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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência


universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

Júlio César Monteiro

Limites a Globalização Perversa.

“Vivemos todos num emaranhado de técnicas, o que em outras palavras significa que
estamos todos mergulhados no reino do artifício. Na medida em que as técnicas
hegemônicas, fundadas na ciência e obedientes aos imperativos do mercado, são hoje
extremamente dotadas de intencionalidade, há igualmente tendência à hegemonia de uma
produção “racional” de coisas e de necessidades; e desse modo uma produção excludente de
outras produções, com a multiplicação de objetos técnicos estritamente programados que
abrem espaço para essa orgia de coisas e necessidades que impõem relações e nos
governam”. (P.63)

As novas tecnologias e seus desdobramentos no decorrer dos séculos serviriam para uma
“melhora” na condição de vida do ser humano, no entanto tal desenvolvimento se tornou algo
tanto quanto contraditório, é visível a discrepância entre os países considerados de centro
(desenvolvidos) e os países considerados periféricos, é notório a hegemonia dos grandes
centros, suas raízes espalham-se pela periferia criando uma produção artificial de
necessidades.

“Nessa situação, as técnicas a velocidade, a potência criam desigualdades e, paralelamente,


necessidades, porque não há satisfação para todos. Não é que a produção necessária seja
globalmente impossível. Mas o que é produzido – necessária ou desnecessariamente – é
desigualmente distribuído. Daí a sensação e, depois, a consciência de escassez: aquilo que
falta a mim, mas que o outro mais bem situado na sociedade possui. A idéia vem de Sartre,
quando registra que “não há bastante para todo o mundo”. Por isso o outro consome e não
eu. O homem, cada homem, é afinal definido pela soma dos possíveis que lhe cabem, mas
também pela soma dos seus impossíveis”. (P.63)

Com o avanço do “progresso técnico” também se alastra a desigualdade, a necessidade de ter,


possuir, se encontra em ambos os lados, no entanto a produção daquilo que é necessário ou
desnecessário, fica longe daqueles que se apresentam a margem de um poder hegemônico,
que dita e constrói necessidades e vontades, mas não lhes propicia a obtenção de tal produção.

“A experiência da escassez é a ponte entre o cotidiano vivido e o mundo. Por isso, constitui
um instrumento primordial na percepção da situação de cada um e uma possibilidade de
conhecimento e de tomada de consciência. O nosso tempo consagra a multiplicação das
fontes de escassez, seja pelo número avassalador dos objetos presentes no mercado, seja pelo
chamado incessante ao consumo. Cada dia, nessa época de globalização, apresenta-se um
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objeto novo, que nos é mostrado para provocar o apetite. A noção de escassez se materializa
se aguça e se reaprende cotidianamente, assim como, já agora, a certeza de que cada dia é
dia de uma nova escassez”. (P.64)

A sociedade contemporânea está cada vez sob o poder de propagandas e mercado, nossos
desejos não são satisfeitos, a fonte de escassez são multiplicadas, o meu desejo e necessidade
não condiz com a vontade e necessidade do outro, a heterogeneidade de pessoas num mesmo
espaço geográfico abrem um leque de visões sobre o mundo, por conseguinte uma série de
diferentes necessidades e vontades, a aceleração na produção de escassez também é uma
aceleração na descoberta de sua realidade.

“A socialidade urbana pode escapar aos seus intérpretes, nas faculdades; ou aos seus vigias,
nas delegacias de polícia. Mas não aos atores ativos do drama, sobretudo quando, para
prosseguir vivendo, são obrigados a lutar todos os dias. Haverá quem descreva o quadro
material dessa batalha como se fosse um teatro, quando, por exemplo, se fala em estratégia
de sobrevivência, mas na realidade esse palco, junto com seus atores, constitui a própria vida
concreta da maioria das populações”. (P.65)

A luta pela sobrevivência nesse emaranhado de técnicas e revoluções tecnológicas é notória,


de modo particular nas classes menos favorecidas, aquelas que se encontram a margem de
uma hegemonia de uma classe opressora, os atores vivos do cotidiano possuem suas próprias
técnicas e estratégias de subsistência e resistência mediante ao um poder voraz e predatório
que lhes consomem todos os dias, são eles os atores vivos que constroem sua própria história.

“A política dos pobres é baseada no cotidiano vivido por todos, pobres e não pobres, e é
alimentada pela simples necessidade de continuar existindo. Nos lugares, uma e outra se
encontram e confundem, daí a presença simultânea de comportamentos contraditórios,
alimentados pela ideologia do consumo. Este, ao serviço das forças socioeconômicas
hegemônicas, também se entranha na vida os pobres, suscitando neles expectativas e desejos
que não podem contentar”. (P.65)

Os desejos e necessidades, sejam eles necessários ou não, fazem parte de todas as camadas da
sociedade, a hegemonia do consumo está presente e enraizada no cotidiano periférico, lhes
criando desejos e necessidade na qual os mesmos não podem sucumbi-las, diferente daqueles
que habitam e fazem parte de um número reduzido que podem usufruir e ter suas necessidades
atendidas, ainda que por pouco tempo.

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