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1.

Introdução

Uma lei é algo de racional, como ensinou Santo Tomás; sua criação e obediência
consciente aplicam-se apenas a entes capazes de refletir e criar símbolos que
signifiquem algo do pensamento. Embora seja o homem feito da mesma
substância das pedras, das montanhas, das estrelas, das plantas e de todos os
animais — tudo o que compartilha o ser transcendental —, ele detém potências
várias que pode escolher atualizar para tornar visível o rastro da sua liberdade:
é capaz de conhecer as causas e o fim de todas as coisas, de ter ciência do
próprio caráter de causa eficiente; é um intermediário entre o anjo e a fera, na
expressão de Santo Agostinho.

Por isso a Lei Natural compõe os preceitos que a razão prática formula para a
conduta mais correta na diversidade de situações contidas no drama humano. É
natural porque funda-se na natureza humana, e não porque o fundamento está
unicamente na universalidade da razão: assenta-se sobre a essência do homem,
dono de um ser específico e um dever-ser que lhe é próprio. Apoia-se, por isso,
em fundamentos ontológicos, nas razões últimas do entendimento que podemos
exercer.[2]

A ontologia foi por muito tempo identificada com a metafísica, e só nos últimos
séculos teria revelado, para os seus estudiosos, alguma diferença que a
dividiu.[3] Mas essa divisão não será importante para nós. Ambas identificam-se
como a ciência do “ser enquanto ser”: persistem no topo da hierarquia dos
conhecimentos sistematizados — a metafísica é o limite das conjecturas
possíveis, pois ela trata do todo, enquanto as outras ciências, que nela se
enraízam, se ocupam das partes que o compõe.

Ficará clara a importância do conceito de ontologia quando demonstrarmos que


a verdade tem um fundamento objetivo. Descobrir o que sustenta a verdade é
um passo à descoberta da própria realidade como bem, traço elementar do que
pretendemos: provar que seguir a realidade, mais confiando nela mesma do que
em exageros lógicos, afastados da matéria que os deveria estruturar, é o único
caminho de uma filosofia autêntica.

Por estes primeiros fundamentos é que tecemos as investigações posteriores.


Confiar na realidade e na sua bondade intrínseca possibilita a observação do
desenvolvimento natural e das leis que regem a operação dos seres
participantes. Veremos que a todo ser corresponde uma plenitude desejável, e
que no homem esta plenitude é atingida enquanto atualiza a sua liberdade. Por
último, a utilidade da descoberta de um dever-ser contido no ser é revelada como
fundamento dos preceitos morais da conduta humana. Os dois primeiros
capítulos são propedêuticos ao estudo do dever-ser, objeto de central desse
artigo. A razão dessas exposições preliminares, embora pareçam desconexas,
será reconhecida mais afrente.

2. Fundamentos objetivos: o conhecimento da realidade


Conhecimento é conhecimento de algo, uma relação entre o que conhece e o
conhecido. E que valor se dá a um conhecer que ignora seu objeto? Só podemos
dizer que conhecemos quando este conhecimento é verdadeiro, ou seja, quando
ele segue aquilo que a coisa é. Se a ética pretende conduzir um agir correto, é
por ser verdadeiramente correto. Isto, ou a moralidade fundamentar-se-ia
apenas na utilidade, na conveniência, no bem-estar produzido pela congruência
da ação com a vontade. Por isso precisamos provar que há um ponto de partida
seguro para a obtenção das conclusões sobre a moralidade; um ponto que possa
dar ao correto o devido valor.

2.1 O ser e a verdade

O ser é o primeiro conceito, em ordem de importância na reflexão


epistemológica, que interessa ao intelecto. Mas é também o primeiro que o
intelecto pode captar.[4] Tudo o que há é ser; se dele prescindisse, seria não-
ser. O não-ser nada pode,[5] nem mesmo ser objeto do pensamento senão
relativamente a um ser. Sempre que falamos de algo que não é, proferimos um
não-ser relativo da coisa, ou seja, sempre fazemos referência a alguma coisa
que é, como quando falamos do vácuo, que é um não-ser em oposição à matéria
mensurável sensivelmente. Assim, também, quando dizemos da cegueira, que
é a privação da visão, dizemos que falta ao dono de olhos doentes a faculdade
de ver. O ser persiste na entidade da visão: a visão é algo que é; a cegueira é
seu não-ser relativo, pois é real apenas em relação à visão. O não-ser absoluto,
um não-ser em si que prescinde do ser, não pode ser conhecido, pois não é.
Toda a realidade, portanto, é ser, e não poderia ser de outra forma.

O tema parece difícil pelo seu grau de abstração, mas é sua evidência notável
que nos faz esquecer da conclusão simplíssima: se algo pode ser pensado, é
alguma coisa que é; se há alguma coisa, o nada (o não-ser absoluto) não existe.
Isto implica que toda referência feita a qualquer coisa, seja possibilidade,
privação ou existência, tem algum ser, alguma sistência que a fundamenta. E
este algo que é, que permanece como substrato de todo pensamento possível,
fundamenta a verdade, noção cuja ausência significaria o desabamento de toda
a filosofia.

Podemos dividir a verdade em dois gêneros: há uma verdade ontológica e uma


verdade formal. A primeira refere-se à relação do ser com ele mesmo, ou seja,
aquilo que é, enquanto é, é verdadeiro. Mas a verdade que nos interessa é a do
conhecimento, daquilo que captamos sobre o ente; é a verdade formal, que se
realiza no pensamento.

Não houve digressão fundamental para esse tema entre os maiores pensadores
da tradição grega. Alguma coisa sempre permaneceu como critério objetivo da
verdade. A posição relativista, da qual Protágoras é o maior símbolo, afirmava
ser o homem a medida de todas as coisas, de modo que dois discursos
contraditórios poderiam ser concomitantemente verdadeiros. A absurdidade
deste pensamento salta aos olhos, e por isso a corrente sofista não se sustentou
por muito tempo. Tomando a opinião de Protágoras, discursos que atribuíssem
qualidades contraditórias a um objeto fariam com que nele subsistissem dois
predicados anuláveis entre si, como algo que existisse e não existisse ao mesmo
tempo, por exemplo.

Mais sensata é a exposição de Platão e a tradição que o segue. No Crátilo, deu-


nos a fórmula segundo a qual “verdadeiro é o discurso que diz as coisas como
são, falso o que diz como as coisas não o são”,[6] ou seja, a verdade do discurso
depende da sua correspondência com as coisas mesmas. Aristóteles não
contradisse o mestre: “(…) afirmar o que é e negar o que não é, é a
verdade”.[7] Depois viria Santo Tomás com um conceito não limitado ao
discurso: verdade é a “adequação do intelecto com a coisa” (adequatio intelectus
et rei).[8]

Notamos que, para esses filósofos, opositores do relativismo, o ser antecede a


sua relação com o sujeito cognoscente. Em outras palavras, a verdade se obtém
pensando as coisas como elas são, e está fundada na noção de ser porque esta
mesma noção é intransponível. Como chegamos ao grau máximo de abstração
ao dizer que o ser há e o nada absoluto não pode ser, percebemos que não há
outro fundamento da verdade senão o ser.[9] Por isso é que a adequação é a
concordância do intelecto, que tem um ser que lhe é próprio, e a coisa, que tem
outro ser que lhe é próprio.

2.2 A cognição do real

O ser é uma noção abstrata, separada, é o último grau de generalização


descoberto pelo intelecto. Todo o mundo material é uma forma presencial de ser,
pois, como já dissemos, tudo o que há é ser. Mas como se dá o conhecimento
da realidade sensível?

Quando observamos cada ente particular, e muitos em conjunto, nossa mente


não tarda em apreender informações diversas. Tomamos, pelos sentidos, a
matéria-prima da imaginação, e notamos instantaneamente a diferença entre
todos os seres individuais, como quando olhamos este artigo e a mesa sobre a
qual ele permanece. Intuímos, assim, a diferença entre este trabalho em
particular e a mesa, entre esta mesa e outra idêntica que há ao lado. Quando faz
desta forma, a inteligência trabalha como de forma intuitiva.[10]

Neste processo os entes concretos são captados pelos sentidos em um


percepto, a partir do qual a imaginação dará forma a um fantasma
(phántasma, em grego), a imagem formada pela mentalização completa daquela
percepção inicial. Depois da aquisição de várias dessas imagens, teremos um
conceito, isto é, o conhecimento da essência do ente. Esta é fundamentalmente
a explicação de Aristóteles.[11] O sujeito cognoscente recebe uma imagem do
objeto e, a partir do fantasma, abstrai sua forma despojada da materialidade. Isto
é dizer que apreendemos do ente a sua essência, aquilo que nos permite
identificá-lo como tal quando a ele fazemos referência ou dele percebemos a
presença.

O importante para nós é entender que a apreensão dos objetos, enquanto é


apreensão, não poderia se dar num modo absolutamente separado da existência
material que a fundamenta. Nós apreendemos as formas a partir da intuição
sensível; nós as abstraímos, ou obtemos por elas seus esquemas fundamentais
e, até certo ponto, subjetivos, delas mesmas, fazendo-as nossas como entes de
razão. Foi isto que Aristóteles inovou sobre o mestre em razão da gnoseologia.
Em Platão, as formas — ou as ideias—, são inatas, e o que as entidades físicas
nos fornecem são vagas lembranças do que as coisas realmente são. Já
Aristóteles percebeu que os próprios entes apresentam o conteúdo ideal das
suas naturezas, e deles mesmos é que abstraímos suas essências.

Assim é que um marceneiro pode meramente pensar na estrutura eidética (do


grego εἶδος, ideia) de uma cadeira e a construir no mundo sensível conforme o
esquema pensado. Por esta evidência de que a mente é capaz de apreender os
esquemas da realidade, percebemos uma correspondência objetiva entre a
realidade material e a racional, pois a cadeira, tal como foi imaginada possível,
se adequou à matéria. O marceneiro só foi efetivo na construção da cadeira
porque, em algum momento, percebeu os esquemas possíveis da realidade
material.

A inteligência opera — e aqui o conceito tomista de verdade se realiza —


transformando os objetos em esquemas mentais que imitam suas propriedades
inteligíveis. O processo delineado por Aristóteles ocorre no espírito, não nas
coisas, isto é, não as modifica realmente, não transforma os próprios entes em
esquemas, mas os traz à inteligência. Embora os esquemas tenham
correspondência com a realidade, não são as coisas mesmas.

A razão, portanto, é capaz de apreender conceitos pela observação dos objetos,


identificado suas essências, suas causas formais, aquilo por que são o que são
e nenhum outro ente é. Entendemos que, de certa forma, o homem é animal
racional, pois isto é que faz do homem um homem; que laranjeira é a árvore que
dá laranjas, pois nenhuma outra árvore faria isso sem levar este nome.

Depois da intuição que nos fornece a substância do pensamento, fazemos, pelo


conhecimento dos universais presentes no ente, estes que abstraímos no ato
intelectivo, classificações conforme a abrangência de qualidades essenciais
cabíveis a um espectro de entes que os tem em comum — esta é a operação da
racionalidade, que divide e compõe o que intuiu pelos sentidos. A definição de
um gênero ou de uma espécie é tão melhor quanto mais abrangente e precisa
(nos limites do objeto definido) for a delineação da sua causa formal: a essência.

Não nos esqueçamos, no entanto, que a abstração do ente não diz tudo o que o
ente é. Como ensinou Santo Tomás, o conhecimento pelo intelecto dos objetos
forma um esquema morfológico-noético (do grego νους, nous, referente ao
espírito, intelecto) similar ao esquema morfológico-eidético do próprio objeto.
Assim, nosso conhecimento é do todo (totum), mas não totalmente
(totaliter).[12] O primeiro se refere a uma extensão, um conhecimento extensivo,
o “que é” da coisa. Mas compreender o totum, compreender intensivamente a
totalidade, não cabe senão a Deus, pois isto significa saber exatamente tudo o
que diz respeito a uma substância, todas as suas diferenças, todas as suas
potências. O esquema noético é meramente análogo àquele da coisa, mas está
fundamentado nela, ainda que não se aproprie de tudo o que a coisa é.

Por isso, a simples apreensão de um conceito é insuficiente para esgotar o


conhecimento de um ente. Quando perguntamos “que é” alguma coisa, por
exemplo, podemos responder de vários modos. Certo é que a delineação mais
precisa, segundo um rigor científico, é feita na indicação da causa formal. Mas
acrescenta ao conhecimento mostrar o “o que é” pela causa final, aquilo para
quê o ser existe. Pois saber que livro é conjunto de páginas escritas é um saber
menos completo que o saber de seu fim: a comunicação de um conhecimento
ou das palavras que façam nascer este conhecimento no leitor.

Aristóteles estabeleceu quatro causas em todo ente criado.[13] Quando dizemos


causa de qualquer coisa, podemos nos referir à sua causa material (aquilo de
que é feito); causa formal (aquilo que faz com que seja o que é); causa final
(aquilo para o quê existe); e causa eficiente (o princípio de movimento ou
repouso da matéria). Ora, nenhum ente pode fazer algo além dos seus limites.
Uma casa, por exemplo, tomada em sua causa formal, é a própria forma da casa,
e só pelo conhecimento desta causa já não poderíamos esperar que realizasse
ações como um ente animado. Mas uma casa pode ou não ter uma infestação
de cupins: se foi construída com madeira, pode abrigá-los; se foi apenas
concreto, não pode. A causa material estabeleceu à casa, como realidade ôntica,
limites não contidos na forma. Todo ente é ser, mas todo ente existe por uma
forma de ser específica.

A constituição de um ser concreto, tal como opera na realidade e dentro da sua


espécie nos diz, à medida da nossa potência de conhecê-lo, tudo aquilo que ele
pode realizar, pois são todos limites fundados ontologicamente; mas a realidade
revela, também, aquilo que ele deve realizar para que se aproxime das suas
perfeições atualizáveis.

2.3 O bem

O bem é descoberto depois do ser, porque, como a verdade, é uma relação que
o supõe. Conforme a descrição de Aristóteles, bem é o que todas as criaturas
apetecem,[14] é tudo aquilo que tem uma razão de fim.

Há uma atração natural de todos os entes para aquilo que lhes é conveniente,
como o intelecto é atraído pela verdade e a potência pelo ato.[15] Não é uma
conveniência criada pela vontade. A atração de que falamos é ontológica; é
necessária e natural, não passa pela perversão da razão mal ordenada.[16] A
apreensão de um bem adequado só pode ser pervertida pela inteligência que
valora mal as coisas, que se esquece da verdade e encontra, por acidente, a
face do ser que não lhe cabe. Bem é o que atrai para si o apetite por ser fim, não
por ser apetecido.

Por esta razão é a verdade o bem do intelecto, o ato o bem da potência etc.
Nesta relação, um ente torna perfeito aquilo que atraiu numa relação ontológica.
O intelecto, se não descobre a verdade, é inútil; mas se a descobre, alcançou o
seu fim, tornou-se perfeito. Do mesmo modo, a potência, que se traduz por mera
possibilidade de vir a ser atualizada, só existe em função do ato. Perfeito significa
isto: o que foi feito, o que está acabado e não vai além, pois encontrou sua
plenitude. Tudo aquilo que foi atualizado é bem, de um certo modo, pois é ato,
e, enquanto ato, foi tornado perfeito na realização do bem pela potência.[17]

No entanto, mesmo tendo a perfeição do ato de ser, as coisas criadas são


imperfeitas na dinâmica da sua existência. Há inúmeras possibilidades que o ser
contingente pode e deve atualizar. Por isso dizemos de Deus ser exclusiva a
perfeição absoluta: como causa primeira, Ele é puro ato, pois nada há mais que
alcançar. Sua existência identifica-se com Sua essência.[18]Enquanto existe, é
perfeito; enquanto é, é perfeito. As criaturas degradam-se naturalmente pelo
tempo; corrompem-se por serem materiais. Precisam agir, isto é, precisam
atualizar constantemente suas potências buscando outros entes na realidade.
Elas não são perfeitas absolutamente; algo sempre há que lhes possa ser
acrescentado; algo há de incompleto nelas que o desejo busca.

Mas esse desejo segue a mesma relação que há entre o intelecto e a verdade,
o ato e a potência. A razão de fim existe por uma conveniência natural que pode
o homem frustrar pela escolha livre — espécie de desobediência privativa do
ente racional. A natureza dessa conveniência para o desejo estudaremos em
capítulo próprio. Precisamos, agora, demonstrar a liberdade do agir humano, o
que nos trará as peculiaridades do seu dever-ser. Este, por sua vez, encontrará
finalmente bases firmes para ser estudado.

3. Fundamento subjetivo: a Liberdade

Liberdade não é só uma das propriedades humanas, tampouco objeto de estudo


desvinculado da Ética ou da filosofia. Sua importância é tanta que à resposta da
pergunta “somos livres?” corresponde a responsabilidade — ou falta dela — por
todas as dádivas e todas as calamidades descritas na história. Não é mero
acaso, também, que a questão do livre-arbítrio nunca tenha escapado à história
da filosofia ocidental, mesmo antes das disputas teológicas sobre o tema, que
tão bem executadas foram quanto esquecidas pela modernidade. A liberdade do
homem, como as vantagens da injustiça, da depravação, da sensibilidade sobre
a espiritualidade, é de uma problemática sombria, pois, como a sombra que
persegue todo objeto iluminado, persiste nos conflitos dialéticos de toda a
biografia do pensamento humano; e não nos larga senão quando deixamo-nos
iluminar pela Luz vertical da razão.
3.1 A moralidade exige a consciência

Não pode existir moralidade no terreno da necessidade, daquilo que não cede,
que não pode não-ser. A imoralidade predica-se da conduta que,
conscientemente, foi escolhida para um fim que frustra a imposição da norma
moral.

Uma regra só pode ser obedecida se puder ser violada, assim como o bem só
pode ser preferido se também o puder o mal. Obedecer é um ato livre da vontade
e não se confunde com a simples submissão. Um ato necessário, infrustrável,
não é bom ou mal, moral ou imoral: é a- moral — dele não se predica a
moralidade. Toda regra moral impõe uma conduta que pode não ocorrer, ou a
proibição de uma conduta que pode ocorrer. Se não existisse a possibilidade de
não atualização da conduta, se a consecução dos fatos fosse linear e necessária
relativamente à conduta, não haveria que se falar em regra moral, mas em juízo
descritivo. Não falamos em “leis naturais”, como a gravidade, senão como
metáfora. Leis da natureza, no sentido atribuído pela ciência em geral, são juízos
que explicam esta mesma natureza, que apenas age; age sem consciência de
fim ou liberdade intrínseca. A natureza não escolhe não-agir ou agir contra. E a
escolha, para que seja livre, deve ser consciente: o agente deve ter ciência de
pelo menos duas possibilidades de ação, entre as quais decidirá a melhor
possível.

Por isso a moral e a ética são ciências cabíveis apenas ao homem. Todos os
outros seres materiais submetem-se às suas inclinações ou necessidades sem
escolha e sem consciência. Suas tendências sempre resultarão no cumprimento
da regra que indica seu caminho se não forem frustradas por um defeito
intrínseco da própria natureza ou por algum fator externo que os impeça de
perfectibilizarem-se no ser ideal que lhes é próprio.

3.2 A voluntariedade dos atos humanos

Chamamos um ser animado aquele que detém alma.[19] É este princípio que os
diferencia do ser inanimado, o mero corpo, como as pedras e as nuvens. O ser
vivo, para que o predicado seja adequado, precisa, pelo menos, mover-se a si
mesmo,[20] embora possa, nas manifestações superiores da vida, experimentar
um estado, desejar ou conhecer um objeto. A última é operação exclusiva do
homem: a concentração que toma posse consciente do objeto para refletir
vivamente, ponderar, escolher agir. Mas o homem exerce todas as outras
funções, pois se move e foge da dor. No entanto, tem ciência do seu movimento;
não foge da dor e busca a nutrição como um cão, pois é capaz de escolher não
comer e decidir por enfrentar o mal físico. Faz tudo isto pela potência da alma
que lhe é própria e que chamamos racional.

Para os brutos — os animais irracionais — não existe este transcender a si


mesmo, mas seguir inexoravelmente as próprias condicionantes que o limitam e
direcionam, e isto inclui o objeto que o atrai, deixando-o em condição passiva
ante todas as formas desejáveis de ser. O bruto dispõe apenas do apetite
sensitivo, mas o homem compreende a situação pelo entendimento, isto é, ele
não só percepciona as circunstâncias pelos sentidos (como as plantas), e seu
princípio de ação não é apenas conforme o aprazível e o doloroso (como nos
outros animais).

Aristóteles, ainda no seu tratado sobre a alma, percebeu finamente essa


diferença,[21] e

explicou que, em todos os animais, o princípio da ação se dá por um apetite


segundo um desejo irracional[22] do que é aprazível, um temor instintivo do que
corrompe sensivelmente, ou uma vontade descoberta pela razão, esta última
correspondendo ao apetite intelectual dos escolásticos.

No vocabulário tomista, a noção de apetite corresponde a uma inclinação, e é


dividida em apetite natural e apetite elícito.[23] O primeiro manifesta-se nas
inclinações naturais do ente ao que lhe convém. Mas o apetite elícito, enquanto
nasce da apreensão da razão de fim do objeto, é o que pode se chamar com
mais propriedade de apetite. Os animais, incluindo o homem, detêm a forma
sensitiva do apetite elícito, pois podem desejar um objeto tomado como fim — o
desejo de posse do alimento, por exemplo. A forma intelectual, no entanto, é
própria de um ente racional, capaz de apreender as causas que tornam bom o
objeto. Assim nasce a vontade, que distingue-se do desejo. Nela, a percepção
dos objetos não é absolutamente material, como se fosse exclusiva sua
comunicação com os sentidos. Os esquemas apreendidos trazem a ciência da
razão de bem, possibilitando a apetecibilidade das coisas pelo intelecto.

Este processo de apreensão da realidade e consideração das coisas como bem


já foi por nós exposta. O conhecer funciona por re-conhecimento dos entes
físicos abstraídos em uma ideia — um fantasma, para Aristóteles — na qual o
homem trabalha para criar imaginativamente todas as possibilidades presentes.
Da situação fazemos uma análise gestáltica, universal, considerando tudo o que
pode nos afetar, afetar os outros, o que podem os outros afetar, o que podemos
nós afetar, as consequências de cada afetação em cadeia, da ausência da nossa
afetação ativa etc.

Não é necessário me alongar muito mais no que o homem tem de específico.


Desejo, o apetite concupiscível, é a inclinação a um bem por conveniência
imediata ao ser que a deseja; vontade é este apetite racional pelo bem cujo valor
foi descoberto através do raciocínio. Assim é que o macaco pode desejar a
banana por ela corresponder a uma inclinação natural da sua natureza, e o
homem querer a banana por seus benefícios próprios, não necessários, como o
prazer ou a ingestão de vitaminas.

Neste mesmo ato em que conhece as causas é que podemos sopesar e atribuir
valores a um fim ou a um meio: se são bons ou ruins, se são melhores ou piores
para a consecução de uma finalidade próxima. Estas valorações são feitas
mediante reflexão racional. Santo Tomás explicou:
[…] Outros, porém, agem com discernimento, mas não livre, como os brutos.
Assim a ovelha que, vendo o lobo, discerne que deve fugir, por discernimento
natural, mas não livre, porque esse discernimento não provém da reflexão, mas
do instinto natural. E o mesmo se dá com qualquer discernimento dos brutos. ―
O homem, porém, age com discernimento; pois, pela virtude cognoscitiva,
discerne que deve evitar ou buscar alguma coisa. Mas esse discernimento,
capaz de visar diversas possibilidades, não provém do instinto natural, relativo a
um ato particular, mas da reflexão racional. Pois a razão, relativamente às coisas
contingentes, pode decidir entre dois termos opostos, como se vê nos silogismos
dialéticos e nas persuasões retóricas. Ora, os atos particulares são contingentes
e, portanto, em relação a eles, o juízo da razão tem de se avir com termos
opostos e não fica determinado a um só. E, portanto, é forçoso que o homem
tenha livre arbítrio, pelo fato mesmo de ser racional.[24]

A existência de opostos torna a escolha opcional. Não haveria liberdade na


decisão necessária ou coagida; mas a oposição da alternativa torna o atuar uma
contingência.

3.3 Supostos limites à liberdade

É preciso notar que não há uma liberdade humana absoluta, mas que há, de
fato, uma liberdade de “dirigir o seu querer para o objeto que prefere”.[25] Dizer
que o homem não é livre porque não pode voar, por exemplo, é tão apropriado
quanto dizer que uma tartaruga não é livre porque seu estômago é muito
pequeno para comportar uma baleia. Seria mais correto dizer que a tartaruga
não é livre porque não pensa, ou que o homem pode não ser livre porque não
pensa direito (quando supõe que as tartarugas deveriam engolir as baleias).

Uma liberdade absoluta se manifestaria na ausência de uma razão suficiente


exterior,[26] como ocorre em Deus que, por identificar-se com a própria
essência, é razão de si mesmo.[27] O

homem não goza dessa autossuficiência, não é um ser que existe por si mesmo,
mas que constantemente atualiza suas potências em busca de outros bens. Há
sempre um porquê para ação e uma razão que atrai a vontade.

É comum que os deterministas, inimigos da ideia de voluntariedade, ataquem a


liberdade por esse caminho, dizendo que certas influências determinam a
escolha, ou que o homem não é livre porque nem sempre conhece
absolutamente os fins pelos quais decidiu. Ora, a apreensão falseada do objeto
(a realização imperfeita da verdade) não é um problema que invalida a escolha
em si, mas a correlação de verdade entre o bem e seu valor real. Do mesmo
modo, a existência de influências exteriores — ou mesmo interiores, como
fatores genéticos predisponentes — são sinais de que a liberdade não é
absoluta, como já explicamos, mas não provam a ausência da capacidade de
decidir por um fim adequado.
Aristóteles tratou do que mitiga a voluntariedade no livro III da sua Ética a
Nicômaco.[28] Não podemos culpar, na mesma intensidade, o ato imoral de
quem ignora as circunstâncias por não as conhecer, e o ato de quem as conhece
absolutamente e decide, mesmo assim, agir do modo mais baixo. Também não
podemos sancionar da mesma maneira quem deu causa à própria ignorância
(um bêbado) e quem teve as capacidades cognitivas alteradas por um fator
extrínseco e indesejável (um envenenamento).

Todo ato humano é voluntário ou involuntário segundo a presença ou ausência


de coação e conhecimento das circunstâncias. A coação exclui a voluntariedade
do ato enquanto força a ação por um princípio extrínseco; uma ação voluntária,
no entanto, tem seu princípio de ação no próprio agente. A ignorância absoluta
dos fatos obstrui a liberdade porque, se o agente não sabe que age para um fim
determinado, não pode tomar as culpas das suas consequências. O agir, neste
caso, não é involuntário pelo princípio de ação extrínseco, mas por não haver
consciência da situação. Sem estar ciente, o agente não conhece os fins a que
levarão os meios escolhidos. Assim, não podemos dizer que tem alguma
responsabilidade por seus atos — a não ser que a ignorância tenha origem na
imprudência.

As razões que movem a vontade não coagem a escolha ou a própria vontade,


embora seja verdade que o desregramento das paixões ou a embriaguez
possam afetá-las. Ainda assim, a perturbação não ocorre na capacidade
decisória, mas na reflexão que pode nublar-se à concentração num único objeto.
É quando os desejos obedientes às inclinações bestiais nos afetam mais.[29]

Um desregrado sexual pode preferir sempre os fins que o satisfazem, mas isto
não faz dele menos livre para perceber a maldade da sua tendência, preferindo
a sensibilidade à racionalidade e seguindo o lado baixo da natureza humana em
detrimento do mais nobre. Preferindo a racionalidade, o pensamento toma um
aspecto mais cristalino, e os fins mais adequados, a valorização de todas as
coisas — incluindo a hierarquia dos seres e, neles, a supremacia de certos
valores, como no homem o é a razão —, os descobre e alcança com mais
destreza.

4. O dever-ser

Este capítulo não foge da objetividade que nos orientou até agora, pois estamos
verdadeiramente descobrindo o ente naquilo que ele é inteligível. Entretanto,
passaremos a considerá-lo não mais em si mesmo, mas em relação ao seu fim
conveniente. Aqui notamos a importância do significado de bem, pois ele encerra
a ideia de fim. Embora toda a realidade constitua bem meramente por ser (como
foi demonstrado), conhecer o bem relativo de alguma coisa é descobrir aquilo
que acrescerá a sua perfeição.
4.1 O dever-ser e o conceito de natureza

A descoberta de todas as causas de um ser aproxima dele nosso conhecimento


— e é uma descoberta, de fato. Ainda assim, além da ciência das causas nos é
dado pela inteligência conhecer as possibilidades de desenvolvimento de um
ente a partir da sua forma. Dominamos a operação intelectual que ordena certas
informações adquiridas de modo a formar cenários possíveis daquele mesmo
desenvolvimento.

Imagine que andamos por um bosque e, numa clareira logo à direita, vemos
surgir destoante uma macieira admirável. Ao aproximarmo-nos daquela árvore
suntuosa, não percebemos nenhum fruto pendente em seus galhos! Quão
natural seria exclamar que “essa árvore deveria ter maçãs!”.

Aristóteles usava o termo physis (natureza) para identificar o princípio intrínseco


de movimento das coisas vivas: o modo como uma flor, por exemplo, nasce e se
desenvolve segundo a finalidade do próprio crescimento.[30] Este princípio é
natural porque provém da coisa mesma. Um pincel tem um fim artificial — não
existe naturalmente como uma flor ou um orangotango; não há para ele uma
finalidade nascida da natureza. A flor existe por si fora do entendimento e da
influência humana; o ciclo do seu desenvolvimento é completado sem outra
influência criativa, por isso é natural.

Santo Tomás, analisando a explicação aristotélica, notou que a finalidade natural


existente no movimento das coisas vivas é um reflexo da sua forma, aquilo que
comumente chamamos essência. A essência expressa a forma acabada do ser,
diz Tomás, e por isso também dizemos ser uma natureza.[31]

A macieira, como ente natural, tem uma tendência intrínseca conferida pela sua
essência. Achamos estranha a falta das maçãs porque esta tendência foi por
algum motivo frustrada.

Lembremo-nos dos conceitos de causa formal e causa final. A natureza da


macieira é sua forma — “árvore que dá maçãs” —, a partir da qual descobrimos
também a causa final, a sua tendência natural de desenvolvimento — dar maçãs.
Nenhum ente contingente escapa da sua causa formal (essência) e da sua causa
final, pois todo ser é alguma coisa e tende para alguma coisa, nem que esta
tendência signifique a própria conservação. Na escala físico- química, o
enunciado fica evidente pela lei da inércia: na ausência de um movimento
contrário, tudo tende a permanecer como está.[32] Mas para o ser vivo ainda há
a tendência de realizar-se plenamente, de aproximar-se cada vez mais da sua
perfeição. Nós o observamos no próprio desenvolvimento das criaturas. Os
vegetais, por exemplo, cresceriam até seu limite intrínseco se faltassem forças
que o impedissem.

Chamamos dever-ser esta imperatividade do desenvolvimento natural obrigado


pela forma. Ele é o possível que decorre incoercivelmente da natureza da coisa,
frustrável apenas por outro princípio de movimento.[33] Ora, a forma
generalíssima da macieira é ser a árvore que produz maçãs; portanto, sua causa
final mais próxima (seu dever-ser) é, pelo menos, operar segundo sua essência
e produzir maçãs. Isso significa que a macieira terminará produzindo maçãs
sempre que agir segundo a sua natureza, se não for obstada por algum fator
contrário.

Dizer que o dever-ser é imperativo não passa de uma tautologia. Ele é o fim do
ser como causa final, e àquilo que existe segundo um fim cabe necessariamente
a sua realização. Santo Tomás escreveu:

Em toda a parte onde se estabelece uma ordem de finalidade bem regulada, é


necessário que a ordem instituída conduza ao fim e que desviar-se dessa ordem
seja também desviar-se do próprio fim. Pois aquilo que está em razão dum fim,
recebe dele a necessidade, de modo que deve ser proposto se quisermos
alcançar o fim, e uma vez proposto, e livre de todos os entraves, o fim se
realize”.[34]

Daí dizemos que a consecução do dever-ser é natural e, por essa mesma razão,
boa. Compreendemos anteriormente que bem é aquilo que tem relação de fim
com o que o apetece, como ocorre com a verdade, que é apetecida pelo
intelecto. Esta bondade relativa não é invenção do capricho humano, mas está
fundada no ser, é ontológica. Se há, como descobrimos, uma natureza própria
de cada ente que determina as suas inclinações naturais, há, na mesma medida,
um bem que lhe é conveniente numa relação ontológica.[35]

Notemos ainda que a causa final não poderia transcender a imposição da forma.
Se descobrimos a essência, temos um piso seguro sobre o qual assentamos
nossas conclusões. Uma causa final incompatível com a essência significaria um
falseamento da realidade por ela mesma, pois estaria agindo ou sofrendo além
das suas potências. Potência significa a possibilidade de vir-a-ser: só pode ser
aquilo que tem potência para tal. Retomamos o exemplo: não cabe à casa de
concreto abrigar cupins. Todo ente contém possibilidades internas de sofrer
certas transformações e de agir segundo aquilo que é. A macieira deve produzir
maçãs e não pode produzir laranjas; a pedra tende a permanecer pedra
enquanto esta é sua perfeição devida, mas não poderia ler um livro ou alimentar-
se e reproduzir-se.

4.2 A frustrabilidade do dever-ser

No item anterior dissemos que o dever-ser é um “possível que decorre


incoercivelmente da natureza da coisa, frustrável apenas por outro princípio de
movimento.” O universo é formado por uma diversidade de entes naturais
classificáveis pela complexidade da sua existência, desde a forma mais simples,
um mero corpo, até aquela em que existem fatores incalculáveis atuando em
conjunto. A frustrabilidade do dever-ser aumenta segundo essa complexidade.

Uma pedra é o que deveria ser sempre, até que qualquer força extrínseca a faça
deixar de ser absolutamente pedra, para tornar-se areia, por exemplo. Mas
quando no ser há vida — quando nele há alma, conforme explicamos —, abre-
se margem para a gradação. A macieira deve dar maçãs, e a não consecução
desse fim a torna uma péssima macieira. Do mesmo modo, a macieira que
produz frutos grandes e suculentos é melhor do que a macieira que fornece
maçãs tímidas, miúdas, frágeis. Aqui há uma escalaridade, pois existem graus
de aproximação da árvore entre aquilo que ela é e aquilo que deveria ser, graus
internos do seu dever-ser específico; são aproximações e afastamentos naturais
da causa final de uma macieira.

Em algumas manifestações do ser, esse desvio ocorre por um acontecimento


exterior que impede a consecução do dever-ser, como a chuva ácida que
esteriliza a terra e obsta a gênese das espécies vegetais. Em outras, uma
deformação interna limita o afloramento das tendências, como na macieira que,
por defeito genético, produz maçãs disformes.

Temos, segundo Mario Ferreira dos Santos, quatro formas de considerar o


dever-ser:

Há um dever-ser incoercível e necessariamente determinado (o da esfera físico-


química); há um dever-ser incoercível necessariamente determinado, mas
variante, frustrável, dentro de tolerâncias formais (esfera do biológico); há um
dever-ser de fundamento incoercível e necessariamente determinado, mas
totalmente frustrável (esfera antropológica e sociológica).[36]

Toda entidade possui um dever-ser. A diferença que há entre este dever-ser para
a criatura racional e a bruta é quanto à frustrabilidade. Os meros corpos, ou os
corpos dotados da inteligência própria dos animais, podem ser impedidos de
alcançar seu dever-ser por fatores que prescindem da vontade, mas a
inteligência humana frustra a imperatividade da natureza se assim quiser pelo
fator intrínseco da escolha.[37]

A escolha, explicou Aristóteles,[38] é movida em razão de um bem. Tudo é


movido por uma finalidade proporcionada ao seu ser, e isto já explicamos, mas
a escolha é movida por um bem selecionado, e seu valor decorre da relação de
bondade que ele tem com o que o apetece. Portanto, a escolha é falível, decide
pelo mau acidentalmente, embora não o queira. Quer dizer, pode querê-lo — o
homem pode desejar o sofrimento do outro, por exemplo —, mas a si mesmo
tudo o que escolhe é segundo uma bondade que ele mesmo, enquanto deseja o
próprio bem, atribui ao objeto da ação, tenha ou não o objeto de fato esta
bondade relativa.[39]

Por isso é que a ele podemos atribuir culpa na ofensa do seu dever-ser,
enquanto não o podemos fazer para os animais e as plantas. Nestes, a
frustração do dever-ser só pode dar-se por causas independentes, extrínsecas
ou intrínsecas; mas no homem há o princípio intrínseco da escolha. Ele pode ser
mais ou menos homem conforme a decisão que toma, tanto pela escolha dos
fins corretos quanto pelo exercício atual dela: sendo mais ou menos bruto, dando
mais ou menos força à parte animal que o constitui.
Admitir uma causa final frustrável é, portanto, admitir que há desvios, que há
erros, que há um modo errado no próprio ato da vida. Mas a vida desviante só
existe com culpa para o homem, que conhece e escolhe ante a presença da
consciência.

4.3 A possibilidade de um dever-ser sem um criador

Um arguto questionador perguntaria se a causa final pode existir sem causa


eficiente, fazendo referências à absurda admissão de entes com uma finalidade
sem que alguém a tenha criado. Isto significaria que todo o valor da investigação
de uma moralidade ontológica deveria pressupor a existência de Deus. A
objeção não é inválida. Chegaria à última instância das causas nos dizendo que
a premissa fundamental e ora oculta é a de que Deus precisaria existir para que
todas as coisas tenham finalidade.

É verdade que, quando o marceneiro constrói o guarda-roupa, também atribui a


ele causa final. Logicamente a causa final só existe pela causa eficiente, então
Deus deve logicamente existir para que o mundo seja ordenado segundo certas
finalidades. Mas é mentira dizer que não podemos descobrir a causa final sem
antes descobrir a causa eficiente. Ora, observamos as macieiras e notamos, sem
pensar que alguém assim ordenou, que ela finaliza produzir maçãs. É a sua
operação que nos mostra aquilo a que ela se inclina.

Além disso, a causa final pode ser vista de vários modos. Deus evidentemente
existe como causa eficiente de todas as coisas, e a Ele coube a determinação
de todas as causas finais, naturalmente incluindo a si próprio como causa final
suprema: Deus é a causa final externa de tudo, aquela a que tudo busca para o
repouso eterno. Mas esta causalidade suprema que Deus é por força da Lei
Eterna[40] não exclui a causalidade final de cada ente, aquilo que eles devem
realizar em si mesmos — na conservação da sua essência e atuação do que
lhes cabe como parte do ser. O Pe. Anderson Machado explicou as formas com
que o bem pode ser considerado:

O bem pode ser visto a partir da perspectiva do atual e do perfeito (simpliciter)


ou do potencial (secundum quid). Isso nos indica que a causa final tem diversos
significados: a operação mesma do ente; o fim da realidade, no qual o apetite
termina (o bem); aquilo de externo ao qual todo ente tende e no qual repousa ao
alcançá-lo.[41]

Essa operação do ente corresponde à sua bondade intrínseca adquirida


meramente por ser; o fim da realidade apetecido pelas coisas corresponde aos
bens convenientes; a causa final externa é Deus.

4.4 O dever-ser humano


Depois de tudo o que analisamos, que há um ser racional, que este ser escolhe,
que há uma natureza cognoscível de todo ser e que para todos eles há uma
causa final, podemos dizer com segurança que há no homem um dever-ser, pois
ele, como parte do ser, não foge às suas leis determinantes. Seu fim, a despeito
da liberdade de que goza, não é inventado nem criado puramente pela razão.
Assim indica o Pe. Sertillanges:[42]

Está-se a ver que a moral de Santo Tomás, pelo que respeita à obrigação, não
é um legalismo, ao modo de Kant e de mais que um filósofo católico. Para Kant,
o bem é obrigatório porque assim o concebemos e assim no-lo impomos, com
vontade autónoma, isto é, sem alguma obrigação superior a ela nem muito
menos inferior, sem justificação natural ou transcendente. Para certos filósofos,
como Duns Scoto, o bem obriga porque Deus assim o quis. Para Santo Tomás,
porém, o bem obriga porque a razão vê nele um meio para o homem ser
verdadeiramente homem e para atingir o seu fim, e porque o fim buscado
livremente impõe-se ao ser racional tanto como aos outros a fatalidade

Não relativizamos o dever-ser da macieira, dizendo que pouco importa se ela dá


ou não maçãs; então que motivo subsistiria para tratar diferentemente o homem?
A escolha adiciona tão-somente a frustrabilidade da tendência natural, mas não
cria outra natureza: ela está fundada na essência do ser, não nos seus acidentes.
O que resta da imperatividade é a noção de que o caminho segundo o ser é o
único verdadeiro, mas não o único possível. Porque as escolhas falham em
seguir sempre o correto, há muitas vidas possíveis.

Quando o homem dá azo à sua parte animal, por exemplo, quando prefere agir
de forma a satisfazer seu impulso sexual arbitrariamente ao invés de regrá-lo
segundo uma moderação imposta pela razão, se afasta da perfeição que lhe é
própria. Eis a importância da descoberta da causa formal de cada ser. Ela nos
dá um princípio que guia à perfeição última. Se no homem a racionalidade é sua
forma, partimos desta constatação ontológica para avançar no modo como
evoluímos.[43]

No entanto, não é apenas ente racional. A razão fez do homem o que ele é, mas
não o destituiu da sua presença material no mundo. Ainda é animal e ainda
precisa agir para alcançar os seus fins,[44] tanto para o bem último quanto para
as necessidades da sua parte material: precisa satisfazer os desejos e as
necessidades físicas.[45]

Na sua existência concreta, disse Mario Ferreira dos Santos[46] em acordo com
Santo Tomás, o homem existe em corpo e em espírito, e, se não fosse o
bastante, é na sociedade em que exerce todas as suas funções. Deste modo, a
cada parte da sua constituição corresponde um dever-ser próprio: a manutenção
da inteligência, a conservação da saúde corporal, a responsabilidade com o
outro. Considerar o homem in abstrato, afastando dele toda a ordem que o
harmoniza num ser acabado, é vê-lo por um ângulo particular e, portanto,
falseado pela observação limitada. Pois ele não é puro espírito, então não cabe
ao homem apenas pensar; não é pura besta, às quais cabem apenas agir como
lhes manda o instinto.
A razão que apetece a verdade é, como dissemos, a coroação do homem, a
perfeição própria do seu ser, mas não é seu todo. Se alguma coisa significa que
ele tem a razão como essência, é que tudo por ela deve ser direcionado. Deixo
esta explicação (uma glosa da moral tomista), novamente, a Sertillanges:[47]

E em que consistirá a harmonia humana? Em que consistirá a perfeição


humana? A harmonia consiste, evidentemente, na subordinação hierárquica das
funções à principal; a perfeição consiste na plenitude de funcionamento em todos
os graus, na medida em que o essencial o permite. Que haverá de essencial em
nós? É a vida superior da alma, que nos define como seres racionais e nos
distingue dos animais.

Compreender isso é fundamental para encontrarmos o verdadeiro sentido da Lei


Natural em Tomás de Aquino.

5. A Lei Natural

Tudo o que fizemos até aqui foi demonstrar a base ontológica que a Lei Natural
ilumina em seus preceitos. Como explica Leo Elders,[48] Tomás não identifica
as inclinações naturais com a lei da natureza; esta lei é o conjunto dos preceitos
que a razão prática conhece por participar da inteligência divina. A razão recebe
da Lei Eterna[49] seus princípios práticos por participação, mas a substância que
eles ordenam é fundada na natureza humana.

São Paulo escreveu na sua carta aos Romanos sobre uma Lei gravada no
coração dos homens, uma Lei decorrente da natureza humana.[50] Santo
Tomás cita o apóstolo como fonte do questionamento quanto à existência dessa
Lei.[51] Ele diz que, como tudo participa da Lei Eterna, a ordenação suprema de
todas as coisas criadas por Deus, o movimento das criaturas racionais, seus fins
e atos devidos, não fugiria à sua influência. A Lei Natural é a participação da Lei
Eterna: Deus inscreveu em nossos corações certos princípios racionais segundo
a nossa natureza. Mas podemos tranquilamente deixar esta explicação aos
teólogos. A vontade de fazer o bem e fugir do mal existe e é observável: mesmo
filósofos pagãos como Platão[52] e Cícero[53] perceberam este comportamento
no movimento da ação humana.

Assim como o ser é a primeira noção apreendida pelo intelecto, explica Santo
Tomás, o bem é a primeira noção que aparece à razão prática, pois todo agente
se move em vista de um fim que é bem por essência.[54] A Lei Natural é a
iluminação das inclinações inscritas em nossos corações, por onde Tomás
conclui o primeiro preceito que regula todos os demais: “deve-se fazer e buscar
o bem e evitar o mal.”[55] A razão prática nos fornece intuitivamente este
guiamento para a vida moral. Mas ele não é apriorístico. Suas bases puderam
ser provadas ao longo do trabalho: há bondade contida no ser; há uma natureza
humana à qual corresponde um dever-ser.
O que a Lei Natural faz é servir de preceito para a consecução do que a natureza
nos diz que deve ser feito. Já foi suficientemente provado que há uma inclinação
natural em todo ser para o seu próprio bem, observada no princípio de
conservação (a lei da inércia) e no desejo irracional pelas coisas
adequadas.[56] A razão prática, que ordena os atos conscientes à atualização
desse bem que procuramos por inclinação natural, torna evidente a proposição
fundamental — e ontológica — de que o bem deve ser buscado e o mal evitado.

As nossas inclinações naturais (o apetite natural) mostram aquilo que


naturalmente apreendemos como bem, mas a razão é a coroação do homem, é
sua natureza, é a sua essência: tudo o que fazemos deve ser por ela regrado.
Isso faz parte da Lei Natural. A libido, o instinto de alimentação, de
autopreservação, enfim, os desejos corporais, são todos naturais no sentido de
que fazem parte daquilo que o homem é, mas devem obedecer à moderação
racional que mostra até onde há bondade na realização daqueles atos. O homem
é composto de um corpo, por isso deve ater-se à sua conservação; realiza suas
funções em um organismo social, então precisa cuidar da sua relação com o
próximo.

5.1 A Lei Natural é mutável?

Santo Tomás, ao responder essa questão, diz que, como a lei da natureza é
fundada na essência humana, não poderia mudar-se.[57] Mas a vida humana é
feita de situações particulares cuja adequação aos princípios universais da Lei
torna-se, às vezes, muito complicada. Por essa razão, a imutabilidade atinge os
primeiros princípios fundamentais, como a submissão das paixões à razão, ou à
busca do bem e fuga do mal. À medida da complexidade dos casos, a Lei
Natural, nas suas derivações, toma direções diferentes.

Há um exemplo clássico que Platão apresenta na República:[58]

[…] Mas, nos referindo especificamente a isso, ou seja, à justiça, deveremos


afirmar que consiste incondicionalmente em dizer a verdade e pagar todos os
nossos débitos contraídos? Todos certamente concordariam que se um homem
no seu juízo emprestasse suas armas a um amigo e as pedisse de volta quando
estivesse fora do seu juízo, o amigo não deveria devolvê-las e não estaria agindo
justamente se o fizesse.”

A razão nos impõe, por diversos motivos, a restituição dos depósitos. Mas neste
caso em particular a devolução poderia ser danosa. Note-se que a mutabilidade
ensejada pelas circunstâncias não mitigou os primeiros princípios, mas alterou a
aplicação de um princípio segundo, isto é, a obrigação da devolução das coisas
emprestadas. Os primeiros princípios permanecem sempre os mesmos, mas
suas derivações, os princípios segundos, descobertos pela reflexão racional,
ajustam-se às circunstâncias.
Ademais, outras dificuldades se impõem quanto à universalidade da Lei Natural.
Observamos que muitos indivíduos, que muitas culturas, não agem segundo
seus preceitos fundamentais — atingem o mal quando ele é, para nós evidente
— e derivados — retidão no comércio ou na vida pública, a conservação da
família etc. A despeito do que Platão já explicou em Górgias sobre o desejo do
bem ser universal, embora acidentalmente contrariado, a objeção não invalida a
existência de uma Lei Natural nem de inclinações inerentes ao coração humano.
Já demonstramos como as paixões afetam a capacidade de conhecer aquilo que
é mais adequado, isto é, como a ignorância nubla a apreensão da bondade
ontológica.

6. Lei Natural x Direito Natural

Santo Tomás dá um lugar especial ao estudo do Direito. Ele o trata como objeto
da justiça, uma virtude que diz respeito, primariamente, à relação de igualdade
que o agente tem com outrem.[59] Já à Lei Natural cabe formular princípios de
ação segundo a natureza humana. O primeiro, objeto da justiça, só poderia se
preocupar com as relações justas de fatos objetivos; a segunda é mais geral,
pois adentra o campo da justiça, mas também das intenções com que é
praticada. Deste modo, a Lei Natural precede o Direito: só é Direito o que está
conforme a natureza.

O que hoje entendemos por Direito é o mesmo que Tomás entendia por Lei
Humana.[60] A ordenação da vida social trouxe a necessidade da criação de
uma lei positiva para coibir os homens do mal pela força e pelo medo, e regrar
certas situações particulares, dando segurança à aplicação dos princípios
naturais e mitigando as dificuldades da realização da justiça em casos
específicos.[61]

Mas a razão é o que descobre a justiça existente nas coisas, fazendo com que
a Lei Natural compreenda toda regra de Direito. Uma lei não é lei se não é justa,
pois toda lei sobrevém da lei primeira, que é a Lei Natural.[62] Se a lei humana
contrariasse os primeiros princípios, não realizaria o que lhe é devido, mas a
estaria pervertendo.

Por isso o exemplo da restituição do depósito é tão aplicável à lei da natureza


quanto ao Direito: no primeiro caso, a ordem prática de se proceder bem obriga
o agente a ser justo; no segundo, a natureza de um empréstimo indica a
sequência da devolução. Mas, no caso particular de o dono da coisa — uma
arma, por exemplo — tiver a intenção de usá-la para fins perversos, a situação
muda. A Lei Natural repugna a vontade da devolução porque ela significa
proceder mal. Embora a externalidade do ato da restituição signifique dar ao
dono o que lhe é devido, segundo a fórmula da justiça,[63] a razão determina
que, neste caso, a restituição implicaria uma falta contra o bem e não deveria
ser realizada. Assim, o Direito muda à mesma razão da Lei fundamental em que
é baseado.
Mas, como o campo de aplicação do Direito é diferente, existem algumas coisas
que lhe são próprias.

O Direito não é apenas o Direito Positivo, mas é também o Direito


Natural.[64] Ele é natural quando a regra é determinada pela própria natureza da
situação, por exemplo, a restituição do depósito ou o pagamento proporcional a
um bem adquirido comercialmente. Ele é Positivo quando nasce da convenção,
embora não possa contrariar a natureza, como dissemos, sob pena de a estar
corrompendo. Temos, assim:

1. uma Lei Natural que pertence a todos os atos da vida humana;


2. um Direito Positivo que nasce da convenção;
3. um Direito Natural que nasce das relações naturais de justiça.
A Lei Humana é uma necessidade da ordem social devida à dificuldade em se
aplicar os princípios gerais da razão prática. Então não há impedimento na
criação de regras de Direito Positivo específicas para cada situação, contanto
que elas não contrariem as razões da Lei Natural. Por exemplo, é lícito fazer uma
convenção sobre a justiça quando os dois agentes sentirem-se satisfeitos com o
que foi acordado; é lícito ao povo convencionar determinada regra que lhes
facilite a convivência.[65] Mas as regras apenas serão válidas com isto em
mente: que há uma Lei Natural regente. A convenção humana não pode inventar
a justiça, mas apenas descobri-la.

Os filósofos modernos muito se ocuparam nas relações entre a moral e o Direito,


mas entre os gregos nunca houve realmente uma distinção bem definida entre
os dois campos.[66] Platão acreditava na função educadora do Estado, e
Aristóteles, embora tenha definido com muito mais exatidão um campo
propriamente jurídico, não o afastou completamente da moral: os fins da ação
deveriam coincidir, mas as leis se preocupariam apenas com caráter exterior das
relações humanas; a moral se ocuparia com o interior.[67]

Essa distinção não é inválida — e mesmo Santo Tomás a utilizou, de certa forma.
Mas lembrou que a Lei Natural é suprema na ordenação de todos os atos
humanos e jamais poderia ser contrariada. A Lei Humana, ou o Direito Positivo,
é uma ferramenta que adiciona à lei da natureza certas utilidades na sua
aplicação. Seu valor nunca foi negado, mas foi reforçado pela vantagem.

Um positivismo absoluto carece desse elo que dá a razão suficiente da lei


positiva. Qual o fundamento da lei, senão a natureza? Por que deveríamos seguir
regras de Direito senão para realizar a justiça? A noção de ser e de verdade
retorna aqui como fundamento último de todas as coisas. Mesmo o Direito deve
fundar-se no ser e naquilo que ele nos mostra: a essência, a natureza, o dever-
ser, as relações de justiça. Uma lei fundada no capricho humano ou num
pretenso Contrato Social corre sempre o risco de contrariar aquilo que as coisas
são.

Nos preocupamos excessivamente nos primeiros capítulos em demonstrar que


toda a filosofia — todo conhecimento— tem fundamento ontológico ou não tem
fundamento algum. Junte-se à constatação de que o conhecimento do ser é o
único apropriado à verdade a identificação que o ser tem com o bem e
fundaremos a moral em terreno firme. Mas se qualquer conhecimento inclui a
conjectura do jurista, então é forçosamente no mesmo lugar que ele deve buscar
o fundamento do Direito, pois conhecendo algo da essência humana — dos seus
fins e valores —, só a imoralidade daria espaço para que se decidisse contra ela
na formulação de uma norma.

7. Conclusões

A descoberta do ser é a descoberta do fundamento de todo o conhecimento; é o


que dá a gravidade do nosso agir moral, pois agimos no ser, e não em um nada.
A liberdade nos entrega a posição chocante da responsabilidade sob a qual
agimos, mas a descoberta do ser adiciona o outro, um universo que nos é
exterior e com o qual nos identificamos à medida em que também participamos
do ser. Se há o ser, não há o não-ser absoluto; algo nos contém e nós contemos
algo, mas não o nada. Isto é dizer que algo fundamenta nossa existência, que
há algo anterior ao homem, às suas invenções e à sua história.

Reconhecemos no ser a sua convertibilidade com a verdade e com o bem, aquilo


a que todos os seres apetecem, como descreveu Aristóteles. A identificação
dessas três noções nos proporcionou determinar a relação ontológica que o bem
tem com o ente que o apetece. Formamos, assim, uma base completa para
compreender que há um dever-ser próprio de cada ente, identificável com seu
bem específico e sua causa final. Uma verdadeira moral está fundamentada na
própria natureza das coisas, portanto, e não em abstratismos lógicos sobre uma
regra de conduta adequada.

Vimos que o homem pode chegar à imoralidade frustrando seu dever-ser com
mau uso do livre-arbítrio. Isto não apenas o torna imoral aos olhos de um
observador externo, mas fere a própria natureza e atrai para si as sanções
proporcionadas ao desvio cometido. A liberdade o torna capaz de tornar-se
aquilo que ele quer ser, mas agora compreendemos que, se há um ideal para o
homem, é aproximar-se o quanto pode daquilo que ele é.

Enfim, entendemos que este “ser” do homem fundamenta a Lei Natural, e que
ela, por isso mesmo, é eterna e imutável nos seus primeiros princípios, a partir
dos quais devemos basear toda a vida moral, tanto a particular como a pública.
O Direito não pode ser isento desta conclusão, ou arriscaríamos deixar ao
arbítrio humano a formulação das normas cujo destino é a regência da ordem
social.

Eis o encantador valor da verdade. Todo pensamento deve servir-se do que é


verdadeiro, ou falseará a própria razão de existência. O ser, como fundamento
de todo pensamento, não pode ser ignorado na mais insignificante das
conclusões humanas. E ele nos mostra em si um dever-ser, uma moral intrínseca
e absoluta para o guiamento da vida. Negá-lo, reconhecendo tudo isto, não cabe
ao indivíduo agindo naquilo que se refere a si mesmo, quanto mais ao legislador,
ao jurista, ao aplicador do Direito: os zeladores da justiça.

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