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distante dela, donde vem, como foi, basta-lhe que em Monte Lavre outros assim nã o
houvesse, tanto na sua família como fora dela, os filhos da minha filha meus netos sã o, os
do meu filho serã o ou nã o, ninguém se livra de malícias populares, mas destes ninguém
pode duvidar, olhem bem para mim, para estes meus olhos azuis, e agora vejam os desta
minha neta, que vai chamar-se Maria Adelaide e é retrato daquela sua avó com mais de
quinhentos anos, mais os olhos que sã o do seu avô salteador estrangeiro de donzelas.
Todas as famílias têm as suas fá bulas, algumas nem isso sabem, como esta dos Mau-
Tempos, que bem a podem agradecer ao narrador.
O segundo rei mago chegou já se fechara a noite. Veio do trabalho, nenhuma luz em
casa, o lume apagado, de panela cheia nem promessa, entã o deu-lhe o coraçã o um baque, e
logo a seguir outro lho deu a mesma vizinha, A tua irmã teve uma menina, o teu pai e a tua
mã e estã o lá em casa, nesta altura já se sabe que o menino nascido é menina e tem os olhos
azuis, sabê-lo é uma distracçã o para Monte Lavre, mas a vizinha nada lhe diz sobre o
ú ltimo ponto, é uma boa mulher que acha que as surpresas têm o seu lugar e o seu
momento, que graça tinha dizer a Antó nio Mau-Tempo, A tua sobrinha tem os olhos azuis,
assim ele por seus pró prios olhos castanhos verá e fará a festa de ter visto. Já a guarda
recolheu ao posto, ninguém está ali para apresentar armas a Antó nio Mau-Tempo, era o
que faltava, tolo é quem acreditou, mas é em carne e osso um rei mago que desce a rua,
sujo como deve estar quem vem de trabalhar, nã o se lavou, nã o teve tempo, porém nã o
esquece as suas obrigaçõ es e de uma lata caiada que ao lado duma porta está, colhe um
malmequer, e para que nã o murche nos dedos mete-o entre os lá bios, alimenta-o de saliva,
e quando enfim entra diz, Minha irmã , e dá-lhe o bem-te-quero, é o que há de mais natural,
mudarem as flores de nome, como se viu com gerâ nio e sardinheira, e um dia se verá com
o cravo.
Ainda bem que Antó nio Mau-Tempo nã o ia na mira de olhos azuis. A menina
dorme em boa paz, tem os olhos fechados, foi uma decisã o dela, só os abrirá para o
terceiro rei mago, mas esse chegará muito mais tarde, noitíssima, porque vem de longe e
tudo caminho da banda dos pés, faz esta viagem há três dias, ou três noites, para quem
gostar de informaçõ es rigorosas, entã o saiba-se que Manuel Espada vai na sua terceira
noite de pouco dormir, já está habituado, é o que vale a esta gente, e para melhor se
entender, melhor convém explicar, ora ouçam, Como Manuel Espada trabalha muito longe
de casa, tem dormido por lá, em barraca de pastores ou malhada de monte, nã o importa
para o caso, mas como se estava aproximando a hora do parto, que faz Manuel Espada,
larga o trabalho ao sol posto, chega a casa passada a meia-noite, do filho só vê o volume da
barriga, descansa durante uma hora ao lado de Gracinda Mau-Tempo e depois levanta-se e
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torna ao trabalho, pelo meio da noite e madrugada, e esta é a terceira, mas como à s três é
de vez, quando chegar verá sua mulher parida e sua filha nascida, veja-se como sã o as
coisas.
Cearam Faustina, Joã o e Antó nio Mau-Tempo da galinha morta para o nascimento,
Gracinda Espada bebeu dela a sua parte de caldo, como é salutar para mulher que teve
filho, e entretanto vieram outros tios e mais parentes, entraram e tornaram a sair,
Gracinda precisa de descansar, ao menos hoje, adeus, até amanhã , é uma linda menina e o
retrato do avô . O reló gio da torre já deu a meia-noite, e se a má sorte se nã o intrometeu na
vida do viajante, se nã o houve resvalo de cabeço ou valado, se nenhum maltês insofrido
quebrou a regra de nã o assaltar outro tã o pobre, nã o tarda que chegue o terceiro rei mago,
que presentes trará consigo, que comitiva, talvez venha num cavalo á rabe com ferraduras
de ouro e freio de prata coralina, bem podia acontecer, em vez de maltês barbudo e
meliante descer ao caminho uma fada minha madrinha e dizer, Tua filha nasceu, e porque
tem olhos azuis te dou este cavalo para que mais depressa os possas ver, antes que com a
vida descorem, mas mesmo que tal acontecesse, é um supor de imaginaçã o, estes
caminhos sã o custosos, e à noite pior ainda, já o cavalo se cansou ou partiu uma perna, de
maneira que Manuel Espada fará a sua viagem a pé, ó grande noite estrelada e imensa,
noite noitinha de sustos e de indecifrá veis murmú rios, porém, ainda assim, têm os reis
magos seus poderes de Ur e Babiló nia, nem doutra arte se explicaria que voem adiante de
Manuel Espada dois vagalumes, nã o tem nada que errar, é ir atrá s deles como se fossem os
dois lados de um caminho, quem havia de dizer que sã o possíveis tais sortilégios, ser bicho
natural mã o de encaminhar, e assim se sobem colinas e descem vales, se ladeiam campos
de arroz e atravessam chapadas, eis as primeiras casas de Monte Lavre, e agora os
vagalumes pousaram nas ombreiras da porta, à altura da cabeça, a luzir, gló ria ao homem
na terra, e Manuel Espada passa entre eles, que ao menos nã o faltem estas honras a quem
de pesado trabalho vem e a ele terá de regressar antes de nascer o sol.
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criança que é sua filha, os homens sã o uns desajeitados, e entã o Gracinda Espada diz, É
parecida contigo, pois será , que nestas idades, tã o poucas horas, nunca se sabe, mas quem
está em boa razã o é Joã o Mau-Tempo ao proclamar, Mas os olhos sã o os meus, enquanto
Antó nio Mau-Tempo ouve calado porque é apenas tio, e Faustina, tã o surda, adivinha tudo
e diz, Meu amor, nem sabe por que o disse, sã o palavras que nã o se usam no latifú ndio em
casos tais, questã o de recato ou parcimó nia.
Duas horas depois, mais tempo fosse e todo haveria de parecer curto, Manuel
Espada saiu de casa, vai ter de esforçar o passo para chegar ao trabalho antes do sol fora.
Os dois vagalumes que tinham estado à espera puseram-se outra vez a voar, rentinho ao
chã o, com tal claridade que as sentinelas dos formigueiros gritaram para dentro que
estava o sol nascendo.