Como que filósofos e filósofas com visões tão diferentes, ou mesmo opostas, entram em consenso sobre uma suposta origem grega da filosofia? Faz sentido acreditar em um “berço da civilização” onde teria acontecido esse “milagre grego”? Será coincidência que a maioria dos filósofos contemporâneos que conhecemos são homens brancos europeus, principalmente dos mesmos três países da Europa Ocidental (Alemanha, França e Inglaterra)?
Como que filósofos e filósofas com visões tão diferentes, ou mesmo opostas, entram em consenso sobre uma suposta origem grega da filosofia? Faz sentido acreditar em um “berço da civilização” onde teria acontecido esse “milagre grego”? Será coincidência que a maioria dos filósofos contemporâneos que conhecemos são homens brancos europeus, principalmente dos mesmos três países da Europa Ocidental (Alemanha, França e Inglaterra)?
Como que filósofos e filósofas com visões tão diferentes, ou mesmo opostas, entram em consenso sobre uma suposta origem grega da filosofia? Faz sentido acreditar em um “berço da civilização” onde teria acontecido esse “milagre grego”? Será coincidência que a maioria dos filósofos contemporâneos que conhecemos são homens brancos europeus, principalmente dos mesmos três países da Europa Ocidental (Alemanha, França e Inglaterra)?
Crítica à Negação das Histórias e Culturas Africanas
Tratar da negação das filosofias africanas também se refere à negação de toda História e Cultura Africana, Afrodiaspórica, Indígena, Latino-Americana, além de outras epistemologias, de diferentes maneiras e em diferentes proporções. A filosofia faz parte da história e da cultura. Ela é um tipo de conhecimento, entre outros, produzido por todos os seres humanos, a partir da experiência humana. Logo, negar a filosofia de quaisquer povos é negar sua humanidade. O livro Filosofia e consciência negra: desconstruindo o racismo (2018) traz questões pertinentes a esse respeito. A filosofia não é um tipo de conhecimento exclusivo de algum povo ou povos específicos. Os questionamentos filosóficos sobre a verdade, o justo, a beleza, a finitude da vida, a forma de organização política mais democrática e as respostas a esses questionamentos não são absolutamente universais. Portanto, eles não são válidos para todos os contextos, sem qualquer adaptação ou atualização, independentemente da época ou cultura de cada povo ou país, mas de fato variam de acordo com a cultura e o local. Nem por isso as contribuições filosóficas e culturais são completamente restritas ao seu contexto de origem, mas carregam inevitavelmente suas marcas. Como que filósofos e filósofas com visões tão diferentes, ou mesmo opostas, entram em consenso sobre uma suposta origem grega da filosofia? Faz sentido acreditar em um “berço da civilização” onde teria acontecido esse “milagre grego”? Será coincidência que a maioria dos filósofos contemporâneos que conhecemos são homens brancos europeus, principalmente dos mesmos três países da Europa Ocidental (Alemanha, França e Inglaterra)? Ora, não só existe Filosofia Africana, como existem diversas tendências filosóficas dentro desse vasto continente, ridiculamente maior do que a Europa. Mas se existem, por que não estudamos as filosofias africanas nas escolas? Por que tais filosofias e seus filósofos e filósofas estão tão pouco presentes nas pesquisas acadêmicas, nas salas de aula, nos materiais didáticos e paradidáticos de filosofia? Para fomentar ainda mais esse debate no Brasil, a revista Ensaios Filosóficos pediu ao filósofo sul-africano Mogobe Ramose um texto crítico à negação das filosofias africanas. Em seu artigo Sobre a legitimidade e o estudo da Filosofia Africana (2011), Ramose nos alerta que a questão fundamental por detrás da negação da Filosofia Africana está na “autoridade de definir o significado e o conteúdo da filosofia”. Nesse mesmo sentido, o filósofo fluminense Renato Noguera analisa esse e outros trabalhos em seu livro sobre O ensino de filosofia e a lei 10.639 (2014). Noguera compreende que, para localizar essa autoridade na Filosofia, devemos aplicar uma análise geopolítica da produção filosófica hegemônica, cuja definição de filosofia exclui outras formas de filosofar. Por sua vez, explica que a “geopolítica envolve a gerência do Estado sobre os territórios e as disputas por hegemonia através da expansão em vários domínios, incluindo o cultural”. Desse modo, Noguera reflete que “uma análise das relações entre geopolítica e filosofia é uma abordagem que nos permite vincular o lugar epistêmico étnico-racial, de gênero, espiritual, sexual, geográfico, histórico e social com o sujeito do enunciado, desfazendo a noção de que o discurso filosófico brota de uma ‘razão universal’ imersa num campo neutro de forças”. Portanto, uma definição excludente de filosofia na verdade faz parte de uma disputa maior por hegemonia no domínio cultural. Esse controle sobre quais são os nossos referenciais está intimamente ligado a manutenção das opressões e desigualdades sociais. Para os nossos opressores, o conhecimento é perigoso porque ele também é um meio de empoderamento. Em contextos de colonialismo e neocolonialismo, a hegemonia nas relações de poder está então na autoridade dos (neo)colonizadores, cuja arma de disputa cultural empregada foi o epistemicídio. Em termos gerais, o epistemicídio pode ser entendido como o extermínio das maneiras de conhecer e agir de determinados povos ou epistemologias. Além disso, o assassinato dos conhecimentos dos povos oprimidos do Terceiro Mundo está também fortemente estigmatizado pela raça. Desse modo, Noguera vincula o epistemicídio ao racismo epistêmico, que “remete a um conjunto de dispositivos, práticas e estratégias que recusam a validade das justificativas feitas a partir de referenciais filosóficos, históricos, científicos e culturais que não sejam ocidentais”. De fato, por um lado o epistemicídio não nivelou e nem eliminou totalmente as maneiras de conhecer e agir dos povos colonizados, mas, por outro, ele ainda é a principal causa da negação e exclusão das culturas e filosofias africanas do domínio cultural hegemônico; logo, uma das principais causas da exploração e do genocídio. Sendo assim, para superar o epistemicídio e o racismo epistêmico, devemos nos engajar numa participação ativa na luta social, política e cultural por uma educação crítica e emancipadora.
Educação e participação popular
Desde sempre lutamos por conhecimento, pelo acesso a outros conhecimentos, pelo direito de produzir conhecimentos e promovê-los em meios coletivos para toda sociedade, nas escolas, nas universidades, nos museus, nos centros culturais, nas casas, nas ruas. Nossa luta é para socializar e debater conhecimentos importantes para nossa libertação. Os povos colonizados, as mulheres, os negros sempre reconheceram a necessidade da educação na luta por sua emancipação. Em Educação e libertação: a perspetiva das mulheres negras, sexto capítulo de Mulheres, raça e classe (1981), a filósofa estadunidense Angela Davis nos atinge intelectual e afetivamente quando nos conta sobre os esforços de mulheres brancas e negras no século XIX para superar as barreiras impostas pelo regime escravocrata. Nessa época, o governo proibia a educação de crianças negras, então elas tomarem a iniciativa de aceitar essas crianças em suas salas de aula e depois de abrir uma escola para a comunidade negra. A partir desses relatos, Davis nos ensina sobre a importância do engajamento na educação como meio de libertação e também da importância da solidariedade política entre os diferentes grupos e movimentos sociais. Sobre isso podemos também mencionar as contribuições do pedagogo e filósofo pernambucano Paulo Freire. Assim como Davis, Freire apostava na educação como instrumento de emancipação, se comprometendo a compartilhar suas teorias e experiências práticas em vários livros, além de ter se engajado na luta contra o analfabetismo em países latino-americanos e africanos – no Brasil antes da ditadura civil-militar de 64 e depois fora do país, durante seu exílio. Em 1992, depois de ter sido Secretário de Educação da cidade de São Paulo, ele comunicou um texto seu sobre Educação e participação comunitária, publicado no livro Política e Educação (1993). Nesse texto, a partir de uma compreensão crítica da prática educativa como prática emancipadora, ele nos fornece reflexões necessárias sobre a inevitável liberdade do ser humano – e por isso sua inevitável responsabilidade social – para optar por um posicionamento conservador e neoliberal ou progressista e democrático. Em sua militância, Freire nos deixa uma importante mensagem de gestão popular nos interesses públicos, diante da urgência de construirmos estruturas sociais e administrativas não autoritárias e hierarquizadas, mas sim estruturas democratizantes, descentralizadas, autônomas e participativas em prol da realização dos nossos direitos e deveres. Nessas perspectivas, é emblemática a fotografia de três crianças negras segurando uma faixa em reivindicação "PELO ENSINO DA HISTÓRIA e CULTURA NEGRA", na manifestação pública ocorrida durante a 33ª Reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), realizada em Salvador, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em julho de 1981. Somente anos depois seriam promulgadas as leis 10.639 (2003) e 11.645 (2008), que estabelecem a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana, afrobrasileira e indígena em todos os níveis de ensino. Essa temática obrigatória inclui o estudo de diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, tais como a história da África, a luta dos negros e dos povos indígenas, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o indígena na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política. Além de recontar a História a partir de outra perspectiva, o estudo e ensino dessa temática serve não só para desmistificar estereótipos racistas e difundir nossas culturas, mas com isso e através dessas contribuições ampliar o combate às desigualdades sociais. Portanto, junto a difusão das nossas culturas precisamos intervir no modo como serão difundidas e a quais interesses. Na mesma fotografia se pode ler em outra faixa que o ato público se manifestava “POR UMA CIÊNCIA A SERVIÇO DOS TRABALHADORES e das ETNIAS OPRIMIDAS”. Nessa reunião da SBPC, intelectuais e militantes como Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Beatriz Nascimento, Clóvis Moura denunciavam as tentativas de folclorização e comercialização da cultura negra. Ainda sob a ditadura civil-militar, organizações como o Movimento Negro Unificado, o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, entre tantas outras, defenderam a consulta e participação crítica da comunidade afro-brasileira na elaboração de projetos como o Memorial Zumbi, que já arquitetava a criação de um Parque Nacional Zumbi dos Palmares no local histórico onde existiu a “capital” do Quilombo dos Palmares. Aproveitando, também podemos mencionar o próprio Quilombo dos Palmares como demonstração de força e organização de grupos oprimidos, que resistiram por quase cem anos entre os séculos XVI e XVII a diversas tentativas de destruição por parte do poder colonial português e até mesmo de invasores holandeses, e chegou a reunir cerca de 30 mil pessoas. Esses entre outros milhares são exemplos de participação popular, de engajamento político, de movimentos conscientes e organizados, de defesa não só do resgate das histórias e culturas africanas e afro- brasileiras mas também de um movimento para recontar a história e reparar a cultura, aprender com o passado para construir um futuro melhor. É a partir desse ponto de vista que estudamos, difundimos e discutimos as filosofias africanas e afrodiaspóricas como parte da construção de uma cultura de luta, resistência, educação popular, democracia direta.
Apresentação geral das Filosofias Africanas
Baseado no capítulo 21, Tendências da filosofia e da ciência na África, do oitavo volume da coleção História Geral da África da UNESCO, África desde 1935 (2010), e no já mencionado Filosofia e consciência negra, especificamente em seu capítulo 2, Outras margens da filosofia: Filosofias Africana e Latino-Americana, encontramos três tendências filosóficas principais na filosofia africana contemporânea: a Cultural (também denominada de etnofilosofia), a Ideológica (também reconhecida como Política ou Nacionalista) e a Crítica (também considerada como Profissional ou Acadêmica). É importante apontar que essa divisão serve exclusivamente para facilitar a análise, mas que, enquanto cada tendência filosófica possui características específicas, existem vários pontos comuns entre as diferentes filosofias africanas. A tendência Cultural se vincula às tendências filosóficas tradicionais mais antigas do continente. O termo “etno-filosofia” para designá-las não seria apropriado porque o fato de que elas se referem a filosofias de determinadas etnias africanas não significa que são restritas a tais etnias, tampouco poderiam ser consideradas como sub-filosofias. A principal forma de transmissão e registro das tendências culturais é a oralidade e seu principal aspecto é a coletividade ou conectividade. Esse conjunto de filosofias possui um caráter sociológico, englobando o modo de vida de um povo, as suas regras e a sabedoria acumulada pelos sábios ancestrais, geração após geração, por vezes elaborado por pessoas excepcionais. Nesse domínio se reflete sobre as relações entre o ser humano e a natureza, os vivos e os mortos, maridos e esposas, pais e filhos, governantes e governados. São exemplos de filosofia africana cultural as filosofias Bantu, Iorubá, Kemética, a Ancestralidade, a Sagacidade, e de filósofos e filósofas, o senegalês Cheikh Anta Diop, a afro- americana Marimba Ani, o congolês Théophile Obenga, a burquinense Sobonfu Somé, o queniano Odera Oruka. A tendência Ideológica se caracteriza pelas suas preocupações mais estritamente políticas, se referindo ao conjunto de ideias destinadas a orientarem a ação política e definirem objetivos políticos. Nesse sentido, enquanto a cultura abrange a totalidade do modo de vida, a ideologia está no domínio das relações políticas. Formulada a partir de indivíduos particulares, as tendências ideológicas se expressam sobretudo através das línguas europeias por meio da escrituralidade. Esse conjunto de filosofias é principalmente uma resposta direta à colonização e às lutas de libertação nacional, em vista a fomentar e organizar a luta anticolonial, pensando a África como um todo e a situação política e cultural dos negros em geral e dos povos colonizados do Terceiro Mundo. Portanto, as tendências ideológicas visam à compreensão e superação do colonialismo, isto é, à libertação e autonomia política, econômica e cultural dos povos colonizados. São exemplos de filosofia africana ideológica as filosofias do Pan-Africanismo, da Negritude e do Anticolonialismo, e de filósofos, o afro-americano W. E. B. Du Bois, o ganês Kwame Nkrumah, o martinicano Aimé Césaire, o senegalês Léopold Senghor, o egípcio Gamal Nasser, o martinicano-argelino Frantz Fanon, o cabo-verdiano-guineense Amílcar Cabral, o angolano Agostinho Neto. A tendência Crítica se pretende uma filosofia africana mais científica, metódica e rigorosa. Assim como a filosofia ideológica, a filosofia crítica quase não se expressa em línguas autóctones, mas principalmente em línguas estrangeiras. Esse conjunto de filosofias elabora críticas tanto ao colonialismo e eurocentrismo quanto às tendências culturais e ideológicas da filosofia africana. Da sua parte, se apropriou mais profundamente de tradições intelectuais ocidentais, privilegiando menos a disputa no campo político do que no teórico. As tendências críticas buscam conciliar certa combinação de racionalismo e empirismo realista. As principais vertentes da filosofia africana crítica são as Críticas às tendências culturais e ideológicas e as Críticas às concepções ocidentais de filosofia e ciência, e os principais filósofos são o beninense Paulin Hountondji, o anglo-ganês Kwame Appiah, os camaroneses Marcien Towa e Achille Mbembe, o congolês Valentin Mudimbe, o ganês Kwasi Wiredu. Outras tendências filosóficas podem ser encontradas nas produções literárias africanas, como são os trabalhos do nigeriano Chinua Achebe e da nigeriana Chimamanda Adichie e muitos outros africanos e diaspóricos, além das teorias feministas, com destaque para as nigerianas Oyèrónkë Oyěwùmí e Bibi Bakare- Yusuf. As tendências feministas poderiam ser igualmente classificadas como ideológicas, por seu caráter anticolonial, e críticas, por sua crítica rigorosa às concepções eurocêntricas, assim como as tendências literárias poderiam ser consideradas como culturais, ideológicas e críticas. Por sua vez, ampliamos as Filosofias Africanas para a dimensão da Diáspora, pela qual se encontra, além dos já citados nesta seção, filósofos e filósofas como as afro-americanas Angela Davis e Patricia Hill Collins, os jamaicanos Charles Mills e Stuart Hall, os brasileiros Renato Noguera, Eduardo Oliveira e Luís Thiago Freire Dantas, as brasileiras Adilbênia Machado, Aline Matos da Rocha e Katiúscia Ribeiro, entre tantas outras pessoas. Em maior amplitude as contribuições afrodiaspóricas para as filosofias africanas são marcantes, como por exemplo nas vertentes Pan-Africanista e da Negritude, que se originaram a partir de negros africanos e da diáspora organizados nos Estados Unidos e na França, respectivamente. E sobre as tendências, como mencionado, classificar em correntes filosóficas africanas serve para reconhecer as diferentes tendências do pensamento filosófico africano, cujas fronteiras normalmente são rompidas por essas filosofias. Enfim, vale recordar a importância da educação como meio de conscientização e politização das camadas populares como caminho à sua emancipação. Somente com esse trabalho de educação popular podemos fomentar táticas de ação direta necessárias para revolucionar as estruturas. Para que isso aconteça, todos os espaços devem ser ocupados com críticas sociais por meio de múltiplas formas de engajamento. Esse movimento de contestação – cada vez mais importante e necessário agora que enfrentamos uma forte crise política, social e econômica no Brasil, na América Latina e no mundo com a ascensão do neoliberalismo e a constante manutenção das opressões racistas, machistas, lgbtfóbicas, capitalistas, imperialistas –, exige a participação de uma grande quantidade de pessoas aliado a uma alta qualidade política. Precisamos nos preparar, nos formar, nos engajar, discutir nossas estratégias, planejar as ações e executar nossos planos.