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Conforme indicado acima, Tomás (2008) começa o ST I, q.15, a.1 com uma
resposta direta – a saber, “vê-se que não há ideias” (p. 311) – e em seguida apresenta três
argumentos que sustentam esta posição. O primeiro é de Dionísio, que afirma que Deus
não conhece as coisas segundo a ideia. Para ele, (a) as ideias somente existem para que
as coisas sejam conhecidas por meio delas, isto é, elas são princípios de cognição, e (b)
Deus não necessita de ideias para conhecer, então chega-se à conclusão de que as ideias
não existem. O segundo argumento defende que Deus conhece tudo em si mesmo e, à
medida que não conhece a si próprio através de uma ideia, tão pouco conhece todo o
restante desta maneira – o que indica, mais uma vez, a não-necessidade da existência das
ideias. Por fim, o terceiro argumento indica que a existência de Deus, suficiente em si
mesmo como princípio de todo conhecimento e operação, mina a sustentação da ideia
enquanto aquilo que é necessário para que estas duas funções se cumpram.
Oliveira (2013) explica que apoiar a hipótese contrária às objeções, isto é, de que
Deus necessita de ideias, algo externo a si mesmo, para conhecer ou fazer com que as
coisas sejam criadas traz problemas para a concepção tomasiana daquilo que se julga
adequado a Deus. Afinal, continua o autor,
(...) se Deus precisasse de algo além de si mesmo seja para conhecer, seja para fazer com que
as coisas fossem criadas, ele já não poderia ser mais considerado nem perfeito nem,
consequentemente, eterno nem imutável. Ou seja, segundo os argumentos anunciados,
acreditar na existência das ideias parece ser o mesmo que propor a não existência de Deus, ou,
ao menos, que o Deus criador dos cristãos não seria nem onipotente nem incriado. Ora, o
principal problema é que um deus desprovido de tais características simplesmente não poderia
ser Deus (Oliveira, 2013, p. 23)
Por outro lado, temos a concepção de Deus como perfeito, eterno, imutável,
onipotente e incriado. Na Suma de Teologia, Tomás de Aquino apresenta cinco vias,
1
Original: The Ideas exists in their heaven in a state of isolation one from another, and apart from the
mind of any Thinker.
fortemente sustentadas por noções aristotélicas e conhecidas como a Quinque viæ, para
demonstrar a existência de Deus com estas características. De especial interesse para este
trabalho, a primeira via elencada por Tomás tem como fundamento o argumento do
movimento, inspirado na Física de Aristóteles, e propõe que somente aquilo que existe
em ato pode levar à atualização de algo que existe em potência, i.e., tudo que se move
deve ser movido por algo. Como não se pode cair numa regressão ao infinito, chega-se à
conclusão de que deve existir um primeiro motor imóvel, algo que seja ato puro, sem
potência, sem carência de qualquer coisa, sem necessidade de se atualizar. Deus é o
Primeiro Motor (Marcondes, 1997).
Assim, ao tratar das ideias no ST I, q.15, a.1, Tomás nos traz um embate entre
duas grandes tradições filosóficas: a platônica e a aristotélica. Como veremos adiante, o
filósofo defende a visão de que ideias não podem existir fora de Deus e, para tanto, “apela
a Aristóteles, que criticara Platão por considerar as ideias como existentes per se e não
no intelecto [in intellectum]”2 (Boland, 1996, p. 211, tradução nossa)
2
Original: “(...) appeals to Aristotle, who criticized Plato for regarding the ideas as existing per se and
not in the intellect [in intellectum]”
Como Wippel explica, no restante do ST I, q.15, a.1, Tomás de Aquino “baseia
sua argumentação pelas ideias divinas na necessidade de exemplares divinos, i.e., na sua
função ontológica” (Wippel 1993, p. 33, apud Doolan, 2008, p. 15, tradução nossa)3. O
Aquinatense defende que a forma é a causa final (finalidade) de todos os que não são
gerados por acaso. Ou seja, no projeto tomasiano, tudo que é feito sem ser por acaso, é
feito segundo uma ideia exemplar. Além disso, o agente que age em consonância com a
forma somente o faz porque há nele alguma similitude da forma. Tal similitude pode
acontecer de duas maneiras.
3
Original: [Thomas] bases his argumentation for divine ideas upon the need for divine exemplars, i.e.,
upon their ontological function.
É esta intelecção da forma, com o consequente fornecimento da definição da
forma, que Tomás nomeia de “noção de ideia”. Entendida desta maneira, fica clara a
função cognitiva da ideia exemplar. Quando inteligimos o que é a forma exemplar,
podemos também compreender tudo aquilo que esta forma é capaz de produzir. Em outras
palavras,
Por fim, na resposta à terceira objeção, o filósofo demonstra que Deus é, em sua
essência, similitude de todas as coisas – isto é, Deus é o princípio operativo de todas as
coisas diversas. Ou, como comentamos ao tratar da primeira e segunda vias de Tomás,
Deus é o Primeiro Motor e a primeira causa eficiente. Com a nova compreensão de ideia
enquanto exemplar, Tomás conclui, então, que “a ideia em Deus não é senão a essência
de Deus” (Tomás de Aquino, 2008, p. 313).
Referências
BIRD, O. (2005). Como ler um artigo da Suma. Tradução de Getúlio Pereira Jr.
Apresentação de Francisco Benjamim de Souza Netto. Coleção Textos Didáticos,
(53).
Boland, V. (1996). Ideas in God according to Saint Thomas Aquinas: sources and
synthesis. Brill.
Copleston, F. (1993). A History of Philosophy. Volume I: Greece and Rome (Vol. 1).
https://doi.org/10.2307/2019031