tancredo Neves na Itmt |wl| , ! tUn próprias Forças Armadas e não avançar num projeto autônomo de
redemocratização do país. li" (fdpmocratização.
A vitória da oposição, denominada de ressaca cívica nacional, divítlii R A abertura deveria, assim, permanecer sob a tutela militar, limitada e lenta,
poder militar e abala o projeto original de abertura. O grupo de militares |)li!(hu não durante todo o processo. Os principais passos iniciais para sua
linha-dura se rearticula em torno da comunidade de informações, os CliU, flK ; j-tilicrnização, ainda sob Geisel, tais como a supressão do AI-5 — e a incor-
DOI-Codis e mesmo no interior do ministério do Exército, com o miitUjr^] ;j jinhtçílo na Constituição das chamadas salvaguardas do regime ou, para a
Sílvio Frota à frente. Aumentam os atos de violência, em especial em S{|t| ; !j! tipmiçáu, o entulho autoritário —, o fim da censura à imprensa e por fim a
Paulo (assassinato do jornalista Vladimir Herzog e do sindicalista 1 iiiiuiiu, esta já no governo do general João Figueiredo, eram as provas cabais
Fiel Filho, num quartel do II Exército). dit Iniciativa, e mesmo primazia, do governo numa primeira fase do processo
tli>abertura política, malgrado a presença intensa da oposição, como no caso
dti mmpanha da anistia. Um pouco mais tarde, contudo, com as sucessivas
A DINÂMICA PRÓPRIA DO PROCESSO DE ABERTURA Hlíin.is eleitorais e m l9 7 6 e !9 7 9 da oposição, bem como a onda de atenta-
|jl!
■
T iIhh praticados pelos bolsões radicais, porém sinceros e que culminariam no
Alguns dos atores centrais do processo de abertura no lado do poder miliMfc rilcntudo do Riocentro, em 1981, e na consequente demissão de Golbery e,
T!
como Geisel, Leônidas Pires Gonçalves, Aureliano Chaves, entre os príntih (iltlliti, na doença de Figueiredo, em 1983, a iniciativa, numa segunda fase do
pais, insistem — numa linha exatamente oposta à tese de Thales Ramalho «rt jltui esso de abertura, passaria das mãos do poder militar para a sociedade
que o processo de abertura sempre esteve sob completo controle militar § l |vil, ensejando as grandes mobilizações de massa para a campanha dasDire-
foi todo o tetnpo devidamente monitorado. Neste sentido, a oposição e | 1,1» j,t! ou da eleição de Tancredo Neves, com o governo perdendo a iniciati-
sociedade civil organizada não desempenharam nenhum papel de relevA|)it Vit das reformas.
cia, bem ao contrário: “ (,..) o que atrapalhava muito era a oposição. Ao titi' Ainda no governo Geisel, as pressões e as contrapressões, repetindo ura
vés de compreender o meu objetivo, de compreender a minha intenção, ei| princípio de física sempre lembrado pelos militares, se fizeram fortemente
fazia questão de ser muitas vezes uma oposição virulenta.”20 jUTscines. A chamada comunidade de informações intensificou, no Rio e em
Na verdade, o projeto Geísel-Golbery supunha, para seu completo éxiíí t,Ín Paulo, o combate contra o PCB, considerado a verdadeira alma das vitó-
to, a subordinação completa da sociedade civil aos objetivos e prazos establF t las do M DB. Na verdade, o PCB — vedada sua existência legal — praticava
lecidos pelo poder e jamais revelados ao público. O próprio Geisel afirmarlli mnílo entrismo no M D B , e vários deputados eleitos tinham algum tipo de
que “ (•■■) não havia projeto algum (...)”, apenas a consciência da necessidtiíllf! filiação ao velho Parti dão.32 Operações feitas em Campo Grande, no Rio de
de mudança e ao mesmo tempo de que não se poderiam contrariar fortíl' [itnriro, e várias ações contra simpatizantes em São Paulo, apontavam para
interesses existentes no interior da corporação: “ (...) por outro lado, havífll'1 lim.i ação organizada, uma estratégia central, contra a oposição comunista
parte da área militar, alguns grupos que eram contrários à abertura. Qutf Utipaz de desestabilizar o projeto de abertura. Tais procedimentos culmina-
dizer: gostariam de permanecer na situação revolucionária em que vivíM fdin na prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog, em 26 de outubro de
mos.” 31 Eram tais grupos que condicionavam a própria abertura e que dfll!|| (975, seguida da morte do operário Manuel Fiel Filho, em 17 de janeiro de
vam ao processo político sen caráter de lento, gradual e seguro. Ora, a oposjçflfl |*J76 nas instalações do Codi de São Paulo. Tais mortes, embora não fossem
v!''(
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0 tl MA * I L M P U H U C A N Q
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Eflm D A OI TADUKA MI L I T A* ( 0 N I K U I O n* M t R t U R A POL Í T I CA
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0 MAHL AMUILICANO
Por sua vez, o líder da oposição brasileira, engrandecido nas vitórias eleí
rais e nos desafios do poder, considerava sua tarefa de vida restabelecof
t democracia no país: “ Os militares nunca gostaram de mim” , afirmaria Ulyni
l em 1988, dando ele mesmo as razões: “ [porque] temos ódio à ditadura! Ód|l
e nojo! Amaldiçoamos a tirania, onde quer que ela desagregue homem
nações, principalmente na América Latina!” 55A dura retórica de Ulysses,«
estratégia de trazer para si a responsabilidade de responder ao arbítrio
estratégia jamais compreendida pelo presidente Geisel — , acabariam pi
afastá-lo de qualquer negociação possível com o poder, que se voltaria pi
uma liderança considerada mais construtiva e moderada — Tancredo Nevtfl
Os medos de Geisel se confirmariam com extrema rapidez. O projeto dj
abertura estava ameaçado pelos próprios integrantes da corporação e ta
bém pelos membros do próprio governo Geisel. Desde um bom tempo, ;|
ministro do Exército, general Sílvio Frota, vinha denunciando a continui
de da ação subversiva no país, ameaçando inclusive a divulgação de noffli
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I N I t t DA DI TADUAA MI I I T AU I 0 M I K M I O Dí A I Ü R 1 U A A POL l T I C A
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t, dI * r DA DITADURA MILITAR I 0 * R0 C« 11 0 0 t AltRTURA POllTICA
|<Ntr foi sem dúvida o ato mais audacioso e, se bem realizado, o mais cruel
glli liMTorista da história do país. Na noite de 30 de abril de 1981, no espaço
fjp li1litro de convenções denominado Riocentro, Zona Oeste do Rio de Ja-
ftPlin, foram colocadas diversas bombas durante um show promovido em
' fílllHMiioração ao Dia do Trabalho.
( )x acontecimentos do Riocentro, entretanto, não corresponderam aos
ptriiin* traçados pelos militares que promoveram a ação, pois uma das bom-
í jiiit explodiu no interior do carro onde estavam o sargento Guilherme Perei-
ji Ir «Io Rosário, que faleceu no local, e o capitão Wilson Machado, ambos do
ifpnlitcamento de Operações de Informação (DOI), órgão do 1 Exército
Imlladn no Rio de Janeiro.
As pressões para a apuração severa dos acontecimentos uniram a socie-
Jrttlr aivi! e provocaram forte conflito no interior do próprio governo. A falta
t|p estorço e interesse de apurar o acontecimento, por parte do general
huunrcdo — diferente mente do que Geisel havia feito em sua gestão — ,
At tlbmi marcando o governo, e retirando de cena o velho general Golbery
t|h ( Imitoe Silva, vencido por uma facção áulica, representada pelo general
Mnlnros, do SNI, e o general Newton Cruz, do comando militar de Brasília.
O projeto de abertura de Geisel e Golbery estava doravante órfão.
O IPM que deveria apurar o caso foi arquivado sob a alegação de “ falta
|jp indícios de autoria” . Decididamente o governo do último general-presi-
llrHtr perde dinamismo, a crise econômica torna-se obsedante, levando o país
g drerctar a moratória de suas dívidas em 1983.
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0 I » A1 1L MPUI UI CANO
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m m DA DITAÜUHA M I I I TA K I ft M O C I U Q Bl ARIRTURA C0 L I T I C A
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0 IM A III» i m* U H U C A N U
eleições diretas — mostraria unta nova fase, um novo arranjo político, fl||
cluindo alguns dos atores anteriores, como o PT, e somando outros, coniOI
dissidência do PDS.-58
O então jovem Partido dos Trabalhadores, o PT, fora um dos elemctltfll
centrais de mobilização popular na campanha das Diretas Já !, sendo o rm
ponsável, em boa medida, pela incorporação ao debate político de ampln
segmentos de trabalhadores, tanto no campo como na cidade. Agora, dtldl|
o caráter conciliador de Tancredo Neves, sua posição centrista e seu coniflH
vadorismo pessoal, o PT considerava-se incapaz de apoiar a nova campanltM
Embora tivesse exercido, desde o primeiro momento, uma inequívoca oplli
sição à ditadura militar, Tancredo Neves representara um papel-chave l)D
estratégia de abertura lenta, gradual e segura preconizada por Geisel, GolbcM
e Petrônio Portella — interlocutor frequente de Tancredo. A saída de Tancredl
Neves do M D B , a grande frente de oposição, e a fundação do Partido Popi|ij
lar, o PP, em 1978, como interlocutor qualificado da ditadura, deram ao Mtíl
ministro da Justiça de Getúlio Vargas a pecha de “linha auxiliar do projétil
governista” . O PP reuniria não só a ala conservadora do ex-M DB, como allfè
da vários setores do PDS, ex-Arena, mal colocados no partido-base da dl<
tadura em virtude de dificuldades e rivalidades locais, sern nada acrescentljf
ao ideário liberal da abertura.
j
O retorno do PP, em 1981, ao seio do M D B , agora PM DB, em face d|
proibição de coligações — mais um dos casuísmos do governo, o c|Mf
eternizaria o PDS no poder! —, não foi inteiramente pacífico, criando mAlü
estar em vários setores do próprio PMDB. Ora, nessas condições, o PT vlj
na candidatura de Tancredo uma transição conservadora e pactuada coitl 4
autoritarismo.
'IH
As desconfianças do PT tornam-se maiores quando o PMDB acolhe nOjl
seus quadros o senador José Sarney, ex-presidente da Arena e do PDS, Ulfl
dos notáveis do regime militar. Na verdade, José Sarney entrara em rota dl
colisão com a ala mais conservadora e, principalmente, fisiológica do PD.HJ
ao ser atropelado pela candidatura de Paulo Maluf à Presidência da Repúbliclj!
I
(...) o M aluf foi justamente tido pelo nosso grupo como um empecilho pAM
que esse projeto [a abertura pactuada] tivesse coroamento. Porque nós sabUl
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C* I»I DA DITADURA MUITA» t 0 M U tM IO t)H A 11 R T U R A P O t l T I C A
mos que ele reacenderia toda aquela ideologia. Havia aquela sistemática que
sc tinha adotado no sentido d.i transição. Do fechamento do ciclo e uma trans
missão consensual do poder. Tancredo sempre surgia como um nome que
pudesse ser também aceito pelo próprio governo, encaminhado pelo próprio
governo.”
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0 H H A I 11, HM> U I* L I C A NO
[|
:í)j
ponsáveis pela direção da abertura, as pressões populares, o clamor das rMi
contagiam e imprimem, também, seus interesses ao movimento. Muito p
ticularmente, num movimento corretivo da deriva centrista e moderada i|'
a abertura adquirira, surge um poderoso movimento — este com ativa pai
cipação do PT — em prol de uma Assembleia Nacional Constituinte, capi
de impor a marca popular na transição pactuada.
Sarney havia se comprometido, junto aos notáveis do partido, com tl|]
prévia aberta no interior do PDS, para a escolha a ser realizada na convi
ção partidária, que deveria fechar o caminho de Maluf até a presidêncU
projeto de José Sarney através da prévia partidária deveria garantir Ui
revigoramento partidário e um despertar de vocações no interior do pari
do, garantindo, assim, uma transição controlada para um regime coniítlHj
cional e representativo, de cunho conservador, “ sem os militares” !
As práticas malufistas, que ameaçavam a integridade do PDS, conseguira
entretanto, obstar a estratégia de Sarney e alcançar a indicação para disptlli
com Tancredo a presidência.41 E nesse momento que Sarney, aconsclhrtd
por Aureliano Chaves, assume a responsabilidade de romper a unidade p|"
tidária e garantir a eleição de Tancredo:
M
(...) Agora, por que nós indicamos o Sarney? (...) porque de teve a responi
bilidade de fazer a cisão (...) Ele e o Jorge Börnhausen lideraram a cítAit
direito. Ora, o Sarney tinha sido presidente do PDS. Então nada melhor pi
caracterizar uma união [com o PMDB] que ser o Sarney, rccentementc pfl
dente do PDS (...).42
Pela primeira vez sem a tutela direta dos militares, a direção do PDS tonii!
a iniciativa política, diante do processo de abertura, criando uma crístt
qual emergeria vitoriosa a chapa Tancredo-Sarney. A atuação de Paulo
com os setores remanescentes da chamada linha-dura, reafirmava naqiwl
momento as práticas de conchavo típicas do auge do autoritarismo, genuti
o risco de fragmentação da ampla frente conservadora. Divididos, em
momento de acelerada transição, surgia o risco de todos os envolvido»
atos arbitrários cometidos sob a ditadura, da violação dos direitos huniflfll
até a malversação do patrimônio público, serem chamados à responsabilidtuJl
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