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Laranjeiras/SE
Maio, 2019
Francini Medeiros da Silva
Laranjeiras/SE
Maio, 2019
As primeiras pesquisas arqueológicas sistemáticas na Amazônia foram
conduzidas por representantes da vertente ecológica e evolucionista da antropologia
norte-americana da década de 1950. Dentre eles, destaca-se o casal de pesquisadores
Betty Meggers e Clifford Evans que exerceram profunda influência na arqueologia
brasileira por meio das pesquisas realizadas na região da foz do rio Amazonas
(Meggers; Evans, 1957).
Na Ilha de Marajó, Meggers (1954) identificou artefatos arqueológicos
tecnologicamente não equiparáveis ao modelo cultural proposto por Julian Steward
(1948) para as terras baixas sul-americanas. Meggers então propôs que uma cultura
exótica teria se instalado na Ilha de Marajó onde, posteriormente, as limitações
impostas pelo ambiente teriam impedido seu desenvolvimento cultural e contribuído
para o seu consequente declínio. Nesse sentido, Meggers sugeriu que as populações
indígenas estiveram organizadas em bandos próximos às várzeas dos rios, em áreas de
potencial agrícola limitado. Por outro lado, em razão da pobreza dos solos, as áreas de
terra-firme teriam sido ocupadas por caçadores-coletores nômades (Meggers, 1954).
As décadas de 1960 e 1970 assistiram ao debate imputado contra o
determinismo ambiental presente nas teorias de Meggers. O arqueólogo Donald
Lathrap foi um dos expoentes desse debate. A partir das pesquisas desenvolvidas no
Alto Amazonas, o arqueólogo propôs que, uma vez próximos às várzeas, as populações
contariam com a fertilidade dos solos e com a abundância dos recursos faunísticos,
obtidos principalmente nos rios, para a sua subsistência. Nesse sentido, Lathrap
contestou a natureza exógena da cultura Marajoara proposta por Meggers, uma vez que
as várzeas teriam proporcionado um ambiente favorável para o desenvolvimento
cultural das populações amazônicas (Lathrap, 1968, 1970).
Em seu conhecido “modelo cardíaco”, Lathrap propôs que a pressão
populacional ocasionada pela exploração dos recursos ribeirinhos da Amazônia Central
teria provocado o conflito pela posse dessas áreas, e o êxodo populacional contínuo
centrífugo através da colonização das bacias dos principais afluentes do rio Amazonas.
À medida que as áreas ribeirinhas eram ocupadas, tornavam-se necessárias novas ondas
migratórias para regiões cada vez mais afastadas dos principais rios. Assim, a privação
dos recursos ribeirinhos teria provocado o lento declínio das populações de terra firme
que tiveram de sobreviver da caça e da coleta em pequenos grupos nômades (Lathrap,
1968, 1970).
Incorporando ao debate, o antropólogo norte-americano Robert Carneiro
apresentou, na década de 1960, sua teoria da circunscrição ambiental para explicar a
formação do Estado em regiões andinas, bem como sua ausência na Amazônia.
Posteriormente, na década de 1980, Carneiro publicou a chamada “Circumscription
Theory”, no qual sugeriu que a circunscrição ambiental, a pressão populacional e a
guerra foram os elementos que operaram para a formação do Estado em diversas
sociedades. No caso da Amazônia, os cacicados teriam emergido através das guerras
de conquista, desencadeada pela concentração de recursos na várzea e pelo aumento
populacional (Carneiro, 2007).
Tanto Donald Lathrap quanto Robert Carneiro ressaltaram a importância dos
principais rios amazônicos para o provimento das proteínas diárias necessárias à
subsistência e ao sedentarismo das populações pré-coloniais ribeirinhas. Carneiro
(1968) argumentou que em pequenos rios e córregos de regiões interfluviais os peixes
são relativamente poucos em número e reduzidos em tamanho, e que a pesca
dificilmente pode servir como principal fonte de proteína. Nessas regiões a caça seria
a fonte de proteína da dieta, e quando ela se esgota, há a necessidade de deslocamento
dos assentamentos.
Essa perspectiva é compartilhada pelo antropólogo Daniel Gross (1975), o
qual argumentou que em regiões como essas a baixa disponibilidade de proteínas
limitou o tamanho e a permanência dos assentamentos, e que as populações teriam
dependido do comércio com grupos ribeirinhos para obtenção de fontes de proteína.
Em contrapartida, o antropólogo Stephen Beckerman (1979) argumentou que na
ausência de carne a combinação de aminoácidos necessária para a ingestão adequada
de proteína poderia ser mimetizada por proteínas vegetais, às vezes sozinha, embora
mais comumente em combinação. Neste último caso, seria necessário dispor de
considerável tempo e esforço de preparação para assegurar as proporções corretas de
aminoácidos.
Já na década de 1980 a arqueóloga Anna Roosevelt, fortalecendo o debate
contra o determinismo ambiental, publicou os resultados das pesquisas realizadas por
ela ao longo dos rios Amazonas e Orinoco, onde defendeu que a subsistência das
populações indígenas no passado esteve baseada em cultivos adaptados aos ambientes
de várzea e terra firme, como o milho e a mandioca, respectivamente. Nesse sentido,
as calorias e proteínas obtidas com a caça e pesca foram suplementadas pelos cultivos
de grãos e raízes, o que teria proporcionado o desenvolvimento de sociedades
complexas e hierarquizadas na Amazônia (Roosevelt, 1980).
Mais tarde, na Ilha de Marajó, região da foz do rio Amazonas (Roosevelt,
1993, 1999), e em Monte Alegre e Santarém, na região do Baixo Amazonas
(Roosevelt et al., 1996; Roosevelt, 2014), através da apropriação de novas tecnologias
e evidências no contexto arqueológico, Roosevelt propôs a antiguidade e persistência
das ocupações. Estas ocupações teriam a subsistência baseada no cultivo de raízes,
amido, árvores frutíferas e palmeiras, associado ao forrageamento e à caça, tanto em
ambientes de várzea quanto de terra firme, fornecendo os nutrientes necessários às
populações.
A década de 1980 presenciou ainda o desenvolvimento de novas pesquisas sob a
perspectiva da Ecologia Histórica, focada nas interações entre as sociedades humanas e
o ambiente, e as consequências dessas interações para a compreensão da formação de
culturas e paisagens contemporâneas e passadas. Através de um estudo detalhado de
novas evidências arqueológicas e etnohistóricas, autores como Posey e Baleé (1989)
evidenciaram a capacidade das populações indígenas da Amazônia de manipularem
criticamente os recursos ambientais, em vez de simplesmente se adaptarem aos limites
impostos pelo meio ambiente (Balée, 1989, 1998).
Sob esse ponto de vista novos estudos foram desenvolvidos na década de 1990,
dentre os quais podemos citar as pesquisas do geográfo Willian Denevan. Denevan
(1996), em seu bluff model, argumentou que os assentamentos pré-coloniais ameríndios
estariam instalados nos terraços adjacentes às várzeas, garantindo a segurança para o
cultivo, o que a flutuação da várzea não proporciona. Nesse sentido, os terraços teriam
suportado a existência de populações densas, cuja subsistência teria sido uma estratégia
múltipla que envolveu o plantio sazonal na várzea associado aos cultivos provenientes
de áreas de terra firme: pomares e jardins, roças intensivas em regiões com vegetação
menos densa, e sistema agroflorestal. Neste último, a manipulação da floresta, seja
não-intencional ou intencionalmente, contribuiu para o manejo de cultivos perenes ao
longo de trilhas, acampamentos, roças de pousio, entre outras atividades (Denevan,
1996, 1998).
Em suas primeiras publicações Denevan sugeriu que as áreas de terra firme
foram menos densamente povoadas ao considerar que as densas florestas não eram
facilmente derrubadas com o uso de machados de pedra, o que teria dificultado o
estabelecimento de cultivos como conhecido atualmente (Denevan, 1970).
Posteriormente, diante de evidências arqueológicas e etnohistóricas de extensas áreas
de solos antropogênicos em contextos de terra firme, Denevan reconsiderou a
possibilidade de existência de populações concentradas em grandes e
semi-permanentes aldeias, separadas por extensas áreas de populações dispersas em
pequenas aldeias itinerantes (Denevan, 2006, 2014).
No contexto desses debates inserem-se as pesquisas realizadas pelo Projeto
Amazônia Central1 (PAC) a partir da década de 1990, na área de confluência dos rios
Negro e Solimões e ao longo dos seus principais tributários. No decorrer das atividades
desenvolvidas pelo PAC foram registrados mais de cem sítios arqueológicos e foi
possível estabelecer uma cronologia de ocupação humana que remonta ao início do
Holoceno (Castro, 2009; Neves, 2012). Através da análise dos vestígios cerâmicos foi
1
O projeto, de caráter multidisciplinar, foi criado em 1995 pelos pesquisadores Michael Heckenberger,
Eduardo Góes Neves e James Petersen (in memorian), e esteve atuante até 2010.
possível evidenciar, para a região, duas variantes iniciais da Tradição Borda Incisa, as
fases Açutuba (III a.C a IV d.C) e Manacapuru (IV a IX d.C), uma fase local Paredão
(VII a XII d.C) e uma variante regional da Tradição Polícroma Amazônica,
denominada fase Guarita (IX d.C ao contato). A cronologia evidenciou ocupações
sobrepostas e mescladas, sugerindo ampla interação e diversidade étnica
(Heckenberger; Neves, 2009).
De modo geral, o que as pesquisas têm demonstrado é que a região foi ocupada
por diversos pequenos assentamentos (<10 ha) e alguns grandes centros residenciais e
cerimoniais (> 30 ha), espaçados aproximadamente a 30-50 km um do outro, que
serviram como centros sociopolíticos e cerimoniais de pequenas lideranças regionais,
como aqueles descritos por cronistas nos séculos XVI e XVII. Entre os séculos VI e XII
d.C a região parece ter vivenciado um período de aumento populacional, quando se
observa a construção dos montículos (Heckenberger; Neves, 2009).