Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
carlos américo
pacheco
é professor titular
do Instituto de
Economia da
Unicamp.
O financiamento
do gasto em
p&d do setor
privado no
Brasil e o perfil
dos incentivos
governamentais
para P&D
RESUMO
ABSTRACT
This article analyses the R&D funding profile to the private sector in Brazil, as
regards the way companies make use of the government instruments such as
credits and monetary aid, and as regards self-financing. A comparison is made
among some selected countries in relation to the types of support to the private
sector. The argumentation is that, although it seems strong, the support awarded
to Brazilian companies is little when compared to international standards, espe-
cially when we define the existing diverse instruments.
E
INTRODUÇÃO de P&D2, essencialmente ligadas ao maior
risco dessas atividades empresariais e par-
ticularmente associadas aos diferentes tipos
de estímulos públicos ao gasto privado para
o desenvolvimento tecnológico, os aspectos
básicos de como as empresas se financiam,
ste texto procura traçar um ao longo do ciclo econômico e em termos
perfil do financiamento ao de receitas próprias ou de terceiros, não são
gasto privado em pesquisa muitos distintos. 1 “Business enterprises are the
main source of innovation.
e desenvolvimento (P&D) Para examinar quais as características do They play the primary role in
no Brasil, destacando o pa- financiamento às atividades de P&D do setor funding and performing R&D
in most OECD countries, and,
pel das agências e bancos privado no Brasil, vale, portanto, fazer uma more than ever, governments
oficiais da esfera federal. síntese do padrão de financiamento privado wish to increase business
Busca-se caracterizar a ao investimento. Um exame do modelo de investment in R&D and in-
novation. Global competition
importância do acesso ao crédito e o sig- financiamento das empresas brasileiras de and the emergence of new
nificado macro dos incentivos para P&D capital aberto foi realizado recentemente por players such as China and
India have led countries to
criados recentemente, como a equalização pesquisadores da Unicamp3. As conclusões seek to boost the innovative
de taxas de juros para empréstimos, a Lei são relevantes, porque enfatizam o peso do capacity of the business
sector” (OCDE, Science
do Bem e a subvenção definida na Lei da autofinanciamento e o relevante papel dos and Technology Outlook,
Inovação, bem como os incentivos da Lei bancos públicos, vis-à-vis outras modali- Paris, 2008).
de Informática, em vigor desde 1991. Ao dades de financiamento, como o acesso ao 2 Ver a respeito: F. S. M.
final, procura-se realizar uma comparação capital de terceiros. Hollanda, Financiamento
e Incentivos à Inovação
internacional desses dados para aferir se as Como afirmam esses autores, o período Industrial no Brasil, tese de
políticas públicas brasileiras se aproximam de forte crescimento e que antecede a crise doutorado, Unicamp, 2010,
mimeo.
do que é praticado em outros países. internacional de fins de 2008 foi marcado
3 Ver a respeito: R. Carneiro
O exame desse perfil de financiamento por um ajuste do setor privado, & J. Almeida (coords.), Pa-
é essencial para o desenho de boas políticas drões de Financiamento das
públicas no Brasil, como de resto em qual- “[…] no sentido de não aumentar em de- Empresas Não-financeiras
no Brasil, Unicamp, BNDES,
quer economia desenvolvida ou emergente. masia a exposição da sua estrutura passiva Fecamp, Campinas, 2009.
Isso decorre da relevância do gasto privado aos riscos de um processo de endividamento Apesar de esta análise se
restringir às empresas de
no total do dispêndio em P&D. Entre nós crescente […] Por isso, a opção predomi- capital aberto, ela pode
ele tem estado na casa dos 50%. Ele é maior nante entre as empresas foi manter em pa- ser tomada como repre-
sentativa do conjunto das
em países mais desenvolvidos. E essa será a tamares elevados as aplicações financeiras e grandes empresas brasilei-
tendência do país e será o desafio de nossas reduzir o grau de endividamento, especial- ras, na medida que a receita
líquida das empresas da
políticas públicas se quisermos ter êxito nas mente o de curto prazo, usando sua maior amostra perfaz quase 30%
nossas tentativas de catching-up1. capacidade de aumentar margens de lucro do PIB brasileiro.
para gerar recursos internamente. E, com presas, mesmo em contextos de recuperação
isso, financiar os investimentos necessários de margens brutas de lucros, como foram
à manutenção da participação no mercado, os anos recentes, excluindo, desde logo, o
com parcela relativamente menor sendo período mais agudo da crise internacional.
obtida por meio de dívidas”4. Nessa mudança, é importante frisar, emerge
um padrão muito mais baseado em crédito
O perfil de financiamento que esses do que no mercado de capitais. Uma obser-
autores salientam, “para anos normais” (ou vação relevante, que exige detalhamento e
seja, afora a crise de 2008-09), é de uma obriga a pensar, em especial, no caso das
forte contribuição do autofinanciamento políticas de desenvolvimento tecnológico,
(lucros retidos) no financiamento dos in- que recorrentemente, em função do exem-
vestimentos. Entre 50% e 60% do gasto em plo norte-americano, buscam centrar sua
investimento é coberto assim por receitas intervenção no desenvolvimento de um
próprias. Um papel importante, mas com- indústria de venture no Brasil.
plementar, é desempenhado pelo BNDES. Se, grosso modo, o padrão de financia-
Papel que cresce, para cerca de 10% das mento dos gastos em P&D reflete o padrão
necessidades de capital, nas conjunturas do investimento fixo, o que esperar do
de aceleração do investimento, quando é financiamento do gasto em P&D? A Tabela
necessário encontrar alternativas de finan- 1 na sequência faz uma síntese desse perfil
ciamento de longo prazo. para as atividades de pesquisa, para mostrar
A novidade apontada pelo estudo é que que essa realidade do autofinanciamento é
esse conhecido padrão de “aversão ao risco”, ainda mais saliente no caso do gasto em
em que o endividamento de longo prazo é P&D do setor privado.
evitado em nome da liquidez e em que preva- Ficam claras duas coisas: de um lado,
lecem decisões de investimentos ancoradas o peso do autofinanciamento na indústria é
nos lucros retidos, pode estar mudando. ainda maior no caso das atividades de P&D,
Isso é em parte explicado pela consolidação o que é coerente com a conduta de “aversão
da estabilização, mas também pelo fato do risco”, que limita o crédito de curto e
de que a retomada do crescimento exige, longo prazo para atividades com maior
progressivamente, imobilização maior de capacidade de gerar caixa, e que se explica
capital, que muitas vezes pode estar além também pela maior dificuldade de acesso
4 Idem, pp. 7 e 10. da capacidade de geração de caixa das em- ao financiamento de longo prazo no Brasil;
TABELA I
Fontes de financiamento das atividades de P&D segundo setor de atividade e origem dos recursos –
Brasil – 2008 (em % do total)
TABELA 2
Fontes de financiamento das atividades de P&D segundo setor de atividade selecionada
e origem dos recursos – Brasil – 2008 (em % do total)
Recursos de Recursos de
Setor de atividade Recursos próprios
terceiros: privados terceiros: públicos
aportes próprios das empresas e basicamente dade de acesso aos recursos federais. Foge
da mesma importância relativa, embora as contudo ao escopo deste texto analisar essas
atividades de P&D apresentem maior risco hipóteses. Cabe sim verificar as distintas
e tenham outras políticas de incentivo formas que assume o apoio público, para
A distribuição pelos setores dos recur- depois discutir sua relevância para o setor
sos públicos é bem distinta da alocação privado.
dos recursos próprios. O apoio público é Antes de examinar os montantes de
bastante variável, setor a setor. Algumas recursos desses novos instrumentos, cabe
hipóteses poderiam auxiliar a explicar essas fazer um exame sucinto de como cada setor
diferenças, por exemplo: a dinâmica de cres- utiliza esse conjunto de incentivos. A Pintec
cimento recente em cada setor; a trajetória busca investigar isso nos informando qual
tecnológica e a intensidade do esforço de o percentual de empresas de cada setor que
P&D de cada um desses segmentos produ- utiliza os diversos mecanismos de incentivo.
tivos; a predominância, ou não, de grandes A Tabela 4 traz os segmentos da indústria e
empresas; marcos regulatórios específicos, serviços em que o percentual de empresas
que geram obrigações e possibilidades de beneficiadas é mais significativo. É uma for-
alavancar as atividades de P&D; a existência ma de verificar a abrangência dos incentivos,
ou não de instrumentos de apoio público embora não esteja diretamente relacionada
específicos para um determinado setor; e, aos valores dos incentivos, ou sua importân-
por que não, os diferentes graus de facili- cia para cada atividade econômica.
TABELA 4
Percentual de empresas de cada setor que utilizam incentivos ou financiamento
à inovação – Brasil – 2008
Apoio governamental/PIB
Incentivos fiscais/PIB 0,09% 0,14% 0,16% 0,14%
Subvenção/PIB 0,01% 0,02% 0,02% 0,01%
Total apoio/PIB 0,10% 0,15% 0,17% 0,15%
Gasto privado/PIB 0,50% 0,50% 0,54% 0,58%
Fonte: MCT (demonstrativos de incentivos); Congresso Nacional, Relatórios de Execução Orçamentária; e IBGE – PIB
brasileiras. Nesse sentido, a política pública eficácia dos instrumentos, seja pela mudança
deve ser avaliada pelos seus resultados, se da estrutura industrial, seja ainda pela indu-
conseguiu ou não elevar a produtividade e ção e pelo uso dos marcos regulatórios. O
a competitividade e, também, se elevou ou que não cabe é relegar a responsabilidade a
não o gasto privado, que é um indicador de uma alegada conduta passiva das empresas,
esforço, mas bastante relevante. Não deve como se não coubesse a todos, em especial
ser avaliada pelas suas intenções. ao governo, mudar essa realidade.
Indo além, se a realidade revela que parte De resto, convém se ater ao significado
de nosso desempenho deriva da natureza da econômico da inovação: ela é uma exigên-
conduta privada, cabe desenhar políticas que cia de mercado. Essa é a razão primeira de
mudem essa conduta. Seja pela difusão de as empresas inovarem. As empresas não
uma cultura de inovação, pelo aumento da inovam porque os governos querem que
TABELA 6
Incentivo fiscal e subvenção ao gasto em P&D no Brasil: 2006 a 2009
(em milhões de reais) – Exclusive a Lei de Informática
Apoio governamental/PIB
Incentivos fiscais/PIB 0,01% 0,03% 0,05% 0,04%
Subvenção/PIB 0,01% 0,02% 0,02% 0,01%
Total apoio/PIB 0,02% 0,05% 0,07% 0,06%
Gasto privado/PIB 0,50% 0,50% 0,54% 0,58%
Fonte: MCT (demonstrativos de incentivos); Congresso Nacional, Relatórios de Execução Orçamentária; e IBGE – PIB
TABELA 7
Incentivo fiscal ao gasto de P&D privado (incentivo
para cada US$ 1 gasto em P&D) – 2008 (Brasil – 2009)
273
Fonte: IBGE, Pintec 2008
TABELA A2
274
Financiamento à P&D segundo fontes e setor de atividade – Brasil – 2008. Valores absolutos (milhões de R$ de 2008) e percentuais sobre o total (%)
Financiamento a P&D
Financiamento à P&D (%) Financiamento à P&D
(milhões de reais)
P&D
Próprio Privados Públicos Próprio Privados Públicos Próprio Privados Públicos
(milhões de R$)
Total 17.598,7 76,3 4,3 19,4 13.419,4 762,0 3.417,3 100,0% 100,0% 100,0%
Ind. transformação 12.386,1 88,0 0,8 11,2 10.894,8 103,2 1.388,1 81,2% 13,5% 40,6%
Alimentos 692,0 97,1 1,6 1,3 672,2 11,0 8,8 5,0% 1,4% 0,3%
Bebidas 43,1 94,4 0,0 5,6 40,7 – 2,4 0,3% 0,0% 0,1%
Têxtil 50,5 92,9 0,9 6,2 47,0 0,4 3,1 0,3% 0,1% 0,1%
Vestuário 35,7 73,2 0,0 26,7 26,2 – 9,5 0,2% 0,0% 0,3%
Couro e calçados 105,0 94,3 0,0 5,5 99,0 – 5,8 0,7% 0,0% 0,2%
Madeira 17,1 99,5 0,0 0,0 17,0 – – 0,1% 0,0% 0,0%
Celulose e papel 148,5 99,0 0,0 0,6 147,1 – 0,9 1,1% 0,0% 0,0%
Petróleo e biocombustíveis 2.222,4 96,0 0,0 4,0 2.133,0 – 88,9 15,9% 0,0% 2,6%
Química 1.102,5 88,4 0,8 10,8 974,6 8,9 119,0 7,3% 1,2% 3,5%
Farmacêutica 618,3 92,2 0,0 7,3 570,3 – 45,3 4,2% 0,0% 1,3%
Borracha e plástico 302,2 97,6 0,0 2,2 295,0 – 6,7 2,2% 0,0% 0,2%
Máquinas e equipamentos 456,6 96,6 0,5 2,9 441,3 2,3 13,1 3,3% 0,3% 0,4%
Automotiva 3.383,7 80,8 0,0 19,0 2.733,7 – 641,3 20,4% 0,0% 18,8%
Outros equip. transporte 691,2 68,9 0,0 31,0 476,2 – 214,1 3,5% 0,0% 6,3%
Móveis 30,8 75,6 0,0 24,3 23,3 – 7,5 0,2% 0,0% 0,2%
Serviços 5.125,5 47,8 12,6 39,6 2.450,1 646,7 2.028,7 18,3% 84,9% 59,4%
Telecomunicações 1.750,3 75,5 23,7 0,9 1.321,4 414,0 14,9 9,8% 54,3% 0,4%
Tecnologia da informação 315,8 63,3 2,7 34,1 199,8 8,4 107,6 1,5% 1,1% 3,1%
Pesquisa e
2.952,8 28,0 7,4 64,6 826,0 219,5 1.907,3 6,2% 28,8% 55,8%
desenvolvimento
275
Fonte: IBGE, Pintec 2008.
TABELA A4
BASE LEGAL DE SUBVENÇÃO E INCENTIVO FISCAL À P&D NO BRASIL