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Leyla Perrone-Moisés. DESCONSTRUINDO OS ESTUDOS CULTURAIS PDF
Leyla Perrone-Moisés. DESCONSTRUINDO OS ESTUDOS CULTURAIS PDF
LEYLA PERRONE-MOISÉS
Esta comunicação tem um título que pode parecer demolidor, mas apenas para aqueles
que identificam, erradamente, desconstrução com demolição ou destruição. O que pretendo
apresentar aqui é muito circunscrito: são algumas observações ocasionadas pela leitura de
vários trabalhos classificados como “estudos culturais”, e por certas incongruências
teóricas que neles se evidenciam. Muitos desses estudos se apresentam como tributários,
explícita ou implicitamente, das propostas teóricas de Jacques Derrida; mas contrariam, na
teoria e na prática, os princípios básicos da desconstrução.
A desconstrução derridiana é uma leitura fina e minuciosa de textos da tradição
ocidental, visando a mostrar seus pressupostos idealistas e metafísicos. Derrida aponta e
questiona, nesses textos, os dualismos hierárquicos em que o primeiro termo tem sido
historicamente privilegiado: ser/não-ser, fala/escrita, realidade/aparência,
masculino/feminino, etc. A crítica da tradição filosófica ocidental, na obra de Derrida, é
infinita, já que o sentido último é sempre diferido. Opor sentidos plenos, verdadeiros e
últimos, aos sentidos dos textos desconstruidos, seria recair no mesmo dualismo que ela
combate. Por não se imobilizar jamais numa afirmação plena, a desconstrução leva
freqüentemente a aporias. “Nem isso, nem aquilo”, “por um lado, por outro”, são
formulações freqüentes no discurso de Derrida. A aporia é o limite da desconstrução, que
visa ao deslocamento do sentido, numa atitude de crítica permanente. Outro limite
assumido pela desconstrução, é o que existe entre o pensar e o fazer. A desconstrução é
uma prática filosófica, acadêmica, que não se confunde com uma práxis política. (O que
não impede que, como pessoa física, Derrida tenha tomado e continue tomando várias
atitudes políticas: com relação ao apartheid na África do Sul, ao comunismo soviético na
antiga Tchecoslováquia, na criação de “cidades refúgio” para os escritores perseguidos, na
defesa explícita dos sem-terra brasileiros, etc.)
Estudos étnicos
Estudos pós-coloniais
Multiculturalismo
Inspirados por Derrida, podemos desconstruir, isto é, fazer uma crítica filosófica e
ideológica do “multiculturalismo”. O uso generalizado e simplificado das palavras “outro”
e “alteridade”, nos estudos multiculturais, está muito distante da visão que Derrida tem dos
conceitos e dos problemas que elas implicam. O “multiculturalismo”, conceito liberal
politicamente correto, pelo que implica de tolerância à diversidade cultural, na prática
favorece a criação de guetos estanques, convivendo no mesmo espaço, transformados em
objetos de estudos particularistas, apaziguadores de conflitos sociais e, em última
instância, incentivadores de prósperos nichos mercadológicos.
Quando Derrida trata da hospitalidade, ele parte do princípio da irredutibilidade do outro
ao mesmo, e por isso considera as palavras “tolerância”, “fraternidade” e “integração”
como insuficientes para inventar o novo cosmopolitismo que o mundo de hoje exige (Ver
A. Dufourmantelle/J. Derrida 1997 e J. Derrida 1997). O cosmopolitismo que ele visa não é
o apagamento das diferenças culturais nem a ilusão de uma convivência pacífica, mas,
partindo da aceitação do princípio da diferença, e até mesmo da hostilidade entre as
culturas, um processo de permanente negociação da convivência na polis: “É uma relação
de tensão; essa hospitalidade é tudo, menos fácil e serena” (J. Derrida 1999 [l]: 66); “A
invenção política, a decisão e a responsabilidade políticas consistem em encontrar a melhor
ou a menos pior legislação; este é o evento que deve ser reinventado a cada vez” (J. Derrida
1999 [l]: 71). Estamos aí muito longe dos discursos tolerantes e apropriadores do “outro”
como forma de boa consciência política. O próprio filósofo tem protestado contra a
facilidade com que é usada a palavra “outro”, e contra “o uso moralizante” da mesma (J.
Derrida 1999 [l]: 63).
Conclusão