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GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof.

Vagner Camilo - 2017

1) MARABÁ -As brisas nos bosques de os ver se enamoram,


- De os ver tão formosos como um beija-flor! -

Mas eles respondem: “Teus longos cabelos,


“São loiros, são belos,
“Mas são anelados; tu és Marabá:
“Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
“Cabelos compridos,
“Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá.”

E as doces palavras que eu tinha cá dentro


A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:

Jamais um guerreiro da minha arasóia


Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!

Eu vivo sozinha; ninguém me procura!


Acaso feitura
Não sou de Tupã!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
- “Tu és”, me responde,
“Tu és Marabá!”

- Meus olhos são garços, são cor de safiras,


- Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
- Imitam as nuvens de um céu anilado,
- As cores imitam das vagas do mar!

Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:


“Teus olhos são garços”,
Responde anojado, “Mas és Marabá:
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes
“Uns olhos fulgentes,
“Bem pretos, retintos, não cor do anajá!”

- É alvo meu rosto da alvura dos lírios,


- Da cor das areias batidas do mar;
- As aves mais brancas, as conchas mais puras
- Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. -

Se ainda me escuta meus agros delírios:


- “És alva de lírios”,
Sorrindo responde, “mas és Marabá:
“Quero antes um rosto de jambo corado,
“Um rosto crestado
“Do sol do deserto, não flor de cajá.”

- Meu colo de leve se encurva engraçado,


- Como hástea pendente do cactos em flor;
- Mimosa, indolente, resvalo no prado,
- Como um soluçado suspiro de amor! -

“Eu amo a estatura flexível, ligeira,


Qual duma palmeira”,
Então me respondem: "tu és Marabá:
“Quero antes o colo da ema orgulhosa,
“Que pisa vaidosa,
“Que as flóreas campinas governa, onde está”.

- Meus loiros cabelos em ondas se anelam,


- O oiro mais puro tem seu fulgor;
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

2) CANÇÃO DO EXÍLIO III

Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn, Quem guia nos ares
Im dunkeln die Goldorangen glühn, [...] A frecha imprumada,
Kenst du es wohl? Ferindo uma presa,
Dahin! dahin. Com tanta certeza,
Möcht ich... ziehn. (Goethe)1
Na altura arrojada
Onde eu a mandar?
Minha terra tem palmeiras,
- Guerreiros, ouvi-me,
Onde canta o Sabiá;
- Ouvi meu cantar.
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
IV
Nosso céu tem mais estrelas,
Quem tantos imigos
Nossas várzeas têm mais flores,
Em guerras preou?
Nossos bosques têm mais vida,
Quem canta seus feitos
Nossa vida mais amores.
Com mais energia?
Quem golpes daria
Em cismar, sozinho, à noite,
Fatais, como eu dou?
Mais prazer encontro eu lá;
- Guerreiros, ouvi-me;
Minha terra tem palmeiras,
- Quem há, como eu sou?
Onde canta o Sabiá.
V
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Na caça ou na lide,
Em cismar – sozinho, à noite –
Quem há que me afronte?!
Mais prazer encontro eu lá;
A onça raivosa
Minha terra tem palmeiras,
Meus passos conhece,
Onde canta o Sabiá.
O imigo estremece,
E a ave medrosa
Não permita Deus que eu morra,
Se esconde no céu.
Sem que eu volte para lá;
–Quem há mais valente,
Sem que desfrute os primores
Mais destro do que eu?
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
VI
Onde canta o Sabiá.
(Coimbra, julho 1843.) Se as matas estrujo
Co os sons do Boré,
Mil arcos se encurvam,
3) O CANTO DO GUERREIRO Mil setas lá voam,
I Mil gritos reboam,
Aqui na floresta Mil homens de pé
Dos ventos batida, Eis surgem, respondem
Façanhas de bravos Aos sons do Boré!
Não geram escravos, - Quem é mais valente,
Que estimem a vida - Mais forte quem é?
Sem guerra e lidar.
– Ouvi-me, Guerreiros, VII
– Ouvi meu cantar.
Lá vão pelas matas;
II Não fazem ruído:
O vento gemendo
Valente na guerra E as matas tremendo
Quem há, como eu sou? E o triste carpido
Quem vibra o tacape Duma ave a cantar,
Com mais valentia? São eles – guerreiros,
Quem golpes daria Que faço avançar.
Fatais, como eu dou? Quem golpes daria
- Guerreiros, ouvi-me; Fatais, como eu dou?
-Quem há, como eu sou? - Guerreiros, ouvi-me;
- Quem há, como eu sou?

VIII

1"Conheces o país onde floresce o limoeiro?/ Por entre a rama E o Piaga se ruge
escura ardem laranjas de ouro,/[...]/ Conheces?/ Oh! Partir!Partir/ No seu Maracá
Para lá [...] ir!”(“Mignon”. Wilhelm Meister.) A morte lá paira
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Nos ares frechados, Tu não viste dos bosques a coma


Os campos juncados Sem aragem – vergar-se e gemer,
De mortos são já: Nem a lua de fogo entre nuvens,
Mil homens viveram, Qual em vestes de sangue, nascer?
Mil homens são lá.
E tu dormes, ó Piaga divino!
IX E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes,
E então se de novo E não podes augúrios cantar?!
Eu toco o Boré;
Qual fonte que salta Ouve o anúncio do horrendo fantasma,
De rocha empinada, Ouve os sons do fiel Maracá;
Que vai marulhosa, Manitôs já fugiram da Taba!
Fremente e queixosa, Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!
Que a raiva apagada
De todo não é, III
Tal eles se escoam
Aos sons do Boré. Pelas ondas do mar sem limites
– Guerreiros, dizei-me, Basta selva, sem folhas, i vem;
–Tão forte quem é? Hartos troncos, robustos, gigantes;
Vossas matas tais monstros contêm.
4) CANTO DO PIAGA
Traz embira dos cimos pendente
I – Brenha espessa de vário cipó –
Ó Guerreiros da Taba sagrada, Dessas brenhas contêm vossas matas,
Ó Guerreiros da Tribo Tupi, Tais e quais, mas com folhas; é só!
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi. Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Esta noite – era a lua já morta - Como um bando de cândidas garças,
Que nos ares pairando – lá vão.
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito, Oh! quem foi das entranhas das águas,
Rouca voz começou-me a chamar. O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja...
Abro os olhos, inquieto, medroso, Esse monstro... – o que vem cá buscar?
Manitôs! que prodígios que vi!
Arde o pau de resina fumosa, Não sabeis o que o monstro procura?
Não fui eu, não fui eu, que o acendi! Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros.
Eis rebenta a meus pés um fantasma, Vem roubar-vos a filha, a mulher!
Um fantasma d'imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado, Vem trazer-vos crueza, impiedade –
Feia cobra se enrosca no chão. Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
O meu sangue gelou-se nas veias, Profanar Manitôs, Maracá.
Todo inteiro – ossos, carnes – tremi,
Frio horror me coou pelos membros, Vem trazer-vos algemas pesadas,
Frio vento no rosto senti. Com que a tribo Tupi vai gemer;
Hão-de os velhos servirem de escravos
Era feio, medonho, tremendo, Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!
-- Guerreiros, o espectro que eu vi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga, Fugireis procurando um asilo,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi! Triste asilo por ínvio sertão;
Anhangá de prazer há de rir-se,
II Vendo os vossos quão poucos serão.

Por que dormes, ó Piaga divino? Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,


Começou-me a Visão a falar, Susta as iras do fero Anhangá.
Por que dormes? O sacro instrumento Manitôs já fugiram da Taba,
De per si já começa a vibrar. Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!

Tu não viste nos céus um negrume 5) O CANTO DO ÍNDIO


Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia, Quando o sol vai dentro d'água
Seus estrídulos torva soltar? Seus ardores sepultar,
Quando os pássaros nos bosques
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

Principiam a trinar; Trocar a maça do poder por ferros


E ser, por te gozar, escravo deles.
Eu a vi, que se banhava...
Era bela, ó Deuses, bela, 6) A MINHA MUSA
Como a fonte cristalina,
Como luz de meiga estrela.
Gratia, Musa, tibi; nam tu solatia praches.
Ó Virgem, Virgem dos Cristãos formosa, Ovídio
Porque eu te visse assim, como te via,
Calcara agros espinhos sem queixar-me, Minha Musa não é como ninfa
Que antes me dera por feliz de ver-te. Que se eleva das águas – gentil –
Co'um sorriso nos lábios mimosos,
O tacape fatal em terra estranha Com requebros, com ar senhoril.
Sobre mim sem temor veria erguido;
Dessem-me a mim somente ver teu rosto Nem lhe pousa nas faces redondas
Nas águas, como a lua, retratado. Dos fagueiros anelos a cor;
Nesta terra não tem uma esp’rança,
Eis que os seus loiros cabelos Nesta terra não tem um amor.
Pelas águas se espalhavam,
Pelas águas, que de vê-los Como fada de meigos encantos,
Tão loiros se enamoravam. Não habita um palácio encantado,
Quer em meio de matas sombrias,
Ela erguia o colo ebúrneo, Quer à beira do mar levantado.
Por que melhor os colhesse;
Níveo colo, quem te visse, Não tem ela uma senda florida,
Que de amores não morresse! De perfumes, de flores bem cheia,
Onde vague com passos incertos,
Passara a vida inteira a contemplar-te, Quando o céu de luzeiros se arreia.
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa,
Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto, Não é corno a de Horácio a minha Musa;
Sem que o som do Boré que incita à guerra Nos soberbos alpendres dos Senhores
Me infiltrasse o valor que m’hás roubado, Não é que ela reside;
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa. Ao banquete do grande em lauta mesa,
Onde gira o falerno em taças d'oiro,
Às vezes, quando um sorriso Não é que ela preside.
Os lábios seus entreabria, Ela ama a solidão, ama o silêncio,
Era bela, oh! mais que a aurora Ama o prado florido, a selva umbrosa
Quando a raiar principia. E da rola o carpir.
Ela ama a viração da tarde amena,
Outra vez – dentre os seus lábios O sussurro das águas, os acentos
Uma voz se desprendia; De profundo sentir.
Terna voz, cheia de encantos,
Que eu entender não podia. D'Anacreonte o gênio prazenteiro,
Que de flores cingia a fronte calva
Que importa? Esse falar deixou-me n'alma Em brilhante festim,
Sentir d'amores tão sereno e fundo, Tomando inspirações à doce amada,
Que a vida me prendeu, vontade e força Que leda lh'enflorava a ebúrnea lira;
Ah! que não queiras tu viver comigo, De que me serve, a mim?
Ó Virgem dos Cristãos, Virgem formosa!
Canções que a turba nutre, inspira, exalta
Sôbre a areia, já mais tarde, Nas cordas magoadas não me pousam
Ela surgiu toda nua; Da lira de marfim.
Onde há, ó Virgem, na terra Correm meus dias, lacrimosos, tristes,
Formosura como a tua? Como a noite que estende as negras asas
Por céu negro e sem fim.
Bem como gotas de orvalho
Nas folhas de flor mimosa, É triste a minha Musa, como é triste
Do seu corpo a onda em fios O sincero verter d'amargo pranto
Se deslizava amorosa. D’órfã singela;
É triste como o som que a brisa espalha,
Ah! que não queiras tu vir ser rainha Que cicia nas folhas do arvoredo
Por noite bela.
Aqui dos meus irmãos, qual sou rei deles!
Escuta, ó Virgem dos Cristãos formosa, É triste como o som que o sino ao longe
Odeio tanto aos teus, como te adoro; Vai perder na extensão d'ameno prado
Mas queiras tu ser minha, que eu prometo Da tarde no cair,
Vencer por teu amor meu ódio antigo, Quando nasce o silêncio envolto em trevas.
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

Quando os astros derramam sobre a terra E co’os sons das Harpas d’anjos
Merencório luzir. De minha Harpa os sons casar!

Ela então, sem destino, erra por vales,


Erra por altos montes, onde a enxada 7) A ESCRAVA
Fundo e fundo cavou;
E pára, perto, jovial pastora O bien qu’aucun bien ne peut rendre!
Cantando passa – e ela cisma ainda Patrie! doux nom que l'exil fait comprendre!
Depois que esta passou.
Marino Faliero

Oh! doce país de Congo,


Além –j da choça humilde s'ergue o fumo Doces terras d'além mar!
Que em risonha espiral se eleva às nuvens Oh! dias de sol formoso!
Da noite entre os vapores; Oh! noites d'almo luar!
Muge solto o rebanho; e lento o passo,
Cantando em voz sonora, porém baixa, Desertos de branca areia
Vêm andando os pastores. De vasta, imensa extensão,
Onde livre corre a mente,
Outras vezes também, no cemitério, Livre bate o coração!
Incerta volve o passo soletrando
Recordações da vida; Onde a leda caravana
Roça o negro cipreste, calca o musgo, Rasga o caminho passando,
Que o tempo fez brotar por entre as fendas Onde bem longe se escuta
Da pedra carcomida. As vozes que vão cantando!

Então corre o meu pranto muito e muito


Sobre as úmidas cordas da minha Harpa, Onde longe inda se avista
Que não ressoam, O turbante muçulmano,
Não choro os mortos, não; choro os meus dias. O latagã recurvado,
Tão sentidos, tão longos, tão amargos, Preso à cinta do Africano!
Que em vão se escoam.
Onde o sol na areia ardente
Nesse pobre cemitério Se espelha, como no mar;
Quem já me dera um lugar! Oh! doces terras de Congo,
Esta vida mal vivida Doces terras d'além mar!
Quem já ma deras acabar! ________

Tenho inveja ao pegureiro, Quando a noite sobre a terra


Da pastora invejo a vida, Desenrolava o seu véu,
Invejo o sono dos mortos Quando sequer uma estrela
Sob a laje carcomida. Não se pintava no céu;

Se qual pegão tormentoso, Quando só se ouvia o sopro


O sopro da desventura De mansa brisa fagueira,
Vai bater potente à porta Eu o aguardava – sentada
De sumida sepultura; Debaixo da bananeira.

Uma voz não lhe responde, Um rochedo ao pé se erguia,


Não lhe responde um gemido, Dele à base uma corrente
Não lhe responde uma prece, Despenhada sobre pedras,
Um ai – do peito sentido. Murmurava docemente.

Já não têm voz com que falem, E ele às vezes me dizia:


Já não têm que padecer; – Minha Alsgá, não tenhas medo;
No passar da vida à morte Vem comigo, vem sentar-te
Foi seu extremo sofrer. Sobre o cimo do rochedo.

Que lh'importa a desventura? E eu respondia animosa:


Ela passou, qual gemido – Irei contigo onde fores! -
Da brisa em meio da mata E tremendo e palpitando
De verde alecrim florido. Me cingia aos meus amores.

Quem me dera ser como eles! Ele depois me tornava


Quem me dera descansar! Sobre o rochedo – sorrindo.
Nesse pobre cemitério – As águas desta corrente
Quem me dera o meu lugar, Não vês como vão fugindo?
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

Correm perfumes no correr da brisa,


A cujo influxo mágico respira-se
Tão depressa corre a vida, Um quebranto de amor, melhor que a vida!
Minha Alsgá; depois morrer
Só nos resta!... – Pois a vida A flor que desabrocha ao romper d'alva
Seja instante de prazer. Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Os olhos em torno volves Doce raio do sol que me dê vida.
Espantados – Ah! também
Arfa o teu peito ansiado!... Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Acaso temes alguém? Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento:
Não receies de ser vista, Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Tudo agora jaz dormente;
Minha voz mesmo se perde Meus olhos'outros olhos nunca viram,
No fragor desta corrente. Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
Minha Aisgá, porque estremeces? A arasóia na cinta me apertaram.
Porque me foges assim?
Não te partas, não me fujas, Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Que a vida me foge a mim! Já solta o bogari mais doce aroma;
Também meu coração, como estas flores,
Outro beijo acaso temes, Melhor perfume ao pé da noite exala!
Expressão de amor ardente?
Quem o ouviu? – o som perdeu-se Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
No fragor desta corrente. À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
Assim praticando amigos A brisa da manhã sacuda as folhas!
A aurora nos vinha achar!
Oh! doces terras de Congo, 9) CANÇÃO DO TAMOIO
Doces terras d'além-mar! (Natalícia)

Do ríspido Senhor a voz irada I


Rábida soa, Não chores, meu filho;
Sem o pranto enxugar a triste escrava Não chores, que a vida
Pávida voa. É luta renhida:
Viver é lutar.
Mas era em mora por cismar na terra, A vida é combate,
Onde nascera, Que os fracos abate,
Onde vivera tão ditosa, e onde Que os fortes, os bravos
Morrer devera! Só pode exaltar.
II
Sofreu tormentos, porque tinha um peito, Um dia vivemos!
Qu'inda sentir: O homem que é forte
Mísera escrava! no sofrer cruento, Não teme da morte;
Congo! dizia. Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
8) LEITO DE FOLHAS VERDES Condor ou tapir.

Porque tardas, Jatir, que tanto a custo


À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas, III
Já nos cimos do bosque rumoreja. O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
Eu sob a copa da mangueira altiva De o ver na peleja
Nosso leito gentil cobri zelosa Garboso e feroz;
Com mimoso tapiz de folhas brandas, E os tímidos velhos
Onde o frouxo luar brinca entre flores. Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, Escutam-lhe a voz!
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces, IV
No silêncio da noite o bosque exala. Domina, se vive;
Se morre, descansa
Brilha a lua no céu, brilham estrelas, Dos seus na lembrança,
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

Na voz do porvir. De flores perenais,


Não cures da vida! És qual tênue vapor que a brisa espalha
Sê bravo, sê forte! No frescor da manhã meiga soprando
Não fujas da morte, À flor de manso lago.
Que a morte há de vir!
Tu és a flor que despontaste livre
V Por entre os troncos de robustos cedros,
E pois que és meu filho, Forte — em gleba inculta;
Meus brios reveste; És qual gazela que o deserto educa
Tamoio nasceste, No ardor da sesta debruçada exangue
Valente serás. A margem da corrente.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro, Não tens em mole seda oculto as graças,
Brasão dos tamoios Não cinges d'oiro a fronte que descansas
Na guerra e na paz. Na base da montanha;
És bela como a virgem das florestas,
VI Que vê nas águas desenhar-se as formas,
Teu grito de guerra Firmada em tronco anoso.
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos Que monte além se eleva negrejante!
Por vil comoção; Na areia a base enterra, e o dorso ingente
E tremam d'ouvi-lo De rija pedra mosqueado amostra;
Pior que o sibilo Estéril como ele é, dizer parece
Das setas ligeiras, Que a ira do Senhor ardendo em raios
Pior que o trovão. A seve d'hartos troncos — de mil anos
VII Apagou — consumiu — num breve instante.
E a mão nessas tabas,
Querendo calados Mas não; a rubra cor que aí se enxerga
Os filhos criados É sangue que correu;
Na lei do terror; Cada pedra que i jaz encerra a história
Teu nome lhes diga, D'um bravo que morreu.
Que a gente inimiga
Talvez não escute E raios mil de guerra em morte envoltos
Sem pranto, sem dor! Já lá do cimo agreste da montanha
VIII Sibilando e gemendo à funda base
Porém se a fortuna, Baixaram sussurrando.
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços É do povo o Sinai, que o nobre sangue
Do inimigo falaz! Independente e forte — em lide acesa
Na última hora Na arena derramou;
Teus feitos memora, E o filho inda lá vai cheio de orgulho,
Tranqüilo nos gestos, Do pai beijando o sangue em largos traços
Impávido, audaz. Que a pedra conservou.
IX II.
E cai como o tronco E quando alva lua no céu vai brilhando
Do raio tocado, O disco formoso luzente mostrando,
Partido, rojado Então quando as ondas mais vividas crescem
Por larga extensão; E mais contra a praia a bramir se enfurecem;
Assim morre o forte!
No passo da morte Descendo das nuvens ao monte orgulhoso
Triunfa, conquista Infausta se amostra sinistra figura,
Mais alto brasão. Mais negra que as trevas, que fora pasmoso
X Ser esse fantasma de humana natura.
As armas ensaia,
Penetra na vida: E quando é que se vê? — Quando nos bosques
Pesada ou querida, A flor mais puro seu perfume exala,
Viver é lutar. Quando nas folhas o sussurro morre,
Se o duro combate Quando das aves o gorjeio pára.
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos, Quando imundo tatu na concha envolto
Só pode exaltar. Vai de manso volver minada campa,
E a coruja sedenta a luz dos mortos
No fronteiro pano da muralha estampa.
10) MORRO DO ALECRIM
Desde quando aparece? — Ninguém sabe,
I.
E talvez apareça sem ter fim;
Caxias, como és bela ! — no deserto,
Só um em cujo peito horror não coube
Entre montanhas, derramada em vale
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

Já do fantasma a voz ouviu assim. Por entre os troncos de robustos cedros,


Forte - em gleba inculta;
Manitô — Manitô — cobriste o teu rosto És qual gazela, que o deserto educa,
Com denso velamen de penas gentis; No ardor da sesta debruçada exangue
E jazem teus filhos clamando vingança À margem da corrente.
Dos bens que lhes deste da perda infeliz!
Em mole seda as graças não escondes,
Manitô — Manitô — descobre o teu rosto, Não cinges d'oiro a fronte que descansas
Bastante nos pesa da tua vingança; Na base da montanha;
Já lágrimas tristes choraram teus filhos, És bela como a virgem das florestas,
Teus filhos que choram tão grande mudança. Que no espelho das águas se contempla,
Firmada em tronco anoso.
O triste Anhangá de mui longe nos trouxe
Filhos de Tupã, essa raça danada, Mas dia inda virá, em que te pejes
Em vão deu-lhe of’rendas o Piaga divino Dos, que ora trajas, símplices ornatos
Tocando a maraca na dança sagrada. E amável desalinho:
Da pompa e luxo amiga, hão de cair-te
Em vão neste monte lhe veio ofertar Aos pés então – da poesia a c'roa
A pel'maculada de tigre raivoso, E da inocência o cinto.
E frutos, e frutas — e a pel’cambiante
Da Boa vistosa de corpo pasmoso. 12) O GIGANTE DE PEDRA

Manitô — Manitô — cobriste o teu rosto O guerriers! ne laissez pas ma dépouille au corbeau!
Com denso velâmen de penas gentis; Ensevelissez-moi parmi des monts sublimes,
E jazem teus filhos clamando vingança Afin que l'étranger cherche, en voyant leurs cimes,
Quelle montagne est mon tombeau!
Dos bens que lhes deste da perda infeliz.
V.Hugo. “Le Géant”.
I
Teus filhos valentes, temidos na guerra,
Gigante orgulhoso, de fero semblante,
No albor da manhã quão fortes que os vi!
Num leito de pedra lá jaz a dormir!
A morte pousava nas plumas da frecha,
Em duro granito repousa o gigante,
No gume da maça, no arco tupi.
Que os raios somente puderam fundir.
E hoje em que apenas a enchente do rio
Dormido atalaia no serro empinado
Cem vezes hei visto crescer — abaixar.
Devera cuidoso, sanhudo velar;
Já restam bem poucos dos teus qu'inda possam
O raio passando o deixou fulminado,
Dos seus, que já dormem, os ossos levar.
E à aurora, que surge, não há de acordar!
Teus filhos valentes causavam terror
Co'os braços no peito cruzados nervosos,
Teus filhos enchiam as bordas do mar,
Mais alto que as nuvens, os céus a encarar,
As ondas coalhavam de estreitas igaras
Seu corpo se estende por montes fragosos,
De frechas cobrindo os espaços do ar.
Seus pés sobranceiros se elevam do mar!
Já hoje não caçam nas matas tão suas
De lavas ardentes seus membros fundidos
A corça ligeira — o trombudo coati.
Avultam imensos: só Deus poderá
A morte pousava nas plumas da frecha,
Rebelde lançá-lo dos montes erguidos,
No gume da maça — no arco tupi.
Curvados ao peso, que sobre lhe 'stá.
O Piaga nos disse que breve seria,
E o céu, e as estrelas e os astros fulgentes
Manitô, dos teus a cruel punição;
São velas, são tochas, são vivos brandões,
E os teus inda vagão por serras, por vales,
E o branco sudário são névoas algentes,
Buscando um asilo por ínvio sertão!
E o crepe, que o cobre, são negros bulcões.
Manitô — Manitô — descobre o teu rosto,
Da noite, que surge, no manto fagueiro
Bastante nos pesa da tua vingança;
Quis Deus que se erguesse, de junto a seus pés,
Já lágrimas tristes choraram teus filhos,
A cruz sempre viva do sol no cruzeiro,
Teus filhos que choram tão grande tardança.
Deitada nos braços do eterno Moisés.
11) CAXIAS
Perfumam-no odores que as flores exalam,
Bafejam-no carmes de um hino de amor
Quanto és bela, ó Caxias! - no deserto,
Dos homens, dos brutos, das nuvens que estalam,
Entre montanhas, derramada em vale
Dos ventos que rugem, do mar em furor.
De flores perenais,
És qual tênue vapor que a brisa espalha
E lá na montanha, deitado dormido
No frescor da manhã meiga soprando
Campeia o gigante, — nem pode acordar!
À flor de manso lago.
Cruzados os braços de ferro fundido,
A fronte nas nuvens, os pés sobre o mar!
Tu és a flor que despontaste livre
II
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

Banha o sol os horizontes, Campeia o gigante! — nem pode acordar!


Trepa os castelos dos céus, Cruzados os braços de ferro fundido,
Aclara serras e fontes, A fronte nas nuvens, e os pés sobre o mar!...
Vigia os domínios seus: IV
Já descai p'ra o ocidente, Viu primeiro os íncolas
E em globo de fogo ardente Robustos, das florestas,
Vai-se no mar esconder; Batendo os arcos rígidos,
E lá campeia o gigante, Traçando homéreas festas,
Sem destorcer o semblante, À luz dos fogos rútilos,
Imóvel, mudo, a jazer! Aos sons do murmuré!
E em Guanabara esplêndida
Vem a noite após o dia, As danças dos guerreiros,
Vem o silêncio, o frescor, E o guau cadente e vário
E a brisa leve e macia, Dos moços prazenteiros,
Que lhe suspira ao redor; E os cantos da vitória
E da noite entre os negrores, Tangidos no boré.
Das estrelas os fulgores
Brilham na face do mar: E das igaras côncavas
Brilha a lua cintilante, A frota aparelhada,
E sempre mudo o gigante, Vistosa e formosíssima
Imóvel, sem acordar! Cortando a undosa estrada,
Sabendo, mas que frágeis,
Depois outro sol desponta, Os ventos contrastar:
E outra noite também, E a caça leda e rápida
Outra lua que aos céus monta, Por serras, por devesas,
Outro sol que após lhe vem: E os cantos da janúbia
Após um dia outro dia, Junto às lenhas acesas,
Noite após noite sombria, Quando o tapuia mísero
Após a luz o bulcão, Seus feitos vai narrar!
E sempre o duro gigante,
Imóvel, mudo, constante E o germe da discórdia
Na calma e na cerração! Crescendo em duras brigas,
Ceifando os brios rústicos
Corre o tempo fugidio, Das tribos sempre amigas,
Vem das águas a estação, — Tamoi a raça antígua,
Após ela o quente estio; Feroz Tupinambá.
E na calma do verão Lá vai a gente impróvida,
Crescem folhas, vingam flores, Nação vencida, imbele,
Entre galas e verdores Buscando as matas ínvias,
Sazonam-se frutos mil; Donde outra tribo a expele;
Cobrem-se os prados de relva, Jaz o pajé sem glória,
Murmura o vento na selva, Sem glória o maracá.
Azulam-se os céus de anil!
Depois em naus flamívomas
Tornam prados a despir-se, Um troço ardido e forte,
Tornam flores a murchar, Cobrindo os campos úmidos
Tornam de novo a vestir-se, De fumo, e sangue, e morte,
Tornam depois a secar; Traz dos reparos hórridos
E como gota filtrada D'altíssimo pavês:
De uma abóbada escavada E do sangrento pélago
Sempre, incessante a cair, Em míseras ruínas
Tombam as horas e os dias, Surgir galhardas, límpidas
Como fantasmas, sombrias, As portuguesas quinas,
Nos abismos do porvir! Murchos os lises cândidos
Do impróvido gaulês!
E no féretro de montes V
Inconcusso, imóvel, fito, Mudaram-se os tempos e a face da terra,
Escurece os horizontes Cidades alastram o antigo paul;
O gigante de granito. Mas inda o gigante, que dorme na serra,
Com soberba indiferença Se abraça ao imenso cruzeiro do sul.
Sente extinta a antiga crença
Dos Tamoios, dos Pajés; Nas duras montanhas os membros gelados,
Nem vê que duras desgraças, Talhados a golpes de ignoto buril,
Que lutas de novas raças Descansa, ó gigante, que encerras os fados,
Se lhe atropelam aos pés! Que os términos guardas do vasto Brasil.
III
E lá na montanha deitado dormido Porém se algum dia fortuna inconstante
GONÇALVES DIAS – POEMAS INDIANISTAS – LB III – Romantismo – noturno – Gonçalves Dias – Prof. Vagner Camilo - 2017

Puder-nos a crença e a pátria acabar, Retalhado entre si vosso domínio,


Arroja-te às ondas, o duro gigante, Qual se vosso não fora? Ardia o prélio,
Inunda estes montes, desloca este mar! Fervia o mar em fogo a meia-noite,
Nuvem de espesso fumo condensado
13) OS TIMBIRAS Toldava astros e céus; e o mar e os montes
(excerto do Canto II) Acordavam rugindo aos sons troantes
Da insólita peleja! – Vós, guerreiros,
As três formosas tabas de Itajubá Vós, que fazíeis, quando a espavorida
Já foram como os cedros gigantescos Fera bravia procurava asilo
Da corrente empedrada: hoje acamados Nas fundas matas, e na praia o monstro
Fósseis que dormem sob a térrea crusta, Marinho, a quem o mar, já não seguro
Que os homens e as nações por fim sepultam Reparo contra a força e indústria humana,
No bojo imenso! – Chame-lhe progresso Lançava alheio e pávido na areia?
Quem do extermínio secular se ufana: Agudas setas, válidos tacapes
Eu modesto cantor do povo extinto Fabricavam talvez!... ai não... capelas,
Chorarei nos vastíssimos sepulcros, Capelas enastravam para ornato
Que vão do mar ao Andes, e do Prata Do vencedor; – grinaldas penduravam
Ao largo e doce mar das Amazonas. Dos alindados tetos, por que vissem
Ali me sentarei meditabundo Os forasteiros, que os paternos ossos
Em sítio, onde não oiçam meus ouvidos Deixando atrás, sem manitôs vagavam,
Os sons frequentes d’europeus machados Os filhos de Tupã como os hospedam
Por mãos de escravos Afros manejados: Na terra, a que Tupã não dera ferros!
Nem veja as matas arrasar, e os troncos, ________________
Donde chorando a preciosa goma,
Resina virtuosa e grato incenso
A nossa incúria grande eterno asselam:
Em sítio onde os meus olhos não descubram
Triste arremedo de longínquas terras.
Aos crimes das nações Deus não perdoa:
Do pai aos filhos e do filho aos netos,
Por que um deles de todo apague a culpa,
Virá correndo a maldição – contínua,
Como fuzis de uma cadeia eterna.
Virão nas nossas festas mais solenes
Miríade de sombras miserandas,
Escarnecendo, secar o nosso orgulho
De nação; mas nação que tem por base
Os frios ossos da nação senhora,
E por cimento a cinza profanada
Dos mortos, amassada aos pés de escravos.
Não me deslumbra a luz da velha Europa;
Há-de apagar-se mas que a inunde agora;
E nós?... sugamos leite mau na infância,
Foi corrompido o ar que respiramos,
Havemos de acabar talvez primeiro.
América infeliz! – que bem sabia,
Quem te criou tão bela e tão sozinha,
Dos teus destinos maus! Grande e sublime
Corres de polo a polo entre os sois mares
Máximos de globo: anos da infância
Contavas tu por séculos! que vida
Não fora a tua na sazão das flores!
Que majestosos frutos, na velhice,
Não deras tu, filha melhor do Eterno?!
Velho tutor e avaro cobiçou-te,
Desvalida pupila, a herança pingue
Cedeste, fraca; e entrelaçaste os anos
Da mocidade em flor – às cãs e à vida
Do velho, que já pende e já declina
Do leito conjugal imerecido
À campa, onde talvez cuida encontrar-te!
Tu, filho de Jaguar, guerreiro ilustre,
E os teus, de que então vós ocupáveis,
Quando nos vossos mares alinhadas
As naus de Holanda, os galeões de Espanha,
As fragatas de França, e as caravelas
E portuguesas naus se abalroavam,

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