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INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ARTE,


CULTURA E HISTÓRIA (ILAACH)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
INTERDISCIPLINAR EM ESTUDOS LATINO-
AMERICANOS (PPG IELA)

A TRAJETÓRIA DO COMPOSITOR ARGENTINO GABRIEL VALVERDE


COMO ESTUDO DE CASO PARA ENTENDER O LUGAR
DO COMPOSITOR LATINO-AMERICANO NA ATUALIDADE.

Cristiano Roberto Galli

Foz do Iguaçu
2019
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1. Introdução

Ao concluirmos o curso de Música com ênfase em criação musical na Unila nos


deparamos na condição, de um compositor com o devido registro acadêmico e que almeja
desenvolver uma carreira artística e acadêmica em sua área. Tendo em vista a reflexão de
Tragtenberg exposta no preambulo de seu livro “Ofício do compositor hoje” onde o autor
comenta que o compositor é um ser histórico, “não sendo impermeável ao mundo que o
envolve”... e que disputa o espaço social e um status como qualquer outro profissional”.
(TRAGTENBERG, (2012 p.15) algumas questões se apresentam como: quais são as
perspectivas da carreira? Quais são os caminhos a serem trilhados? Onde se encontram
as oportunidades de trabalho? Como desenvolver uma carreira nesta área? Questões
inerente a qualquer egresso, porem outras questões importantes se apresentam e que
estão ligadas a especificidade de sermos um compositor latino-americano. Logo a
questão central é: como um compositor latino-americano formado em uma instituição
latino-americana pode desenvolver sua carreira na atualidade? E ainda em âmbito geral o
que é ser um compositor latino-americano hoje? E qual a relevância de sua obra em
âmbito por assim dizer global?
No afã de responder estas indagações nossa pesquisa nos conduziu há textos
importantes que trazem informações relevantes sobre o trabalho e a condição do
compositor latino-americano no contexto da música de vanguarda latino-americana no
Século XX.
Estes textos discorrem sobre a atividade do compositor latino-americano, como
estes compositores trabalhavam, suas linhas estéticas e suas rupturas como modelos
tradicionais. Apontam também para posições políticas e sociais as quais estes
compositores estavam inseridos. Entres estes escritos podemos destacar “Música,
Revolución y Dependencia en America Latina” do compositor uruguaio Coriún Aharonián,
também se destaca a tese de doutorado de Teresinha Rodrigues Prada Soares intitulada
“A utopia no horizonte da música nova” onde a pesquisadora faz uma importante pesquisa
acerca do Festival Música Nova e o Curso Latino-americano de Música Contemporânea
para citar apenas dois. Estes trabalhos contribuem para que possamos ter uma ideia do
contexto que este compositor estava inserido, bem como quais eram suas preocupações
e linhas estéticas. Porem apesar de serem trabalhos fundamentais para o conhecimento e
formação de compositores tratam de um momento histórico específico.
É neste contexto que se encontra esta proposta de estudo que buscará
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compreender a condição do compositor latino-americano nos dias de hoje, onde atua e


como se da sua inserção no universo da música de vanguarda latino-americana e
também em âmbito global.
Sabendo que se trata de um tema muito amplo a ser desenvolvido a longo prazo
contando com o esforço de vários pesquisadores nos propomos a contribuir com o tema
através do estudo e análise de um recorte específico, a trajetória de um dos grandes
compositores latino-americanos da atualidade que se encontra em franco
desenvolvimento de sua atividade e possui uma carreira artística e acadêmica
consolidada.
Este compositor é o Argentino Gabriel Valverde. Nascido em 1957 na cidade de
Buenos Aires é hoje um dos grandes representantes da música de concerto latino-
americana teve suas obras executadas em vários países onde recebeu diversos prêmios
entre os quais podemos destacar em 1990 Premio Concurso Internacional de Bourges,
França, em 1992 recebeu o Prêmio da WDR, Radio do Oeste da Alemanha, Colônia
"Forum Junger Kompositori" e 1994 Primeiro Premio Municipal, Música Sinfónica, Ciudad
de Buenos Aires. Atualmente é Professor de harmonia, análise e contraponto no
Conservatório Municipal de Buenos Aires desde 1986.
O objeto de estudo então será a formação pessoal deste compositor, onde
estudou, quais as características de suas obras, quais elementos presentes em seu
trabalho que denote seu (estilo,) quais os caminhos percorridos até o atual estágio de sua
carreira e como suas obras se inserem no repertório de vanguarda Latino Americano.
Outro ponto será tentar verificar se procede a hipótese de que países latino-americanos
possuem ainda hoje uma carência de estruturas de apoio e mesmo de um ambiente
propício institucionalizado para o fomento do desenvolvimento de carreiras artísticas na
área da composição. Se esta hipótese se confirmar vamos buscar entender como este
compositor lidou com esta dificuldade.

2. justificativa.

Temos conhecimento através de Bibliografia o que foi ser um compositor Latino-


americano durante o século XX, porem pouco se sabe sobre o papel que desempenha o
compositor e sua obra no panorama latino-americano e mundial neste início de século
XXI.
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Na condição de compositor latino-americano formado em uma instituição latino-


americana entender qual o panorama que estou inserido.
A pouca elaboração de trabalhos que buscam refletir qual o espaço ocupado pelo
Compositor latino-americano neste início do século XXI.

3 OBJETIVOS GERAIS.

 Contribuir com acadêmicos compositores egressos de instituições latino-


americanas a compreender qual é o panorama sociocultural a que o compositor
latino-americano está submetido e de que forma este compositor se insere na
atualidade.

3.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS.


 Compreender como atualmente se configura o campo da composição latino-
americana tendo como estudo de caso a trajetória do compositor Argentino Gabriel
Valverde.
 Compreender quais são as características estéticas e estilísticas que marcam suas
obras.
 Buscar por traços que caracterizam a carreira deste compositor e que dialoguem
com sua condição de compositor Latino-americano.

 Compreender seu papel e o alcance de sua obra em âmbito Latino-americano e


mundial.

 Compreender quais foram as estratégias deste compositor para o desenvolvimento


de sua carreira.
 Investigar se procede a hipótese de que ainda hoje uma característica Latino-
americana é a ausência de instituições de fomento e apoio aos compositores.

4. Fundamentação teórico-metodológica.

Esta pesquisa terá como fundamentação teórica o pensamento do Sociólogo


francês Pierre Bourdieu. Trabalharemos com os conceitos de: campo, capital cultural e
habitus.
Estes conceitos se relacionam e se conectam de forma a gerar um conjunto de
ferramentas conceituais que analisam os diversos fatores que atuam na construção das
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realidades sociais.
A princípio o conceito de capital se refere aos recursos que um indivíduo é detentor,
os quais lhe fornece condições para se manifestar em um meio. Bourdieu expande a ideia
de capital para além do econômico e traz para a discussão o conceito de capital cultural,
que por sua vez corresponde a posse de recursos como diplomas, domínio de linguagens
entre outros elementos que estão ligados a áreas de estudos escolares e acadêmicos.
Também apresenta a ideia de capital social ao qual está relacionado com redes de
relacionamentos sociais e contatos que fornecem ao detentor alguma forma de vantagem.

"o mundo social pode ser concebido como um espaço multi-dimensional


construído empiricamente pela identificação dos principais fatores de diferenciação
que são responsáveis por diferenças observadas num dado universo social ou, em
outras palavras, pela descoberta dos poderes ou formas de capital que podem vir
a atuar, como azes num jogo de cartas neste universo específico que é a luta (ou
competição) pela apropriação de bens escassos... " (BOURDIEU, P. 1987. p.4).1

O conceito de campo por sua vez é definido como uma configuração de relações
sociais as quais possuem suas regras próprias e que em si mantem uma organização em
posições de dominâncias diferentes. Um campo é um espaço social em que há uma
correlação de forças desiguais em termos de capital – econômico, cultural ou social, entre
diferentes indivíduos. Portanto se pode consideram como campos a ciência, a política as
artes entres outras atividades sociais. Este conceito está intimamente relacionado com o
conceito de capital justamente por que é no campo que se dá as disputas de poder e de
posição social.

A noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo,


esse microcosmo dotado de suas leis próprias. Se, como o macrocosmo, ele é
submetido a leis sociais, essas não são as mesmas. Se jamais escapa às
imposições do macrocosmo, ele dispõe, com relação a este, de uma autonomia
parcial mais ou menos acentuada. (BOURDIEU, 2004, p.21).

Todo campo possui suas regras e estas são apreendidas pelo que denominou
Bourdieu de habitus que é a experiência social incorporada pelo indivíduo e que propicia
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“The social world can be conceived as a multi-dimensional space that can be constructed empirically by
discovering the main factors of differentiation which account for the differences observed in a given social
universe, or, in other words, by discovering the 'powers or forms of capital which are or can become efficient,
like aces in a game of cards, in this particular universe, that is, in the struggle (or competition) for the
appropriation of scarce goods”… (BOURDIEU, P. 1987. p.4).
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uma aprendizagem de como perceber o mundo e atuar nele incorporando desta forma os
pensamentos vigentes em um campo em determinada época. O indivíduo se torna único
por que constrói seu habitus dentro de um determinado campo ocupando uma
determinada posição a partir de seu capital adquirido ou herdado, sendo assim cada
indivíduo é detentor de capitais desiguais e diferentes e se torna único no campo onde
atua. Bourdieu apresenta o indivíduo como detentor de uma certa liberdade mediada
pelos esquemas generativos que é a ação da estrutura na indicação de categorias de
classificação, esquemas que antecedem e guiam a ação. “Habitus – entendido como um
sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências
passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e
de ações”. (Bourdieu,1983, p.65). Com estes três conceitos, Bourdieu demonstra que os
indivíduos são construídos ao mesmo tempo que constroem a realidade social
cotidianamente em uma interdependência com a estrutura social.
Nesta pesquisa o conceito de campo será aplicado ao universo da música de
concerto na américa-latina tendo como foco de a área ligada a atividade dos
compositores. Já o conceito de habitus será empregado como ferramenta para
compreender quais são as regras deste campo e como o indivíduo, objeto desta pesquisa,
se manifesta e atuam tendo como base a incorporação das experiências e vivências neste
campo. Por sua vez o conceito de capital cultual será importante para entender quais são
as “posses” intelectuais que possui o indivíduo focos da pesquisa que o permite ocupar o
espaço social a que hoje ocupa.
A partir destes referenciais teóricos buscaremos entender o que é ser um
compositor Latino-americano nos dias de hoje? Ou mesmo o que é ser um compositor?
Estas são duas questões que necessitam uma ampla reflexão, que por sua vez
suscitam outras diversas indagações.
Como definir um compositor hoje diante de uma gama enorme de estilos técnicas
compositivas e mesmo diante de termos que se apresentam tão elásticos como
vanguarda ou mesmo contemporâneo, que conteúdo estão inseridos nestes termos na
atualidade?
Palavras como vanguarda ainda dizem algo sobre a música feita hoje? Existe um
lugar para a atuação destes compositores nos dias de hoje, um campo? Se existe qual é
este lugar? Onde os compositores podem desenvolver suas atividades? Diante destas
questões que no momento não temos respostas partimos da premissa que se queremos
compreender o lugar do compositor latino-americano na atualidade temos que entender o
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lugar que este compositor ocupou em fins do século XX, para tanto os trabalhos de
pesquisadores como: Eduardo Cáceres, José Vicente Asuar, João Marcos Coelho e
Teresinha Rodrigues Prada Soares, que se debruçaram no estudo do período a que
Francisco Monteiro denominou de vanguarda Histórica, são fundamentais.

Os acontecimentos ocorridos apontam para o surgimento de um conjunto de


ideias completamente novas sobre criação, estruturação, produção, audição e
compreensão do som e da música; as consequências foram, sem dúvida,
determinantes em todos os aspectos da vida musical, dando origem ao que, cerca
de meio século após o seu aparecimento, se pode denomina “vanguarda
Histórica” (Monteiro, 2001, p.57)

A vanguarda Histórica foi o momento onde surgiram as rupturas na Europa como o


Dodecafonismo de Schoenberg, o Serialismo Integral de Pierre Boulez a Eletronic Musik
alemã e a música concreta de Pierre Schaeffer entre outras correntes europeias, nos EUA
se desenvolve o minimalismo, bem como processos que empregam a aleatoriedade
propostos por Cage estas foram inovações que causaram um impacto significativo na
produção latino-americana por conta da incorporação destas inovações por compositores
latino-americanos.
A pesquisadora Terezinha Rodrigues aponta justamente para este fator e chega a
adjetivar como “peregrinação” a busca por estes novos procedimentos notadamente
acessados através dos famosos cursos de verão de Darmstadt.

A influência europeia dessa Neue Musik no Brasil e no Cone Sul foi precedida por
verdadeiras peregrinações a Darmstadt, a Meca musical de seu tempo, de
compositores que queriam saber tudo sobre os novos procedimentos e, na volta a
seus países, eram possuídos por uma avidez quase didática em apresentar o que
haviam visto e ouvido lá – foi como uma obrigação para esses compositores.
(SOARES, 2006, p.114)

Para compreender este momento histórico tendo como foco o Compositor latino-
americano cremos imprescindível a leitura de alguns textos que apresentam um
panorama da música de concerto latino-americana neste âmbito da vanguarda Histórica,
entre estes textos destacamos: “La música de nuestro tiempo” de Antoine Goléa. “Origins
- An Approach to Compositional Trends in Latin America” Coriún Aharonián. “Los cursos
latinoamericanos de música contemporánea – uma alternativa diferente” de Eduardo
Cáceres. “Cursos latinoamericanos de música contemporánea en Uruguay”, José Vicente
Asuar “Utopia, música e história: Kolheutter e o Jdanovismo no Brasil” João Marcos
Coelho. “Música Contemporânea Brasileira”, José Maria Neves e por fim “A utopia no
horizonte da música nova” Teresinha Rodrigues Prada Soares.
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Partindo então desta bibliografia podemos perceber que os compositores latino-


americanos da chamada vanguarda histórica trabalharam suas obras de forma bastante
particular e com características próprias, apesar de ter como fonte a vanguarda europeia.
Aharonián aponta para 11 pontos que reforçam esta afirmativa.

1. Sentido de tempo latino-americano em relação ao sentido europeu: as obras


latino-americanas são mais curtas e mais concentradas do que a dos europeus;
2. processo não-discursivo ou a-discursivo das peças musicais...3. Blocos
expressivos, em concordância com o item anterior; 4. Elementos reiterativos de
células comuns de herança ameríndia e afro, 5. Austeridade no sentido de
despojamento, na linguagem, nos recursos expressivos e nos meios técnicos... 6.
Violência e um gosto pelas pequenas coisas. 7. silêncio. Conquista dos músicos
contemporâneos e na América Latina é uma conquista como um símbolo cultural;
8. Presença do primitivo. Colocação da sua verdade cultural, não mais como o
exotismo etnocêntrico, mas pesquisa conceitual... 9. Atenção em criar novas
tecnologias. Os próprios compositores se interessaram em buscar novos formas
de tecnologia e mesclar com experiências de instrumentos não-europeus, das
heranças indígena e afro. 10. quebrar as fronteiras entre popular e erudito... 11.
Consciência ideológica... 12. Magia. Interesse dos compositores latino-americanos
em explorar a herança musical... 13. Identidade cultural. (Aharonián. 2000 p.3-5)

Neste período surgiram na América-latina agrupamentos de compositores cujo


objetivo, entre outros, era de divulgar suas obras e também promover discussões acerca
das novas práticas compositivas. No Brasil especificamente dois movimentos foram
bastante importantes o chamado musica viva e o Música nova.
Terezinha aponta que o primeiro movimento a que se tem notícia foi o chamado
grupo “musica Viva” este surgido a partir da influência do compositor alemão Hans-
Joachim Koellreutter.

O Nacionalismo perderia sua posição de evidência na composição musical


brasileira quando surgisse em cena uma estética de vanguarda. E isso
aconteceria com a vinda de Koellreuter ao Brasil. O compositor alemão Hans-
Joachim Koellreutter (1915-2005) chegou ao Brasil em 1937. Ele é apontado como
o responsável pela divulgação de informações mais precisas sobre as novas
técnicas composicionais e por seu ensino no país. (SOARES, 2006, p.21)

Koellreuter passa a divulgar as novas tendências e a dar aulas e destas atividades


surge por sua iniciativa o grupo música viva. Estabelecido na cidade do Rio de Janeiro o
grupo era formado por compositores de destaque como: Cláudio Santoro, César Guerra
Peixe, Eunice Catunda, Esther Scliar, Edino Krieger, entre outros.

O grupo Música Viva visava divulgar as obras de jovens compositores e peças


inéditas da história da música, e ainda editavam uma publicação, a Revista Música
Viva, que foi mantida entre 1940 e 1941, divulgando ideias sobre problemas
técnicos e estéticos da música contemporânea. (SOARES, 2006, p.21)
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A partir de 1948 o grupo musica viva ira se desfazer muito em virtude de posições
ideológicas de seus membros, caso de Cláudio Santoro (1919-1989), compositor
amazonense que deixa o grupo segundo José Maria Neves devido a:

“ ...impossibilidade de fazer uma síntese válida entre as proposições do grupo e o


desejo de fazer obra imediatamente inteligível e útil para as massas, acaba por
aderir ao nacionalismo populista” (Neves. 1981,p.96.)

Outro movimento de destaque foi o chamado “música nova” formado pelos


compositores Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Rogério Duprat, Regis Duprat,
Damiano Cozzella e Olivier Toni. Este grupo que se formou em torno da Orquestra de
Câmara de São Paulo, regida por Olivier Toni. A orquestra se dedicava a um reportório
variado que incluía estreia de obras de música de vanguarda. O primeiro compositor a ter
uma obra estreada pela orquestra foi Rogério Duprat, em 1958, em seguida Gilberto
Mendes, em 1960, ambas as obras de cunho serial.
Sobre o grupo música Nona Gilberto Mendes comenta:

(...) fomos realmente os primeiros compositores brasileiros – o nosso Grupo


Música Nova – a fazer música aleatória, microtonal, música estruturada parâmetro
por parâmetro segundo os princípios do serialismo integral, não periódica, não
discursiva, música com a introdução do ruído no contexto sonoro (o ruído elevado
à categoria de som, de objeto musical, vale dizer, música concreta e/ou
eletrônica), com a utilização dos mixed media (como eram chamados então,
liquidificadores, aspiradores de pó, televisores etc.), do gesto e da ação musical
como teatro (a serem encarados e desenvolvidos como tal, como teatro musical),
de novos grafismos, abolindo a notação musical tradicional (falávamos em design
para nossas obras), música com a participação do ouvinte na sua execução, e
música “programada” em computador (ordenador eletrônico, ou cérebro eletrônico,
como era conhecido na época). Mudamos tudo, não tenho a menor dúvida.
Alguém tinha que fazer isso. Aconteceu que fomos nós, simplesmente.
(MENDES,1994, p. 80-81)

Como podemos perceber na fala de Gilberto Mendes o movimento Música nova se


caracterizou por um aprofundamento no que se refere a busca por novas formas de
expressão artística, incorporando vários elementos e técnicas compositivas, no âmbito
estético Neves aponta:

Pode-se dizer que o movimento Música Nova é, em certa medida, o continuador


de, pelo menos, um forte princípio estético herdado tanto do Modernismo, da
Semana de 22, de Mário de Andrade, quanto do Música Viva, de H. J. Koellreutter,
que foi o tema recorrente da ruptura com o passado, a busca da inovação, da
atualização técnica, de se integrar ao mundo. (Neves. 1981,p.38)

O Grupo Música Nova lança em março de 1963 um manifesto, e promove seis


meses mais tarde um debate sobre seu conteúdo. Este debate ocorreu nas dependências
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do teatro de Arena na cidade de São Paulo. O evento foi organizado pelos membros do
Música Nova que moravam em São Paulo, destes Rogério Duprat e Olivier Toni tiveram
destacada atuações no evento que contou também com o poeta de Décio Pignatari ligado
a poesia concreta.
Além destes dois movimentos no Brasil houveram também movimentos em outros
países latino-americanos como por exemplo no Uruguai o “Núcleo de Música de
Montevideo”. Este grupo teve uma atuação muito importante não só na divulgação da
música contemporânea Uruguaia, mas também na divulgação de obras de compositores
de diversos outros países Latino-americanos.
O grupo foi fundado na cidade de Montevideo em 1966 por Coriún Aharonián e
Conrado Silva, ambos alunos do compositor Uruguaio Héctor Tosar. O Núcleo promovia
nesta cidade uma série de recitais de música contemporânea.
Além dos grupos como “música viva”, “música nova” e “Núcleo de Música Nueva de
Montevideo” outros dois eventos foram de fundamental importância para os compositores
latino-americanos deste período. São estes o festival música nova e os o Curso Latino-
americano de Música Contemporânea. Estes festivais e cursos eram promovidos pelos
grupos música nova e Núcleo de Música Nueva de Montevideo.

O primeiro, por ordem de chegada, foi o Festival Música Nova, nascido em 1962
na cidade de Santos, e o segundo, o Curso Latinoamericano de Música
Contemporânea, realizado a partir de 1971 no Uruguai. Ambos – Festival e Curso
– tiveram um significativo relacionamento, promovendo um trânsito de seus
músicos, ora num ora noutro evento (Neves. 1981, p.12.)

Por iniciativa de Gilberto Mendes surge o Festival de Música nova a princípio


denominado “Semana da Música Contemporânea”. Com o objetivo de apresentar a
música composta pelo grupo música nova.

O Festival foi pioneiro ao realizar com regularidade uma mostra voltada à Música
Nova, fazendo estreias de obras-chave desse repertório, além de trazer nomes
dos cenários brasileiro e mundial, sendo por isso responsável por uma geração de
novos compositores influenciados pelos trabalhos apresentados. (Neves. 1981,
p.12.)

Também se deve destacar a importância que teve o Curso Latino-americano de


Música Contemporânea as atividades deste evento promovia discussões sobre a música
Latino –americana bem como realizavam diversas estreias.

Los Cursos Latiniamericanos de Música Comtemporánea (CLAMC), costituyen el


único evento anual em su género em toda América Latina. Estos cursos son
autofinanciados, autogestionados y tiene caráter intinerante. Ha tenido lugar em
10

Uruguay, Argentina, Venezuela, Brasil y República Domenicana. Eduardo


(caceres,1989, p47)

A origem dos Cursos Latinoamericanos de Música Contemporânea está


relacionada a atuação de um grupo de jovens compositores uruguaios ligados a Héctor
Tosar (1923-1999). Esse grupo deu origem ao Núcleo Música Nueva de Montevideo e
alguns de seus membros participariam da realização dos Cursos. Segundo Cáceres:

Sin duda alguna los impulsadores de esta magna iniciativa fueron el


compositor Coriún Aharonián (Uruguay) y la compositora Graciela
Paraskevaídis (Argentina-Uruguay). Tampoco puede desconocerse el
empuje prestado por los compositores Héctor Tosar, Miguel Marozzi, Maria
Teresa Sande, todos ellos uruguayos, por Emilio Mendoza (Venezuela), José
María Neves (Brasil) y Conrado Silva (Uruguay-Brasil). (Caceres,1989, p.46)

A primeira edição do Curso Latinoamericano de Música Contemporánea ocorreu


em Cerro del Toro, Uruguai em 1971, nesta oportunidade esteve presente Luigi Nono
compositor Italiano já bastante reconhecido tanto pela sua obra de vanguarda como por
seu ativismo político de esquerda, linha ideológica que permeava o evento. Depois de
vários anos de rica atividade O Curso Latinoamericano foi encerrado em 1989.

Nos 18 anos de duração dos encontros, participaram cerca de 70 compositores da


América Latina, África, Ásia Europa e Estados Unidos. Havia muita informação
técnica composicional e informação musical-histórica ou de atualidades, além de
questões estéticas, que envolviam muitas discussões acaloradas entre
compositores professores e alunos – uma dialética poucas vezes vista. (Neves.
1981, p.16.)

A Festival música nova, todavia, está em atividade e neste ano de 2019 chega a
sua 52° edição sendo realizado atualmente na cidade de Ribeirão Preto, tendo como
diretor o Maestro e professor da (USP) Rubens Russomanno Ricciardi.
Através dos textos acima citados podemos perceber o quanto foi relevante a
formação de grupos de compositores na América-latina estas agremiações propiciaram
então o desenvolvimento da música de vanguarda a época.
Os festivais por sua vez eram oportunidades valiosas onde o compositor podia
apresentar suas obras, bem como confraternizar com colegas de vários Países Latino-
americanos e também de outros continentes. Estes festivais eram espaços de debate e
reflexão acerca da condição do compositor latino-americano, bem como de produção
artística.
A partir deste breve histórico podemos, mesmo de uma forma ainda que bastante
sucinta ter uma ideia do que caracterizou o compositor deste período marcado por
inovações e rupturas denominada vanguarda histórica, bem como compreender quais
11

eram as características de suas obras. Também percebemos como a formação de


núcleos de compositores ajudaram a viabilizar e divulgar seus trabalhos. Percebe-se que
os festivais eram uma forma muito importante de confraternização, bem como um valioso
meio de intercâmbio de ideias e apresentação de obras. (SOARES, 2006, p.141) aponta
também que “foi marcante a questão da ausência de apoio financeiro oficial em ambos
eventos.
Se este foi o panorama que permeou a atividade do compositor latino-americano
durante o século XX qual será a realidade a que o compositor hoje está submetido? Se
outrora o compositor podia recorrer aos festivais, cursos ou mesmo a agremiações a
quem hoje pode se apoiar?
Como os compositores na atualidade lidam com os novos desafios, entre estes
podemos destacar a necessidade de uma formação mais abrangente que comtemple as
inovações e estéticas desenvolvidas em períodos anteriores. Se outrora estas estéticas e
técnicas correspondiam a uma determinada “escola” hoje se tornaram ferramentas
compositivas. A respeito disso SEKEFF comenta:

Com base nisso é que se pode conceber que pós a virada dos anos de 1960, com
a americanização (minimalismo), as décadas de 1970 e 1980 marcam-se por um
ecletismo em que “tudo é permitido”; a música volta-se para o seu próprio discurso
e “explora o tonal, politonal, atonal, serial, aleatório, eletroacústico, estocástico,
algorítmico [...] experiências com o silêncio, minimalismo, a tecnociência [...]”
(SEKEFF, 2009, p. 80, 81).

Outro ponto diz respeito a discussão erudito/popular, como lidar com esta questão
tão presente na América-Latina. E ainda neste âmbito como entender o conceito “Música
de invenção” criado pelo poeta e crítico Augusto de Campos?

Já é tempo de dar um tempo aos colchões sonoros da música palatável e


aprender a ouvir aquela outra música, a música-pensamento dos grandes mestres
e inventores, que impõe uma outra escuta, onde a reflexão, a concentração, a
sensibilidade e a inteligência são ativadas ao extremo. Curtir as excelências da
nossa música popular, cuja sofisticação e qualidade são inegáveis, é altamente
positivo. Saber ler os traços da originalidade e da criatividade dos seus autores -
inventores, também, no seu âmbito repertorial - é indispensável. Nada, porém,
pode substituir a exemplaridade da aventura ética e estética dos grandes
inventores da música contemporânea, os santos e os mártires da nova linguagem,
aqueles que enfrentaram preconceitos e perseguições e, às vezes, até a pobreza
material e a humilhação para alargar o horizonte de nossa sensibilidade e levar a
indagação musical aos seus últimos limites. (Campos,1998, p. 10)

Para responder estas questões nos parece interessante a pesquisa a ser realizada
tendo como estudo de caso o compositor Argentino Gabriel Valverde que possui um
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repertório bastante considerável. E ainda desenvolve sua carreira estreando obras e


atuando como professor.

A princípio iremos estudar a trajetória deste compositor recorrendo a documentos


biográficos e também a entrevistas semi-estruturadas2 nas quais buscaremos abordar três
pontos principais. Primeiramente sobre sua formação enquanto compositor, ou seja, a
formação de seu capital cultural segundo Bourdieu em seguida sobre como define e
caracteriza sua estética e por fim quais foram as estratégias para construção de sua
carreira.
Após esta etapa iremos selecionar uma obra deste compositor buscando por
aquela que possa melhor representar sua estética em seguida analisaremos esta obra a
fim de compreender sua estética e quais técnicas compositivas foram empregadas em
sua concepção buscando por traços de personalidade característicos seu autor. Para
tanto lançaremos mão da obra de David Cope (Techniques of the Contemporary
Composer) para compreender quais são as técnicas compositivas contidas na obra em
seguida iremos empregar conceitos desenvolvidos por Lilia Sofia Veri em sua obra (Forma
y textura en la producción musical latinoamericana del siglo xx) obra na qual a autora
apresenta uma forma de análise quanto ao conteúdo das obras.

Por fim buscaremos através da análise destes dados levantados tendo em vista o
recorte proposto, ofertar informações que possam ser relevantes a futuros compositores
Latino-americanos no que diz respeito a estratégias na condução de suas carreiras
artísticas. E por fim temos a esperança que esta pesquisa possa contribuir também para
que se possa compreender um pouco melhor o campo a que o compositor Latino-
americano está inserido na atualidade.

2
Thiollent distingue vários tipos de entrevista: "a) a entrevista dirigida ou padronizada, que consiste na aplicação de um
questionário predeterminado com uma maioria de perguntas fechadas e sem nenhum papel ativo do entrevistador; b) a
entrevista semiestruturada, aplicada a partir de um pequeno número de perguntas abertas; c) a entrevista centrada
(focused interview) na qual, dentro de hipóteses e de certos temas, o entrevistador deixa o entrevistado descrever
livremente a sua experiência pessoal a respeito do assunto investigado; d) a entrevista não diretiva, ou entrevista
aprofundada, na qual a conversação é iniciada a partir de um tema geral sem estruturação do problema por parte do
investigador; e) a entrevista clínica, eventualmente conduzida de maneira não diretiva cuja especificidade está na sua
orientação em função do objetivo da interpretação sociopsicológica da situação ou da personalidade dos sujeitos através
de suas verbalizações" (Thiollent,1980: 35)
13

5. CRONOGRAMA

Itens Semestres
1 2 3 4
Semestre Semestre Semestre Semestre

Levantamento de X X
bibliográfica/fichamento
Cumprimento de créditos X X X X
(disciplinas)
Fundamentação teórica e X
discussão sobre conceitos:
Campo, Capital, Habitus.
Levantamento biográfico dos 3 X
compositores e entrevistas.
Transcrição e análise das X
entrevistas
Seleção e análise de obras X
(composições)
Análise e discussão dos dados X
Exame de qualificação X
Revisão e ajustes X
Redação da monografia X X
Defesa da dissertação X X

Referências bibliográficas.

ASUAR, José Vicente. “Cursos Latino-americanos de Música Contemporânea en


Uruguay” Revista musical chilena XXVII, No.123-124. Santiago de Chile. Universidade
de Chile, julio /diciembre, 1973.

BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo


científico. São Paulo: Ed. dá UNESP, 2004.

__________________ (1983) Sociologia. (Organizado por Renato Ortiz). São Paulo:


Ática.

__________________What makes a social class. On the theoretical and practical


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