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enrao id n:îo é mais uma lésbic3? E se esse é um "aro'' que funda a 4. INSCRIÇÔES CORPORAIS, SUBVERSÔES PERFORMATIVAS
ilftcnridade c'Omo reali-i.1ç1lo per{ormativa da sexualidade, havcnl ripos
de at0$ que se qunlifiquem mnis do que outr0$ como fimdadores? É Carbo "virava dr,,g'' roda ,-cz que dcsempc,nhaw um papcl mar�damenœ
"=
possivel pr:nic:ir 310 corn uma "menL1lidade hetcro 1 Pode-se en
h
gbmour�, stmpn: que se dcrrctia nos b,asos de um homcm ou fugmdo
œnder a sexualidadi, lésbic:i como cootesraç:ïo niio s6 cbs carcgorias de ddcs, scmprc qiu, dcinva aquele pescoço diviNmente 1orneado... supor·
.,. "'
"sexo..., usnulheres e "corpo.s naru..r.1is"_, mas também de "'lésbicn ? tar o peso d• ,ua cabeç, jog)lda para Iris.-. Como é nple11dorosa a •rre de
Curios:imenrc, Witrig suge.-e uma relaçao neccssaria enrre o ponro represenr:arl é rodlJ travtst.imt11to, seja ou nâo verdadciro o sexo que csrâ
de vism bomosscxual e aquele da linguagem flgurada, como sc o faro de por tr;ls.
ser homosscxual conœsrasse a sintaxe e a semântic.1 co111puls6rias que Porkor 1yler, "Tbe Garbo !mage", cltodo em lls1her Newton,
cons1r<>tm "o rcal". Exduido do real, o pooro de visrn homossexual, se MolhcrCamp
houver realmenre um, pode cnteoder que o rcal é conslltuldo mcdiame
um coniumo de cxclusôes, margens que niiO aparecem, ausências que As mregorias do sexo verdndeiro, do g'êncro ùi�tinto e dn sexualiclade
n:io se musrrnm. Que migico erro, enrao, construir umn ldentidade espedfica tl!rn consrirufdo o ponto de referência esrâvel de grande parte
gay/lésbica por inrermédio dos mesmos mcios excludenres, como se os da reoria e da polltica feminisrns. Esses coosrrutos de identidnde �rvem
exduidos n1io fos.�m, precisamente por sua exdusôo, 5emprc pressu como ponros de partida epistcmolêigicos a partir dos quais emerge a
postos e, a rigor, necessdrios à construçio dessa ideotidade. Parodoxal reoria e a poliric:1 � formulada. No caso do feminismo, a polf1ica l os
meme, essa exdusâo insrirui precisamente a rclaç:ïo de depcndt!ncia ra• tensivameo1c formu'3da parn expressar os inrercsses, as penpcaivas das
dical que qucr supcrar: o lesbianismo e:ôgirio asstm a hererossexua Mmulheres". Mas ha uma forma politicadas "mulheres", por assim dizer,
=
lidade. 0 lcsbi11nismo que 51! defioe por sua exclusao radical da hereros• que precedn e prefigure a elaboraçâo polirica de seus inreresses e do
,çexualidadc priva a si mesmo da <':lpacidade lie re•siguificar os prôprios ponro de visra epi51emol6gico? Como idenridadc é modclada? Tra•
construtos hc1erosscxuais pelos quais é parcial e ioevitavclrneme cons rar-se-5 de uma modelagem polftica, que rnma as pr6prias fromeims e
tirufdo. Resuha crue essa esrra1égia lésbica coosolidaria :i hecerossexua• a morfologia do corpo scxuado como base, superficie ou lugar da ins•
lidade compuls6rin cm suas formas opressivas. criçâo culrural? 0 que circunscreve esse lugarcomo "ooorpo {c111inino"?
A es,rarégia mais insidiosa e eficaz, as que parcce, é a complcra É "o corpo" ou "o corpo sexuado" a base solida sobre a qu:,I operam o
aprupriaçâo c dcslociunemo <las proprias catcgorias de ideniidode, niio gêncro e os sisrcmas dl scxualidade compuls6riû Ou seril que "o corpo"
meramente pnrn conrcstar o "sexo", mas par.a arriculnr n convergència em si é mo<lelado por forças polfticas com inrcrcsscs esrrntégicos c:m
de m(Lltiplos discursos scxuais para o lugar da "identidade", a fim de mantê-lo lirnirado e coosrimido pelos.marcadores sex,rnis?
problemntiwr pcrmnnentemenre essa categoria, sob qualquer de suas A dininçâo sexo{gênero e a prépria categoria sexual parccem pressu·
formas. por urna gcncraliz:içno do ''corpo" que preexiste à aquisiçâo de scu 5igni•
ficado sexuado. Amiude, esse ".:orpou parece scr um mc,o pass1vo, que é
sigoific:ido por uma mscriçâo a partir de wna fonte cultu ral represenmda
como "extem3r cm rdaçao a ele. Conrudo, quando "o corpo" é npresen•
mdo como passivo c anœrior ao discurso, qualquer teona do corpo culru-
ralmenre c:onsrruldo tem a obriga,.10 dequesrion5-lo como um construro
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AîOS: COHO AU SU 'VEUIVO
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ATOS CORPORAIS SU8VERSIV0$ PROBLEMAS DE GêNERO
me de poder rompreendido como uma vicissitude da "bi:116ria». Reru apropriaçâo �ruralisra de sua opiniâo poderia compreeoder as
sada a presunç:\o da existência de :tlgum ripo de fonte pré•CMeg6rica de fromciras do corpo como os limites do socialmente hegemônlco. Numa
ruprurn, ainda sera posslvel dar uma explicaçâo gene:tl6gicn da demar variedadc de culruras, diz ela, b4
caçio do corpo como cssa pliitica signific:ame? Tal demnrcnçiio nâo �
t
inicioda peln h1s16ria reificada ou pelo sujeito. resulrado de uma es• (... ) forças poluidoras increnrcs à pr6pria estrutura das idéias e que puntm
trutumçao difusa e ativa do campo social. Essa prâtica significanre cfe• • ruprurn ,imb61ia doquiloqw: devuia ntar junto ou• jwiçlo daquilo que
riva um espaço social pM1 o e do corpo, dentro de certns grades regu• deve esmr seporndo. Dccom: d•I que essa poluiçôo é u m cipo de perigo que
ladorns da imeligibilid:ide. s6 tende a ocorrer onde"" fronttiras d3 eSUUtura, c6smita$ ou socia'is, sao
tt
l't1rity and Danger (�Pureza c perigo J, de M:iry Dougl:is, sugere qut dorameatt defmidis.
os pr6prios comornos do "corpo� sâo est1belecidos por meio de mnrca Um• pessoa poluldora esta scmpre crrodn. Ele lsiiJ desenvolvcu uma con
çoes que buscnm estabelecer c6cligos espccificos de cocrência cultural. cl,�o em1cb ou simpl«mente ulrr•passou olgwno fronrcira que nâo deveria
Todo discurso que est:ibeleœ as fromeiras do corpo serve ao propô:,ito de ter sido ulrnp•ssada, e tal desloe3mento rcpresenra perigos p,,r• algué,n,S6
instaurnr e na.rurnlizar oenos mbus coacernentes nos limites, posmrns e
fom1ns de troc:i apropi:fodos, que ùefioem o que constitui o corpo: Num dado scntido, em Desîre: AIDS, Pomograpby, and the Media,
Sim<m Watney idenrificou a consrruçâo çonremporànl!a da "pessoa po•
(•.,) ns i�éias sQbce scpar�r, purificar, denrnrcar e punir as trnn1'gr�c5 rem luidora'' com n pessoa porradom de AIDSF Nâo s6 a doença c! repre.
• funç,o principal dé impor um sistema • ulll:lcxpcrièncio lntri11sta.menn, senrad.1 �Omo a "doença gay", mas na reaÇ30 histérica e bomof6bîc:, da
dcsonkoado. Somcnn, pda •xQgeraçào d• difen:nça e.mrc dtntro c rora, midin 11 doença registra-se a coostmçiio t.1rica de uma conriauidade entre
nef mat: abnixo, masculino e fcminlno, coin e conl(O � que se cria uma :1pa c, status polufclo do bomosse.xual, em virrude do violaçao de froateiras
rênoo de ordem.5S que I o homosscxualismo, e a doença como mt>Wllidadc espedfica de
poluiçilo homossexual. 0 fato de n doençn ser rransmitida pela croai de
Embo.-., Douglas mtifique darameore a <listinçilo emuturalista en Ouiclos corpomis sugere, nos grMicos sens:icionalisras dos sinemas sig
tre a natureza intrinscc:uuente rebede e a ordem imposca por meios nîlicanrcs homof6bicos, os perigos que as froorciras corpomis permea
culturnis, a "desordem" 11 quai se refcce pode ser dcscriro como a rei;ifio veis represenram para a ordem social como tal. Douglas observa que "o
em que nào h.l conrrole ou ,ooccrto cultural. Supondo a e�trurura tne corpo é um modelo que pode simbolizar qualquer sistema delimitado.
viiavelmenœ binaria da distinç:'lo nan,rcu!cuhuro, Oougl3s nâo pode Suas fronreirns podem represenmr qualquer fronreira amcnçada on pre
aponrnr □ma configurnçlo cu.lturnl alreronriva em que tais distinçôcs se c.i ria", ss E elo foz wna pergunro que seria de se csperar <:m Fouc:ault:
tococm mnlcaveis ou proliferem além da perspecciva bina.ria. Comudo, "Por que peosar que as fromeil'llS corponiis sâo especificameote inves•
sua amllise provê um possivel ponto de partida para .:omprecnder • cidas de poder e perigo?"59
correlnçao pela quai os lllbU$ sociais insritucm e rnamêm as fronrciras Douglas sugere que codos os sisremas sociaissao vulnernveis em suas
do corpo como 1:11. Ela sugere que o que constitui o limite do corpo margem, e que todas ns margens, em funçao disso, sâo considerndas
nunco é merrunenre mncerial, mas que a superficie, a pele, é sisremica pengos.::,s. Se o ,orpo é uma sinédr,que para o sisce,na social perse ou
menre significada por u,bus e crn11sgressoes nntecipadas; de faro, cm sun um lugnr em que coovergem sistemas abertos, ear3o rodo tipo de per•
an:ili.se, as fronreiras do corpo se rornam os limites do social pcr u. Uma ltleab,lidade nào regulacla consûtui um lugarde poluiç.\oc perigo. Como
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"'TOS CORPO�AIS SUBVERSIVOS PROBLEMAS IH GttHRO
o sexo anal e oral entre homens cmbeleœ daramenœ cercos tipos de expeJido do corpo, descartado como excrcmcnro, 1ornado Hteralmeote
permcabilid.1dc corporal oâo sancionados pela ordcm hegcmôoica, a "Ourro". Parcce uma cxpulsiio de elementos esrranhos, mn, é precisa
homossexualidnde masculina constiruiria, desse ponm de VlSlll hegemô menre acravés dessn expulsâo que o esrranbo_se esrabeleœ. A construçâo
nico, om lugar de pcrigo e poluiçâo,anteriorà prcsença cu.lruml d:i AIDS do �nlio eu" como abjcto esrabe1eœ a.s fromciras do corpo, que süo
e indepcndcnte dela. De modo scmelhanœ, o .staws "poluldo" das Jts,. rambém os primeiros conrornos do sujeito. KriSteva escreve:
bicas, ti despcito de sua siruaçao de baÏlco cisco corn respeito à AIDS,
pôe em relcvo os pcrigos de suas trocas corporais. Sfgmficativameote, A 1141tu:a me fatrccusar esse le,tt, Ille sepan da mâe edo poj que o olcmun.
esmr "fora" da ordem hcgemôoica nao significa est:tr "dentro" de um •�Eu "' nôo qucro nc.m ver e&W elen1,nm, sîgno do de3ej() dcJcs; 14eu" n:lo
estado s6rdido e dcsorclenado de natureza. Paradoxnlmente, a homos quero ouvir, 0eu" niio o ass.imilo, ..,eu,, o expilo. Mas j6, que n comjda nâo
sexualidadc é quose sernpre conœbîdn, nos termos da economia signi é um 410\.1.cto'' pnra "roim''. que existo npenos no deseio deles ., eu expilo a
ficame homof6bicn, tante como incivilizada quanto CQmo antinatural. mim mMma, cuspo--mc forn, torno-me eu mesma abjeta no pr6prio movî..
A conmuç.'lo de concornos corporais estâveis rcpousa sobre lugares mcnto ntravés do <tuai ••eu" a.Onno me esrabdec.er.6J
fixos de pormeabilidade e impermeabilidade corporais. As prnticas se
Xllais que abrem ou fecham supemcies ou orificiosà sign:ificaçllo er6tfo• A fromeira do corpo, assim c-0mo a dtuinçâo enl're inreroo e exrer•
em ambos os conccxtos, homosstlCUal e beterossexual, reinscrevem eft no, se esrabelece mcdiruuc a ejeçâo e a tmnsvalorizaç5o de algo que cra
tivamenre as &onrclras do corpo em conformid:ide corn novas lioba.. originalmenrc parte da idcnndade em llJll3 alreridade coospuraada. Co
culrurais. 0 scxo anal entre bomens é um exemplo, assim como o � o rno sugeriu Iris Young, em sua leirura de Kristeva para entcnder o sexis
remembmmemo radical do corpo em The Lesbian Body, de Winig. Dou me, a homofobia e o rocismo, o rcpîidio de corpos cm funç.'lo de seu
glas faz alusâo a "um tipo de polui�o sexual expressiv:i do desejo de scxo,sexualidade e/ou coré uma "expul.sâo"seguida por uma "repulsa"
conscrvar o corpo (ffsico c social) inrnet0•'60, sugerindo que a ooçào que (undamenro e consolida ideotidades C11lturalrnence hegem0nicas em
naruraliuida de "o" corpo 6 ela pr6pria uma conseqllência dos cabus que cixos de difcrencinçiio de sexo/raça/sexualidade. 64 8m sua aproprinçiio
romam esse oorpo distinto, em virtude de suas &onreiras csroveis. AUrn de Kristevn, Young mo$tta como a operaçâo da repulsa podc con$olidar
disso, os ritos de passagem que governam os va.rios oriflcios corporais "identidndes" bascadns na instiruiçâo do "Otttro", ou de um conjunto
pressupôem uma c0nStruçào hetctossexual da troca, das posiçôes e das dt Outros, por mcio da exclusâo e ,fa domioaçllo. 0 que oonstitui me•
0
possibilidades er6rlClls marcadas pelo gêoero. A dèsregulaçâo dessas tr0· diante divisâo os mundos inten,o" e "e�terno" do sujeiro é uma froq
cas rompe, conseqUentemente, ns pr6prias fromeiras que dererminam o reîra e divisa tcnuemcnte mantida para fins de regulaçao e oontrole so
que deve ser um corpo. Alias, a investigaçao crftica que levanta as pni• ciais. A fromeirn entre o intcmo e o externo 6 confundida pelas pas•
ticas reguladoras no ilmbito das quais os conrornos corporais slio cons• sagen$ excrement!cias em gue efetivamente o intemo se roma e,c1·emo,
t:rufdos constirui preclsamente a genealogia do "corpo" cm sua singula• e essa funç,'io cxcretora se toma, po.r assim dlzer, o modelo pclo quai
ridade, œpaz de radicalizar a ceoria de Foucault.61 outras formas de difercnci:tçïo da identidade sao praricadas. Corn cfcito,
Significativamenre, a discussao de Kristeva sobre a abjeçiio, em Th, i dessa forma o Outro "vira merda». Para que os mundos intemo e ex
Powers of Horror ["Os podercs do horror"), começa a sugerir os uso. œmo permaneçam complcramcntc discincos, toda a supcrfrc:ic do corpo
dcssa id�ia estruturalisra de um tabu construtor de fronteiras para C0Of feria que alcanç:,.r uma impcnneabilidade impossfvel. &s;1 vcdnç4o de
truir o sujeito singulllr por exclusao.62 0 "abjeto" designa aquilo que fol suas superficies con�tituiria a fronteira sem sururas do sujeito; rnns esse
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JHDS CO !!ORAIS SU ,V SIVOS PR08LE tr.S D GÊN g,o
entra d corpo,
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min logia, Cfflll propositus, disrint pua um
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AH) OllE'ORAl!i Sl.lBV l'ISl\/05, PRO l MAS O Ç>Ê E 0
ATO$ CORPORAi$ SUBVUSIVOS PRO8LEMAS DE GhlfRO
ra: "rninha ap.1rência 'cnema' (men corpo, rneu g�ro) é owcnlina, mas vemos o scxo e o gtoero desnaturnliz.sdos por meio de uma performance
m,nh:t cs-sënc12. �im�ma• fmeu eu) i feminîna.".69 que confessa sca db'tir,çiiO c dramaliUI o mec,u,ismo cultural dnsua uni
dade fubric.ida.
Ess:1$ duas afirmaçôcs de verdade comradizem uma à outra, assim -A noçao de par6dia de gênero aqui defcndida nào pr�ume a exis
eliminando roda a vigêocia das significaçôcs do gênero do dim1rso do rência de um original que cssas .jdentidades parodfsricas imirem. Allais,
verdadeiro e do falso. a par6cha que se faz é da pr6pria idéia de urn original; assîm como a
A noç:io de uma idcntidade original ou primâria do gênero é freqüeo noçâo psicanalfticn da identificaçâo corn o gênero é constitulda pcln
remente parodinda nas pr�ricas culrurais do rravestismo e na éstilizaçao fantasia de uma fontaSia, pela cransfiguraÇ.'io de um 0utro que é desde
scxual oos identid.1des buteh/femmc. Na ceoria fcmioisœ, essas idcotidadcs semprc uma �imagem" nc�se duplo semido, a par6dia do gênero revela
parodJslic:is rêm sido emcndidas scj, como dcgradantes das mu.lheres, no que a idenridadc original sobre a quoi molda•se o gêocro é uma imitaçfo
caso do drag e do rrawmismo, scja corno uma apropriaçao acrftica da sern origem. Pam ser mais precisa, cr.na-se de uma produçlio que, corn
escereotipia dos papéis sexuais da prarica bctcrossexual, espedalmente no efeito - isto é, em seu efeiLO -, coloca-se como imitaçâo. ë.sse deslo
caso dru. ideotidades lésbicas but.<.l,/femme. Mn.�• relaçâo eorre a "imim cnmento pcrpétuo constirui uma Ouidez de identidades que sugcre uma
ç,io" e o "original" é mais complicada, peoso eu, do que ess.1 crrrica COS· aberrura à re-significa�o e à recomexru:1la:i\"âO; a proliferaçao paro
ruma admitit Alérn dis.w, cla nos d3 uroa indicaçao sobre a maneira como distica priva a culcura begemônica e seus crftico.� da reivindicaçao de
n rela�ao enrre a iden,ificaçho prim:iria - isro é, os significados originais idcnridadcs de gtlnero nnrurnlizadas ou essencializadas. Embora os sig•
arribuîdos aos gêneros -e as experiências posreriores do gênero pode ser nificados de genero assumidos nesses e,,tilos parodisàcos sejam chlrn
refonnulada. A performanu do drag brinc:i com a distinçao entre a ana mente parte da culrura hogemônlca nùs6gina, siio t0davfo dc�11aturali
tomia do pcrformista c o gênero que esta sen do performado. Mas esramos, z.1dos e mobiliz.:iJos por meio de sua rccootextualizaçâo parodfsta.
na verdade, na presenç, de très dimensôes contingentes da corporeidade Co rn o imiraçôcs que de,,locam efecivameote o significado do original,
significanre: sexo nmuômico, identidade de gênero e performance de gê· imitam o pr6pno mito do originalidade. No log,.1r de uma identificaç:10
ncro. Se a anatomia do perfonuisra j:I é distùlta de seu gênero, e se os dois original a servir como ca:US3 detenninante, a idenridade de genero pode
se distlnguem do gEnero da performana, ent11.o a performance sugere uma ser reconcebida como umn hist6ria pessoaVculrural de significados rc
di�sonância nao s6 entre sexo e pcrfonnrmcc, mas enrre sexo e gênero, e ccbidos, sujeitos a um conjunto de prâticas imitativ:1$ que se reforcm
entre gênero c performance. Por mais que crie uma imagem unificada dn lareralmeute a outras imira�ôes e que, em conjumo, conscroem a iluslo
"mulher" (ao que: seus crlticos se opôem frcqilenremcnre), o travesti tam cle uro eu de gênero prirn�rio e imerno marcado pelo gênoro, ou paro
bém revcla a dis1'inç_'\o dos aspectos da experiência do gênero que sâo diam o me.:anismo dessa construçno.
falsamcnte naturolizados como uma unidadc, através dn ficçio reguladora Segundo Fredric Jameson, em "Posmodemism and O>nsumer So
da coerência heterossexual. Ao imita, o gê11ero, o drag =ela impliâta· ciezy�, a imitaçiio quewm1,a da idéia de u111 original é mais cnracterîscka
mente a cstrulura imitatiw do pr6prio gê11ero - asslm como sua co11ti11- do pastiche do que da par6dia:
gê1tâd. Alias, p:irre do prozer, da vertigem da perfonnanc,e, e>ti\ no reco
nhecimenlo da co111ingência radical da rela�ao entre sexo e gênero dianre O pastiche é, coma a p:irôdfa, n imiraç.1\o de um cnilo ûnico ou pec.uJiar. é
das configuraçO<?s culturai.s de unidades caUS(lis que normalmenre sâo su vcs11r woa rollscara esnlrsrica, fabr uma trngua roor<a: lllllS l uma prôuca
posras nnrurais e neœssanas. No lug.,r da Ici da coerência bccerossexual, ncurra de m!m,ca, sen, 11 mot,v>çio ulrcrior da par6dia, scrn o impulso
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ATOS CORPORAIS SU8VERSIVOS PROBIEMAS OE GÊNERO
sàtfrico, sem o riso, stm aqucle semimenro ?irida laœnte de que existe olgo exemple, como um estiJo coipOral, um "ato'', por assim dizer, que tanto
normal, comparodo ao quai aquilo que é imirado é sumamente cômico. O é intcncional como perfonnativo, onde '!per(ormativo?' sugere uma cons
pastiche é a parôdia esvaiiada, a parodia que pcrdeu seu humor. 7° truçâo dlmnatica e contingente do sencido.
Wirtig entende o gênero como operaçoes do "sexo", em què o
A perda do senàdo do "normal", contudo, pode ser sua proprta "sexo" é uma injunçâo obrigatoria de que o corpo se tome um �igno
raz.�o de riso, especialrnénte quando se revela que "o ool'.ft1a.1", "o ori cultural, de que sè materialize cm obediênciita uma possibilidade his
ginal" é uma c6pi3c, e, pior, uma copia ineviravelmente falha, um ideal toricamente delimitada, e queo faça nâo umaou duas vezes, mas como
que ninguém pode incorp0rar. Nesse sentîdo, o riso surge corn a per nm projeto. corporal éontfo�o e repetido. Conrudo, a noçâo de "pro
cepçâo de que o original foi sempre um derivado. jeto" sogere a forsa originaria de uma vontade radical, e visto que o
A parêdia nâo é subversiva em si mesma, e deve haver um melo de gênero é um projero que tcm como fim sua sobreviyência cultural, o
compreeoder o que tornacertos tipos de repetiçao parodistica efetivamen rermo esttatégia sogere mais propriamente a sîtuaçâo compuls6ria em
te disniptivos, verdadeir:uncnte pem,rbadores, e que repeti�ôes sâo do q11e ocorrem, semprc e variadamente, as per(orma11ceido gênèro. Por•
mesticadas e redifimdidas como instrumemos da hegemonia cultural. Uma ra0to, como estratégia de sobrevivê.;ëia em sisremas compuls6rios, o
tipologia dos atos certamente nâo basraria, pois o deslocamenro parodfs gênero é mua performaltce com conseqüências daramente punitivas.
tico, o riso d a parodia, depeilde de um comexto e de uma recepçiio em Qs gèneros distintos sâo p.rrce ·do que "humaniui" os -iodivîd\Jos na
que se possam fomenrar confusôes subversiYas. Que performance inverterâ cultura contemporânea; de faco, habitualmente punimos os que nao
a distinçâo imeroo/extemo e ohrigara a repensa, radit:almenre as pressu desempenham correramema o seu gênero. Os vârios aros de gênero
posiçôes pSicol6gicas da idemidade de gênero e da sexualid.1de? Que per criam a idéia de gênero, e sem esses atos, riâo havecia gêne.ro algum,
(omumce obrigara a reconsiderar o l"gar e a estabilidade do masculine e pois nao hâ nenhuma "essêucia" que o gênero exptesse ou exreriori2e,
do feminino? E que tipo de performance de gêoero representara e revelarâ nem tampouco um idéal objetivo ao quai aSJ)ire e porque o gênero nâo
o carâter pe;-(ormat.ivo do pr6prio gênero, de modo a desestabiliiar as é um dado de realidade. Assim, o gênêroé uma construçao que oculra
caœgorias naruralizadas de identidade e desejo? normalmente sua gênese; o acordo coletivo tacïto de exercer, produzir
e suscencac gêneros disdncos e polarizados como ficçôes culturais é
obscurecido pela. èredibilidade dessas produçôes - e pelas puniçoes
Seo corpo nâo é um "ser", mas uma fronteira vaci>\vel, uma superflcie que penalizam a recusa a acre-dirar neles; a constcuçâo· ''·obriga" nossa
cuja permeabilidacle é politicamente règulada, uma prâtica significanre crença em sua necessidade e namcalidadc. A.� possibilidades historicas
dentro de um campo cultural de hiera.rquià do gênero e bererossexualida materializadas por meio dos v.\rios estilos corporais nada mais sâo do
de compuls6ria, enrao que. linguagem resta para compreender essa repre que fieçôes culturais punirivamenre reguladas, alcemadam�nte incor
sentaç1io corporal, esse gêncro, que consciruisuà significaçâo "interna" em poradas e desviadas sùb coaçâo.
�ua superffciei Sartre talvot cbamasse esre ato de "estilo de ser"; ·Foucaulr, lma!iinemos que a sedin1entaçao das notmas do gêhero produza o
de "estilisrica da existência". Em minha leitura de Beauvoir, sugeri que os fenômeno peculiar de um "sexo nacural", mna •·mulher real", ou qual
corJ?OS marcados pelo gênero sao ''esrilos da carne''. Esses estilos nunca quer das ficçêies sociais vigentes e compulsorias, e que se rrate de uma:
sâo plenamente originais, pois os estilos têm uma historia, e suas historias sedimenraçâo que, ao Longo do tempo, produziu um conjunto de estilos
condiciooam e lùnitam suas possibfüdades. Coosideremos o gênero, por cerpomis que, em forma ·,eificada, aparecem como a configuraçao na-
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PROBLEMAS 06 GêNERO
ATOS CORPORAIS SU8VERSIVOS
mral dos corpos em sexos que existern numa relaÇâo birnlrfa uns com os çao estilizada de aros ao longo do tempo, e nao uma idenridadc aparen-
ourros. Sc esses c,5riJos slio impostos, e se produiem sujeiros e seneros 1cmenw sem surums, eot!lo a met.-lfora espacial de uma "ba�e" '1.deslo
coerentes que figuram como seus originadores, que tipo de performa1u;e cada c se rcvela como uma configuraçâo estilizada, a rigor, uma corpo
poderia rcvelar que ess:i "causa" nparenre é um "efoito''? rificaçao do rcrnpo corn marca de gênero. MoSU'ar-se-� entâo que o eu
__,,.. Assim, em que seotidos o génC!ro é um aro? Como em oucros dromas de gilocro pem1anentc � tStruturado por atos reperidos que buscam
socfais ramais, a açiio do gfoero requer uma performance repetuJa. Essa aproximar o id�l de nma base subsrancial de identidade, mas rcvelador,
rèpctiçiio é a um s6 cempo .reenœnaçâo e nova experiênci:i de wn con• em sua descontinuidade ocasional, da faim de fondamento temporal e
juruo de signi6cados ja estabelecidos �ocialmeme; e rambérn é a forma t
contingente dessa "base". precisamente n:is relaçôes nrbitrarias entre
mundaoa e ritualiuida de sua legirimnçâo.71 Embora cxisram corpos esses atos que se enco11trrun as possibilidades de transformaçiio do gi:·
individu:iis que encenarn essas significaçlx:s estiliz:mdo-sc emformas do ncro, na possibilidade da incapacidadc de repetir, numa deformidadc,
gtnc:ro, essa "aç.io" é wn3 aÇâo public,. Essasaçôes têm dimensôes 1em ou numa reperiçao parodfstica que denuncie o efeito fo.11ta.sfsrico da
porais o coletivas, e Sèu çararer ptiblico o:io deixa de ter co11seqilc!ncias; iden àdade pemuneocc como uma COO$D'UÇ3.0 poliàcamente tênue.
n;t verdade, a performance é realizada corn o objetivo esrrarégico de
Enn:ei:anto, se os anibutos de gênero nào s5o cxpressivos ml1S per
mnn«er o gênero em sua esrnnura bin�rin - um objetivo que ni\o pode
formatiuos, entilo constituem efetivamente a idenàdade que preterua·
.;cr atribufdo a w11 sujcito, devendo, ao invés disso, ser co ruprccndido
-mente expressariam ou revelnriam. A tlistinçiio entre express5o e per
como fundador e comolidndor do sujeito.
0 géncro n5o deve wr construido como wna id�midade est:lvcl ou formatividade é crucial. Se osatriburos e atos do gêncro, as mrias ma•
um locus de açâo do quai decorrem varios atos; em vez �' o gêneco neiras como o corpo mosua ou produi sua significaçao cultural, s.'io
é uma idemidado 1enuem,mre consrirufdo 110 ttmpo, insrin.ûdo num es pcrfom1at.ivos, entâo nno ha idencidade preexistenre pela quai um aio
paço externo_por mdo de uma rcpetiçao estiliztula de ,nos. mreiro do ou auibuto possa ser medido; nfio baveria atos de gênero verdadeiros
ginero se produz pela e�tilizaç;io do corpo e deve ser entendido, conse ou falsos, reais on disrorcidos, e a posrulaçâo de uma identidade de
qücnt.emente,.como a forma corriqueira pela quai os gesros, movimentos gênero verdadeir• se revelaria uma ftcçao reguladora. 0 fo10 de a
e escilos corporais de vârios tipo, coosti1uem a ilusao de um eu perma realidadc do gênero ser criada medianre performances sociais conti
ntnre marcad_o pclo gênero. Essa formulaç:\o rira n cooccpç:io do gênero nuas signif:ica que as pr6pcias noçôes de sexo essencial e de masculi·
do solo de um modelo substancial da identidadc, deslOCUldo-a p;tra um nidadc ou feminilidadc verdadeiras ou pennancntes rambém 550 cons·
oucro que requer concebé-lo como uma tcmporalidade S()&ial com1iruf tiruidas, como parte da esrratégia que oculro o car6tcr per/onnatiuo
da. Significacivamenre, se o gênero é instiruido mecliante acos inrerna do gênero e as possibilidades pmfomiativas de prolîfcraçâo das cooCi
meme dcscootfouos, emao a aparér.cia de substâncw. é precisamence guraçôcs de gênero fora das cstruturas resrririvAs da dominaçao mas
1sso, uma ideotidade consrrufda, uma realizaçao pcr{Ormativa em que a culioisra e da he1erossexualidade compuls6ria.
plntéia social mundana, incluindo os pr6prios atores, pass,i a acredîtar,
Os gfoeros nâo podcm scr verdadeiros ocm falsos, reais nem apa·
L'lCercendo-a sob n forma de uma crença. 0 gênero 1ambém t uma norma
rentes, origmais nem derivados. Corno pormdores criveis desses atribu·
que ounco pode scr cornplerameme interunliz.adn: "o imerno" é uma
signi!icaçâo de �-uperfîcie, e as nonnas do gëne:r o silo afin al fan�isricas, cos, conrudo, eles mmbém podcm se romar complcta e radie:tlmente
,mpossfvçis de incorporar. Se a bn6e da idcntidadc de gênèro é a rc_pJUi: in,rivcis.
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P R O B t � M AS 0 E G N E R O
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3 , n 1 ' 2 1 o'Uto, o d e l98'3, p. M. de 8ea"vo1r.
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um pot,ro de ll'.wta particular qU11m.6 1!11Ïver:s.al.,. ao � 1 Maniq1Ji:: WLnig, "P'amd:I g ", in f-lomosse:xi1alities and Ft�1, h Litm-ature; Cmfurâl