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Escola de Governo da Fundação João Pinheiro

TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 35

DESIGUALDADES RACIAIS NAS CONDIÇÕES HABITACIONAIS DA


POPULAÇÃO URBANA

Eduardo Rios Neto


(CEDEPLAR/UFMG)
Juliana de Lucena Ruas Riani
(EG / FJP)

Belo Horizonte, fevereiro de 2007


DESIGUALDADES RACIAIS NAS CONDIÇÕES HABITACIONAIS DA
POPULAÇÃO URBANA1
Eduardo Rios Neto2
Juliana de Lucena Ruas Riani3

Resumo

Esse artigo buscou fazer uma análise das diferenças raciais intra-urbanas, através do
estudo do processo de segregação residencial urbana por raça e da análise descritiva,
desagregada por raça, das condições habitacionais dos domicílios, no tocante a aspectos de
cobertura de serviços públicos, estrutura fundiária do terreno, etc. O exame da segregação
espacial e dos mapas de prevalência racial e pobreza mostraram uma nova dimensão espacial
da questão, esta análise é apenas descritiva, mas pode estar identificando, pioneiramente,
processos espacializados de reprodução da desigualdade racial, processos estes que podem
estar relacionados à formação de capital social e sua interação com o capital humano, entre
outros aspectos. O indicativo de uma maior discriminação na segregação racial residencial
entre os setores de escolaridade e renda mais elevados aponta a necessidade de estudos mais
aprofundados acerca deste processo. O estudo sobre condições habitacionais mostrou que as
condições habitacionais são diferenciadas racialmente, em grande medida porque a provisão
de serviços urbanos está correlacionada com a pobreza e esta com a composição racial.

1
Estudo produzido especialmente para o Relatório de Desenvolvimento Humano do Brasil (2005), do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
2
Professor titular do departamento de demografia do CEDEPLAR/UFMG.
3
Pesquisadora em Ciência e Tecnologia da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro.
Desigualdades Raciais nas Condições Habitacionais da População Urbana

Tratar da questão racial na população urbana brasileira significa contemplar duas


dimensões da questão racial no processo urbano. De um lado, há a questão da diferenças
raciais intra-urbanas, conforme refletido na análise do processo de segregação residencial
urbana por raça que se segue. Por outro lado, torna-se necessário uma análise descritiva das
condições habitacionais dos domicílios, no tocante a aspectos de cobertura de serviços
públicos, estrutura fundiária do terreno, etc. A análise que se segue contempla estas duas
dimensões, dentro da ótica de identificar as desigualdades raciais tanto com a cristalização e
pobreza existentes na sociedade brasileira, quanto a identificação de processos claramente
discriminatórios, que são observados quando a pobreza ou seus determinantes são fatores
controlados na análise.

6.1. Segregação Racial Residencial em algumas Capitais Brasileiras


De acordo com ICELAND et al. (2003), a segregação racial residencial - onde indivíduos
do mesmo grupo se concentram nos mesmos lugares, levando, dentre outras coisas, a uma
desigualdade urbana - pode ser conseqüência de fatores relacionados às diferenças
socioeconômicas, discriminação no mercado imobiliário ou a preferência de viver em
vizinhança com pessoas de cor ou raça similar.
No caso do Brasil existe entre alguns grupos a idéia de que grande parte da segregação
racial residencial está vinculada aos fatores sócio-econômicos, ou seja, segregação por classe
social. Como os negros, definidos aqui como a população preta e parda4, são maioria na classe
social mais baixa e, ao contrário, os brancos são maioria nas classes mais altas, a aglomeração
habitacional dos negros seria atribuída por essas diferenças sociais. Autores como Pierson,
Fernandes e Ianni, citados por Telles (1994) são defensores dessa hipótese. Entretanto,
pesquisas mais recente têm mostrado que a condição econômica não é o único fator de
segregação no Brasil, e que aspectos raciais e étnicos também estão envolvidos TELLES
(2003).
Com o intuito de investigar como ocorre a configuração espacial entre as raças em
algumas capitais brasileiras, foi feita uma análise da distribuição espacial dos negros e

4
A classificação do indivíduo segundo a sua cor foi a mesma utilizada no Censo Demográfico de 2000
fornecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
brancos e dos pobres e indigentes para as áreas de ponderação5 utilizando os dados do Censo
Demográfico de 2000. As capitais incluídas na análise são Belo Horizonte, Curitiba, Porto
Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Esta análise permite mostrar que a
configuração racial no espaço intra-urbano possui total aderência com os indicadores de
pobreza, tal aderência é também observada no caso do uso de outros indicadores sócio-
econômicos.
Nos mapas são contrastadas três distribuições espaciais: da cor, da porcentagem de
domicílios abaixo da linha de pobreza e da porcentagem de domicílios abaixo da linha de
indigência. Os valores das linhas de pobreza e indigência das capitais são aqueles obtidos para
os seus respectivos estados, de acordo com o cálculo e metodologia descritos no Atlas Racial.
Através desses mapas percebe-se que a distribuição espacial da população branca e negra
parece estar associada com a distribuição espacial por nível de renda, ou seja, a maior
proporção de negros concentra-se nas áreas de ponderação de maior incidência de pobres.
Cabe ressaltar, que não se pretende no presente artigo fazer uma análise de causa e efeito
dessa associação.
Tomando como exemplo a cidade de Belo Horizonte (Mapa 1), observa-se que a região
centro-sul, cujo nível de renda é mais alto, possui a menor proporção de negros (menos de
18,3%). Por outro lado, as regiões periféricas no norte, como Isidoro Norte e Capitão
Eduardo, que se caracterizam por serem regiões mais pobres, possuem maior concentração de
negros. Destaca-se também alguns pontos da região central com maior proporção de negros e
pobres, que são sabidamente regiões de favelas, como Morro das Pedras que possui o maior
número de indigentes (16,57%) e com uma população negra de 63,59%.
Aliás este padrão é encontrado praticamente nas sete cidades analisadas, ou seja, os
brancos concentram-se nas regiões habitadas pelas classes média e alta e os negros nas
regiões mais pobres. Interessante notar o caso de Salvador, que possui a maior proporção de
negros dentre as demais cidades. Nesse caso, os negros não concentram-se apenas nas áreas
mais pobres, apesar disto, as áreas com menor proporção de pobres indicam uma
predominância de brancos.

5
Área de ponderação é a menor área geográfica para o qual são calculadas estimativas para as informações com
base no questionário da amostra do Censo Demográfico, sendo composta por um agrupamente de setores
censitários mutuamente exclusivos. Seria o mais próximo de bairros.
Mapa 1: Proporção de pessoas negras, pobres e indigentes por área de ponderação - Belo
Horizonte, 2000.

% de Pobres
0.865 - 6.603
6.603 - 17.337
17.337 - 27.92
27.92 - 39.1

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.


Mapa 2: Proporção de pessoas negras, pobres e indigentes por área de ponderação – Curitiba, 2000.

% de Pobres
1.29 - 7.34
7.34 - 18.23
18.23 - 30.23
30.23 - 43.51

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.


Mapa 3: Proporção de pessoas negras, pobres e indigentes por área de ponderação –
Porto Alegre, 2000.

% de Pobres
1.06 - 9.62
9.62 - 20.05
20.05 - 32.03
32.03 - 45.32

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.


Mapa 4: Proporção de pessoas negras, pobres e indigentes por área de ponderação –
Recife, 2000.

% de Pobres
2.76 - 22.77
22.77 - 41.83
41.83 - 56.07
56.07 - 77.84

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.


Mapa 5: Proporção de pessoas negras, pobres e indigentes por área de ponderação – Rio de Janeiro, 2000.

% de Pobres
1.16 - 11.27
11.27 - 21.83
21.83 - 32.82
32.82 - 50.44

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.


Mapa 6: Proporção de pessoas negras, pobres e indigentes por área de ponderação – Salvador, 2000.

% de Pobres
1.15 - 23.94
23.94 - 41.7
41.7 - 53.47
53.47 - 74.42

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.


Mapa 7: Proporção de pessoas negras, pobres e indigentes por área de ponderação – São
Paulo, 2000.

% de Pobres
0.13 - 9.69
9.69 - 19.81
19.81 - 30.88
30.88 - 58.63

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.


Existem índices que sintetizam a segregação racial residencial, sendo que o mais utilizado
é o Índice de Dissimilaridade6. Considerando que existam apenas dois grupos na população,
esse índice mede a porcentagem de pessoas desses grupos que devem mudar de área para que
a mesma distribuição dos grupos prevaleça em todas as áreas. O Índice de Dissimilaridade
varia entre 0 – caso em que os dois grupos estão uniformemente distribuídos numa área
urbana - a 100 – onde os grupos não compartilham nenhuma área urbana -, ou seja, quanto
mais alto, maior o nível de segregação residencial. Nesse estudo considerou-se os seguinte
grupos: brancos e negros, brancos e pretos e brancos e pardos.
Na tabela 1 encontra-se o cálculo deste índice para as cidades selecionadas (para Belo
Horizonte e Recife também foi calculado esse índice separando os aglomerados subnormais7).
Percebe-se que os índices são bastante próximos e se encontram em um patamar moderado8.
Salvador apresentou o maior índice, atingindo 30,20%, quando se compara a população
branca e negra. Isso significa que 30,20% dos negros e o mesmo percentual de brancos teriam
que mudar de área de ponderação para que houvesse distribuição igualitária em termos de cor
em Salvador. O menor índice entre brancos e negros foi observado em Recife (20,13). Os
dados também demonstram que a segregação entre brancos e pretos é quase sempre maior que
a segregação entre brancos e pardos, embora a diferença maior seja encontrada em Recife.

Tabela 1:
Índice de Dissimilaridade para capitais selecionadas - 2000
Belo
Horizonte - Belo Porto Recife - com Rio de
Categorias Curitiba Recife Salvador São Paulo
com Horizonte Alegre subnormais Janeiro
subnormais
Brancos e negros 29,05 28,31 22,57 29,69 20,13 21,69 25,64 30,20 29,94
Brancos e pretos 30,06 28,80 21,85 31,07 26,05 27,08 25,34 32,95 25,53
Brancos e pardos 29,09 28,49 23,28 28,81 19,83 21,28 26,21 29,28 31,53
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2000.

Os baixos índices de dissimilaridade ou segregação espacial encontrados para as capitais


brasileiras parecem não refletir as grandes manchas de distribuição espacial por raça mostrada
nos mapas. O problema é que a grande participação relativa dos grupos raciais no total da

6
O índice de Dissimilaridade é a medida mais utilizada para medir segregação residencial sua fórmula é dada por:
j xj yj
D  * 0,5 *100
j 1 X Y
Em que: D é a porcentagem de pessoas de determinado grupo que devem mudar para que tenha a mesma distribuição dos grupos em todas as áreas j; x é o número de
j
pessoas do grupo minoritário (nesse presente trabalho seria o número de pretos e/ou pardos) em cada área j; X é o número total do grupo minoritário; y é o número de
j
pessoas do grupo majoritário (nesse caso, os brancos) em cada área j; Y é o número total de pessoas no grupo majoritário.
7
Expressão utilizada pelo IBGE para designar as favelas, mocambos, palafitas e aglomerados similares, localizados sobretudo nas áreas urbanas e metropolitanas
8
Fala-se moderado quando compara-se com os índices de outros países, como os Estrados Unidos cujo valor se
encontra acima de 70 (Telles, 2003).
população brasileira faz com que as diferenças entre áreas de ponderação não sejam tão
grandes quanto as diferenças entre aglomerados espaciais.
Apesar da aparente ligação entre a segregação racial e por classe social no Brasil, é
prematuro dizer que não existe racismo no mercado imobiliário do Brasil, sem uma análise
mais detalhada da segregação residencial por raça. Até porque nas áreas mais pobres esse
mercado é bastante informal. Telles (2003, p. 177) investiga o índice de dissimilaridade para
algumas cidades brasileiras separando os indivíduos que se encontram no mesmo extrato de
renda. Seus resultados demonstram que há uma maior segregação nas classes mais altas, o que
se pode inferir que a segregação racial entre brancos, pretos e pardos não pode ser atribuída
apenas ao status sócio-econômico, fatores como auto-segregação e racismo também têm que
ser levados em consideração.
Nas tabelas abaixo foi calculado o índice de dissimilaridade para o município de Belo
Horizonte separando por grupos de escolaridade (tabela 2) e quintil de renda familiar per
capita (tabela 3). Em outras palavras, calculou-se a discriminação considerando-se apenas os
indivíduos com mesmo nível educacional e de renda.
Percebe-se que a segregação racial aumenta nos grupos mais favorecidos, ou seja, com
escolaridade e renda per capita maiores. O aumento não é gradual, no caso da escolaridade o
aumento se dá nos grupos com 8 a 10 anos de estudo e 11 anos de estudo ou mais do chefe do
domicílio. No caso da renda per capita familiar, o aumento na dissimilaridade é mais
pronunciado no quarto quintil e, mais exagerado ainda, no quinto quintil de renda familiar per
capita. Dessa forma, não se pode considerar que apenas os fatores socioeconômicos são os
responsáveis pela segregação residencial em Belo Horizonte, fatores como auto-segregação e
racismo também têm que ser levados em consideração. Este resultado é coerente com aqueles
obtidos por Telles (2003), e provavelmente podem ser generalizados para as demais capitais
analisadas anteriormente.

Tabela 2: Índice de dissimilaridade por anos de estudo para Belo Horizonte - 2000
In d ice d e
c a te g o r ia s D is s im ila rid a d e
ze ro a n o d e e stu d o
b ra n c o s /a m a re lo s e n e g ro s/in d íg e n a s 1 9 ,9 8
b ra n c o s e p r e to s 2 2 ,8 6
b ra n c o s e p a rd o s 2 0 ,0 4
1 a 3 a n o s d e e s tu d o
b ra n c o s /a m a re lo s e n e g ro s/in d íg e n a s 1 9 ,2 8
b ra n c o s e p r e to s 2 1 ,2 4
b ra n c o s e p a rd o s 1 9 ,4 5
4 a 7 a n o s d e e s tu d o
b ra n c o s /a m a re lo s e n e g ro s/in d íg e n a s 1 7 ,8 3
b ra n c o s e p r e to s 1 9 ,2 4
b ra n c o s e p a rd o s 1 7 ,9 2
8 a 1 0 a n o s d e e s tu d o
b ra n c o s /a m a re lo s e n e g ro s/in d íg e n a s 2 3 ,4 6
b ra n c o s e p r e to s 2 4 ,4 4
b ra n c o s e p a rd o s 2 3 ,6 1
1 1 e m a is a n o s d e e s tu d o
3 5 ,8 8
b ra n c o s /a m a re lo s e n e g ro s/in d íg e n a s
b ra n c o s e p r e to s 4 0 ,7 5
b ra n c o s e p a rd o s 3 5 ,1 7
Fonte: Rios-Neto (2004) em Projeto Belo Horizonte no Século XXI.
Execução Cedeplar/UFMG.

Tabela 3: Índice de dissimilaridade por quintil da renda familiar per capita para Belo
Horizonte - 2000
Indice de
categorias Dissimilaridade
1º quintil de renda
brancos/amarelos e negros/indígenas 11,72
brancos e pretos 17,01
brancos e pardos 11,79
2º quintil de renda
brancos/amarelos e negros/indígenas 11,45
brancos e pretos 16,41
brancos e pardos 11,59
3º quintil de renda
brancos/amarelos e negros/indígenas 12,82
brancos e pretos 16,84
brancos e pardos 12,91
4º quintil de renda
brancos/amarelos e negros/indígenas 17,94
brancos e pretos 21,85
brancos e pardos 17,99
5º quintil de renda
brancos/amarelos e negros/indígenas 34,58
brancos e pretos 39,19
brancos e pardos 33,92
Fonte: Rios-Neto (2004) em Projeto Belo Horizonte no Século XXI.
Execução Cedeplar/UFMG.
Esta segregação racial urbana, capturada em grandes aglomerados de áreas de ponderação
e numa certa discriminação espacial por raça para os setores de alta renda e escolaridade,
configura um potencial de reprodução das desigualdades sócio-raciais por dois motivos. Em
primeiro lugar, pelo fato do espaço favorecer a reprodução da desigualdade por intermédio de
limitações de capital social decorrentes do padrão espacial de desigualdade – o que
condicionaria que negros em ascensão social, ao permanecer em bairros onde se concentram
negros e pobres, teriam menor acesso a tais capitais sociais, o que se configuraria num
limitador de sua própria mobilidade ascendente, sobretudo se consideramos o movimento
inter-geracional. Em segundo lugar, pelas limitações de acesso aos serviços urbanos,
decorrentes da correlação entre este acesso e pobreza da área intra-urbana. A análise que
segue, sobre os diferenciais raciais refletidos nas condições de moradia, complementa a
análise do processo intra-urbano do componente racial.

6.2. Habitação em Aglomerados Subnormais

Em 1991, de acordo com dados do Censo Demográfico, a porcentagem de negros


vivendo em aglomerados subnormais era mais de duas vezes superior à porcentagem de
brancos vivendo nas mesmas situações. Embora representassem menos da metade da
população total, os negros constituíam 2/3 da população “favelada” do Brasil.
As condições dos dois grupos melhoraram ao longo da década, e a disparidade apresentou
um ligeiro declínio, mas, em 2000, a proporção de negros nesses aglomerados ainda era quase
o dobro da proporção de brancos.
Tabela 4: População em aglomerados subnormais (AS)*, por raça, 1991 e 2000.

1991 2000

Porcentagem da população branca vivendo em AS 3,1 2,8


Porcentagem da população negra vivendo em AS 6,6 5,1
Porcentagem da população total vivendo em AS 4,8 3,9

Negros como porcentagem da população dos AS 65,6 59,7


Negros como porcentagem da população urbana 43,7 42,4
Negros como porcentagem da população total 47,4 45,3

(*) Aglomerados subnormais são favelas, mocambos, palafitas e similares


Fonte : IPEA, a partir dos Censos Demográficos do IBGE

6.3. Domicílios Construídos de Material Não Durável


Além dos aglomerados subnormais, outro indicador bastante utilizado para avaliação das
condições de habitação de uma residência vem a ser a porcentagem de lares com tetos e
paredes construídos com materiais não duráveis. Neste caso, parece evidente que as famílias
que moram em tais lugares tendem a estar sob permanente situação de risco, seja por
intempéries naturais, seja por acidentes, especialmente com fogo.

Gráfico 1
Percentual de Domicílios Feitos com Tetos Duráveis,
Segundo a Raça/Cor do Chefe, 1992-2001

99,0
98,5 98,5 98,7 98,6 Teto Durável
98,4
98,2 98,1 98,2 98,2 98,1 Total
98,0 97,8 97,9 98,0
97,6 97,7
97,5 97,4
97,3 97,3 97,3 Teto Durável
97,0 96,9
96,8 96,8 Brancos
96,5
96,2
96,0 96,1 96,1
Teto Durável
95,5 Negros
95,0
94,5
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
Fonte: IPEA, com base nos microdados da PNAD/IBGE

Gráfico 2
Percentual de Domicílios Feitos com Paredes Duráveis,
Segundo a Raça/Cor do Chefe, 1992-2001

100,0
99,0 99,0 99,2 99,2 99,2 99,2 Parede Durável
98,8 98,9 98,7
98,2 98,3 Total
98,0 98,1 98,1
97,6 97,4
97,0 97,2 97,2 97,0
96,8 Parede Durável
96,5 96,4
96,0 Brancos
95,4 95,4
95,0 94,8 94,8
Parede Durável
94,0 Negros
93,0
92,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Fonte: IPEA, com base nos microdados da PNAD/IBGE

A análise dos gráficos 1 e 2 revela que, nas regiões urbanas brasileiras, mais de 90% dos
domicílios localizados em áreas urbanas contava com paredes e tetos construídos com
materiais duráveis. De todo modo, mesmo nestes dois casos pode-se perceber que havia uma
ligeira vantagem favorável à população branca.
6.4. Excesso de Densidade do Domicílio
O indicador de densidade do domicílio é calculado pela quantidade de famílias que têm
mais de três pessoas por dormitório. Entre 1992 e 2001, verifica-se que o percentual de
famílias chefiadas por pessoas brancas vivendo nestas condições passou de 7,2% para 4,9%.
Entre as famílias chefiadas por pessoas negras, no mesmo período, igualmente ocorreu uma
redução neste indicador tendo passado o mesmo de 14,3% para 10,4% (Gráfico 3).
Gráfico 3

Domicílios Urbanos com Densidade Excessiva Segundo


Raça/Cor do Chefe do Domicílio, Brasil, 1992-2001

16,0

14,0 14,3
13,7
12,4 12,6
12,0
11,4 11,0
10,0 10,0 10,3 10,4
9,7 Total
8,6 8,7
8,0 8,0 Branca
7,2 7,1 7,5 7,1 7,2
6,2 6,3 Negra
6,0 5,7
5,2 4,9 4,9
4,0

2,0

0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Fonte: IPEA, com base em dados da PNAD IBGE

6.5. Abastecimento de Água Adequada

O acesso à água potável representa um dos direitos mais elementares dos seres humanos,
sendo parte essencial do próprio conceito de liberdade de Sen. Neste indicador, contudo, mais
uma vez foi possível encontrar pronunciadas desigualdades raciais.
Entre os anos de 1992 e 2001, o percentual de domicílios chefiados por pessoas brancas
que contavam com abastecimento de água potável passou de 83,3% para 88,5%. Entre os
lares chefiados por afrodescendentes, no mesmo período, também foi verificado um aumento
de 73,6%, para 82,5% dos domicílios. Desta forma, pode-se perceber que no período de 1992
a 2001 apesar de ter ocorrido diminuição da diferença entre brancos e negros no que tange ao
acesso de água potável nos domicílios, os domicílios chefiados por negros ainda se encontra
em desvantagem. (Gráfico 4).
Gráfico 4

Percentual de Domicílios Urbanos com Acesso a


Abastecimento de Água, Segundo a Raça/Cor do Chefe,
1992-2001
100,0
92,5 92,8 93,0 93,6 92,9
90,0 89,7 90,3 91,3
87,8 87,4 88,6 89,2 88,5 Total
84,1 85,4
83,3 81,9 82,6 82,5 Brancos
80,0 80,6 79,5
76,5 Negros
73,6 74,6
70,0

60,0

50,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
Fonte: IPEA baseado nos microdados da PNAD/IBGE

6.6. Adequação das Formas de Saneamento Básico e ao Esgotamento Sanitário

Tal como no caso do acesso à água potável, o acesso ao saneamento básico é uma das
condições imprescindíveis para que os indivíduos possam gozar de boas condições de saúde.
Neste sentido, mais uma vez este indicador está totalmente imbricado com o tema das
capacidades e da liberdade, à la Sen. Infelizmente a população brasileira ainda hoje padece da
falta de investimentos públicos nesta área. O problema é que este tipo de serviço, pela sua
natureza, acaba sendo quase invisível, posto que os canos e dutos ficarem quase sempre
enterrado. Assim, segundo um termo mais ou menos popular, tal investimento não traz votos.
Por outro lado, cabe salientar que este tema imbrica-se intimamente com o da questão
ambiental, especialmente quando pensado em termos da poluição de córregos, rios, nascentes,
praias e aqüíferos.
No ano de 1992, o percentual de domicílios chefiados por pessoas brancas que não
contavam com este tipo de serviço, localizados nas áreas urbanas, alcançava a marca de
28,1%, tendo passado este número relativo, em 2001, para 20,6%. Nos lares chefiados por
pessoas negras, este percentual, no mesmo período passaria de 56% para 41,3%. Portanto, a
proporção de domicílios chefiados por pessoas negras nas áreas urbanas sem acesso a este
serviço essencial era o dobro do que ocorria entre os domicílios chefiados por pessoas brancas
(Gráfico 5).
Gráfico 5

Percentual de Domicílios Sem Acesso a Saneamento Básico


Segundo a Raça/Cor do Chefe do Domcílio

60,0
56,0
53,2 51,8
50,0
47,5 46,2
44,0 42,3
40,0 41,3
39,2
37,1 35,7 Total
32,6 31,7
30,0 29,9 28,8 29,2 Brancos
28,1 26,5 25,3 Negros
23,1 22,1
20,0 20,7 19,7 20,6

10,0

0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Fonte: IPEA, baseado nos microdados da PNAD/IBGE

No gráfico 6, pode-se ver que, também no indicador de acesso ao esgotamento sanitário,


se fazem presentes pronunciadas disparidades raciais. Em 1992, o percentual de domicílios
chefiados por pessoas negras sem acesso a este serviço era 24,3 pontos percentuais acima do
percentual de domicílios chefiados por pessoas brancas na mesma condição. Em 2001, este
hiato desfavorável aos afrodescendentes caiu para 18,5. Apesar da queda no hiato, o
percentual de domicílios chefiadas por pessoas negras que não tinham acesso ao esgotamento
sanitário, em 2001, era 13 pontos percentuais superior ao percentual de domicílios chefiados
por brancos nesta mesma condição em 1992 (Gráfico 6). O que projetaria, mantendo-se tais
tendências, mais uma década e meia para que os domicílios chefiados por negros atingissem o
mesmo patamar de falta de assistência que os domicílios chefiados pelos brancos
apresentavam em 1992. Ou seja, os negros estão, neste quesito, 25 anos atrás dos brancos.

Gráfico 6
Percentual de Domicílios Sem Acesso a Esgotamento Sanitário
Segundo a Raça/Cor do Chefe do Domcílio

50,0
46,6
45,0 43,8 43,1
40,0 39,1
38,2 37,4 36,6
35,0 35,0
31,8
30,0 29,9 29,1 Total
25,0 25,8 26,5 25,0 Brancos
24,3 24,2
21,9 20,8
20,0 20,0 Negros
17,8 18,1 16,9 16,1 16,5
15,0
10,0
5,0
0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Fonte: IPEA, baseado nos microdados da PNAD/IBGE

6.7. Indicadores de Coleta do Lixo

Ao longo dos anos 1990, o sistema de coleta do lixo passou por uma grande melhoria
para toda a população brasileira. Deste modo, tanto entre os lares chefiados por pessoas
brancas, como entre os domicílios chefiados por pessoas negras, ocorreu uma pronunciada
queda no percentual de residências sem acesso a este tipo de serviço.

Gráfico 7

Percentual de Domicílios Urbanos Sem Acesso à Coleta


Regular do Lixo Segundo a Condição do Chefe, Brasil,
1992-2001

35,0
30,0 29,6
25,0 Total
24,7
22,5 21,9 Branca
20,0 18,3
15,0 15,0 16,4 Negra
13,3 12,6 13,5
10,0 10,7 9,3 11,1
8,7 7,6 8,4
7,3 6,6 6,3
5,0 4,6 3,7 5,1
3,0 2,6
0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Fonte: PNAD 1992-2001

Apesar destas melhorias, as desigualdades raciais presentes neste indicador persistiram


durante toda a década passada. Deste modo, entre 1992 e 2001, o percentual de lares
chefiados por brancos sem acesso aos serviços de coleta de lixo passou de 10,7% para 2,6%,
praticamente se universalizando no interior deste contingente racial ou de cor. No mesmo
período, a queda de lares chefiados por afrodescendentes sem acesso ao serviço de coleta do
lixo também reduziu significativamente, de 29% para 8,4%. Assim, cabe salientar que a
carência deste tipo de serviço entre os lares chefiados por negros, comparativamente, era 3,2
vezes maior do que os lares chefiados por brancos (Gráfico 7).

6.8. Domicílio Sem Acesso à Energia Elétrica

Nas sociedades modernas, o acesso à energia elétrica constitui um bem de primeira


necessidade. Na verdade, entre os indicadores de acesso aos bens de uso coletivo
(especialmente comparando-se com o acesso à água potável, à coleta do lixo e ao esgotamento
sanitário) esta variável tende a apresentar números relativos menos gritantes. Não obstante, o
motivo pelo qual isto ocorre, além dos investimentos realizados pelo setor público na
expansão da rede de energia elétrica, é explicado por conta de uma prática generalizada de
uso dos chamados gatos, isto é, a captação clandestina de energia elétrica das redes
convencionais.

Gráfico 8

Percentual de Domicílios com Acesso à Energia Elétrica


Segundo a Raça/Cor do Chefe Brasil 1992-2001
101,0
100,0
99,4 99,6 99,6 99,6 99,7 99,6
99,2 99,0 99,1 99,2 99,2
99,0 98,9 98,9
98,6 98,4 98,6
98,3 98,4
98,0 98,0 97,9
97,5 97,3 Total
97,0
96,2 Brancos
96,0
95,5 Negros
95,0
94,0
93,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001

Fonte: IPEA baseado nos microdados da PNAD/IBGE

Não obstante, o percentual de lares chefiados por pessoas brancas com acesso à energia
elétrica, entre 1992 e 2001, passou de 98,9% para 99,2%. Destaca-se o aumento na proporção
de domicílios com acesso à energia elétrica, que passou, entre as famílias chefiadas por
pessoas negras, de 95,5%, para 98,6% no mesmo período. Estes percentuais significam que,
não obstante uma pequena vantagem para o contingente branco, entre as pessoas de ambos os
grupos raciais ou de cor, este serviço já está praticamente universalizado (Gráfico 8). O caso
da energia elétrica é importante para demonstrar como a universalização de um dado serviço
público é condição suficiente para extinguir os diferenciais raciais e de outros atributos entre
os domicílios

6.9. Comentários Finais

O estudo sobre condições habitacionais mostrou que as condições habitacionais são


diferenciadas racialmente, em grande medida porque a provisão de serviços urbanos está
correlacionada com a pobreza e esta com a composição racial. Tal constatação da correlação
entre pobreza e raça não desqualifica a premência política da última, ou sua subordinação
exclusiva ao processo universal de combate à pobreza, embora ambos possam caminhar
juntos. O foco na questão racial ajuda a mostrar a cara do foco na pobreza, embora não se
trate de advogar um esquecimento de políticas dirigidas ao pobre branco. A análise da
segregação espacial e dos mapas de prevalência racial e pobreza mostrou uma nova dimensão
espacial da questão, esta análise é apenas descritiva, mas pode estar identificando,
pioneiramente, processos espacializados de reprodução da desigualdade racial, processos estes
que podem estar relacionados à formação de capital social e sua interação com o capital
humano, entre outros aspectos. O indicativo de uma maior discriminação na segregação racial
residencial entre os setores de escolaridade e renda mais elevados aponta a necessidade de
estudos mais aprofundados acerca deste processo.

6.10. Referências Bibliográficas

DUNCAN, O. AND B. DUNCAN "A Methodological Analysis of Segregation Indices."


American Sociological Review 20:210-217, 1955.

ICELAND, J., SHARPE, C. & STEINMETZ, E. Class Differences In African American


Residential Patterns In U.S. Metropolitan Areas: 1990-2000. Artigo apresentado no
encontro anual da Population Association of America, Minneapolis, Minnesota, maio 1-3,
2003.

ICELAND, J., WEINBERG, D. H. & STEINMETZ, E. Racial And Ethnic Residential


Segregation In The United States: 1980-2000. Artigo apresentado no encontro anual da
Population Association of America, Atlenta, Geórgia, maio 9-11, 2002.

OLIVEIRA, A. M. H. C. A Segregação Ocupacional por Sexo no Brasil.


CEDEPALR/UFMG. Belo Horizonte, 1997. Tese de Mestrado.

RIOS-NETO, Eduardo L.G. (Coordenador), Módulo 8- A Dimensão Humana em Belo


Horizonte: Família, Educação e Raça, Projeto Belo Horizonte no Século XXI, . Execução
Cedeplar/UFMG, Belo Horizonte, Julho de 2004.

TELLES, E. E. Racismo A Brasileira: Uma Nova Perspectiva Sociológica. Rio de Janeiro:


Relume Dumara, 2003.

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