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O problema do livre-arbítrio

O problema do livre-arbítrio

Determinismo:
• Todos os acontecimentos são efeitos inevitáveis de certas circunstâncias e
das leis da natureza.
• As nossas ações são acontecimentos.
• Logo, se o determinismo é verdadeiro, todas as nossas ações são efeitos
inevitáveis de acontecimentos anteriores e das leis da natureza.

Indeterminismo:
• Alguns acontecimentos não são efeitos inevitáveis das circunstâncias
anteriores e das leis da natureza.
• A aleatoriedade faz parte na natureza.
O problema do livre-arbítrio

• O demónio de Laplace oferece uma representação do determinismo:

Podemos encarar o estado atual do universo como o efeito do seu passado e a


causa do seu futuro. Consideremos um intelecto que, num certo momento,
conhecesse todas as forças que põem a natureza em movimento e todas as
posições de todos os objetos que compõem a natureza. Se este intelecto fosse
também suficientemente vasto para analisar todos esses dados, abrangeria
numa única fórmula os movimentos tanto dos maiores corpos do universo
como do átomo mais ínfimo. Para esse intelecto nada seria incerto e o futuro,
como o passado, estaria diante dos seus olhos.
Marquês de Laplace,
Um Ensaio Filosófico sobre Probabilidades, 1814

• Se o indeterminismo for verdadeiro, nem o demonónio de Laplace


conseguiria prever todos os acontecimentos.
O problema do livre-arbítrio

• O livre-arbítrio é o poder de fazer escolhas livremente.


• Parece essencial para a responsabilidade moral: sem livre-arbítrio, parece
que não podemos ser moralmente responsáveis pelas nossas escolhas.
• O livre-arbítrio parece também essencial para o mérito: se as nossas ações
não são livres, não merecemos ser censurados ou elogiados pelo que
fizemos.

Mas será que temos realmente livre-arbítrio?


• A hipótese determinista parece pôr em causa a convicção no livre-arbítrio.
O problema do livre-arbítrio
• Mas será o que determinismo é realmente incompatível com o livre-
-arbítrio?

SIM: Incompatibilismo:
• É impossível que existam agentes humanos livres num universo
determinista.
• Se temos livre-arbítrio, então não habitamos um universo em que
todas as nossas ações estejam determinadas.
• E se o determinista tiver razão, de tal forma que todas as nossas
ações estão determinadas, então não temos livre-arbítrio.

NÃO: Compatibilismo:
• Podem existir agentes humanos livres num universo determinista.
• E, na verdade, os agentes humanos são livres.
Perspetivas
incompatibilistas
Perspetivas incompatibilistas
• O argumento da consequência, de Peter van Inwagen , é uma defesa
do incompatibilismo:

Se o determinismo é verdadeiro, então os nossos atos são consequências


das leis da natureza e de acontecimentos situados no passado remoto. Mas
o que aconteceu antes de termos nascido não depende de nós; tão-pouco
as leis da natureza dependem de nós. Logo, as consequências destas coisas
(incluindo as nossas ações) também não dependem de nós.
Um Ensaio sobre o Livre-Arbítrio, 1983, p. 16

• Dizer que as nossas ações “não dependem de nós” é afirmar que não
poderíamos ter agido de outra forma.
Perspetivas incompatibilistas
• Podemos levar o argumento da consequência um pouco mais longe:

1) Se o determinismo é verdadeiro, então nunca podemos agir de outra


forma. [conclusão do argumento da consequência]
2) Mas, se temos livre arbítrio, então por vezes podemos agir de outra
forma.
3) Logo, se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio.

• A conclusão deste argumento é o incompatibilismo.


Perspetivas incompatibilistas
• Alguns incompatibilistas raciocinam assim:

1) Se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre arbítrio.


2) O determinismo é verdadeiro.
3) Logo, não temos livre-arbítrio.

• Ou seja, dado que o universo é determinista, não temos livre-arbítrio.


• Esta posição é conhecida por determinismo radical.

• Objeção: será o que determinismo é verdadeiro?


Perspetivas incompatibilistas
• Entre os filósofos que negam o livre-arbítrio, temos também os
defensores do incompatibilismo radical.
• Propõem o dilema do determinismo, que é o argumento seguinte:

1) Ou o mundo é determinista ou é indeterminista.


2) Se o mundo é determinista, não temos livre arbítrio.
3) Mas, se o mundo é indeterminista, também não temos livre-arbítrio.
4) Logo, não temos livre-arbítrio.

• Mas por que razão haveremos de aceitar a premissa 3?


Perspetivas incompatibilistas
Justificação do incompatibilismo radical:

• Se o determinismo é verdadeiro, as nossas ações não são livres porque


resultam de fatores que estão fora do nosso controlo: as leis da
natureza e as circunstâncias anteriores à nossa existência.
• Ora, o que traz de novo o indeterminismo? Aparentemente, apenas um
fator adicional: o acaso.
• Se o indeterminismo for verdadeiro, poderemos dizer que as
nossas ações resultam das leis da natureza, de circunstâncias
anteriores à nossa existência e do acaso.
• Mas é óbvio que aquilo que acontece por acaso também está fora do
nosso controlo.
• O indeterminismo, portanto, parece não ser mais propício ao livre-
-arbítrio — e à responsabilidade moral, que decorre do seu exercício —
do que o determinismo. [Defesa da premissa 3]
Perspetivas incompatibilistas
• Os defensores do libertismo são incompatibilistas que afirmam o livre-
-arbítrio.
• Partindo do argumento da consequência, o libertista raciocina desta
forma:

1) Se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio.


2) Temos livre-arbítrio.
3) Logo, o determinismo não é verdadeiro.

• O grande desafio que se coloca ao libertista é defender a premissa 2, o


que implica descobrir uma forma de escapar ao dilema do
determinismo.
Perspetivas incompatibilistas
• Como devemos, então, conceber as ações livres?
• Estas têm de ser acontecimentos indeterminados, segundo o libertista.
• Mas os acontecimentos indeterminados parecem ser apenas aqueles
que ocorrem em parte por acaso.
• E o acaso, como vimos, nada contribui para tornar uma ação realmente
livre.

• Se temos livre-arbítrio, então, o que o tornará possível?

• Os libertistas têm proposto várias formas de explicar o livre-arbítrio.


• Uma delas baseia-se numa conceção dos seres humanos conhecida por
dualismo:
➢ Os seres humanos são compostos por duas partes: um corpo e uma
alma.
Perspetivas incompatibilistas
• Segundo os dualistas, nós não somos apenas objetos materiais.
• O nosso corpo e o nosso cérebro são objetos materiais, pelo que estão
sujeitos às leis da natureza.
• Mas a nossa mente é um objeto imaterial – uma alma.
• Por ser imaterial, a nossa alma não está sujeita às leis da natureza.

• As ações livres não se devem simplesmente às leis da natureza nem ao


acaso natural.
• Devem-se antes à alma do agente, que está fora da natureza.

• Mas será que o libertista recorrendo à suposição de que temos uma


alma, consegue realmente escapar ao dilema do determinismo?
Perspetivas compatibilistas
Perspetivas compatibilistas
• O compatibilista, recordemos, tem de enfrentar o seguinte argumento:

1) Se o determinismo é verdadeiro, então nunca podemos agir de outra


forma.
2) Se temos livre-arbítrio, então, por vezes, podemos agir de outra forma.
3) Logo, se o determinismo é verdadeiro, então não temos livre-arbítrio.
[incompatibilismo]

• Os defensores do compatibilismo clássico opõem-se à premissa 1.


• Pensam que, mesmo que o determinismo seja verdadeiro, ainda
assim temos o poder de agir de outra forma.
• Os defensores do novo compatibilismo opõem-se à premissa 2.
• Pensam que o livre-arbítrio não implica o poder de agir de outra
forma.
Perspetivas compatibilistas
• De acordo com o compatibilismo clássico, uma ação livre é aquela que
é realizada porque o agente assim o deseja.
• Deste modo, a liberdade é essencialmente ausência de
constrangimentos:
- Se fazemos algo porque queremos, e não, por exemplo, porque
alguém nos obriga, então agimos livremente.
• A pessoa acorrentada não age livremente porque está sob coação.

Como entender a noção de “poder ter agido de outra forma”?


• O compatibilista clássico diz que “S poderia não ter feito A” quer dizer o
mesmo que “S não teria feito A, se tivesse desejado não fazer A”.
Perspetivas compatibilistas
• O defensor do novo compatibilismo rejeita o princípio das
possibilidades alternativas.
• De acordo com este princípio, não há livre-arbítrio nem
responsabilidade moral, se o agente não pôde ter agido de outra forma.
• Este é um caso imaginário usado para refutar o princípio das
possibilidades alternativas:

Intervenção
Inês tem um dispositivo que lhe permite controlar o cérebro de João à
distância, ainda que agora não esteja a fazê-lo. Ela quer que João realize
um certo ato: roubar um determinado quadro. Inês está a observar João
através das câmaras de videovigilância do museu. Caso perceba que João
não pretende roubar o quadro, ativará o dispositivo. Intervirá na situação
e, controlando o cérebro de João, levá-lo-á a mudar de ideias e a roubar o
quadro. Contudo, Inês acaba por não intervir, pois João rouba o quadro
sem que ela ative o dispositivo.
Perspetivas compatibilistas
• João será moralmente responsável por ter roubado o quadro?
• Diríamos que sim.
• E, no entanto, João não poderia ter agido de outra forma, pois Inês teria
intervindo de modo a fazê-lo cometer o furto, caso a intervenção se
tivesse justificado.
• Sendo assim, uma pessoa pode ser moralmente responsável pelo que
fez, ainda que não pudesse ter feito algo diferente.
• O princípio das possibilidades alternativas é falso.
• A responsabilidade e, consequentemente, o livre-arbítrio não implicam
a possibilidade de ter agido de outro modo.

• Será que isto é verdade? Se for, o que será preciso, então, para haver
responsabilidade e livre-arbítrio?

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