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TÍTULO DA PUBLICAÇÃO
Direito na Lusofonia. Direito e novas tecnologias.
COORDENADORES
Clara Calheiros
Mário Ferreira Monte
Maria Assunção Pereira
Anabela Gonçalves
REVISÃO
Mestre Diana Coutinho
DATA DE PUBLICAÇÃO
Março de 2018
EDIÇÃO
Escola de Direito da Universidade do Minho
Centro de Investigação em Justiça e Governação (Jusgov)
EXECUÇÃO GRÁFICA
Graficamares
EXEMPLARES
100 exemplares
DEPÓSITO LEGAL
438761/18
ISBN
978-989-99766-5-8
ii
iii
iv
vi
vii
A Comissão Organizadora
viii
1
PELTZ-STEELE, Richard J. The pond betwixt: differences in the US-EU data protection/safe har-
bor negotiation. “Journal of Internet law”. Vol.19, n.º1, Jul.2015.
2
LAÉ, Jean-François. L’intimité: une histoire longue de la propriété de soi. “Sociologie et sociétés”.
Vol.35, n°2, 2003. p.139-147.
3
WARREN, Samuel D., BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. “Harvard Law Review”. Vol.4,
n.º5, Dez.1890.
4
DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
5
Idem
6
PELTZ-STEELE, Richard J. The pond betwixt: differences in the US-EU data protection/safe harbor
negotiation. op.cit. Enquanto a legislação da União Europeia apresenta caráter eminentemente
abrangente, a estadunidense pode ser considerada setorial. Os E.U.A. partem de um modelo liber-
tário de governo, no qual os direitos fundamentais derivam de uma Constituição relativamente
estática – assim, tais direitos tutelados podem ser adaptados pela interpretação jurisprudencial
ou emendas, enquanto o papel exercido pelo governo deve corresponder ao ideal de Estado mí-
nimo, culminando em uma legislação de caráter eminentemente negativo, garantindo a proteção
das liberdades econômicas e sociais relativamente a possíveis interferências. O resultado é uma
abordagem legislativa da proteção de dados de caráter setorial, ou ad hoc. Tal sistema possui fun-
damentação constitucional limitada, especificamente quanto às entidades reguladoras no setor
privado, do qual deriva principalmente sua autoridade a partir de regulamentações e estatutos,
sendo possível sua complementação por meio da evolução da common law. Os temas priorizados,
portanto, não são aqueles ligados aos Direitos Humanos, como no contexto da U.E., mas questões
relativas à propriedade e contratos.
ficada pelo Patriot Act, sancionado pelo então presidente George W. Bush em
outubro de 20017.
Diante disto, a questão é: tais Termos e Políticas de Privacidade, corro-
borados pelo Patriot Act, aplicam-se mesmo em relação a cidadãos da União
Europeia, quando transferindo dados a empresas estadunidenses8?
De fato, a União Europeia, possui entendimento diverso – e não apenas
isso: possui legislação específica visando a proteção dos dados pessoais e privaci-
dade dos seus cidadãos, adotando o papel de reguladora tradicional9.
Sob o ponto de vista da União, cabe a cada Estado proteger e resguardar
os direitos fundamentais de seus cidadãos, sob uma perspectiva menos indivi-
dualista. Já na década de 1990 esboçavam-se discussões entre Estados Unidos e
União Europeia sobre o tema, quando surgiram as “data protection authorities”
em determinados países europeus.
O posicionamento da União Europeia já vinha sendo delineado desde as
Diretivas de 1995 e 199710, quando foi proibida a transferência de dados àqueles
7 ESTADOS UNIDOS. Decreto presidencial “USA PATRIOT Act – Uniting and Strenghtening
America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of
2001”. 2001. Disponível em: <https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/PLAW-107publ56/pdf/PLAW-
-107publ56.pdf> Acesso: 15/02/2018
8
JAYME, Erik. O direito internacional privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana face
à globalização. “Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul – PPGDir/UFRGS”. Vol.1, nº.1, mar. 2003. Diante do desenvolvimento das
tecnologias que conferiram aos indivíduos acesso a computadores pessoais e conexão à internet a
partir de suas casas, estabeleceram-se crescentemente relações entre pessoas, físicas ou jurídicas,
localizadas em diferentes Estados, e submetidas a sistemas jurídicos autônomos e distintos.
9
PELTZ-STEELE, Richard J. The pond betwixt: differences in the US-EU data protection/safe harbor
negotiation. op.cit. A União Europeia parte da adoção de formas de governo social democráticas,
nas quais há constante e dinâmico desenvolvimento de direitos fundamentais, e o governo é do-
tado de papel ativo nesse processo de evolução, na condição de agente cujo dever é concretizá-lo
por meio de leis e medidas de apoio. As políticas públicas são, assim, alvo da elaboração de leis,
que atuam de forma distributiva, alocativa ou de provimento de recursos sociais, em consonância
com as normas e valores democráticos. A ideia geral é de que os indivíduos possuem deveres uns
para com os outros, dentro de um sistema de responsabilidade social interdependente. Os valores
constitucionais considerados superiores são nomeadamente aqueles ligados à liberdade, à igual-
dade e ao pluralismo. Como resultado, há uma abordagem abrangente da privacidade, em um
sistema cuja autoridade deriva inicialmente dos valores e direitos fundamentais, da forma como
são articulados em instrumentos internacionais de Direitos Humanos e em documentos consti-
tutivos. À lei superior é dada eficácia por legislações nacionais ou supranacionais, bem como por
regulamentações administrativas, e sua aplicação ocorre em todos os níveis mencionados.
10
UNIÃO EUROPEIA. Diretiva. “Diretiva 95/46/EC do Parlamento Europeu e Conselho relativa
à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre
circulação desses dados.” 24/out/1995.
UNIÃO EUROPEIA. Diretiva. “Diretiva 97/66/EC do Parlamento Europeu e Conselho relativa
ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das telecomunicações.”
15/dez/1997.
11
SOULIER, Jean-Luc, SLEE, Sandra. La protection des données à caractère personnel et de la vie pri-
vée dans le secteur des communications électroniques. Perspective française. “Revue internationale
de droit comparé”. Vol.54, n°2, Abr-jun. 2002. p. 665. Conforme os autores, a Diretiva de 1995
utiliza o termo “donnée à caractere personnel” para designar todo tipo de informação concer-
nente a uma pessoa física identificada ou identificável, denominada “personne concernée”. Como
exemplo de dados protegidos são citadas informações coletadas por empresas, relativas a clientes,
fornecedores, correspondentes e assalariados.
12
MOURA RAMOS, Rui Manuel Gens de. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e
a Protecção dos Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2000.
13
SOLOVE, Daniel J. Access and aggregation: public records, privacy and the Constitution. (Mod-
ern Studies in Privacy Law). “Minnesota law review”. Vol.86, n.º 6, Jun.2002. pp. 1137-1218. A
abordagem contratualista do direito à privacidade da informação estadunidense fez com que a
Suprema Corte por vezes se tenha deparado com o chamado “secrecy paradigm” (“paradigma do
sigilo”), tendo o Judiciário refutado o reconhecimento da existência de um direito constitucional
à privacidade de informação em relação a dados que tenham sido anteriormente divulgados ou
que constem em registros públicos.
14
ESTADOS UNIDOS. U.S.-EU Safe Harbor Framework Documents. Disponível em: <https://
www.export.gov/safeharbor/eu/eg_main_018493.asp> Acesso: 15/10/2016
15
ROBERTO, Wilson Furtado. Dano transnacional e internet: direito aplicável e competência inter-
nacional. Curitiba: Juruá, 2010. p. 26. As questões envolvendo meio digital e direito mostram-se
especialmente desafiadoras – sendo relevante o fato de o Facebook, diferentemente da maioria das
companhias estadunidenses, possuir sede na U.E. Nesse sentido: “Os princípios tradicionais do
Direito internacional privado se relacionam com atividades que tenham uma localização física, e
não, virtual (...). Vale salientar que, na internet, tudo o que se refira a lugar, território ou cadeira
estará perdendo sentido, pois a eletrônica acelera a desterritorialização do Direito.”
16
MACHADO, J. Baptista. Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis. Coimbra: Al-
medina, 1998. p. 51. As situações envolvendo internet e Direito Internacional Privado oferecem
desafios principalmente devido à dificuldade de delimitação do possível âmbito de eficácia da
lei. Neste ponto, válido citar o entendimento de Baptista Machado ao formular regras positivas
de Direito Internacional Privado, afirmando que, para o DIP: “qualquer lei é aplicável a todos
e quaisquer factos que apenas estejam em contacto com essa lei (casos meramente internos)” e
“qualquer lei é aplicável a todos e quaisquer factos que apresentem em relação a ela uma qualquer
conexão ou contacto” – tratando, em seguida, dos principais elementos de conexão.
17
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. “Press Release No. 117/15. Luxembourg,
6 October 2015. Judgment in Case C-362/14, Maximillian Schrems v. Data Protection Com-
missioner. The Court of Justice declares that the Comission’s US Safe Harbour Decision in in-
valid.” Disponível em: < https://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2015-10/
cp150117en.pdf> Acesso: 10/02/2018.
18
UNIÃO EUROPEIA. EU-U.S. Privacy Shield factsheet. Disponível em: <https://ec.europa.eu/
info/law/law-topic/data-protection/data-transfers-outside-eu/eu-us-privacy-shield_en#eu-us-
-privacy-shield> Acesso: 10/02/2016.
19
REGULAMENTO (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à prote-
ção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre cir-
culação desses dados e que revoga a Diretiva 95/45/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção
de Dados). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=uriserv:O-
J.L_.2016.119.01.0001.01.ENG&toc=OJ:L:2016:119:TOC> Acesso: 06/02/2018.
pelo controle da proteção dos dados dos seus cidadãos, bem como previsão de
sanções no caso de infrações ao novo Regulamento20.
As diferenças culturais não existem apenas entre Estados Unidos e União
Europeia, mas também entre os próprios Estados-membros desta. Assim, os be-
nefícios das políticas de harmonização legislativa no âmbito da União Europeia
mostram-se favoráveis em ambos os casos, ao atenuar diferenças de regulamen-
tação entre os países que a compõem21. Não obstante a maior rigidez do RGPD,
a harmonização da legislação no interior da União Europeia apresenta inques-
tionáveis benefícios22.
Assim, espera-se que o acordo firmado com os Estados Unidos em 2016
seja capaz de conciliar o conceito de disponibilidade dos dados pessoais, com a
visão de que a privacidade e a proteção de dados são Direitos Humanos inerentes
ao indivíduo, os quais merecem ser resguardados, não podendo ser total e inde-
finidamente cedidos pela via contratual.
Os acordos prestam-se, portanto, à tentativa de coexistência de tais visões
na condição de referências para o restante do mundo, diante do reconhecimento
de que a troca de dados no ambiente digital é um fenômeno atual e constante,
sendo inevitável buscar a harmonização entre perspectivas díspares.
Finalmente, pode-se responder à problemática proposta de forma que,
sob a perspectiva da União Europeia, a privacidade e a proteção de dados po-
dem – e devem – ser entendidas como direitos fundamentais, havendo que se
considerar sua indisponibilidade e dever de tutela pelo Estado, diferentemente
da contraposta ótica, representada principalmente pelos Estados Unidos.
É possível, contudo, a conciliação de tais visões na prática – conforme
comprovado pelo acordo recentemente firmado. Seja sob o ponto de vista da
regulação contraposta à autorregulação, seja analisando a disponibilidade ou in-
disponibilidade do direito em questão, há de se considerar o Privacy Shield como
iniciativa válida de ambas as partes para coexistir no ambiente digital, muito
embora sempre haja espaço para melhorias e aperfeiçoamentos.
20
Tais sanções variam, nos termos do RGPD, de advertências a multas de até €20 milhões, ou 40%
do faturamento global anual da empresa.
21
DREXL, Josef. Le commerce éléctronique et la protection des consommateurs. “Revue internatio-
nale de droit économique”. Vol. t.xvi, n.º2, 2002. pp. 405-444.
22
Estima-se que o custo de manter e informar 28 autoridades distintas de proteção de dados sob o
sistema atual na União Europeia é de 130 milhões de euros – em contraste com o esperado bene-
fício econômico de 2.3 bilhões de euros, quando adotada uma única lei em maio deste ano.
1. Introdução
O surgimento da Sociedade Digital pode ser entendido como o terceiro
grande ciclo de mudança social na história da humanidade, somente comparado
aos impactos sociais da descoberta do fogo e à Revolução Industrial no século
XVIII.
Assim, muito embora o Direito à Privacidade tenha como marco na legis-
lação moderna a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, novos desafios são
apontados ao instituto do direito fundamental e à privacidade na nova sociedade
da era digital.
A partir da década de noventa, desponta a problemática da relação en-
tre o Direito e as novas tecnologias, a partir da qual se sobressaem dois aspectos:
O primeiro se refere à capacidade de regular o uso dessas tecnologias; o segundo
diz respeito às novas relações advindas desta sociedade digital e seus impactos,
especialmente na privacidade, cujo tema é objeto do presente trabalho.
Conforme preleciona Don Tapscot1: “A Sociedade Digital é fruto da união
1
TAPSCOT, Don. Grown up digital: how the net generation is changing your world. McGraw-Hill.
New York: s.n. p. 40.
2. Aspetos Relevantes
Alguns aspectos requerem nossa atenção para que seja possível com-
preender e caminhar para o entendimento de soluções viáveis diante dos desa-
fios advindos da tecnologia, os quais colocam em cheque o tradicionalismo do
Direito na proteção do indivíduo moderno, perante os avanços galopantes da
tecnologia.
O que emerge do avanço tecnológico são duas civilizações. De um lado
temos a física, que evolui há milhares de anos, do outro, a virtual, denominada
Sociedade Digital, cujo desenvolvimento ocorre em ritmo galopante. Sua coexis-
tência sustentável requer o equilíbrio de uma restringir os aspectos negativos da
outra, sem, contudo, reprimir seu desenvolvimento.
Em 2013 Eric Schmidt e Jared Cohen2 ambos na época, executivos da
gigante Google, citam em sua magnífica obra a Nova Era Digital, a frase de Ray
Kurzweil, o descrevendo como futurista, que em 1999 em seu livro A Era das
Máquinas Espirituais assim escreveu: “A tecnologia, é a continuação da evolução
por outros meios e é, em si, um processo evolutivo.”
Estamos presenciando o boom da conectividade no mundo, isso após
aproximadamente três décadas do nascimento da internet como a conhecemos
hoje. Se comparada a evolução da humanidade até então, é inegável o exponen-
cial crescimento do universo virtual.
De outro lado temos a Privacidade, relacionada à preservação da dig-
nidade humana, cuja preocupação faz parte da história da humanidade, tendo
nos seus primórdios se apresentado em um contexto religioso, assim como nos
ensina a Bíblia, quando os primeiros seres humanos ficaram envergonhados ao
se verem nus diante de Deus e imediatamente se esconderam buscando priva-
cidade.
2
SCHIMIDT, Eric/COHEN, Jared. A nova era digital. Rio de Janeiro: Intrinseca, 2013.
10
3
GONZALES, Douglas Camarinha. O Direito à privacidade e à comunicação eletrônica. “Revista
de Doutrina da 4ª Região”. [Em linha] Disponível em: www.revistadoutrina.trf4.gov.br. [Consult.
20 fev. 2018.]
4
BANDIES, Louis; WARREN, Samuel. The right to privacy. Harvard Law Review, Vol. IV,
n.º 5,1890.
5
(States, 1928), 277 U.S. 438, 478 (1928).
6
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos – A honra, a intimidade e a vida privada e a
imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre. Ed. Atual, 2000.
11
7
PLANALTO. Constituição Federal do Brasil. Em linha]. Disponível em: <www.planalto.gov.br.>
[Consult. 26 fev. 2018.]
8
PLANALTO. Lei nº 12.965 de 2014. [Em linha] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br.>
[Consult. 20 fev. 2018.]
12
4. Considerações finais
Estamos apenas começando a testemunhar os impactos da sociedade di-
gital conectada sobre a civilização, e nunca antes estivemos tão vulneráveis em
nossa privacidade.
Como lidaremos com a nova realidade de existir em duas civilizações e
como vamos utilizar o melhor e o pior de cada uma delas pelas próximas déca-
das, possui dependência direta com as ações tomadas agora, no presente, por
cada nação, instituição e indivíduo.
O Direito à Privacidade, reconhecido como um direito chave que sus-
tenta a dignidade humana e que assegura o espaço individual privado, tem sua
proteção jurídica desafiada rotineiramente pela tecnologia.
O que observamos rotineiramente pelo Brasil e pelo mundo é o uso quase
que indiscriminado da tecnologia. Apesar dos diversos ordenamentos jurídicos
pelo globo promulgarem legislação para proteção da privacidade, o que presen-
ciamos são práticas abusivas, além de frequentes violações à privacidade através
de vazamentos de informações pessoais por falta de cuidado técnico no arma-
zenamento.
13
A Internet das Coisas (IoT) talvez seja o exemplo mais atual da vulnera-
bilidade da privacidade da sociedade digital conectada. Agora temos máquinas
que “sabem” o que queremos e tomam a ação por nós. Fazer compras, lavar rou-
pa, ligar a TV, abrir portas, tudo isso pode ser feito com um simples comando de
voz. Nessas tecnologias disponibilizadas para maior qualidade de vida, a questão
da segurança tecnológica para proteção do Direito à Privacidade é, por vezes,
negligenciada.
Para o Direito Digital, o mais importante pilar que sustenta esta nova so-
ciedade digital é a educação. Diante da assertiva, é reconhecida como boa prática
e necessidade premente a conscientização dos riscos e as oportunidades da vida
digital desde a alfabetização: Educação digital deve fazendo parte do currículo
de aprendizado básico.
As ideias propostas no presente estudo pretendem contribuir para o de-
bate sobre esse tema tão relevante e atual, chamando a atenção para a necessi-
dade de maior investimento nos mecanismos de proteção tecnológicos aliados
à legislação calcada em bases sólidas de conhecimentos tecnológicos, além da
educação digital, como fator primordial para uma sociedade digital sustentável.
5. Referências bibliográficas
GONZALES, Douglas Camarinha. O Direito à privacidade e à comunicação eletrônica.
“Revista de Doutrina da 4ª Região”. [Em linha] Disponível em: <www.revistadou-
trina.trf4.gov.br.> [Consult. 20 fev. 2018.].
PEREIRA, Edilsom. Colisão de direitos - A honra, a intimidade e a vida privada e a ima-
gem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Ed. Atual, 2000.
PLANALTO. Decreto nº 8.771 de 2016. [Em linha]. Disponível em: <www.planalto.gov.
br.> [Consult. 26 fev. 2018.]
_______Marco Civil da Internet. Planalto, 23 abr. 2014. [Em linha] Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br.> [Consult. 20 fev. 2018.]
_______Constituição Federal do Brasil. Planalto, 1988. [Em linha]. Disponível em: <www.
planalto.gov.br.> [Consult. 26 fev. 2018.]
SCHIMIDT, Eric/COHEN, Jared. A nova era digital. Rio de Janeiro: Intrinseca, 2013.
TAPSCOT, Don. Grown up digital: how the net generation is changing your world.
McGraw-Hill. New York : s.n. p. 40.
WARREN, Samuel D./BANDIES, Louis D. The right to privacy. Harvard Law Review.
Vol. IV, n.º5, 1890.
14
1. O caso Bolagsupplysningen
O caso Bolagsupplysningen OÜ, Ingrid Ilsjan contra Svensk Handel AB,
decidido pelo TJUE, vem trazer novamente à discussão o conceito de lugar da
ocorrência do facto danoso na violação transfronteiriça de direitos de personali-
dade, naquelas situações em que o delito ocorre online1.
O litígio opôs a sociedade de direito estónio Bolagsupplysningen e a sua
funcionária Ilsjan, a uma associação comercial de direito sueco Svensk Handel,
nos tribunais estónios. A Svensk Handel tinha uma página de internet, onde co-
locou a Bolagsupplysningen numa lista negra alegando que esta cometia fraudes
e burlas. No fórum de discussão, presente na referida página, existiam cerca de
1 000 comentários, alguns dos quais incitavam ao uso da violência contra a Bola-
gsupplysningen e os seus empregados, entre os quais constava Ilsjan. Apesar dos
pedidos feitos à Svensk Handel, esta recusou retirar a menção à Bolagsupplysnin-
gen na referida lista negra e apagar os comentários, o que provocou a paralisação
da actividade da Bolagsupplysningen na Suécia e resultou em prejuízos para esta
15
2
Idem, ibidem, § 11.
3
Para uma visão mais pormenorizada deste Regulamento, v. GONÇALVES, Anabela Susana de
Sousa, “A revisão do Regulamento Bruxelas I relativo à competência judiciária, ao reconheci-
mento e à execução de decisões em matéria civil e comercial” in Estudos em Comemoração dos 20
Anos da Escola de Direito da Universidade do Minho, Coord. M.F. Monte, J.F. Rocha, J.A. Silva, E.
Fernandez, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 39-59.
16
4
Sobre a justificação das competências alternativas do art. 7º, v. com mais pormenor GAUDEME-
T-TALLON, Hélène, Compétence et exécition des judgments en Europe, Matières civile et commer-
ciale, 5ª Ed., LGDJ, Issy-les-Molineaux, 2015, pp. 195-196 ; MANKOWSKI, Peter, “Article 7”, in
ECPIL, European Commentarries on Private International Law, Brussels I bis Regulation, Ed. Ulricj
Magnus, Peter Mankowski, Sellier european law publishers, Ottoschmidt, 2016, pp. 143-145
5
Sobre a interpretação autónoma das noções que constam no Regulamento Bruxelas I bis, tendo em
conta o sistema e os objetivos do mesmo, assim como a interpretação articulada dos instrumentos
jurídicos no âmbito da cooperação judiciária me matéria civil, v. GONÇALVES, Anabela Susana
de Sousa, “Cooperação judiciária em matéria civil e Direito Internacional Privado”, in Direito da
União Europeia, Coord. Alessandra Silveira et al., Coimbra, Almedina, 2016, pp. 330-391.
6
V., por exemplo, neste sentido acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e o., C‑509/09
e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.o 38; TJUE, Bolagsupplysningen OÜ, Ingrid Ilsjan, Cit., § 25.
7
V. neste sentido, v.g., Handelskwekerij G. J. Bier B.V. c. Mines de Potasse d’Alsace S.A., 21/76, CJ
1976, p. 1735. Segundo o TJCE, a jurisprudência do Tribunal sobre as disposições da Convenção
de Bruxelas deve aplicar-se às regras equivalentes do Regulamento Bruxelas I: v., por exemplo,
Zuid-Chemie BV v. Philippo´s Moneralenfabriek NV/SA, C-189/08, ECR 2009, p. I-06917; Ve-
rein für Konsumenteninformation c. Karl Heinz Henkel, C-167/00, CJ 2002, p. I-08111; Rudolf
Kronhofer c. Marianne Maier and Others, C-168/02, ECR 2004, p. I-06009.
17
lugar da ocorrência do dano, o TJUE decidiu que o dano pertinente para a apli-
cação do art. 7º, n.º 2 seria apenas o lugar da ocorrência do dano direto, tradu-
zindo-se este no lugar onde os resultados diretos da ação ou omissão ilícita se
verificaram8.
Esta interpretação do TJUE aumentou o número de foros ao dispor do
autor da acção que, além da regra geral do tribunal do domicílio do réu, poderia
recorrer ao tribunal do lugar do evento e ao tribunal do lugar do dano. Todavia,
a amplitude da jurisdição de cada um destes tribunais é diferente, pois o tribu-
nal do lugar do dano apenas teria competência para decidir sobre os danos que
ocorreram no seu território. Já o tribunal do lugar do evento causal teria uma
jurisdição mais alargada, podendo apreciar todas as consequências decorrentes
daquele comportamento ilícito9.
4. Os delitos online
A ocorrência de delitos online obrigou o TJUE a novo esforço interpre-
tativo, agora tendo em atenção as características específicas da Internet, que se
assume como um meio de divulgação de informação rápido, difuso e de acesso
global. Ou seja, a informação que é colocada online pode ser acedida em qual-
quer país e os delitos que ocorrem na Internet podem ter um alcance mundial e
provocar danos com maior extensão geográfica e repercussão na esfera jurídica
da vítima, sobretudo pela deslocalização geográfica dos utilizadores.
Estas características da Internet, levaram o TJUE a adoptar, especialmen-
te na interpretação do lugar da ocorrência do dano quanto a delitos online uma
delict oriented approach, ou seja, uma interpretação que varia em função do deli-
to em causa, tendo em conta a natureza do direito violado, o âmbito de protecção
geográfica desse direito e a análise da extensão do dano. A ideia de partida da
delict oriented approach é a de que a ocorrência do dano em determinado local
depende da condição de o direito em questão ser protegido no território desse
Estado. Logo, a delict oriented approach tem em consideração a área de proteção
8
V., entre outros, Zuid-Chemie, Cit.; Rudolf Kronhofer, Cit.; Dumez France SA and Tracoba SARL
c. Hessische Landesbank and others, C-220/88, ECR 1990, p. I-00049; eDate Advertising GmbH
c. X (C-509/09) e Olivier Martinez and Robert Martinez c. MGN Limited (C-161/10), C-509/09 e
C-161/10, CJ 2011, p. I-10269, §41.
9
Sobre esta norma, v. AAVV, Brussels I Regulation, Coord. U. Magnus, P. Mankowski, 2ª Ed., Mu-
nich, Sellier European Law Publishers, 2012, pp. 229-262; AAVV, Derecho Internacional Privado,
Vol. II, Coord. A.L. Calvo Caravaca, J. Carrascosa González, 14ª Ed., Granada, Comares, 2013, pp.
1062-1080; VIRGÓS SORIANO, M., GARCIMARTÍN ALFÉREZ, F., Derecho Procesal Civil In-
ternacional, Litigación Internacional, 2.ª Ed., Pamplona, Thomson Civitas, 2007, pp. 186-200; SA-
LERNO, F., Guirisdizione ed Efficacia delle Decisioni Straniere nel Regolamento (CE) N. 44/2001
(La revisione della Convenzione di Bruxelles del 1980, 3.ª Ed., Padova, Cedam, 2006, pp. 150-166.
18
10
V. com mais pormenor sobre a delict oriented approach, GONÇALVES, Anabela Susana de Sousa,
The application of the Brussels I Recast Regulation to wrongful activities online and the delict orient-
ed approach, “European Journal of Law and Technology”, em publicação.
11
Wintersteiger AG c. Producuts 4USondermaschinenbau GmbH, C-523/10, CJ 2012.
12
Peter Pinckney v. KDG Mediatech AG, Processo C-170/12, 2013.
13
Pez Hejduk c. EnergieAgentur.NTW GmbH, Processo C-441/13, de 22.01.2015.
14
Concurrence SARL contra Samsung Electronics France SAS, Amazon Services Europe Sàrl, Proces-
so C618/15, 21.12.2016.
15
TJUE, Fiona Shevill, Ixora Trading INC., Chequepoint SARL e Chequepoint International LTD
contra Presse Alliance SA., C-68/93, 07.05.1995, § 24.
19
16
Idem, ibidem, § 29.
17
Idem, ibidem, § 30 e 33.
18
Sobre os danos dispersos e a mosaic approach, v. GONÇALVES, Anabela Susana de Sousa, The
application of the general rule of the Rome II Regulation on the internet torts, “Masaryk University
Journal of Law and Technology”, Vol. 8, Number 1, 2014, pp. 64-66.
19
eDate Advertising GmbH c. X (C-509/09) e Olivier Martinez and Robert Martinez c. MGN Limited
(C-161/10), C-509/09 e C-161/10, CJ 2011, p. I-10269, §41.
20
Note-se que estamos a utilizar a expressão lesado enquanto vítima directa do dano. Para mais
desenvolvimentos, v. GONÇALVES, Anabela Susana de Sousa, Da Responsabilidade Extracon-
tratual em Direito Internacional Privado, A Mudança de Paradigma, Cimbra, Almedina, 2013, p.
406 e pp. 374-380.
21
eDate Advertising GmbH, Cit, § 42.
20
22
Idem, ibidem, § 46.
23
Idem, ibidem, § 48.
24
Idem, ibidem, § 49.
25
Idem, ibidem, § 49.
26
Idem, ibidem, § 48.
27
TJUE, Bolagsupplysningen OÜ, Ingrid Ilsjan, Cit., §37.
28
Idem, ibidem, §38.
29
Idem, ibidem, §35.
21
30
Idem, ibidem, §35.
31
Idem, ibidem, §41.
32
Idem, ibidem, §42.
22
33
Idem, ibidem, §42.
34
Idem, ibidem, §49.
23
com a regra geral do art. 4º) e, no âmbito do art. 7º, n.º 2, os tribunais no lugar
do evento causal (que seria lugar de estabelecimento do editor da publicação em
causa) e os tribunais do lugar do centro de interesses do lesado.
Esta é a interpretação mais consentânea com a natureza do delito, a ex-
tensão geográfica e gravidade dos danos sofridos (tendo em conta a potencial
difusão mundial dos conteúdos colocados online), com os objectivos do art. 7º,
n.º 2, e a única que garante a apreciação coesa do dano e das consequências do
comportamento ilícito.
6. Conclusões
O caso Bolagsupplysningen completa a jurisprudência do TJUE em re-
lação à determinação do lugar da ocorrência do delito quando estes ocorrem
online. Além de reiterar o afirmado no caso eDate em relação ao lugar do centro
de interesses da vítima face às pessoas singulares, esclarece a aplicação deste con-
ceito em relação às pessoas colectivas. Todavia, esta posição do TJUE é mais do
que um simples um simples esclarecimento, já que o tribunal assume claramente
que o centro de interesses do lesado, critério de atribuição de jurisdição utilizado
nos delitos online, é o lugar da materialização do dano à reputação do lesado. Ou
seja, é o tribunal do lugar da ocorrência do dano à reputação nos delitos online e
aquele, pela natureza ubíqua da Internet e pela deslocalização dos seus utilizado-
res que permite difusão mundial de um conteúdo aí colocado, poderá apreciar a
totalidade dos danos suportados pelo lesado.
Simultaneamente, o facto de se ter vedado a competência neste tipo de
delitos aos tribunais de cada um dos Estados-Membros em cujo território a in-
formação é ou foi acessível, eliminando-se a mosaic approach, parece-nos mais
consentâneo com a natureza dos delitos em causa e as características da Internet
enquanto meio de difusão universal. Assim, parece-nos que o centro de inte-
resses do lesado é finalmente assumido pelo TJUE como o lugar do dano na
violação online de direitos de personalidade, ou pelo menos, do dano ao direito
à reputação enquanto direito de personalidade, tendo o tribunal do centro de
interesses do lesado jurisdição para apreciar a totalidade dos danos produzidos.
Além do que referimos supra, esta posição do TJUE é um exemplo de como os
critérios de atribuição de jurisdição tradicionais de natureza localizadora podem
e devem ser adaptados ao meio de difusão universal que é a Internet e aos com-
portamentos que aí ocorrem. Ficamos na expectativa, pelos argumentos referi-
dos, que esta jurisprudência do TJUE se mantenha em futuras decisões.
24
25
26
27
28
2.1. O primeiro deles prende-se com a proteção que é conferida aos da-
dos a que as Autoridades têm acesso. Como vimos, os programas informáticos
podem revelar uma quantidade considerável de informação sobre os operadores
económicos e sobre a atividade por eles desenvolvida, a qual poderá ter, inclusi-
vamente, natureza confidencial.
A este respeito, determina o artigo 12.º do CAU que todas as informações
obtidas pelas Autoridades aduaneiras no exercício das respetivas competências,
que sejam de caráter confidencial ou prestadas a título confidencial, estão co-
bertas pela obrigação de sigilo profissional. Essas informações não devem ser
divulgadas pelas Autoridades competentes sem autorização expressa da entidade
que as forneceu. Todavia, essas informações podem ser divulgadas sem autori-
zação caso as Autoridades aduaneiras sejam obrigadas ou autorizadas a fazê-lo
por força das disposições em vigor, em particular no que respeita à proteção de
dados ou no âmbito de ações judiciais. Ademais, as informações confidenciais
podem ser comunicadas às Autoridades e a outras entidades competentes de
países ou territórios situados fora do território aduaneiro, para efeitos de coope-
ração aduaneira com esses países ou territórios no âmbito de acordos internacio-
nais ou da legislação da União. Porém, qualquer divulgação ou comunicação de
informações deverá assegurar um nível adequado de proteção de dados.
29
31
existente nos países terceiros. Em termos gerais, e de acordo com que consta no
MASP (na versão revista de 2017), os sistemas informáticos da União Aduaneira
estarão construídos em função dos padrões internacionais, permitindo a intera-
ção com os sistemas de países terceiros.
É neste contexto que as relações comerciais estabelecidas entre a União
Aduaneira e os países terceiros lusófonos ganham particular relevo.
Direcionando os presentes escritos para a realidade lusófona, a concreti-
zação de acordos de comércio internacional entre os países lusófonos terá como
previsível efeito a intensificação das trocas comerciais entre si, em manifestação
da ideia de que o pagamento de direitos aduaneiros é um efetivo fator de decisão
para os atores do comércio internacional, que serão tentados a alterar a trajetó-
ria das importações e exportações concretizadas. Não obstante, as transações
comerciais entre os países lusófonos são uma realidade e a troca de informações
entre as respetivas Autoridades aduaneiras e a Comissão poderá ser ou não faci-
litada em função o nível de desenvoltura que os países envolvidos conhecem no
âmbito das novas tecnologias e do nível de proteção que asseguram aos dados.
Por exemplo, em Cabo Verde, de acordo com o Código Aduaneiro e com o res-
petivo Regulamento (Decreto-Lei n.º 23/2014, de 02-04), constata-se a tendência
para a modernização dos procedimentos, desde logo pela criação do SYDONIA.
Porém, o mais importante dos desafios não se reconduz à possibilidade
de antever que tipo de sistemas ou de programas informáticos devem ser imple-
mentados daqui a 5 ou 10 anos. O desafio assenta, parece-nos, no desenvolvi-
mento de ferramentas que contenham um nível de versatilidade suficientemente
grande para lidar com as constantes mudanças, ainda que a ideia basilar não
sofra grandes alterações – a de liberdade no comércio internacional.
32
Cristina Dias
Professora Associada com Agregação
da Escola de Direito da Universidade do Minho
1. Introdução
Assistimos, nos últimos anos, a uma aproximação digital das pessoas.
Na verdade, são frequentes os contactos via email, sms, whatsapp… ou reuniões
via skype ou outra qualquer aplicação semelhante. A celebração de contratos à
distância ou por via eletrónica generalizou-se nas sociedades contemporâneas,
facilitando o acesso a certos negócios jurídicos. Não pretendemos, todavia, fazer
uma qualquer análise quanto à celebração de tais contratos em si, mas antes uma
abordagem centrada no casamento.
O art. 1577.º do Código Civil1 define o casamento como o contrato cele-
brado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena
comunhão de vida, nos termos das disposições legais. É habitual a caracterização
do casamento como um negócio jurídico e como um contrato (não obstante as
doutrinas anti-contratualistas), ainda que a margem de autonomia concedida às
partes seja limitada. Na verdade, não podem os cônjuges conformar o conteúdo
do casamento, sendo definido por normas imperativas, e mesmo no domínio
dos efeitos patrimoniais, onde há um maior grau de autonomia e liberdade ne-
gocial, encontramos também aí algumas limitações (p. ex., v., os arts. 1699.º ou
1720.º do Código Civil). De qualquer modo, assumindo-se como um contrato
1
Os artigos referenciados no presente texto são do Código Civil, salvo indicação expressa de outro
diploma ou se tal resultar do respetivo contexto.
33
2
Para um resumo destas conceções, v., Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, Curso de Direito
da Família, vol. I, 5.ª ed., Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pp. 231-235.
34
3
Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, ob. cit., p. 234.
4
Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, ob. cit., p. 261.
5
Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, ob. cit., p. 262.
35
problema seria a manifestação dessa vontade perante quem, já que não existiria
uma presença física do conservador do registo civil e dos nubentes. Julgamos,
todavia, que tal não seria um entrave à celebração do casamento, já que, através
de uma aplicação semelhante ao skype existiria uma presença em tempo real de
todos os intervenientes, não afetando o caráter pessoal e atual do consentimento.
O consentimento para casamento deve ser também puro e simples, ou
seja, a vontade de contrair casamento importa a aceitação de todos os efeitos le-
gais do matrimónio, considerando-se não escritas as cláusulas pelas quais os nu-
bentes pretendam modificar os efeitos do casamento ou submetê-lo a condição, a
termo ou à preexistência de algum facto (art. 1618.º). Também esta característica
do consentimento não seria afetada na hipótese da celebração do casamento por
via eletrónica (ou não seria mais ou menos afetada do que o casamento que res-
peite a formalidade tradicional).
De igual modo, a perfeição e a liberdade do consentimento não seriam
postas em causa, ainda que a sua verificação possa tornar-se mais difícil na ce-
lebração eletrónica, pela não presença física de ambos os contraentes e de uma
entidade que controle tais pressupostos.
O consentimento deve ser perfeito no sentido de que não deve haver di-
vergência entre a vontade real e a vontade declarada, o que, aliás, a lei presume
no art. 1634.º, ou seja, a declaração de vontade, no ato da celebração, constitui
presunção de que os nubentes quiseram contrair o matrimónio. Há, porém, ca-
sos de imperfeição do consentimento, de divergência entre a vontade real e a
vontade declaração que, nos termos do art. 1631.º, al. b), implicam a anulabi-
lidade do casamento. Repare-se que esses casos, previstos no art. 1635.º, serão
efetivamente mais fáceis de detetar, podendo até impedir-se a celebração do ca-
samento, se os nubentes expressarem a sua vontade perante o funcionário do
registo civil (presencial e fisicamente). Trata-se dos casos de falta de consciência
do ato que se pratica (nomeadamente, por incapacidade acidental), de erro acer-
ca da identidade física do outro contraente, da declaração extorquida por coação
física, ou de casamento celebrado com simulação.
O consentimento deve ser livre (a lei também o presume no art. 1634.º),
ou seja, não pode ter vícios, sendo que no casamento relevam como vícios da
vontade o erro e a coação moral (v., arts. 1636.º e 1638.º). Assim, a vontade dos
nubentes deve ser esclarecida, ou seja, “formada com exato conhecimento das
coisas”, e deve ser formada com “liberdade exterior, isto é, sem a pressão de vio-
lências ou ameaças”6. Não valerá a pena a análise detalhada de cada um destes
vícios, e dos seus pressupostos, dado que não nos parece que a celebração do
casamento online possa colocar em causa o requisito da liberdade do consenti-
mento mais do que a celebração mediante a forma tradicional.
6
Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, ob. cit., p. 278.
36
7
Para uma análise da classificação dos impedimentos matrimoniais, v., Coelho, Pereira/Olivei-
ra, Guilherme de, ob. cit., pp. 292 e segs.
37
8
Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, ob. cit., p. 243.
9
O funcionário que celebrar o casamento sem prévia organização do processo incorre em respon-
sabilidade civil e criminal (v., arts. 294.º e 297.º, al. b), do Código do Registo Civil).
38
10
A lei refere “adotado plenamente”. Todavia, por força da alteração ao Código Civil e ao regime
jurídico da adoção pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, eliminou-se a adoção restrita, estando
apenas regulado o instituto da adoção.
39
11
O conservador, em caso de impossibilidade ou indisponibilidade, pode ser substituído, nos ter-
mos do art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 236/2001, de 30 de agosto, na redação dada pelo Decre-
to-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, e pela Declaração de Retificação n.º 107/2007, de 27 de
novembro.
12
Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, ob. cit., pp. 334 e 335.
13
O que suscitou até a questão de saber se os nubentes podiam assinar o assento com os apelidos
que tivessem adotado (v., Coelho, Pereira/Oliveira, Guilherme de, ob. cit., p. 338).
41
14
Posição contrária é defendida por Guilherme de Oliveira e Francisco Brito Pereira Coelho que
consideram que uma eventual indemnização, nos termos gerais da responsabilidade civil extra-
contratual, só ocorre quando existir, em paralelo com a violação de deveres conjugais, a violação
de um direito de personalidade do cônjuge. V., Oliveira, Guilherme de, “Responsabilidade civil
por violação dos deveres conjugais”, in http://www.guilhermedeoliveira.pt/resources/Responsabili-
dade-civil-por-violação-dos-deveres-conjugais.pdf, consultado a 17 de janeiro de 2018, e Coelho,
Francisco Brito Pereira, S.T.J. – Acórdão de 12 de Maio de 2016: Deveres conjugais e responsabi-
lidade civil – estatuto matrimonial e estatuto pessoal (não matrimonial) dos cônjuges, “Revista de
Legislação e de Jurisprudência”, ano 147.º, n.º 4006, Set-Out., 2017, p. 54-67.
42
um cônjuge contra o outro não nos parece possível uma situação de dissolução
online do casamento, uma vez que há uma série de questões a ser analisadas e
decididas pelo tribunal (o mesmo pode dizer-se, ainda que com outro grau de
intensidade, nos casos de divórcio por mútuo consentimento judicial).
Mas já não será difícil de configurar um divórcio por via eletrónica no
caso de ele ser administrativo. Sabe-se que o divórcio por mútuo consentimento
é um divórcio requerido por ambos os cônjuges de comum acordo, sem necessi-
dade de revelar a causa do mesmo (sem causa revelada), onde os cônjuges devem
acordar sobre o exercício das responsabilidades parentais, o destino da casa de
morada da família e a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça.
Se os cônjuges, querendo o divórcio, não conseguirem chegar a acordo
quanto às questões complementares, o requerimento de divórcio por mútuo con-
sentimento deve ser apresentado no tribunal. Cabe ao juiz fixar as consequências
do divórcio quanto ao exercício das responsabilidades parentais, a prestação de
alimentos ao cônjuge que deles careça e o destino da casa de morada da família
como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
De referir ainda que o acordo quanto à partilha dos bens comuns está
excluído da decisão do tribunal. De facto, e apesar da deficiente redação legis-
lativa, o art. 1778.º-A, n.ºs 1 e 3, ao remeterem para o n.º 1 do art. 1775.º, não
deve incluir o acordo para partilha dos bens à luz dos arts. 272.º-A a 272.º-C do
Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro. Além de esse acordo ser facultati-
vo, essa partilha apenas está prevista para o divórcio por mútuo consentimento
administrativo, realizando-se em ato imediatamente ulterior ao decretamento
do divórcio na conservatória. Não está, por isso, prevista tal partilha para os
casos de divórcio por mútuo consentimento nos tribunais.
Mas centremo-nos no nosso objeto de análise. O divórcio por mútuo con-
sentimento na conservatória do registo civil rege-se pelos arts. 1775.º a 1778.º do
Código Civil, e aplica-se quando os cônjuges acordem, além do divórcio, quanto
ao exercício das responsabilidades parentais, a prestação de alimentos ao cônju-
ge que deles careça e ao destino da casa de morada de família.
Nos termos do art. 1775.º, o divórcio por mútuo consentimento pode ser
instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requeri-
mento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos docu-
mentos seguintes: a) relação especificada dos bens comuns, com indicação dos
respetivos valores, ou, caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles
bens nos termos dos arts. 272.º-A a 272.º-C do Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28
de setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo; b) cer-
tidão da sentença judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades
parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando
existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial; c)
acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça; d) acordo so-
bre o destino da casa de morada de família; e) certidão da escritura da convenção
43
antenupcial, caso tenha sido celebrada; f) acordo sobre o destino dos animais de
companhia, caso existam.
Recebido o requerimento, o conservador convoca os cônjuges para uma
conferência em que verifica o preenchimento dos pressupostos legais e aprecia
os acordos referidos nas als. a), c) e d) do n.º 1 do art. 1775.º, convidando os côn-
juges a alterá-los se esses acordos não acautelarem os interesses de algum deles
ou dos filhos, podendo determinar para esse efeito a prática de atos e a produção
da prova eventualmente necessária, e decreta, em seguida, o divórcio, proceden-
do-se ao correspondente registo, salvo o disposto no art. 1776.º-A (art. 1776.º,
n.º 1). As decisões proferidas pelo conservador do registo civil no divórcio por
mútuo consentimento produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre
idêntica matéria (art. 1776.º, n.º 3).
Quando for apresentado acordo sobre o exercício das responsabilidades
parentais relativo a filhos menores, o processo é enviado ao Ministério Público
junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no
âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória, para que este se pro-
nuncie sobre o acordo no prazo de 30 dias. Caso o Ministério Público considere
que o acordo não acautela devidamente os interesses dos menores, podem os
requerentes alterar o acordo em conformidade ou apresentar novo acordo, sendo
neste último caso dada nova vista ao Ministério Público. Se o Ministério Público
considerar que o acordo acautela devidamente os interesses dos menores ou ten-
do os cônjuges alterado o acordo nos termos indicados pelo Ministério Público,
segue-se o disposto na parte final do n.º 1 do art. 1776.º. Nas situações em que
os requerentes não se conformem com as alterações indicadas pelo Ministério
Público e mantenham o propósito de se divorciar, aplica-se o disposto no art.
1778.º (art. 1776.º-A).
O processo de divórcio por mútuo consentimento administrativo pode
ser remetido para o tribunal (passando a judicial), sendo recusada a homolo-
gação na conservatória, se os acordos apresentados não acautelarem suficien-
temente os interesses de um dos cônjuges e no caso previsto no n.º 4 do art.
1776.º-A.
Nada neste procedimento parece obstar à possibilidade de dissolução do
casamento por via eletrónica. Mesmo quando haja necessidade de regular as res-
ponsabilidades parentais, com intervenção do Ministério Público, não há uma
presença física dos intervenientes, tratando-se apenas de apreciação do acordo
apresentado. Ora, todas as comunicações podem ser efetuadas eletronicamente
e a vontade dos cônjuges em divorciarem-se pode ser expressa numa aplicação
online. Aliás, esta possibilidade iria facilitar o divórcio, evitar deslocações ne-
cessárias e eventuais faltas ao trabalho, e reduzir os custos do processo, o que
estará de acordo com a ideia de simplificação e desdramatização do divórcio que
o legislador impregnou na Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro.
É possível, na página da internet do registo civil online, iniciar o processo
44
5. Notas finais
Como pudemos verificar, a eventual celebração ou dissolução do casa-
mento online é um problema de forma, de admissibilidade de uma diferente for-
ma ou tramitação de celebração e dissolução do matrimónio.
Na verdade, e no caso da celebração, os pressupostos de validade ou exis-
tência do casamento mantêm-se, podendo tornar-se mais ou menos difícil a sua
aferição, mas não são afetados na sua substância por esta nova forma de cele-
bração. O que faz o casamento é o consentimento manifestado pelos nubentes
no momento da celebração e não a declaração do conservador que se segue à
manifestação da vontade dos nubentes. Que é relevante, mas é apenas a forma
necessária para o casamento. Portanto, a celebração online do casamento não
afeta a essência deste e a manifestação de vontade dos nubentes. Em todo o caso,
a nossa lei atual não o permite, atendendo ao que já mencionámos a propósi-
to das formalidades de celebração do casamento (especialmente os arts. 154.º e
155.º do Código do Registo Civil).
Mas se em relação à celebração do casamento podemos encontrar alguns
45
15
«[HMCTS] says that it has already gained positive feedback from people ‘welcoming the simpli-
fied, streamlined and easy to understand system which delivers their application instantly – with-
out the worry of it being lost in the post’» (https://www.familylaw.co.uk/news_and_comment/
hmcts-tests-fully-digital-divorce-application?utm_source=FILTER_JP%20Family%20Law%20
eNewsletter&utm_medium=email&utm_content=https%3a%2f%2fwww.familylaw.co.uk%2f-
news_and_comment%2fhmcts-tests-fully-digital-divorce-application&utm_campaign=Fami-
ly+Law+ENL+5+February+2018+signups#.Wng5z-jFJPY, consultado a 5 de fevereiro de 2018).
46
1. Introdução
A Declaração Universal Dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações
Unidas em 1948 foi resultado direto da reflexão ocasionada precipuamente pelas
atrocidades da Segunda Guerra Mundial, durante a qual o mundo assistiu inú-
meras graves violações das mais diversas naturezas. Nesse cenário, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos se consolida como marco extremamente im-
portante, haja vista ter reconhecido a existência de direitos humanos inalienáveis
e indispensáveis, assegurando a proteção de direitos e liberdades que promo-
vessem de forma efetiva a vida digna de cada indivíduo. Foram reconhecidos,
portanto, vários direitos e liberdades, como aqueles referentes à propriedade
privada, liberdade de expressão e privacidade.
Entretanto, é inegável que desde a implementação da Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos – bem como de outros tratados e acordos que as-
seguram liberdades e direitos considerados fundamentais à uma vida digna – a
sociedade passou por mudanças significativas. Pode-se argumentar que a maior
delas é a revolução tecnológica, em especial no que diz respeito à internet.
A tecnologia, de forma geral, influenciou culturas e gerações, modifi-
cando de forma decisiva as maneiras pelas quais nos comunicamos e interagi-
47
1
LYTRAS, Christopher. Right to be Forgotten: Europe’s Cutting Edge Weapon to fight Google. “Eu-
ropean Public Law: EU eJournal”. Vol 12. Issue 106. April 30, 2014. Disponível em: https://ssrn.
com/abstract=2668479 [27 Fev. 2018].
2
MONTEIRO, Renato Leite. The Balance between Freedom and Security in the Age of Surveillance:
A Brief Analysis of the Recent Intelligent Electronic Surveillance Scandals. April 10, 2014. Disponí-
vel em: https://ssrn.com/abstract=2468060 [27 Fev. 2018].
48
“Having clarified that Articles 7, 8 and 11 were all relevant in the case, the
ECJ started reviewing the Directive – focusing specifically on the possi-
ble violation of the right to privacy and data protection.86 Following the
approach customary also in the framework of the ECHR, 87 the ECJ rai-
sed: first, the question whether the Data Retention Directive constituted
an interference with Articles 7 and 8 EU Charter of Fundamental Rights;
and second, the question whether such interference was justified. On the
first point, the ECJ quickly settled the issue, holding that the obligation
imposed by Articles 3 and 6 of Directive 2006/24 to retain the meta-data
‘constitutes in itself an interference with the rights guaranteed by Article
7 of the Charter.’ Furthermore, according to the ECJ, the fact that national
authorities could access these data “constitute[d] a further interference
with that fundamental right.”4
3
FABBRINI, Federico. Human Rights in the Digital Age: The European Court of Justice Ruling in
the Data Retention Case and its Lessons for Privacy and Surveillance in the U.S. “Forthcoming in:
28 Harvard Human Rights Journal”. Tilburg Law School Research Paper No. 15/2014. 2015. p.15.
Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2482212 [27 Fev. 2018]
4
Idem.
49
“Whereas the Data Retention Directive had long caused concerns in the
EU – as witnessed by several national courts’ decisions striking down the
acts implementing the Directive at the state level – the ruling of the ECJ
removed the obligation for private companies to collect, store and make
available to law enforcement agencies the meta-data about internet and
telephone communications. The effect of the ECJ decision on the regime
for the protection of privacy in the EU and its member states are momen-
tous, and may tip the balance in favor of new EU legislation, currently
pending parliamentary approval, to update the EU data protection regi-
me to the challenges of the new century.”
5
Idem, p. 33.
6
Vários países já se utilizam de sistemas de vigilância e de retenção de dados com essas finalidades.
Nesse sentido, Ian Brown e Douwe Korff ressaltam: “American and European intelligence agen-
cies are carrying out surveillance of telephone and Internet use on a massive scale. Whistleblow-
er Edward Snowden revealed in 2013 that the US National Security Agency (NSA) is gaining
“bulk access” to records of all domestic telephone calls, using legal orders to telephony providers,
and has at various points attempted to gain access to bulk records of Internet communications.
Through its PRISM programme, the NSA is also able to compel the provision of large volumes of
personal data held by US-based communications services, including Facebook, Microsoft, Apple,
Yahoo! and Google.1 The NSA and cooperating signals intelligence agencies (particularly in the
other so-called “Five Eyes” nations: UK, Canada, Australia and New Zealand) have a global series
of programmes to intercept and share data from fibre optic cables carrying the majority of Inter-
net traffic,2 as well as satellite links,3 radio communications (including mobile phone calls, most
famously of German Chancellor Angela Merkel),4 and through “hacking” into sensitive systems
(including the UN internal videoconferencing system,5 EU embassies in New York and Wash-
ington DC,6 and the European Commission and Parliament’s telecommunications provider in
Belgium7 ). Governments are analysing and exchanging ever-greater quantities of information
on their citizens, using data mining tools to identify individuals of interest in a digital tsunami
of data about individuals produced by modern technologies. 8 Companies are required in many
jurisdictions to provide law enforcement and intelligence agencies with access to this data – and
in some cases explicitly to retain data for longer than otherwise required for business purposes.”
(BROWN, Ian; KORFF, Douwe. Foreign Surveillance: Law and Practice in a Global Digital En-
vironment. “European Human Rights Law Review”, 3, pp. 243-251. Disponível em: https://ssrn.
com/abstract=2521433 [27 Fev. 2018].
50
3. Conclusão
A decisão da Corte de Justiça Europeia é um marco importante na de-
fesa dos direitos humanos fundamentais em face de uma grande ameaça. A
comercialização e utilização irrestrita de dados pessoais adquiridos através de
prestações de serviços de comunicação apresenta-se como flagrante violação à
privacidade das pessoas que utilizam esses determinados serviços.
Isso pois, a utilização desses serviços implica confiança por parte dos
usuários de que os seus dados e suas informações pessoais estejam protegidas
e salvaguardadas. O direito à privacidade corresponde ao limite – ainda que su-
tilmente – estabelecido com a finalidade de proteger aqueles que se encontram
em uma posição menos favorecida em relação às grandes corporações ou, até
mesmo, em face aos Estados.
As razões utilizadas pela Corte de Justiça Europeia, no sentido de consi-
derar a retenção de dados uma infração aos direitos fundamentais, deve servir de
modelo como parâmetro a ser seguido não apenas na Europa, mas em diversos
outros países. Tal decisão inspira o fortalecimento da proteção dos direitos fun-
damentais, face ao desenvolvimento rápido e ofensivo das mais diversas formas
de tecnologia.
Referências:
BROWN, Ian; KORFF, Douwe. Foreign Surveillance: Law and Practice in a Global Digital
Environment. “European Human Rights Law Review”. 3. April 30, 2014. pp. 243-
251. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2521433>. [27 Fev. 2018].
FABBRINI, Federico. Human Rights in the Digital Age: The European Court of Justice
Ruling in the Data Retention Case and its Lessons for Privacy and Surveillance
in the U.S.. “Forthcoming in: 28 Harvard Human Rights Journal”. Tilburg Law
School Research Paper No. 15/2014. 2015. Disponível em: <https://ssrn.com/abs-
tract=2482212> [27 Fev. 2018].
7
MONTEIRO, Renato Leite. The Balance between Freedom and Security in the Age of Surveillance:
A Brief Analysis of the Recent Intelligent Electronic Surveillance Scandals, op. cit.
51
LYTRAS, Christopher. Right to be Forgotten: Europe’s Cutting Edge Weapon to fight Goo-
gle?. “European Public Law: EU eJournal”. Vol 12. Issue 106. 11, Maio, 2015 Dis-
ponível em: <https://ssrn.com/abstract=2668479> [27 Fev. 2018].
MONTEIRO, Renato Leite. The Balance between Freedom and Security in the Age of Sur-
veillance: A Brief Analysis of the Recent Intelligent Electronic Surveillance Scandals.
April 10, 2014. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2468060> . [27 Fev.
2018].
52
Diana Coutinho
Assistente Convidada da EDUM
Investigadora Júnior do JusGov – Centro de Investigação em Justiça e Governação
1. Notas introdutórias
O útero artificial não é uma técnica de reprodução atualmente disponí-
vel, contudo a sua criação já não é mera ficção científica. A medicina da repro-
dução mudou significativamente nos últimos anos: da inconcebível dissociação
entre a procriação e a sexualidade passamos para a sua efetiva concretização
através das técnicas de procriação medicamente assistida (PMA). Será, portanto,
inimaginável pensar-se na criação de um útero artificial? A medicina reproduti-
va já propõe o início e o fim da gestação fora do corpo da mulher1. Por um lado,
as técnicas de PMA possibilitam o início da gestação fora do corpo humano,
designadamente, a conceção e o desenvolvimento do embrião até cinco ou seis
dias antes de ser implantado no útero. Por outro lado, o facto de bebés prema-
turos conseguirem sobreviver fora do útero, numa incubadora, representa uma
redução do tempo estritamente necessário da gestação intrauterina. Nos últimos
anos, assistimos à otimização e aperfeiçoamento das técnicas de PMA e à in-
vestigação científica e tecnológica para aumentar a sobrevivência, sem sequelas,
dos prematuros. Ora, estas transformações e estudos poderão levar à criação do
útero artificial.
1
ATLAN, Henri, O útero artificial, Ana M. André (trad.), [S.I], Lisboa, Instituto Piaget, 2007, p.28.
53
2.1. Enquadramento
2
O termo ectogénese foi utilizado pela 1.ª vez na sua obra” Daedalus, or, Science and the Future”.
Idem, p.13.
3
HUXLEY, Aldous, Admirável Mundo Novo, Mário Henrique Leiria (trad.), [S.I], Porto, Coleção
Mil Folhas 47, 2003.
4
A partir de uma placenta artificial e líquido amniótico sintético tentou reproduzir artificialmente
o ambiente do útero materno. Cerca de cinco semanas antes do termo da gestação natural reti-
rou um cabrito do útero materno e colocou-o numa incubadora (onde permaneceu o resto da
gestação). Foram precisos nove anos de experiências até que um cabrito conseguisse sobreviver.
ATLAN, Henri, O útero artificial, op. cit., p. 30.
5
A Drª Helen considera que a chave para perceber o fenómeno da gestação intrauterina (e poste-
rior criação de um útero artificial) está na implantação do embrião. Idem, p. 30.
6
Idem, p.36
7
Com menos de vinte semanas.
8
Cordeiros prematuros foram mantido no biobag durante semanas. O biobag contém líquido
amniótico que fornece os nutrientes e elementos necessários para que o feto cresça saudável,
inclusive foi criado um cordão umbilical artificial. Os investigadores afirmam que os testes com
fetos humanos poderão começar em três anos. COUZIN-FRANKEL, Jennifer, Fluid-filled ‘biobag’
allows premature lambs to develop outside the womb, “Science”, consultado em: http://www.
sciencemag.org/news/2017/04/fluid-filled-biobag-allows-premature-lambs-develop-outside-
womb, a 06.02.2018.
9
Utilizaram uma mistura de nutrientes que reproduz as condições do útero. Os investigadores não
continuaram o estudo, pois o tempo legal máximo (no Reino Unido) que um embrião humano
vivo pode ser mantido em laboratório é de 14 dias. FERREIRA, Marta, Recorde. Cientistas man-
têm embriões humanos durante 14 dias, “OBSERVADOR”, consultado em: http://observador.
pt/2016/05/05/recorde-cientistas-mantem-embrioes-humanos-14-dias/, a 06.02.2018.
10
JUSTO, David, Un prototipo de incubadora para gestar a tu hijo en el salón de tu casa, “Cadena-
ser”, consultado em: http://cadenaser.com/ser/2017/07/07/ciencia/1499428228_972907.html, a
06.02.2018.
11
TAKALA, Tuija, Human Before Sex? Ectogenesis as a Way to Equality, “Reprogen-ethics and the
Future of Gender, International Library of Ethics, Law, and the New Medicine”, 43, 2009, p.187,
consultado em: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-90-481-2475-6_15, a 12.01.2018.
12
Também poderá contemplar as possibilidades de criar condições semelhantes ao útero em qual-
quer outro lugar dentro do corpo humano (masculino ou feminino). TAKALA, Tuija, Human
Before Sex?, op. cit.,p.188.
13
SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis: How Will Artificial Wombs Affect the Legal Status
of a Fetus or Embryo, “Chicago-Kent Law Review”, vol.84, 2010, p.877, consultado em: https://
scholarship.kentlaw.iit.edu/cklawreview/vol84/iss3/14/, a 12.01.2018.
14
A chamada ectogénese autêntica (ATLAN, Henri, O útero artificial, op. cit., p.26) ou o útero arti-
ficial ex-vivo (SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis, op. cit., p.883).
15
O útero artificial tardio. ATLAN, Henri, O útero artificial, op. cit., p.32.
16
Qual o momento do nascimento do feto criado no útero artificial? Parece-nos que será o momen-
to da retirada do feto do útero. Esta questão poderá abrir o debate sobre a natureza do embrião/
feto, a aquisição de personalidade jurídica e os direitos do nascituro. STEIGER, Eric, Not of wom-
an born: how extogenesis will change the way we view viability, birth, and the status of the urbon,
“Journal of Law and Health”, vol.23, n.º 143, 2010, pp.161-169, consultado em: http://engaged-
scholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1065&context=jlh, a12.01.2018.
55
17
A par da incerteza sobre se será possível recriar artificialmente todos os elementos/mecanismos
necessários para o funcionamento do útero. ATLAN, Henri, O útero artificial, op. cit, p. 27
18
Idem, p. 27; 37.
19
Ab initio.
20
Em Portugal, as técnicas de PMA permitidas estão consagradas no art. 2.º, n.º1 da lei n.º 32/2006,
de 26 de julho (lei da PMA).
21
Proibida no art. 7.º, n.º1 da lei da PMA.
56
22
RAPOSO, Vera Lúcia, De Mãe para Mãe: Questões Legais e Éticas Suscitadas pela Maternidade de
Substituição, 1.ª edição, Centro Biomédico, 10, Faculdade de Direito da Universidade de Coim-
bra, Coimbra, Coimbra Editora, 2005; pp.27-29.
23
ALGHRAN, Amel, The legal and ethical ramifications of ectogenesis,“AJWH”, vol.2, n.º 189,
2007, p.191, consultado em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1019760, a
12.01.2018.
24
ARISTARKHOVA, Irina, Ectogenesis and Mother as Machine, “Body and Society”, vol. 11,
n.º 3, 2005, p.49, consultado em: https://pdfs.semanticscholar.org/ec1f/3a34754d4f2808706389b-
10314634caaf423.pdf, a 12.01.2018.
25
SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis, op. cit., p. 888.
26
Com as devidas consequências ao nível do estabelecimento da filiação, em particular no estabele-
cimento da maternidade.
57
vas das mulheres e dos homens passarão a ser iguais27 e o motivo - a capacidade
biológica de gerar uma criança- que afasta, muitas vezes, os homens do acesso
às técnicas de PMA (ou à gestação e substituição) deixará de fazer sentido. O
útero artificial poderá constituir uma oportunidade para os casais homossexuais
e transexuais; permitirá a mulheres que não possam gerar uma criança, por mo-
tivos de saúde, a possibilidade de terem um filho biológico, constituindo uma
alternativa à gestação de substituição28. Alargará a idade da maternidade e po-
derá constituir uma alternativa à gestação natural, sobretudo para as mulheres
que por motivos profissionais ou estéticos não querem passar pelo processo de
gestação e parto29. As entidades empregadoras poderão considerar a ectogénese
vantajosa.
Vários autores vislumbram a ectogénese como uma industrialização da
maternidade30, coloca em causa princípios/valores fundamentais dos Estados e
conceitos tradicionais e basilares da nossa sociedade, tais como maternidade,
família, vida, humano, embrião, natural, mãe, entre outros. Temem-se os riscos
na relação entre a mãe-feto e os efeitos para a criança31: num útero artificial,
sem ligação corporal com a mãe, como será estabelecida a relação?32 A ideia de
diálogo hormonal deixará de fazer sentido. Teme-se o risco de eugenismo, isto
é, a seleção de embriões por motivos diversos e o risco de uma utilização des-
necessária ou para fins indevidos, por exemplo, a criação de uma indústria de
crianças, fazer nascer crianças sem pais, o risco de comércio de crianças e de ór-
gãos para transplante ou para fornecer material para pesquisa médica. A prática
da ectogénese acarretará custos elevados, fomentará o risco de comercialização
e do turismo reprodutivo. Por fim, são inúmeras as questões éticas e morais sus-
citadas pela ectogénese sobre o valor e significado da vida humana.
58
33
Os limites impostos a este texto não permitem uma abordagem mais completa do tema pelo que
apenas se enunciam algumas problemáticas.
34
Plasmado no art. 1.º da CRP, art. 67.º, n.º2, alínea e) da CRP, art. 3.º da lei da PMA e diversos
diplomas internacionais. Questão principal (e difícil) será saber se a ectogénese coloca em causa
a dignidade humana. No art. 26.º, n.º3 da CRP impõe-se que “na criação, desenvolvimento e
utilização das tecnologias e na experimentação científica” seja respeitada a dignidade humana e a
identidade genética.
35
Schultz refere que os dois tipos de útero artificial podem ter diferentes efeitos sobre a forma como
os interesses maternos, paternos e estaduais em relação ao feto ou embrião são encarados. A auto-
ra refere diferenças de tratamento entre os embriões implantados no útero artificial e os embriões
congelados. SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis, op. cit., pp. 883-888
36
Schultz levanta algumas questões interessantes sobre a matéria de responsabilidade. Por exem-
59
plo, quem se responsabiliza se houver uma falha de energia? E se as crianças que nascerem
desenvolverem sérios problemas de saúde física ou psicológica? Quem seria responsável? As
clinicas? Os progenitores? Os fabricantes dos úteros? Os potenciais pais podem assumir o risco
e dar consentimento informado para usar seu material genético para criar um feto que possa
ter deformidades desconhecidas? A autora apresenta eventuais formas de resolver estas questões
(responsabilidade civil, ações wrongful life, questões de consentimento, direito à renúncia). Idem,
pp.894-905.
37
COLEMAN, S.. The ethics of artificial uteruses: implications for reproduction and abortion, “Ash-
gate Publishing, Aldershot”, 2004, p.2.
38
OVERALL, Christine, Rethinking Abortion, Ectogenesis, and Fetal Death, “Journal of Social Philos-
ophy”, vol.46, n.º1, 2015, pp.126-140, consultado em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/
josp.12090/full, a 12.01.2018.
39
SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis, op. cit., p. 886
40
Terá o feto direito à vida? RAPOSO, Vera, De mãe para Mãe, op. cit., p. 28.
41
OVERALL, Christine, Rethinking Abortion, Ectogenesis, and Fetal Death, op.cit.,p.131.
42
SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis, op. cit.,p. 886.
60
4. Notas Finais
A ectogénese representará uma nova (e revolucionária) fase da história
da reprodução: separará a procriação da gravidez. Acreditamos que cientifica
e tecnologicamente a criação de um útero artificial viável se tornará possível.
Apontamos uma utilização inicial do útero artificial como complemento do
processo de gestação natural, quer pela finalidade associada (salvar bebés pre-
maturos), quer por provocar menos conflitos ético-jurídicos. Maiores dúvidas
e reticências suscita-nos o recurso ao útero artificial ab initio. Para o Direito,
mais do que saber se será científica e tecnologicamente possível esta forma de
reprodução, interessa saber se será legítimo criar um útero artificial e se atentará
contra princípios e direitos fundamentais. A história tem provado que a ciência
não se pode legitimar a si própria, pois existe o risco das inovações científicas
que visam melhorar a condição humana possam, inadvertidamente, ter o efeito
oposto. É aqui que entra a necessidade do Direito intervir, sabendo que as con-
sequências da ectogénese são ainda imprevisíveis.
43
“E se os Estados tivessem o poder de remover crianças de pais impróprios antes do nascimento?
Poderia ser utilizado como uma forma de institucionalização” (tradução nossa) – ROBERTSON,
Eleanor, Feminists, get ready: pregnancy and abortion are about to be disrupted, “The Guardian”,
outubro de 2015, consultado em https://www.theguardian.com/commentisfree/2015/oct/12/fe-
minists-get-ready-pregnancy-and-abortion-are-about-to-be-disrupted, a 07.02.2018.
44
SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis, op. cit., p. 886.
45
Desrespeita o direito à integridade física e moral (art. 25.º da CRP) e os seus direitos pessoais
(art.26.º da CRP)?
46
SCHULTZ, Jéssica, Development of Ectogenesis, op. cit., p.889-893 e STEIGER, Eric, Not of woman
born…, op. cit., pp.154-158.
47
ALGHRAN, Amel, The legal and ethical ramifications of ectogenesis, op.cit., pp. 200-207.
61
1. Contextualização
Vivemos na Era Digital, pelo que devemos tomar em conta de que, da
mesma forma que a Internet permite a transformação e revitalização de econo-
mias ao possibilitar que empresas trabalhem de forma multimodal e eficiente,
também permite o potenciar e o revitalizar das relações existentes entre cida-
dãos e governos.
A relativa facilidade de acesso, o seu alcance mundial, a velocidade de
envio e transmissão de informações, bem como o seu âmbito, assim como a
descentralização que lhe é comummente associada são elementos que permitem
à Internet criar uma nova esfera pública, toda uma nova noção de vivência de-
mocrática1.
É precisamente tomando este contexto em conta que a noção de Demo-
cracia Digital (também conhecida por “E-Democracy”), defensora da autode-
terminação política livre e igualitária dos cidadãos, adquire peso naquela que
é a realidade do século XXI, a qual exige a progressiva implementação das tec-
nologias da informação no exercício do poder político e judicial (veja-se, por
exemplo, o uso cada vez mais regular da videoconferência em tribunais2).
1
“(…) a configuração de uma interface gráfica simplificada, de fácil manuseio por leigos, tornaram
a Rede o meio de comunicação que atualmente usam centenas de milhões de pessoas no mundo
inteiro.” – HARTMANN, Ivar Alberto Martins, O Acesso à Internet como Direito Fundamental,
p. 2, disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/ivar_hartmann.pdf, acedido
a 28-02-2018.
2
Ver Regulamento 1206/2001 (Regulamento transfronteiriço para obtenção de prova) e Regula-
63
64
2. Em Portugal
No panorama português, nota-se um grande desinteresse pela vida polí-
tica por parte das camadas mais jovens da população, sendo a percentagem de
portugueses investidos naquele que é o exercício do poder executivo em Portu-
gal uma das mais reduzidas de toda a Europa8.
Não obstante, nota-se que a comunidade jovem tem tendencialmente
mais acesso à Internet, ganhando assim um maior contacto com a realidade
nacional e global ao ser eventualmente exposta à atualidade, muitas vezes por
diferentes fontes, seja nas redes sociais ou em websites de comunicação social, o
que permite consolidar um certo nível de opinião e postura política.
Dentro do próprio exercício e funcionamento democrático, é notório o
impacto das tecnologias digitais, que permitem acompanhar de forma muito
mais localizada e racionalizada todo o processo eleitoral, seja a nível autárquico,
seja a nível nacional. Tal é permitido graças ao conjunto de algoritmos e progra-
mas destinados a ordenarem as informações de forma segmentada para que esta
seja de fácil acesso para quem manifeste interesse na mesma.
Na ótica de combate à abstenção, uma questão pertinente é a possibilida-
de de, no futuro, se poder vir a exercer o direito de voto por meios eletrónicos,
pois quer a redução de custos de deslocação, quer a facilidade do processamento
do voto tornam o ato mais simples e acessível, algo altamente importante naque-
le que é o combate à letargia política do cidadão português.
6
“Se o uso generalizado da Internet acarreta, nalguns casos, novas ameaças para velhos direitos
(…) ou pode, também, fazer perigar o direito à autodeterminação informativa, o seu uso também
veio, ao invés, permitir novas formas, desmaterializadas e em rede, de exercício de velhos direitos
do mundo analógico.” – SARMENTO E CASTRO, Catarina, 40 anos de Utilização da Informática
- o artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa, “e-Pública”, Vol. 3 No. 3, dezembro 2016
(042-066), p. 52.
7
“(…) o uso da rede, dos serviços de comunicação que propicia, e dos seus conteúdos, podem ser
hoje indispensáveis à realização pessoal e social de cada indivíduo.” - SARMENTO E CASTRO,
Catarina, 40 anos de Utilização da Informática - o artigo 35.º da Constituição da República Portu-
guesa, “e- Pública”, Vol. 3 No. 3, dezembro 2016 (042-066), p. 53.
8
LOBO, Marina Costa/ FERREIA, Vítor Sérgio/ROWLAND, Jussara, Emprego, Mobilidade, Políti-
ca e Lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada, Lisboa, Institu-
to de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2015, p. 46-51, disponível em http://www.igfse.
pt/upload/docs/2015/RoteirosdoFuturo_EstudoJovens2015.pdf, acedido a 28-02-2018.
65
3. No Brasil
Relativamente ao contexto Brasileiro, são notáveis as mudanças trazidas
pela Internet para o seio das discussões públicas e demandas de liberdade, direi-
tos e poderes. As discussões da esfera pública passaram a ser vertiginosamente
discutidas no âmbito da sociedade civil nos últimos anos, em consequência do
aumento do acesso à rede.
Sob um novo reflexo e um novo ambiente de discussão sem restrições
impositivas de carater temporal ou seletivo, os jovens Brasileiros de diversas
classes sociais e económicas, encontram no espaço online, não apenas a capa-
cidade de opinar, mas de ter ciência dos acontecimentos que se perpetuam no
seio dos poderes executivo, legislativo e judiciário em um enquadramento mu-
nicipal, estadual e nacional. Deste modo, a atual capital do país (Brasília), his-
toricamente projetada e construída no centro do país, com objetivo de distan-
9
“A Organização tem como objetivos gerais: A concertação político-diplomática entre seus estados
membros, nomeadamente para o reforço da sua presença no cenário internacional; A cooperação
em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura,
administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunica-
ção social; A materialização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa.” in https://
www.cplp.org/id-2763.aspx, acedida a 29-12-2017.
10
Segundo Estudo de 2012, levado a cabo pela União Internacional de Telecomunicações.
66
11
Sigla da Constituição Federal da República Brasileira.
12
BOBBIO, Norberto, O futuro da democracia: Uma defesa das regras do jogo, Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986, p. 44.
67
13
SUBIRATS, Joan, Otra sociedad, ¿otra política? De “no nos representan” a la democracia de lo
común. Barcelona: Icaria Editorial. 2011, p. 6.
68
14
“De todas elas, a CPLP é aquela em que os países africanos têm, por agora, mais capacidade de
manobra pelo facto de o fraco desenvolvimento de Portugal e a guerra de libertação não terem
permitido à antiga potência colonial controlar os processos de desenvolvimento pós-indepen-
dência. Isto não significa que os laços neocoloniais não possam vir a surgir, quer protagoniza-
dos por Portugal quer pelo Brasil (que foi colonizado, não colonizador, outra originalidade da
CPLP).” SANTOS, Boaventura de Sousa, http://visao.sapo.pt/opiniao/opiniao_boaventurasousa-
santos/a-cplp-vista-de-africa=f567612, acedida a 03-01-2018.
69
15
HABERMAS, Jürgen, Between Facts and Norms: Contributions to a Discourse Theory of Law and
Democracy, Cambridge: Polity, 1996.
70
1. Introdução
Ao analisar o cenário econômico mundial das últimas décadas consta-
ta-se que os processos de globalização criaram cada vez mais novos desafios
com relação ao universo jurídico e em especial ao direito econômico e ao direito
ambiental, que tem por objetivo regular e normatizar os modos de produção e
distribuição de produtos e serviços sem perder o foco no desenvolvimento sus-
tentável e a preservação do meio ambiente.
A constante busca de caminhos alternativos para solucionar a crise am-
biental sem prejudicar o desenvolvimento econômico faz com que surja a ne-
cessidade de cooperação entre os poderes previstos na carta constitucional e nos
diferentes níveis de governo.
71
Novas soluções têm surgido dentro deste cenário, tal como a Economia
Circular, cujo funcionamento é baseado em um modelo econômico que se auto
sustenta ao reaproveitar o material de descarte na confecção de novos produtos
e em sua preocupação com a extração da matéria prima de maneira sustentá-
vel, além de conciliar soluções e iniciativas empresariais e implementar políticas
públicas voltadas para sensibilização dos problemas ambientais que permitam
promover crescimento econômico e desenvolver o bem-estar social.
Um Estado democrático de direito tem como obrigações, dentre outras,
a prevenção de problemas sociais e econômicos e a garantia e proteção da liber-
dade e direitos, contribuindo para a criação de valores e prioridades dentro desta
sociedade.
Logo, o desenvolvimento de um modelo econômico mais preocupado
ambientalmente está em consonância com os pressupostos teóricos de Amartya
Sen que aponta que a partir de uma postura ética a sociedade conseguirá promo-
ver equilíbrio entre direitos humanos e economia.
O presente artigo busca, a partir de uma metodologia de pesquisa qua-
litativa mediante revisão bibliográfica, verificar como a mudança de modelo
econômico contribui para a governança diante de uma crise econômica e am-
biental. A hipótese é que implementação dos conceitos de economia circular
contribuem para uma melhor proteção do meio ambiente e promovem progres-
so e democracia sustentável, pois reforça a cultura democrática da participação,
o comprometimento ético e responsabilidade cidadã.
2. Ética e Economia
1
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2012.
72
Para Salles4 5, cada uma das obras de Smith responde por aspectos espe-
cíficos da vida em sociedade “[...] parece bastante clara a tentativa de construção
de um sistema explicativo de sociedade e de sua regularidade”.
Na obra “A teoria dos sentimentos morais”, de 1759, Smith disserta sobre
as virtudes e indaga o mecanismo que faz as pessoas preferir seguir um curso e
não qualquer outro em sua vida. Neste artigo defendemos que esse mecanismo
é exatamente a ética e a moral.
2
BRITO, José Henrique Silveira de, Em Ética: Dos fundamentos às praticas. Organização de Maria
do Céu Patrão Neves. Edições70. 2016.
3
SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre a natureza e suas causas. Nova Cultural,
1988, p.70.
4
SALLES, Carlos Alcides. Ética em negócios: economia e administração, a gênese da controvérsia.
Tese (Doutorado em Administração de Empresas) - FGV - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo,
1998, p.90.
5
Carlos Alcides Salles, doutor em administração pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo na
área de Mercadologia com a tese “Ética em negócios: Economia e Administração, a gênese da
controvérsia” em 1998 e orientado pelo professor Dr. Esdras Borges da Costa.
73
Dessa forma podemos concluir que os valores de ética e moral estão en-
raizados no estudo clássico de economia, mas também são objetos de estudo
constante no campo do direito, comprovando a interdisciplinaridade da discus-
são até os dias atuais.
6
SALLES, Carlos Alcides. Ética em negócios: economia e administração, a gênese da controvérsia.,
op. cit.
7
MARTINS, Nuno O. Ética, economia e sustentabilidade. “PRIMA FACIE: Revista de Ética”. 3.1
2009: 7-30. Link: <http://hdl.handle.net/10400.3/2312> acesso em 20.02.18.
8
SALLES, Carlos Alcides. Ética em negócios: economia e administração, a gênese da controvérsia.,
op. cit., p. 110.
74
9
SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Tradução: Laura Teixeira Mota, revisão técnica Ricardo
Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras. 1999.
10
Para compreensão das diversas razões históricas pelas quais identifica-se o distanciamento apon-
tado por Amartya Sen, recomenda-se a leitura de sua obra Ética e economia.
11
MARTINS, Nuno O. Ética, economia e sustentabilidade, op.cit., p. 5.
12
Idem
75
13
BOULDING, Kenneth E. “The economics of the coming spaceship earth”. Environmental Quality
Issues in a Growing Economy. 1966.
14
A economia do homem do espaço – Spaceman Economy – mostra o planeta terra de fora, do
ponto de vista do astronauta e, desse modo, a noção de que a terra possui, de fato, limites físicos.
A economia do Cowboy fala de uma visão de um planeta ilimitado, remete aos desbravadores
do novo mundo (américas de um modo geral) que durante muito tempo considerou a natureza
como ilimitada. Esta visão foi tão profundamente explorada que até hoje ainda há quem acredita
que o ser humano habita em um planeta sem limites físicos.
15
BOULDING, Kenneth E. “The economics of the coming spaceship earth”. op. cit., p.8.
76
16
PEARCE, David W., and TURNER, R. Kerry. Economics of natural resources and the environ-
ment. JHU Press, 1990.
17
FAJARDO, Elias, 2010, p.21.
18
VAL, Eduardo Manuel, ECCARD, Wilson Tadeu de C. Climate Change, Environmental Treaties
and Human Rights. Grupo Multifoco : Rio de Janeiro. 2018, p.468.
19
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Tradução: Laura Teixeira Mota. São Paulo.
Companhia das Letras: 1999, p.9.
77
20
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, reúne 35 países membros (dados
de 2018). Para mais informações, acessar www.oecd.org.
21
Relatório Brundtland sobre a definição do termo desenvolvimento sustentável. “O desenvolvi-
mento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade
das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as
pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e
de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra
e preservando as espécies e os habitats naturais.” (Relatório Brundtland, 1987).
78
sistema rico e comunicativo exige uma gestão cautelosa dos fluxos dos materiais
que foram divididos em dois tipos, como em nutrientes biológicos – que são
materiais designados para reentrar na biosfera de maneira segura e reconstruir
o capital ambiental natural) e nutrientes técnicos – que são designados a circular
na economia, ao máximo de qualidade, sem entrar na biosfera”22.
A necessidade governamental é suprida quando há geração de empregos,
recolhimento de imposto e aumento da qualidade de vida de toda sua popula-
ção. E a iniciativa privada também é alcançada através, por exemplo, na criação
de novos modelos de negócios, novos consumidores e aumento de lucro.
Parte-se do princípio que a EC é diretamente contrária a chamada Eco-
nomia Linear onde o padrão de produção e consumo é o mesmo desde a segun-
da revolução industrial, no século XVIII, caracterizada pelo modelo “extrair,
produzir, consumir e descartar”, como mostra na figura 1 (abaixo).
Esse consumo, mais tarde (já nas décadas de 80 e 90), ajuda a gerar pro-
blemas ambientais e sociais como o consumismo e a poluição gerada pelo des-
carte impróprio de resíduos sejam no mar ou via aterros sanitários.
22
BRAUNGART, Michael, and MCDONOUGH, William. Cradle to Cradle: Criar e reciclar ilimita-
damente. Editora GG Brasil. 2013.
23
Idem.
79
são hoje os principais difusores do conteúdo sobre EC, como Ellen MacArthur
Foundation24, na Inglaterra e a Circle Economy25, na Holanda. Neste artigo, nos
centraremos no modelo inglês.
Os princípios básicos que definem uma EC são (i) Design sem resíduos,
onde o produto (inclusive embalagem) é desenhado com a intenção de que re-
torne ao seu ciclo, seja ele de componente técnico ou biológico; (ii) Resiliên-
cia pela diversidade, onde deve ser priorizado a modularidade, versatilidade e
adaptabilidade dos produtos para evitar o descarte de materiais valiosos.; (iii)
Energia renovável, indústrias e sociedade devem ter como sua base energética
insumos renováveis; (iv) Pensamento sistêmico, a economia circular ver a eco-
nomia como a natureza, onde cada ser vivo ou mineral tem sua importância; (v)
Resíduo como nutriente, este pilar complementa o primeiro, reintroduzindo os
nutrientes biológicos no seu ciclo. Esta técnica tem como base o conceito de cra-
dle to cradle (do berço ao berço na tradução direta). (EMF, Towards the circular
economy, volume 1, 2013).
A figura 2 mostra as fases do modelo circular. Em cada uma delas apre-
senta-se oportunidades em dependência de recursos naturais, criação de empre-
gos e limitação da produção final de resíduos.
24
Empresa criada em 2010 com a missão de acelerar a transição para uma economia circular, atua
em Educação, Negócios e Governo, Comunicação, Iniciativas sistêmicas. Fonte: https://www.
ellenmacarthurfoundation.org – acesso 20.02.18
25
Assim como a Inglesa, a missão é acelerar a transição para uma economia circular. Fonte: https://
www.circle-economy.com – acesso 20.02.18
80
5. Conclusão
O estudo de mecanismos alternativos para alteração do padrão de consu-
mo com vistas à proteção do meio ambiente, combinando não apenas o desen-
volvimento sustentável mas também a preservação dos recursos naturais para a
geração presente e as futuras, não pode estar afastada dos valores morais e éticos
que também eram trabalhados no passado nos campos do conhecimento da eco-
nomia e que se encontram na base da ordem jurídica do estado democrático de
direito.
No decorrer do artigo observamos que as virtudes morais levantadas por
Aristóteles já no século IV A.C., foram conservadas no desenvolvimento da eco-
nomia tal qual a conhecemos em nossos dias em razão da utilização dos pen-
samentos do filósofo grego pelo, considerado, pai da economia, Adam Smith.
Entretanto, observamos também que o desenvolvimento experimentado
por todas as nações após o advento do capitalismo acabou por promover um
afastamento dos valores éticos da própria economia, fazendo com que o modelo
econômico linear privilegiasse o consumo cada vez maior dos recursos naturais
como ferramenta desse desenvolvimento.
Os exemplos trazidos acima sobre a economia do cowboy e a economia
do astronauta refletem bem a forma como a humanidade tem encarado a ética, a
economia e o desenvolvimento sustentável. É preciso caminharmos em direção
ao modo como o astronauta se utiliza dos recursos que possui para poder sobre-
viver enquanto está no espaço.
As práticas de economia circular são uma forma possível de promover-
mos a reaproximação da ética com a economia dentro do marco da legalidade
26
PEARCE, David W., and TURNER, R. Kerry. Economics of natural resources and the environ-
ment., op. cit..,
27
Tradução livre: “Os perigos surgem a partir do maltrato dos ambientes naturais porque nós não
reconhecemos os preços positivos dessas funções econômicas.” Idem, p. 41.
81
Referências:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 2010
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BOULDING, Kenneth E. “The economics of the coming spaceship earth.” Environmen-
tal Quality Issues in a Growing Economy. 1966.
BRAUNGART, Michael, and MCDONOUGH, William. Cradle to Cradle: Criar e reciclar
ilimitadamente. Editora GG Brasil.2013.
BRITO, José Henrique Silveira de, em Ética: Dos fundamentos às praticas. Organização
de Maria do Céu Patrão Neves. Edições70. 2016.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 23ª Ed. São Paulo,
Saraiva, 2003.
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lid Waste Management. “Urban development series; knowledge papers”. no. 15.
World Bank, Washington, DC. © World Bank. 2012. Link: <https://openknowle-
dge.worldbank.org/handle/10986/17388> Acesso em 15.02.2018.
82
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for an Accelerated Transition. Ellen MacArthur Foundation: Cowes, UK. 2013.
MARTINS, Nuno O. Ética, economia e sustentabilidade. “PRIMA FACIE: Revista de
Ética”. 3.1.2009: 7-30. Link: <http://hdl.handle.net/10400.3/2312> acesso em
20.02.18.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 11. ed. rev.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018
PEARCE, David W., and R. Kerry Turner. Economics of natural resources and the envi-
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SALLES, Carlos Alcides. Ética em negócios: economia e administração, a gênese da con-
trovérsia. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) - FGV - Fundação
Getúlio Vargas, São Paulo, 1998.
SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Tradução: Laura Teixeira Mota, revisão técnica
Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras (1999).
_____________. Desenvolvimento como Liberdade. Tradução: Laura Teixeira Mota. São
Paulo. Companhia das Letras: 1999
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros
Editores, 2010
SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre a natureza e suas causas. Nova
Cultural, 1988.
VAL, Eduardo Manuel, ECCARD, Wilson Tadeu de C. Climate Change, Environmental
Treaties and Human Rights. Grupo Multifoco : Rio de Janeiro. 2018.
83
1. Introdução
O presente texto reflete sobre as democracias atuais, a partir da complexi-
dade que as mesmas partilham, fruto do mundo em que se inserem, abordando-
-se o tema fundamental do controlo político pelos cidadãos dos políticos por si
eleitos dentro deste prisma e questionando-se desta forma a sua real efetividade,
sugerindo-se algumas medidas no sentido do seu melhoramento.
1
Sobre isto, DIAS, Figueiredo/ANDRADE, Costa, Criminologia, O Homem delinquente e a Socie-
dade criminógena, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 153 e segs.
85
plexidade do ser humano desenha-se logo a partir dos seus genes2 e projeta-se
no plano da cultura.3 Facto que, por sua vez, determina o relativo agnosticismo
epistemológico inerente ao domínio das ciências sociais.4 De resto, as próprias
ciências matemáticas e físicas não podem ser consideradas como modelos defi-
nitivos do saber humano.5
Em conclusão, pode-se afirmar que a extrema complexidade do ser hu-
mano com o que o rodeia e tal como por ele é percecionado,6 implica uma ne-
cessária humildade face às grandes questões da existência humana: o ser e o seu
conhecimento, o agir e o seu sentido último.7
2
Para uma análise geral da genética, GRIFFITHS, Anthony J. F. et al., Introduction to Genetic
Analysis, 11.º ed., USA, Freeman, 2015.
3
Adotamos um conceito de cultura em termos muito latos, como algo transmitido através da
aprendizagem social, MACIONIS, John J/GERBER, Linda Marie, Sociology, Toronto, Pearson
Prentice Hall, 2011, p. 53.
4
MONTEIRO, Conde, Algumas reflexões epistemológicas sobre o Direito Penal, in AAVV, Estudos
de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2009,
pp. 759-760.
5
Sobre as ciências matemáticas, COHEN, Paul J., Set theory and the continuum hypothesis, New
York, W. A. Benjamin, 1996; em geral sobre o conhecimento científico, POPPER, KARL, The
Logic of Scientific Discovery, Routledge, 2002.
6
Sobre as limitações gnosiológicas do conhecimento humano, lembremos antes de mais KANT,
Imanuel, kritik der reinen Vernunft. German. [S.I] CreativeSpeace Independent Publishing Plat-
form, 2016; também o contributo da Gestalt neste âmbito, cf., por exemplo, KOFFKA, K., Per-
ception: An Introduction To the Gestalt Theory: A Classic Article in the History of Psychology, ed.
WEBB, David (Kindle Edition), 2014.
7
De notar que as proposições acima referidas correspondem às quatro grandes questões já formu-
ladas na Grécia antiga: ontologia (ser); teoria do conhecimento (conhecer); ética (agir) e final-
mente a metafísica (sentido último do ser).
8
Lembremos a afirmação de Disraeli em pleno séc. XIX, de que: “O cristianismo proclama o man-
damento do amor ao próximo; (…) mas na moderna sociedade não existe qualquer próximo”,
apud DIAS, Figueiredo/ANDRADE, Costa, Criminologia, O Homem delinquente e a Sociedade
86
criminógena, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 269; ainda sobre o anonimato das nossas so-
ciedades, idem, 183.
9
MONTEIRO, Conde, Algumas reflexões sobre o direito penal a partir da psicanálise, “Revista Jurí-
dica da Universidade Portucalense”, v. 15, 2012, pp.70-72.
10
Lembremos a aldeia glogal de McLUHAN, La galaxie Gutenberg, Montréal, Toronto University
Press, 1962, p. 38.
11
Lembremos a título de exemplo a estratificação funcional de classes na Idade Média e o próprio
processo de especialização no seio do povo (mesteres, jograis, almocreves, etc.).
12
Pense-se, por exemplo, nas corporações profissionais e no seu papel de selecionar os profissionais
a desempenhar os quadros de funções que estas tutelam e ainda na sua ação de fiscalização sobre
os mesmos. Relativamente à eventual tendência de enfraquecimento deste modelo, no que respei-
ta, por exemplo, às profissões jurídicas, DIAS, João Paulo/PEDROSO, João, As profissões jurídicas
entre a crise e a renovação: o impacto do processo de desjudicialização em Portugal, http://www.ces.
uc.pt/publicacoes/oficina/ficheiros/181.pdf, acesso em 27/02/2018.
87
13
Sobre este, CASTLES, Francis et al., The Oxford Handbook of The Welfare State, New York,
Oxford University Press, 2012.
14
Cf. neste sentido, por exemplo, com a Constituição Portuguesa, arts. 108 e segs.
88
15
Algo justificável em termos de relação custos-benefícios, para obter informação necessária para
um correto sentido de voto o cidadão é sujeito a uma atividade exigente e nunca totalmente rea-
lizada, no entanto, a influência individual do seu voto é nula, sobre isto, cf., por exemplo, HUE-
MER, Michael, “In Praise of Passivity”, “Studia Humana”, Vol. I, 2, 2012, p. 18.
16
Neste sentido, com ampla informação sobre o assunto, BRENNAN, Janson, Against Democracy,
Princeton, Princeton University, 2016, pp.24-30.
17
Efetivamente há questões de fundo relativamente às quais as opiniões de especialistas não pas-
89
realizado em parte alguma. No melhor dos casos teremos estudos parcelares, que
deixarão eventualmente o mais importante de fora. Efetivamente, nunca cons-
tatamos a existência de uma espécie de super-relatório relativamente a qualquer
forma de governação que cesse as suas funções, feito nos termos referidos. O que
acontece efetivamente é quem se encontra no poder é objeto de críticas por par-
te de quem está na oposição (controlo democrático por excelência). Este sistema
baseia-se numa conceção económica, por analogia (mercado livre). A política é,
por um lado, o palco do poder das diferentes fações partidárias ou/e protagonis-
tas individuais, formados sem serem submetidos a qualquer controlo de quali-
dade relativamente às suas funções e que visam em última análise a obtenção
do mesmo poder, pretendendo demonstrar ao eleitorado as falhas dos entes em
governação e assumindo-se como alternativa mais viável. Por outro lado, quem
se encontra no poder visa naturalmente continuar no seu exercício, procurando
demonstrar a sua excelência, enquanto tal e a eventual incapacidade da oposição
para governar.18 Portanto, trata-se de uma disputa interesseira, egoísta na sua
natureza (poder a todo o custo ainda que nos limites democraticamente traça-
dos), ainda que afirmando a ideia do interesse geral, dos valores democráticos,
da eficiência, etc. (conflito de interesses). Isto naturalmente distorce princípios
básicos inerentes à democracia: eficiência, justiça social, com as suas exigências
de políticas sustentadas a longo prazo, necessidade de implementação de medi-
das impopulares, mas necessárias, etc. Deste modo, o controlo democrático pela
oposição não constitui a forma ideal de contribuir para um real melhoramento
das condições de vida dos cidadãos. O controlo feito pela comunicação social,
incluindo o uso da internet, também não se configura suficiente. Desde a falta de
meios necessários para realizar investigações profundas de quaisquer políticas
até à sua inquinação epistemológica, por via de correntes ideológicas, económi-
cas, interesses de classe que a ela possam andar ligados, para além de próprias
questões de competência técnica, existem múltiplas razões que naturalmente
limitam a sua ação. Muito menos os cidadãos anónimos poderão exercer, por
princípio, um controlo neste âmbito que se afigure verdadeiramente fundado.
A sua ignorância da maior parte dos dossiers, incapacidade de meios de conhe-
cimento, etc. ditam necessariamente este julgamento. Portanto, o controlo dos
eleitores é em definitivo um controlo superficial, comungando necessariamente
sam de meras ideologias, v.g., definição de um modelo educacional de elite tout court ou em
combinação com um modelo de massas ou a adoção unicamente deste último. De resto, mesmo
num plano mais concreto, poderemos encontra-nos perante problemas indecidíveis em termos
epistemológicos, v.g., que atribuição de fatores poderá ser feita a determinadas taxas de insucesso
escolar obtidas (coeficiente de inteligência, família, professores, etc.), isto porque não poderemos
neste caso isolar os vários fatores e estabelecer relações de causa e efeito.
18
A nossa afirmação é obviamente de princípio, por múltiplos motivos pode ter lugar uma renúncia
ou não recandidatura ao cargo, por parte do ou dos respetivos titulares.
90
19
Supra n. 16.
20
Cf. neste plano HUEMER, Michael, “In Praise of Passivity”, “Studia Humana”, Vol. I, 2, 2012,
p. 12-26.
21
Pressupondo naturalmente que este tenha caráter universal e obrigatório.
22
Defendendo este modelo, cunhado pela designação de epistocrático, ESTLUND, David, Why Not
Epistocracy, Desire, Identity and Existence: Essays in Honour of T.M. Penner, Naomi Reshotko
(ed.), New York, Academic Printing and Publishing, 2003, pp. 53-69; estabelecendo critérios de
exclusão neste plano, BRENNAN, Janson, Against Democracy, Princeton, Princeton University,
2016, pp. 211- 213.
23
Cf. neste sentido com os arts. 1, 2, 3, 12, 13 e 108 da Constituição Portuguesa.
24
Sobre a noção de ditadura, NEVES, Pedro Almiro/ALMEIDA, Valdemar Cardoso, À Descoberta
da História 9, 2.ª ed., Porto, Porto Editora, 1990, p. 195.
91
25
Sobre a dignidade humana na Constituição Portuguesa, MIRANDA, Jorge/MEDEIROS, Rui,
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Portugal, Coimbra Editora, p. 77 e segs.
26
Supra n. 4.
27
É um risco que se corre se optar pela descriminação. Numa primeira fase, poder-se-á ficar no
muito elementar (neste sentido, BRENNAN, Janson, Against Democracy, Princeton, Princeton
University, 2016, pp. 211- 213), posteriormente poder-se-á aumentar as exigências em função de
interesses mais ou menos ocultos…
92
6. Síntese geral
Este conjunto de medidas certamente que não resolveria todas as ques-
tões aqui envolvidas, desde logo uma eventual apatia crónica sobre os assuntos
políticos por parte de certos eleitores.28 Por outro lado, a enorme complexidade
do processo de governação ultrapassa largamente este tipo básico de procedi-
mentos. Constituiria, no entanto, em nossa opinião um contributo importante
para uma maior consciencialização dos processos democráticos e uma maior
evolução da democracia. Seria deste modo um princípio para se caminhar no
sentido de uma maior eficiência do sistema democrático e assim do bem-estar
dos cidadãos, rejeitando deste modo soluções epistocráticas descriminantes dos
seres humanos.
28
Sobre isto e designando estes eleitores como hobbits, BRENNAN, Janson, Against Democracy,
Princeton, Princeton University, 2016, p.4.
93
1. Introdução
No caso de declarações contratuais emitidas por meios electrónicos é
fundamental ter em consideração os diferentes modos de interação possíveis (e
que encontram respaldo na nossa lei do comércio electrónico)1 e referir a im-
portância (e a viabilidade ou não) da aplicação das regras gerais sobre o erro aos
contratos celebrados por agentes2.
Em Portugal, o Dec. Lei 7/2004 de 7 de Janeiro refere, no seu artigo 33º,
a contratação electrónica sem intervenção humana (ou contratação electrónica
inter-sistémica) e estabelece que as regras gerais sobre o erro se aplicarão apenas
em certas situações:
1
- contratação electrónica interpessoal (art. 30º do DL 7/2004), interativa (arts. 27º a 29º DL
7/2004) e inter-sistémica ( ou sem intervenção humana, art. 33º DL 7/2004)
2
E não falamos apenas na questão do chamado ”erro técnico”: “contractors who use an electronic
agent would not be liable if they could prove that a technical mistake had occurred that was not
due to negligence on their part”, cfr. FELLIU, Silvia, Intelligent Agents and Consumer Protection,
“International Journal of Law and Information Technology”, Volume 9, Issue 3, 1 January 2001,
Pages 235–248, ponto 1.3.2. Esta autora refere a possibilidade, bem real, aliás, de os contratos po-
derem ser concluídos por erro técnico, apontando a hipótese de fazer funcionar aqui o princípio
da boa fé: ”electronic suppliers would share the payment of the cost of confidence in electronic
commerce”, op. citada, ponto 1.3.2 in fine. Mas, não será este custo demasiado oneroso, não com-
portará um risco demasiado elevado para os fornecedores e utilizadores de agentes electrónicos?
95
A estas três situações previstas pelo Dec. Lei 7/2004 corresponderá, en-
tão, a aplicação do preceituado nos artigos 251º (erro sobre a pessoa ou sobre
o objeto do negócio), 247º (erro na declaração) e 250º (erro na transmissão da
declaração), todos do Código Civil.
Assim, são estas as situações legalmente reconhecidas que conduzem à
aplicação das regras do erro às declarações da contratação electrónica inter-sis-
témica ou “contratação sem intervenção humana”3.
Por outro lado, é sabido que a doutrina distingue as divergências entre a
vontade e a declaração, em duas categorias distintas: as divergências intencionais
(voluntariamente assumidas pelo autor da declaração) e as divergências não in-
tencionais (e, portanto, não voluntárias). E, do modo como foi redigido o decre-
to-lei português relativo ao comércio electrónico, não restam grandes dúvidas de
que foi assumido que apenas os erros não intencionais relevariam na contratação
electrónica inter-sistémica, e mesmo esses de um modo bastante restrito.
E no entanto estamos perante novas formas de atuação, capazes de ope-
rarem de forma totalmente autónoma por si próprias sem qualquer intervenção
humana. Ou seja, estão a emergir sistemas computacionais capazes não só de
operar automaticamente, mas também autonomamente. Este é o ponto de par-
tida para a análise subsequente, destinada a indagar se é ou não possível equa-
cionar a aplicação, com as devidas adaptações, das regras gerais relativas à diver-
gência entre a vontade e a declaração aos processos declarativos conducentes à
emissão de declarações contratuais emitidas por agentes electrónicos, de modo
particular em caso de “erro na declaração”.
2. Erro na Declaração
Comecemos pela previsão do art. 247º do C.C., relativa ao erro na de-
claração. Trata-se de uma situação em que o declarante quer uma coisa mas na
3
Resta saber, no entanto, se será ou não possível aplicar esta disposição à emissão de declara-
ções por sistema informático no âmbito da contratação electrónica interativa (arts. 27º a 29º DL
7/2004). As razões subjacentes à previsão do art. 33º nº 2 também se verificarão relativamente ao
“declarante” informático nas relações interativas.
96
realidade, por erro, diz outra4. Heinrich Hörster distingue a este respeito duas
situações tipo diferenciadas5: “No primeiro caso, trata-se de um erro na própria
declaração, ou no ato da declaração (engano no meio declarativo, lapsus linguae,
erro mecânico, erro ortográfico, etc.); no segundo caso, trata-se de um erro sobre
o conteúdo da declaração (erro sobre o sentido real ou significado do declarado
no ambiente em que ele foi proferido)”. À primeira vista parece que este tipo de
erros dificilmente ocorrerá relativamente a declarações negociais emitidas por
agentes electrónicos6. É que estes programas dificilmente se enganarão ou equi-
vocarão. Podemos dizer que o equívoco é muito mais da natureza humana do
que da natureza dos agentes de software. No entanto, existe sempre a possibili-
dade de um bug informático ou até uma falha eléctrica causar uma declaração
electrónica claramente errada. Imagine-se a seguinte situação: no decurso de
uma negociação, entre agentes electrónicos, a uma série de propostas e contra-
propostas, relativas a um determinado produto, situadas no espaço entre os 15
e os 45 euros, aparece uma declaração emitida por um agente que refere “447
4
A questão do erro constitui uma área muito vasta e diversificada. Cfr. CORDEIRO, António
Menezes Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Coimbra, Livraria
Almedina, 2007, pág. 807: “O erro implica uma avaliação falsa da realidade: seja por carência de
elementos, seja por má apreciação destes e, num caso e noutro, por atuação própria ou por inter-
venção, maldosa ou inocente, da contraparte ou de terceiros. As hipóteses possíveis são infindá-
veis”. No entanto, há que estabelecer a distinção entre erro na declaração e erro-vício, referindo,
tal como o faz PINTO, Paulo Mota, “Requisitos de relevância do erro nos princípios de Direito
Europeu dos contratos e no Código Civil português”, in Estudos de homenagem ao Professor Dou-
tor Inocêncio Galvão Telles, vol. IV – Novos Estudos de Direito Privado, Coimbra, Almedina, 2003,
págs. 43-139., pág. 51 que ”diversamente do Código de Seabra, o Código Civil de 1966 considerou,
na regulamentação do erro, a distinção entre erro na declaração – isto é, o que importa um dissí-
dio entre a vontade e a declaração (aliud voluit, aliud dixit ) e erro-vício, incidente na formação
da vontade”. Claro que aqui estamos ante a questão do erro na declaração, enquanto divergência
entre o querido e o manifestado. Cfr. também VASCONCELOS, Pedro Pais de, Teoria Geral do
Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2008, pág. 699: “A divergência não intencional entre a vontade
e a declaração ocorre sempre que o declarante inadvertidamente faz constar da sua declaração
algo que não coincide com aquilo que queria declarar: é o erro na declaração, também designado
erro-obstáculo (impede a expressão correta da vontade negocial)”. Cfr. ainda ANDRADE, Ma-
nuel de, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra 1983, pág. 151: ”Aqui o declarante
diz o que não quer por inadvertência, engano ou equívoco. Emite a declaração divergente da
sua vontade real sem dar por ela”. Ou, como aponta PINTO, Carlos Alberto Mota, Teoria Geral
do Direito Civil, Coimbra Editora, 5ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto,
2012, págs. 492/493: “No erro-obstáculo, há uma divergência inconsciente entre a vontade e a
declaração, mas há um comportamento declarativo do errante”.
5
Cfr. HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Di-
reito Civil, Coimbra, Livraria Almedina, 1992, pág. 561.
6
Estamos a referir tanto os casos de erro na própria declaração, como os de erro sobre o conteúdo
da declaração. É que, como refere Heinrich Hörster “A delimitação entre o erro na própria de-
claração (Erklärungsirrtum; Irrtum im Erklärungsakt) e o erro sobre o conteúdo da declaração
(Inhaltsirrtum; Verlautsbarungsirrtum) não é sempre fácil.”, in A Parte Geral do Código Civil
Português – Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Livraria Almedina, 1992, pág. 561.
97
euros”! Numa situação destas, muito provavelmente terá ocorrido uma qualquer
falha informática que levou o agente a emitir uma declaração não conforme com
a sua “vontade interna”, ou seja, com a sua estratégia de negociação para aquela
concreta situação negocial. Neste caso parece claro, à luz do decurso da própria
negociação entre os agentes e à luz da normal atuação de um agente inteligente,
que a declaração foi emitida em erro, podendo portanto a mesma ser enquadra-
da na previsão legal do artigo 247º - a declaração negocial é anulável7. A menos
que o erro em causa constitua um evidente erro de cálculo ou de escrita8, o que
em certos casos pode ser facilmente comprovado. Imagine-se uma declaração
negocial incidindo sobre 9 unidades de um artigo, para o qual é proposto o preço
unitário de 6 euros, e no entanto a declaração do agente electrónico apresenta
um valor de 540 euros!!! Aqui parece evidente que este erro do agente electróni-
co se enquadraria na hipótese do art. 249º C.C., que prevê a possibilidade de
retificação9 -.
Pense-se agora numa outra hipótese, com base num exemplo adianta-
do por José de Oliveira Ascensão10, relativamente a declarações negociais emi-
tidas por pessoas singulares humanas, mas que bem o poderiam ser também
por agentes electrónicos: “Abel encarrega Bento de levar a Carlos uma proposta
de compra por 1.000 dólares americanos. Bento comunica 1.000 dólares aus-
tralianos.” Claro que esta situação se centra em divergência surgida através de
defeituosa transmissão da declaração por transmissário. Mas imaginemos que a
situação adquire novos contornos e se passa da seguinte forma: Abel encarrega B
(agente de software) de comprar um determinado bem ou produto, por um valor
até 1.000 dólares americanos. B contata C (também agente de software) que está
vendedor do produto em causa. E após uma proposta de C de venda do produto
por 950 £ (novecentas e cinquenta libras inglesas), B aceita, sem reparar que a
divisa em que estava a negociar era a Libra e não o dólar.
7
“O ato é anulável e não nulo, e a anulabilidade depende de o destinatário da declaração conhecer
ou dever conhecer a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro”, cfr.
LIMA, Fernando Andrade Pires de e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil Anotado,
Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 247º.
8
“…o erro de cálculo ou de escrita constitui uma subespécie do erro na declaração, dando o direito
à rectificação nos termos do art. 249º. Mas nem todo o erro de cálculo ou de escrita é relevante
para efeitos do referido artigo.”, cfr. HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil
Português – Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Livraria Almedina, 1992, pág. 565.
9
“O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através
das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”, cfr. HÖRS-
TER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil,
Coimbra, Livraria Almedina, 1992, pág. 566.
10
Cfr. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil e Teoria Geral, vol. II, Coimbra Editora 2003,
pág. 213.
98
Questão a colocar neste caso é a de saber se, face à parte final do artigo
247º, o agente electrónico C (que aparentemente negociava em Libras) conhecia
ou não que a negociação em dólares era um elemento essencial para o agente
electrónico B. Esta questão pode suscitar muitas dúvidas que só poderão ser re-
solvidas, de uma ou de outra forma, perante as circunstâncias concretas do caso.
Na situação aqui referida, podemos equacionar a possibilidade de o agente B
ter formulado sempre as suas propostas em dólares e, por isso, o agente C co-
nhecer, ou dever conhecer, que era em dólares que o agente B queria negociar.
No entanto, a situação sub-judice, pode-se ainda complicar noutro sentido, de
modo a tornar-se difícil a distinção entre o erro na declaração e o erro de escri-
ta. Pensemos na possibilidade de, no caso anterior, os agentes negociarem em
dólares australianos, mas o agente vendedor aceitar a proposta final em dólares
americanos. Neste caso, poderíamos ser levados a pensar, pelo próprio contexto
da negociação e pela troca de mensagens efetuadas, que estaríamos já perante
um evidente erro de escrita, ao abrigo do art. 249º C.C.
Como se vê, a destrinça entre estes dois tipos de desconformidade (erro
na declaração / erro de cálculo ou de escrita) entre o declarado e o “querido” nem
sempre é evidente11, muito menos nos casos de contratação electrónica inter-sis-
témica inteligente. E, no entanto, a lei prevê consequências diferentes para as hi-
póteses destes dois artigos. Assim, enquanto no art. 247º se prevê expressamente
a possibilidade de anulação da declaração12, já no art. 249º se prevê apenas um
direito à retificação. Pelo que haverá que analisar todos os elementos disponíveis
em cada caso para que seja feito um correto enquadramento legal da situação. O
Dec. Lei 7/2004 de 7 de Janeiro, no seu artigo nº 33 nº2 b), relativamente às si-
tuações de contratação entre computadores sem intervenção humana, limita-se
a mandar aplicar as regras sobre o erro na declaração às situações em que haja
11
Cfr. LIMA, Fernando Andrade Pires de, e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil Ano-
tado, citado, na anotação ao artigo 249º referem que o erro de cálculo ou de escrita contemplado
por este artigo “…deve tratar-se de um lapso ostensivo, sob pena de o caso ficar sob a alçada do
artigo 247º”.
12
Mas com a reserva constante da 2ª parte do artigo: “… desde que o declaratário conhecesse ou não
devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”, o que
pode colocar sérias dificuldades à aplicação deste artigo em caso de troca de declarações por agen-
tes electrónicos. Relativamente a esta questão, esclarece-nos Heinrich Hörster que “O elemento é
essencial quando é decisivo para o declarante! Isto significa, pelo menos no âmbito da conclusão
de um contrato, que o elemento é essencial quando for necessário, no sentido do art. 232º”, cfr. A
Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Livraria Almedi-
na, 1992, pág. 562. Atente-se ainda no que Pedro Pais de Vasconcelos, op. citada, pág. 700, refere
a este propósito: “Mas a essencialidade, só por si, não é suficiente: é ainda necessário que a mesma
essencialidade seja conhecida, ou não deva ser ignorada, da outra parte”. No entanto este Autor
entende ser bastante “nas circunstâncias concretas do negócio, a outra parte devesse, com uma
diligência normal, conhecê-la”. Atente-se ainda nos exemplos referidos por Carlos Alberto da
Mota Pinto, op. citada, pág. 495 e que, segundo este Autor, merecerão um tratamento especial.
99
3. Conclusão
O legislador português foi claramente inovador no modo como transpôs
a Diretiva 2000/31/CE (conhecida como Diretiva do Comércio Electrónico) ao
consagrar o artigo 33º para a contratação sem intervenção humana. E há que
salientar a previsão legal expressa de aplicação das regras do erro a situações de
contratação entre aplicações informáticas ou “agentes electrónicos”. No entanto,
estão a emergir sistemas computacionais capazes não só de operar automatica-
mente, mas também autonomamente. Há assim necessidade de revisitar o tema
do “erro” na declaração emitida por “agente electrónico”, em particular, e a maté-
ria das divergências entre vontade e declaração em casos de declarações emitidas
por “agentes electrónicos” tendo até em atenção os novos desenvolvimentos em
matéria de “intencionalidade” dos agentes de software14.
13
“Também o erro de cálculo ou de escrita constitui uma subespécie do erro na declaração, dando
direito à rectificação nos termos do art. 249º”, cfr. HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do
Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Livraria Almedina, 1992, pág.
565. Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, op. citada, pág. 700 “Em vez de se anular a declara-
ção negocial, importa neste caso corrigi-la, desde que se verifiquem os pressupostos da correção”.
14
Cfr. SARTOR, Giovanni, Cognitive Automata and the Law: electonic contracting and the inten-
tionality of software agents, in “Artificial Intelligence and Law” Springer Science+Business Media
B.V. 2009, 10.1007/s10506-009-9081-0.
100
Francisco Gina
Doutorando em Sociologia. Mestre em Direito pela Universidade do Minho.
Professor Assistente da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho
Neto.
1. Introdução
Vivemos num período de grandes modificações sociais. É uma realida-
de particularmente desafiante e cheia de complexos problemas. Sem pretender
uma resposta cabal sobre os tais problemas, irei limitar-me, no plano do di-
reito comparado, extrair consequências prenhes de sentido ôntico-axiológico
e de política legislativa, que permitam um indagar um olhar crítico-analítico
e reflexivo da realidade lusófona de que somos parte integrante. A comunica-
ção atem-se a um importante direito fundamental contemporâneo, o direito
à informação, em especial o uso das redes sociais como meio de propaganda
na realização das eleições. O Estado é o maior “cliente” da justiça, as nuances
no meio digital em Angola, segundo a Constituição de 2010, é a criação de
uma sociedade de justiça e progresso social (artigo 1º, da CRA 2010). Qual é
o modelo a seguir? Até que ponto as práticas se compatibilizam este princípio
constitucional?
101
1.2. Objetivos
1.3. Métodos
1
STRAUSS, Anselm e CORBIN, Juliet. Basics of Qualitative Research - Grounded Theory Proce-
dures and Techniques. Newbury Park, CA: Sage Publications, 1990.
2.1. Desenvolvimento
a) Prolegómenos
A tradição histórica portuguesa sobre o direito à informação começa a
dar os seus primeiros passos com o advento da revolução francesa que edifica
uma nova realidade jurídica assente nos direitos naturais dos indivíduos. Como,
por outro lado, refere GOMES CANOTILHO2, no novo tipo de estado em causa,
todos os homens nasciam iguais perante o Estado, todos os homens eram livres
perante o mesmo Estado (princípios da igualdade e liberdade). O facto de, igual-
mente, a administração se ter de sujeitar ao princípio da legalidade vai ser de-
terminante no relacionamento entre o direito penal (geral), o novo direito penal
administrativo (emergente), e o direito à informação. Em Angola iniciou-se uma
nova etapa de progresso social, após um regime de partido único, de tipo sovié-
tico que vigorou (1975 – 1991) seguido de um regime de Estado Democrático de
Direito, de tipo Eduardoalista (2002 – 2017). A configuração política tem início
com o processo de transição política e economica. Ganham aqui os direitos e
liberdade de opinião, reunião, manifestação, organização sindical e de greve.
A partir deste embasamento jurídico torna-se possível abordar sobre os
direitos fundamentais dos cidadãos, em geral e sobre o direito à informação em
particular (artigo 22º a 88º, da CRA 2010), considerando que a sociedade de
justiça e progresso social é a mais relevante sob a orbita.
O artigo em órbita dispõe de perspetiva do direito à informação no âm-
bito virtual, dentro do paradigma tecnológico da sociopolítica no século XXI.
Qual o modelo a seguir? Há distintos modelos de processo electrónico que po-
dem ou não ser compatíveis com o sistema.
Em 2002, com o fim da guerra civil, a aplicação de direitos fundamentais
é posta em segundo plano, basta a mediação a liberdade de expressão, liberdade
de imprensa é exercida e reconhecida pelas ferramentas de difusão da mani-
festação (Notícias). Em 2008, José Eduardos dos Santos (JES) havia prometido
produzir mais para distribuir melhor. Em vez disso, assistimos a um enriqueci-
mento assustador, ilícito e injustificado de pessoas à frente do poder. Difundiu-
-se nas redes sociais, “Dos Santos o povo não te quer”. Que direito à informação
é imprescindível em Angola? A legislação vai punir crimes cometidos nas redes
sociais: o novo código penal inclina-se no sentido do o direito à informação,
subentendido a partir da liberdade de expressão com recursos aos sistemas elec-
2
GOMES CANOTILHOS, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. ed., Coimbra, Alme-
dina, 2003, p. 17.
103
3
Idem.
4
KOATZ, Rafael Lorenzo- Fernandez. “As liberdades de expressão e de imprensa da jurispru-
dência do STF”. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgong. Direitos fundamentais no
supremo tribunal federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen juris. 2011.
5
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos de personalidade. “Revis-
ta latino – americana de estudos constitucionais”. S. Paulo: Del Rey, nº 5, janeiro- junho de 2005.
6
Idem, p.318.
104
3.1. Introdução
7
SCHMITT, Rosane Heineck. “Direito à informação: liberdade de imprensa vs direito à privaci-
dade”. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A Constituição concretizada: construindo pontes com o
público e o privado. Porto Alegre: livraria do advogado, 2000, p.218.
8
Lembre-se neste sentido desde logo a Grande Depressão.
105
a) Prolegómenos
Em 1979, sendo Ministro da Justiça o Prof. Doutor Eduardo Correia,
teve lugar a primeira manifestação legislativa no sentido de introduzir o direito
das contraordenações em Portugal. Tratou-se efetivamente do Decreto Lei n.º
232/79, de 24 de Julho.
b.3) O impacto das redes sociais como meio de propaganda nas cam-
panhas eleitorais
Autores como Sant´Anna e Jardim9, afirmaram que: “as tecnologias da
informação e comunicação (TIC) é difundida, por meio de inúmeros suportes
midiaticos, como o jornal, a televisão e o rádio, rompem barreiras e promovem
o acesso e a veiculação de informações a todas as formas de comunicação e em
todas as partes do mundo”. Assim o uso das redes sociais como meio de propa-
ganda, tem vindo a consagrar-se como uma das principais armas para atender a
demanda dos usuários nas redes sociais.
O uso das redes sociais como meio de propaganda afetou as escolhas dos
destinos e modos de realização das campahas eleitorais no mundo. Em Angola
o Presidente da República João Lourenço utiliza as redes sociais como forma de
propaganda e reforço a sua popularidade, auscultação dos problemas que infer-
9
SANT´ANNA, Adriano Lins Pinheiro; JARDIM, Gabriel de Sena. Turismo on-line: oportunidades
e desafios em um novo cenário profissional. “Observatório de INOVAÇÃO E TURISMO – REVIS-
TA ACADÊMICA (S.L.)”, V.2, Nº 3, 2007, pp. 1 – 14.
106
mam a população. Fruto disso, no seu blogue tem recebido informações perti-
nentes para sua governação. No Twitter em que diz que “a corrupção não terá vez
na nossa governação. Vamos combater o amiguismo e o suborno”.
As interações entre o uso das redes sociais como meio de propaganda
em Angola, e o sistema político têm suscitado novos paradigmas na esfera da
sociedade de justiça e progresso sociopolítico, com repercussões para o pacato
cidadão.
Para Santos10, as disjunções entre a temporalidade mediática e a judicial,
assim como os diferentes códigos linguísticos utilizados, nas redes sociais como
instrumentos propagandistica, são responsáveis por tensões de parte a parte na
prossecução das respetivas funções e papéis sociais. Ou seja, uma justiça orien-
tada por uma racionalidade jurídico-legal que visa a preservação dos direitos e
o cumprimento estrito das determinações legais, que pode enfrentar a concor-
rência paralela de uma comunicação social que pretende assumir-se como os
olhos e ouvidos do público perante casos que afetam a ordem social e ou moral
da comunidade.
Autores como Costa11, Dâmaso12, Santos13 inferiram-se da eventual re-
lação entre a propaganda comercial dos temas judiciais e a reestruturação do
mercado mediático que acentuou a concorrência entre os agentes e usuários.
Foi assim que em Portugal, nos anos 90 do século XX, levou ao surgimen-
to de canais de televisão privados e novos títulos de imprensa escrita, por razões
da desestatização da comunicação social.
Na perspetiva atual pretende-se, compreender os paradigmas reflexivos
do uso das redes sociais como meios de propaganda enquanto sujeitos relevantes
no escrutínio público da justiça.
3.3. Crítica
10
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os tribunais e as novas tecnologias de comunicação e de
informação, “Sociologias”, 7(13), 2005, pp. 82-109.
11
COSTA, Artur R. Justiça e comunicação social, “Revista do Ministério Público”, 27, 2006,
pp. 5-26.
12
DÂMASO, Eduardo. Os segredos da justiça e todos os outros, “Revista Manifesto”, 7, 2004,
pp. 6-21.
13
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os tribunais e as novas tecnologias de comunicação e de
informação, op.cit.
107
4.1. Desenvolvimento
a) Prolegómenos
A transparência elevou-se, com a mundialização do conhecimento e
deixa por resolver algumas questões essenciais sobre, os limites do direito à li-
berdade de expressão e de informação. Podemos, compreender que o direito de
não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, de receber e de difundir,
sem limitação de fronteiras, as informações e as ideias, por quaisquer meios de
expressão nos termos do (artigo 19º, da Declaração Universal dos Direitos do
Homem).
14
Neste sentido, MONTEIRO, Conde, Direito Penal I, Braga, ELSA UMINHO, 2015, p. 100 e segs.
15
Rodrigues, José Cunha, Comunicar e Julgar. Coimbra: Minerva. 1999, p. 37.
16
Idem, ibidem.
108
c) Reflexões conclusivas
A primeira nota importante a referir é que não existem critérios absolutos
de demarcação entre os dois ilícitos em questão. O uso incurreto dos meios in-
formáticos constitui problema jurídico, por parte da queles que fazem clonagens
de cartões visa, burla eletrónica, furtos, incitamento ao cometimento do crime,
a violação dos direitos de personalidade e difamação. Portanto, poderemos ter
ilícitos contraordenacionais muito graves e crimes pouco graves, independente-
mente dos critérios adotados.
Referências
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos de personalidade.
“Revista latino – americana de estudos constitucionais”. S. Paulo: Del Rey, nº 5,
janeiro- junho de 2005.
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. ed., Coimbra,
Almedina 2003.
COSTA, Artur R. Justiça e comunicação social, “Revista do Ministério Público”, 27, 2006,
pp. 5-26.
DÂMASO, Eduardo. Os segredos da justiça e todos os outros, “Revista Manifesto”, 7, 2004,
pp. 6-21.
KOATZ, Rafael Lorenzo- Fernandez. “As liberdades de expressão e de imprensa da juris-
prudência do STF”. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgong. Direitos
fundamentais no supremo tribunal federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lu-
men juris. 2011.
MONTEIRO, Conde (2015) Direito Penal I, Braga, ELSA UMINHO.
RODRIGUES, José Cunha. Comunicar e Julgar. Coimbra: Minerva.1999.
SANT´ANNA, Adriano Lins Pinheiro; JARDIM, Gabriel de Sena, (2007) Turismo on-li-
ne: oportunidades e desafios em um novo cenário profissional. “Observatório de
INOVAÇÃO E TURISMO – REVISTA ACADÊMICA (S.L.)”, V.2, Nº 3, PP. 1 – 14.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os tribunais e as novas tecnologias de comunicação e de
informação. “Sociologias”. 7(13). 2005. pp. 82-109.
SCHMITT, Rosane Heineck. “Direito à informação: liberdade de imprensa vs direito à
privacidade”. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A Constituição concretizada:
construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: livraria do advoga-
do.2000.
STRAUSS, Anselm e CORBIN, Juliet. Basics of Qualitative Research. Grounded Theory
Procedures and Techniques. Newbury Park, CA: Sage Publications.1990.
109
1
SOUSA, Nuno e. A liberdade de imprensa. Coimbra: Coimbra, 1984, p. 293.
111
2
MILL, John Stuart. Da liberdade de pensamento e expressão. 2 ed. Lisboa: Publicações Dom Qui-
xote, 1976, p. 276.
3
Debord, Guy. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. São Paulo: Contraponto Editora,
1997.
4
BAUMAN, Zygmunt. Vigilância líquida: diálogos com David Lyon/Zigmunt Bauman. Tradução:
Carlos Alberto Medeiros – Rio de Janeiro:Zarah, 2013.
112
acordo com Stefano Rodotà5, a privacidade demanda “um tipo de proteção dinâ-
mica, que segue o dado em todos os seus movimentos”.
Percebe-se que as esferas da liberdade de expressão e de informação en-
tram em embate com as da privacidade e intimidade, pois ambas são amparadas
constitucionalmente. Nesta senda, destaca-se a relação que é estabelecida entre
os biógrafos e os biografados, pois de um lado aquele quer exercer sua profissão
através da efetivação da liberdade de expressão e informação, em contrapartida
estes visam à proteção de sua vida íntima e privada.
5
RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 17.
6
VILAS BOAS, Sergio. Biografias e biógrafos: jornalismo sobre personagens. São Paulo. Summu,
2002, p. 39.
113
7
FERRARI, Janice Helena. Direito à própria imagem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 142.
114
8
TEPEDINO, Gustavo. Opinião Doutrinária, p. 29. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/
arquivo_artigo/art20120823-06.pdf >. Acesso em: 20 set. 2017.
9
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815. Requerente:
Associação Nacional dos Editores de Livros – ANEL. Relatora Ministra Carmen Lúcia. Brasília,
10 de julho de 2015, p. 98-99.
115
10
Idem, p. 100.
11
Idem, p. 113.
116
4. Conclusão
O conflito entre liberdade de expressão e direito à imagem e à privacidade
é comum, destaca-se o caso das biografias não autorizadas, que trouxe à tona
um debate acerca da constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil
de 2002, pois de acordo com a petição inicial da Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade nº. 4815 apresentada pela Associação Nacional dos Editores de Livros
(ANEL), tais artigos não estavam sendo interpretados de acordo com o disposto
na Constituição Federal de 1988, haja vista que os dispositivos infraconstitucio-
nais prezavam pela tutela da vida privada e intimidade em detrimento da liber-
dade de expressão e de informação, o que não seria compatível com o contexto
democrático vigente.
Nesta senda, a ADI nº. 4815 foi apresentada visando que o Supremo Tri-
bunal Federal estabelecesse uma interpretação conforme dos artigos 20 e 21 do
Código Civil de 2002 com a Constituição Federal de 1998. A referida ação foi
julgada pelo STF, tendo como relatora a ministra Carmen Lúcia, que proferiu
voto no sentido de dar procedência ao pedido da ADI, declarou a inexigibilidade
da prévia autorização para a publicação de biografias.
O voto ressalta a importância das biografias para a consolidação de um
contexto histórico, assevera sobre a incompatibilidade da liberdade de expressão
com a censura defendida nos dispositivos infraconstitucionais do Código Civil
de 2002, pois a censura está relacionada com práticas abusivas e ditatoriais, o que
não é preponderante em um Estado Democrático de Direito.
A prévia autorização para a publicação de biografias dá espaço para a
censura prévia à liberdade de expressão e de informação. Neste diapasão, o voto
proferido pela ministra preferiu o exercício do direito fundamental à liberdade
de expressão e de informação, com o fundamento de que tais direitos são essen-
ciais para a consolidação do Estado Democrático de Direito.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Vigilância líquida: diálogos com David Lyon/Zigmunt Bauman. Tra-
dução: Carlos Alberto Medeiros – Rio de Janeiro:Zarah, 2013.
BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002.
________, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815. Re-
querente: Associação Nacional dos Editores de Livros – ANEL. Relatora Ministra
Carmen Lúcia. Brasília, 10 de julho de 2015.
BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 4 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
DEBORD, Guy. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. São Paulo: Contraponto
Editora, 1997.
117
118
1. Considerações Iniciais
Em nome da liberdade de expressão, muito se fala sobre a necessidade de
um princípio de “neutralidade de rede” a incidir sobre as infraestruturas físicas
que dão suporte à internet. Com algumas variações, tal princípio foi adotado
pela União Europeia (Regulamento 2120/2015), pelo Brasil (Lei nº 12.965/2014)
e pelos Estados Unidos, até dezembro de 2017.
A intenção de proteger o discurso e a liberdade de expressão, contudo,
tem encontrado novos desafios relacionados ao modo como determinadas em-
presas de internet tratam e manipulam o conteúdo de seus usuários. A hipótese
de que a internet eliminaria intermediários entre emissor e receptor da informa-
ção, dificultando censura e filtros ao discurso, se mostrou, no mínimo, inexata.
Ao contrário, há indícios de atuação consciente e intencional de elementos hu-
manos e algoritmos programados nas atividades de seleção, organização e dis-
tribuição de conteúdos pelas novas plataformas online, como Google, FaceBook,
Twitter, entre outras.
A literatura tem revelado, com clareza cada vez maior, que grandes em-
presas de internet, como redes sociais e buscadores, em razão de posição econô-
mica dominante, são capazes de atuar como gatekeepers da informação, moldan-
do o discurso, censurando conteúdos e influenciando informações que circulam
na rede mundial. Pior, a atuação conjunta de gatekeepers privados e agentes esta-
119
tais cria o que o professor Jack Balkin chama de New-School Speech Regulation1.
O presente artigo pretende averiguar se essas empresas teriam direito a
uma liberdade editorial que as permitisse organizar, sintetizar e transmitir a in-
formação a seus leitores e quais seriam os limites dessa liberdade. Um buscador
pode simplesmente eliminar de suas listas de busca os sites de empresas concor-
rentes? Poderia excluir conteúdos com os quais discorde politicamente? Diante
disso, seria oportuna regulação que impusesse uma espécie de “neutralidade de
rede” a incidir também sobre essas aplicações e não somente sobre as empresas
de infraestrutura da internet? Essas e outras perguntas permanecem, ainda, sem
uma resposta adequada.
2. Os Contornos do Problema
Na era digital, a forma de produção e, principalmente, de distribuição da
informação sofreram fortes modificações.
Quanto à produção de conteúdo, o custo de se expressar e manifestar
ideias foi notoriamente reduzido. Hoje, com um mínimo domínio de programas
amadores de edição de texto e imagens, qualquer um produz e edita um conteú-
do de razoável qualidade técnica. No que tange à distribuição, as plataformas
digitais massificaram a informação e se tornaram o principal meio pelo qual
ela transita. Grandes empresas como Facebook, Twitter e Google se tornaram
os aglutinadores e intermediários do fluxo da informação e os mediadores do
discurso.
Diante disso, não é difícil perceber um câmbio das premissas que baliza-
ram a lógica jurídica da defesa da liberdade de expressão no século XX. E quais
eram essas premissas, hoje em parte superadas? Escassez de emissores e fontes
de discurso, escassez dos meios para divulgação da informação. Tais premissas
forjaram um conjunto de regras que visava, entre outras finalidades: (i) proteger
a fonte da expressão; e (ii) dar liberdade editorial aos meios de comunicação
tradicionais, como jornais, rádio e televisão2.
O problema hoje, contudo, repousa menos na escassez de vozes que pre-
tendem se expressar que nos meios de divulgação3. O excesso de conteúdo pro-
duzido e disponível por meio das mais variadas plataformas digitais gera uma
escassez de atenção. Não é mais o discurso que é escasso, é a atenção do leitor,
1
BALKIN, Jack M.., Old-School/New-School Speech Regulation. “Faculty Scholarship Series”, Paper
4877, 2014.
2
Há distinções sutis entre a liberdade editorial da imprensa escrita e dos meios que utilizam ra-
diofrequências. Um caso clássico sobre essa distinção é FCC v. Pacifica Foundation 438 U.S. 726
(1978).
3
WU, Tim. Is the First Amendment Obsolete?. “Columbia Public Law Research Paper”, nº 14, 2017.
120
4
Dentre as finalidades da dimensão substantiva da liberdade de expressão, estão a procura da
verdade, o mercado livre de ideais, a autodeterminação democrática, o controle da atividade do
governo e o exercício do poder, etc. Vide em: MACHADO, Jónatas. Liberdade de expressão: Di-
mensões constituições da esfera pública no sistema constitucional. Coimbra: Coimbra, 2002, pp.
237 a 292.
5
Juridicamente, está amparada no art. 222 da Constituição Federal. O § 1º preceitua que “nenhuma
lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística
em qualquer veículo de comunicação social”, enquanto o § 2º veda a censura de natureza política,
ideológica e artística.
6
De REZENDE, Renato Monteiro. Direitos Prestacionais da Comunicação. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 204.
7
É o caso do rol de princípios do art. 221.
121
8
Vide a obrigação na prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais,
conforme art. 223 da Constituição Federal.
9
É o caso, por exemplo, das cotas de conteúdo estabelecidas na Lei nº 12.485/2011.
10
Em 1949, a Federal Communications Commission – FCC editou norma que obrigava os radio-
difusores a devotar um tempo razoável de transmissão para a discussão de questões políticas
importantes para as respectivas comunidades em que atuavam. Além disso, obrigavam os edito-
riais a adotar um comportamento justo (fair), bem como uma cobertura balanceada das questões
controversas (balanced).
11
Zhang v. Baidu, 10 F.Supp.3d 433 (2014).
12
Langdon v. Google Inc., 474 F. Supp. 2d 622, 629-30 (2007).
13
E-ventures Worldwide, LLC v. Google, Inc., 2016 WL 2758889 (2016).
14
NUNEZ, Michael. Former Facebook Worker: We Routinely Supressed Conservative News:
https://gizmodo.com/former-facebook-workers-we-routinely-suppressed-conser-1775461006
Acesso em 26/2/2018.
122
15
Leetaru, Kalev. When Facebook Censors Journalists: https://www.forbes.com/sites/kalevleeta-
ru/2017/06/17/when-facebook-censors-journalists/#10a858677e4e Acesso em 26/2/2018.
16
Leetaru, Kalev. Is Twitter Really Censoring Free Speech?: https://www.forbes.com/sites/kalevlee-
taru/2018/01/12/is-twitter-really-censoring-free-speech/#62ad1a3465f5. Acesso em 26/2/2018.
17
Os dados são de 66% para o Brasil, 62% para Portugal. Vide: Reuters Institute Digital News Re-
port 2017, p. 11.
18
Nos EUA, o Google detém quase 90% do mercado de buscas online, no Brasil 95%. No mundo,
a participação de mercado do Google ultrapassa os 90%, apesar do domínio do Baidu na China:
http://gs.statcounter.com/search-engine-market-share . Acesso em 26/2/2018.
19
Por exemplo: SARTOR, Giovanni. “New Technologies and EU Law”. Collected courses of the
Academy of European Law, nº 24/2, Oxford: Oxford University Press, 2017, pp. 174-196.
20
É o caso do RE 1037396, com repercussão geral reconhecida no Supremo Tribunal Federal – STF.
21
Enquanto o Youtube retira 90% de conteúdos ilegais, o Facebook remove 39% e o Twitter apenas
1%.
22
VOLOKH, Eugene et al. Google First Amendment Protection for Search Engine Results. White
Paper, 2012.
123
23
WHITNEY, Heather M. and SIMPSON, Robert. Search Engines and Free Speech Coverage Forth-
coming, Free Speech in the Digital Age. Susan J. Brison (eds.), 2017.
24
BALKIN, Jack. Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New-
School Speech Regulation. “Yale Law School, Public Law Research Paper”, nº 615, p. 7.
25
Art. 9º do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014.
26
Regulamento (EU) 2015/2120.
124
a humana27. Mas não se trata disso, até porque o algoritmo pressupõe uma pro-
gramação humana inicial. O que está em jogo é a conveniência e forma de uma
regulação sobre uma infraestrutura novel de medição da informação.
O papel dos atuais intermediários da informação difere daquele exercido
pelos meios de comunicação tradicionais do século XX. Estes últimos produzem
seu próprio conteúdo28 e os direitos de livre expressão são intermediados entre
dois atores: Estado e veículos de comunicação. Para os novos intermediários, o
modelo é triádico, contemplando o Estado, veículos de comunicação e usuários
que emitem opiniões e discursos.
Também os veículos de comunicação sofreram mutações relevantes. A
interface entre os emissores e receptores do discurso passou a ser operada por
empresas de infraestrutura digital que permitem a inundação do espaço de dis-
cussão por propaganda e notícias falsas, por exemplo. Dificulta-se identificação
do que é falso ou não, abarrotando os canais de notícias e criando clickbaits para
captar a escassez de atenção dos usuários.
Os veículos tradicionais de comunicação, como jornais, editoras, inter
alia, inobstante exercerem intermédio da informação, não consubstanciam o pa-
pel de gatekeepers da informação como as novas plataformas digitais. Os veículos
tradicionais produzem seu próprio conteúdo, servem de vazão para um restrito
grupo de artistas e intelectuais e distribui conteúdo produzido por outras empre-
sas para uma audiência de massa.
Inexistem, entretanto, uma massa de pessoas que produzem e procuram
difundir seu próprio conteúdo e um forte centro intermediador da comunica-
ção. Isso representa se não uma mudança, ao menos um reajuste naquilo que
Habermas definiu como “transformação estrutural na esfera pública”, em que a
comunicação é resultado do equilíbrio entre “burocracias privadas, associações
de grupos de interesse, partidos e a administração pública”, deixando excluído o
público em geral29.
27
MINOR, Benjamin Stuart. Algorithms and Speech. “University of Pennsylvania Law Review”, vol.
161, nº 6, 2013, pp. 1445-1494.
28
BALKIN, Jack. Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New-
School Speech Regulation. “Yale Law School, Public Law Research Paper”, nº 615, pp. 47-48.
29
HABERMAS, Jürgen. The Structural Transformation of the Public Sphere. An Inquiry into a Cat-
egory of Bourgeois Society. MIT Press, 1989, p. 176.
125
30
BALKIN, Jack M.. Old-School/New-School Speech Regulation. “Faculty Scholarship Series”. Paper
4877, 2014.
31
SIEBERT, Fred et al. Four Theories of the Press: The Authoritarian, Libertarian, Social Responsi-
bility and Soviet Communist Concepts of What the Press Should Be and Do. Chicago: University of
Illinois Press, 1963.
126
1. Introdução
Desde a antiguidade grega, a ideia de hospitalidade ganha contornos de re-
levada importância no trato com o estrangeiro1. Tratou-se de instituição que teve
sua origem nas relações privadas, mas que foi ganhando contornos políticos com
o passar dos tempos2. O sistema jurídico vigente na época dos clãs (genos), unida-
des políticas que se assentavam num conceito de parentesco bastante diverso do
atual, em que o vínculo, real ou fictício de seus membros, esteve assentado “numa
forte solidariedade activa e passiva dos membros do clã”3, passou a conviver com
a figura do protetor do estrangeiro (espécie de protoagente consular), de caráter
hereditário e geral4. Por essa época, o código de honra da timé, formado de noções
essenciais e funcionais para essa comunidade – como eram as noções de justiça
1
ALVES, Marcelo. O humano em Homero. “Archai”. Brasilia, n. 8, 2012, p. 40. Disponível em:
http://periodicos.unb.br/index.php/archai/article/viewFile/7606/5882. Último acesso em
20.08.2017.
2
TÉNÉKIDÈS, Georges. Droit international et communautés fédérales dans la Grèce des cites. “Re-
cueil des Cours”, 1956, v. 469, p. 535.
3
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito 2. ed. Coimbra: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 74.
4
TÉNÉKIDÈS. Droit international..., cit., p. 536.
127
e hospitalidade, tal como descritas nas obras de Homero – era extremamente re-
levante. Nelas, “a hospitalidade caracteriza-se por ser essencial à estruturação do
mundo homérico não tanto por ser parte dominante de seu código de conduta
moral, mas, sobretudo, por constituir um valor que visa o desenvolvimento do
humano, o qual pode conferir-se de caráter notadamente universal”5.
Cuida-se de um modo de agir em face dos estrangeiros, bastante dife-
renciado daquele que se verificava no agir dos demais povos da antiguidade6,
ainda que essa hospitalidade fosse mais comumente endereçada ao estrangeiro
próximo, àquele que comungava de certos valores7. Fosse por receio da proteção
que Zeus parecia conceder aos que não pertenciam à comunidade (da cidade)
que observava o código de honra da timé, como era o caso dos suplicantes e dos
estrangeiros8, xeinoi, fosse por vontade própria, manifestação atávica, intrínseca,
que era manifestada pela sociedade descrita por Homero como sendo própria de
sua cultura (donde sua origem privada como ressaltado por Ténékidès), fato é
que vigia então um modo de acolhida dos estrangeiros que se exprimia pelo res-
peito e civilidade com que eram recebidos. Numa palavra, com hospitalidade9,
que era o gérmen para outros valores nobres na atuação em sociedade, como são
a amizade, o respeito e a justiça, por exemplo.
A hospitalidade é, para os gregos antigos, assim, a melhor expressão do
respeito pelo outro, ao mesmo tempo a prática e o valor que apontam para aquilo
que não pode ser ignorado sem que não custe a própria supressão do humano10.
Não se deve, todavia, olvidar que o próprio modo de organização política
vigente na Grécia Antiga fazia com que, “no interior dessa Grécia, de cidade em
cidade, o estrangeiro não o fosse que só relativamente”11. Nesse sentido, o estran-
geiro absoluto era aquele que não guardava qualquer relação com a região, com
sua língua e sua cultura. E a esse a hospitalidade não sorria. Por não ser cidadão
de uma cidade helênica, o estrangeiro absoluto não tinha acesso às instituições
que lhe eram próprias e podia, no limite, ser reduzido à condição de objeto de
direito, tendo Isócrates afirmado que a diferença existente entre um grego e um
bárbaro não era menor que a existente entre um homem e um animal12.
5
FREITAS, Monica Silva de. A hospitalidade em Homero. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/
index.php/Itaca/article/download/2414/2063. Último acesso em 20.08.2017.
6
DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito internacional privado. 12. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016, p. 24.
7
ANCEL, Bertrand. Éléments d’histoire du droit international privé. Paris: Éditions Panthéon-As-
sas, 2017, p. 28-29.
8
ALVES. O humano…, cit., p. 41-42.
9
FREITAS. A hospitalidade…, cit.
10
ALVES. O humano…, cit., p. 46.
11
ANCEL. Éléments..., cit., p. 28.
12
TÉNÉKIDÈS. Droit international..., cit., p. 476 e s.
128
2. Desenvolvimento
2.1. O estrangeiro, feito imigrante, ao se ambientar em uma nova locali-
dade, traz consigo traços culturais que lhe são característicos. Ao permanecerem
por um período mais ou menos largo de tempo, os estrangeiros passam por um
processo de aculturação que pode ser mais ou menos rápido, de maior ou menor
intensidade14.
No entanto, no Brasil, essa aculturação viu-se dificultada. Com efeito,
grande parte das sucessivas levas de imigrantes que para aqui acorreram após a
abolição da escravidão e a intensa política de substituição da mão de obra agrí-
cola por imigrantes acabou por incentivar e facilitar a imigração familial, em que
famílias de estrangeiros, formadas no exterior, com prole lá nascida, era recep-
cionada no Brasil e deslocada para uma mesma localidade ou região, onde havia
uma predominância de imigrantes de mesma origem. As famílias, assim, eram
encaminhadas para regiões onde outras famílias de mesma origem e cultura já se
encontravam fixadas ou viriam a se fixar.
Do ponto de vista normativo, essa política de acolhimento relativamente
hospitaleira dos imigrantes familiais convivia com a vigência da norma de con-
flitos brasileira que determinava então a aplicação da lei da nacionalidade dos
membros da família, autorizando-os a continuar a se comportar de acordo com
as regras jurídicas de conformação familiar vigentes em seus países de origem15.
Quer isto significar que consciente ou inconscientemente havia uma
autorização do Estado brasileiro para que os imigrantes aqui acolhidos conti-
13
TÉNÉKIDÈS. Droit international..., cit., p. 536-538; ANCEL. Éléments..., cit., p. 29-30.
14
DESCOLA, Philippe. Outras naturezas, outras culturas. São Paulo: Editora 34, 2016, p. 10-11 e 14.
15
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Direito Internacional Privado da Família: influências da
História e da Geografia do Brasil. In: MONACO; FULCHIRON (Coord.). Famílias internacio-
nais: seus direitos, seus deveres. São Paulo: Intelecto, 2016.
129
16
CARDOSO, Ruth. Obra reunida. São Paulo: Mameluco, 2011, p. 55.
17
CARDOSO. Obra..., cit., p. 57.
18
CARDOSO. Obra..., cit., p. 58.
19
Convenção de Havana de Direito Internacional Privado, firmada aos 20 de fevereiro de 1928,
ratificado pelo Brasil em 3 de agosto de 1929 e publicada como apenso ao Decreto nº 18.871, de
13 de agosto de 1929.
130
20
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Controle de constitucionalidade da lei estrangeira. São
Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 31-36.
21
HESPANHA, António Manuel. O Caleidoscópio do Direito. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2014,
p. 40, nota 25.
131
aos que eram garantidos aos demais membros da população. Uma única socie-
dade formada por nacionais e estrangeiros aqui acolhidos e um mesmo arcabou-
ço normativo de direitos e obrigações uniformes.
Todo câmbio, todavia, tem um preço.
A imposição arbitrária de um único direito material a todos os habitantes
do Estado Novo, em 1942, pode ter obrigado os membros das comunidades de
imigrantes a repensar seu modo de organização familiar. Com a intenção de tor-
nar uniforme a legislação material aplicável em matéria de personalidade, capa-
cidade, nome e direitos de família, terá sido lícito ao Estado brasileiro modificar
de um momento para o outro as normas aplicáveis a tais aspectos da vida civil.
Do ponto de vista formal, trata-se da vontade do Estado legislador – ainda que
não do legislador propriamente dito, haja vista a utilização do Decreto-lei como
via de introdução da modificação normativa – e a fixação de domicílio no terri-
tório brasileiro sujeitava tais imigrantes, em tese, a tal demonstração de império
normativo estatal.
Substancialmente, entretanto, tal medida teve o condão potencial de
modificar o arcabouço de relações familiares, alterar suas extensões e, princi-
palmente, ocasionar transformações mais ou menos profundas nos efeitos que
decorrem das divergências certamente existentes entre o modo de se organizar
a família aqui e alhures. Com efeito, o cotejo de uma e outra das legislações em
tela, (i) a que se aplicava em razão da nacionalidade dos membros da família ou
da nacionalidade do chefe do grupo familiar e (ii) a que passou a ser aplicável
em razão do domicílio do núcleo familiar, pode demonstrar uma pluralidade de
estruturas jurídico-normativas para os mesmos fatos sociais, podendo provocar
dificuldades de enfrentamento valorativo da parte dos envolvidos.
A submissão material de todas as famílias domiciliadas em solo nacio-
nal aos ditames da lei brasileira, se trouxe de um lado o benefício sistemático
da aplicação de uma mesma lei a todos os que tomavam parte no mesmo tipo
de relações juridicamente relevantes de caráter pessoal ou familiar, homogenei-
zando os efeitos esperados e aqueles efetivamente concretizados, também pode
ter representado, de outro lado, um passo atrás num certo modo espontâneo
de manifestação de um pluralismo jurídico calcado no caráter multicultural da
sociedade brasileira de então.
Como salienta António Manuel Hespanha, o “aprofundamento do ca-
rácter multicultural” das sociedades que atualmente vivenciam uma “imigração
massiva” em seus territórios, fez com que “o tema do pluralismo jurídico ga-
nh[asse] ainda maior importância, sendo hoje abundantíssima a literatura de-
dicada às relações entre os direitos dos países de acolhimento e os direitos de
origem das comunidades imigrantes”22.
22
HESPANHA. O Caleidoscópio..., cit., p. 65.
132
23
GUILLAUMÉ, Johanna. L’affaiblissement de l’État-Nation et le droit international privé. Paris:
L.G.D.J., 2011, p. 36.
24
BATIFFOL, Henri. Le pluralisme des méthodes en droit international privé. “Recueil des Cours”,
1973, v. 139.
25
MAYER, Pierre. Le méthodes de la reconnaissance en droit international privé. Choix d’articles.
Paris: L.G.D.J, 2015, p. 193-217.
26
GAUDEMET-TALLON, Hélène. Le pluralisme en droit international privé. “Recueil des Cours”,
2005, v. 312.
27
Tese inédita. Regras de concurso público em que o autor está inscrito.
28
BARTIN, Étienne-Adolphe. De l’impossibilité d’arriver à suppression définitive des conflits de lois.
“Journal du Droit International”. n. 24, p. 225-255, p. 466-495 e p. 720-738, 1897; DESPAGNET,
Frantz. Des conflits de lois relatifs a la qualification des rapports juridiques. “Journal du Droit
International”, n. 25, p. 253-273, 1898.
29
SAVIGNY, Friedrich C. Sistema do Direito Romano atual, v. 8. Ijuí: Unijuí, 2004.
30
LAGARDE, Paul. Recherches sur l’ordre public en Droit International Privé. Paris: L.G.D.J., 1959;
DOLINGER, Jacob. A evolução da ordem pública no Direito Internacional Privado. (Tese) Facul-
dade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1979.
31
LEWALD, Hans. Règles générales des conflits de lois; contribution à la technique du Droit Inter-
national Privé. “Recueil des Cours”, 1939, v. 69; BAPTISTA MACHADO, João. Problemas na
aplicação do direito estrangeiro – adaptação e substituição. “Boletim da Faculdade de Direito”.
Coimbra, v. 36, p. 327-351, 1960.
133
32
DESCOLA. Outras naturezas…, cit.
134
3. Conclusão
Aponto essa circunstância tão somente com o intuito de, trazendo aos
colegas lusófonos a experiência brasileira, lançar um veio de discussão que pos-
sa, ante o pluralismo cultural de nossos dias líquidos, para falar com Zygmunt
Bauman, contribuir para o conhecimento efetivo de outras culturas e para uma
atitude hospitaleira e tolerante para as diferenças que existem e são saudáveis de
existir entre nós.
33
Étèvenaux, Jean. Migrations anciennes et nouvelles en Europe. S.l.: Saint-Léger, 2017.
135
1
Seguiremos de muito perto, SANTOS, Hugo Luz dos, O gaming nos casinos da Região Adminis-
trativa Especial de Macau e a surveillance: is always someone watching?, “Revista de Direito Civil”
I (2016), pp. 183-204.
2
RABINOVICH-EINY, O./KATSCH, E., Lessons from Online Dispute Resolution for Dispute Sys-
tems Design, Online Dispute Resolution Theory and Pratice, (2013), pp. 39-40.
3
YELSHYNA, Aliaksandra /ANDRADE, Francisco /NOVAIS, Paulo, Um ambiente inteligente de
137
138
9
YELSHYNA, Aliaksandra/ANDRADE, Francisco /NOVAIS, Paulo, Um ambiente inteligente de
resolução de litígios, cit., p. 114.
10
“Só é possível considerar como consentimento informado aquele que for dado havendo o titular
de dados tomado conhecimento da finalidade e da extensão exacta do seu consentimento”; SAR-
MENTO E CASTRO, Catarina, Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais, 1ª edição,
Coimbra, Almedina, (2005), p. 206.
11
YELSHYNA, Aliaksandra/ANDRADE, Francisco /NOVAIS, Paulo Um ambiente inteligente de
resolução de litígios, cit., p. 114.
12
“With countless eyes and ears piercing through the smoke-filled casino floors, the questions become:
what information are they capturing and what information are they capturing and what are they
doing with it? It might surprise casino goers to learn that the Vegas-sized surveillance is not just to
monitor the room for an unscrupulous gambler or two. It is not just that every camera in a casino
is connected to recorders that document the life of a casino non-stop. Specialized software tracks
chips and specific cards. Pit bosses know which tables are turning a profit and which ones are losing.
Moreover, casino patrons can be tracked via players”; GABEL, Jessica D., CSI Las Vegas: Privacy,
Policing, and Profiteering in Casino Structured Intelligence, “UNLV Gaming Law Journal”, Vol-
ume 3, (2012), p. 41.
139
mazenamento dos dados pessoais dos jogadores dos casinos e, no âmbito desta,
da eventual violação da privacidade temática e da privacidade espacial, quando
vistas à luz do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, do princípio da
dignidade da pessoa humana (art.º 30.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau) e do prin-
cípio da reserva da intimidade da vida privada (art.º 30.º, n.º 1, da Lei Básica de
Macau).
O processo dinâmico de recolha e armazenamento dos dados pessoais
(Big Data) implica, não raro, um conjunto de limitações ao seu direito de auto-
determinação informacional, consubstanciado na perda do controlo do destino (e
posterior utilização) dos dados pessoais que radicam e transportam, no seu bojo,
lastros da personalidade e da intimidade dos jogadores dos casinos (ou casino
patrons).
Por aqui se percebe o «perigo constante» de violação do direito de auto-
determinação informacional dos casino patrons, quando (e se) esses Big Data são
canalizados para fins estranhos ao (legítimo) fundamento comercial que pre-
sidiu à sua recolha e armazenamento – é o caso modelar do blackmail, entre
outros. O que significa, que, nos casos de utilização de dados pessoais para os fins
ilícitos acima referidos, se viola a privacidade temática e a privacidade espacial
dos jogadores dos casinos.
Seguindo de muito perto a lição do Tribunal Constitucional Alemão, a
privacidade temática, a que é reconduzido precisamente o mesmo universo de
constelações fácticas cobertas pela privacidade em sentido material, reporta-se
àqueles dados ou realidades que o portador do direito fundamental pretende
subtrair à curiosidade e à discussão públicas13/14, tais como a sexualidade, os
comportamentos desviantes, as doenças15.
Por outro lado, a esfera da privacidade em sentido espacial, pertence a uma
área de entrincheiramento do indivíduo que lhe assegura a possibilidade de se
encontrar e estar consigo mesmo, e de evasão16, o que normalmente acontece no
interior do quarto de hotel dos jogadores (ou casino patrons)17.O que significa
que existe um núcleo intangível de privacidade18 que emerge dos dados pessoais
13
Acórdão do BVerfGE, “Neue Juristichen Wochenschrift” (NJW), (2008), p. 1794.
14
COSTA ANDRADE, Manuel da, Domicílio, intimidade e Constituição, “Revista de Legislação e
Jurisprudência”, N.º 3953, (2008), p. 110.
15
Acórdão do BVerfGE, “NJW”, (2000), p. 1022. O art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção
de Dados Pessoais de Macau) proíbe o tratamento de dados pessoais referentes, entre outros, a
convicções políticas, religiosas, à vida privada, saúde e vida sexual; ver voto de vencido aposto
pelo Juiz Lai Kin Hong no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, de 18 de Julho
de 2002 (www.court.mo): acesso (14/2/2018).
16
Sobre contraposição esfera da privacidade temática/esfera da privacidade espacial, ENGELS/JÜR-
GENS, “NJW”, (2007), p. 2517.
17
Acórdão do BVerfGE, “NJW”, (2008), p. 1794.
18
Por essa razão se compreende que a doutrina refira que, com a esfera íntima e a esfera privada
140
141
2.2. Essa interpretação conforme a Lei Básica de Macau (art.º 11.º, n.º 1 e
2, da Lei Básica de Macau) polariza-se na ideia-chave que o tratamento de dados
pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reser-
va da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais
estabelecidas na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (art.º
30.º, n.º 2 da Lei Básica de Macau), nos instrumentos de direito internacional e
na legislação vigente (2.º, art.º 3.º, n.º 1, art.º 4.º, n.º 1, alíneas 1), 2), 3), 4), 5), 10)
art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 8/2005); e, por isso, os dados pessoais dos jogadores dos
casinos da Região Administrativa Especial de Macau devem ser tratados de for-
ma lícita e com respeito pela boa fé (art.º 5.º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.º 8/2005)32.
A interpretação conforme a Lei Básica de Macau encontra, ainda, respaldo
legal no dever de sigilo profissional que impende sobre aqueles que tratam os
Fundamentais dos Residentes, que engloba os Artigos 24.º a 44.º; cfr. Acórdão do Tribunal de
Última Instância da RAEM, de 16 de Novembro de 2005 (www.court.mo): acesso (3/02/2018).
27
GOMES CANOTILHO, “Privatização e Direitos, Liberdades e Garantias. A propósito do sigilo de
correspondência no serviço de telecomunicações”, Estudos de Direitos Fundamentais, 2ª edição,
Coimbra, Coimbra Editora, (2007), p.162.
28
HON, W. Kuan/HÖRNE, Julia/MILLARD, Christopher, Data protection jurisdiction and Cloud
Computing – When are Cloud users and providers subject to EU data protection Law?, “Interna-
tional Review of Law, Computer & Technology”, Volume 26, (2011), pp. 129-169.
29
“A sociedade da informação, onde as pessoas estão permanentemente ligadas à rede (homo conec-
tus), exigiu a necessidade de uma maior protecção de dados pessoais e foi responsável pelo surgi-
mento da moderna legislação nessa área”; MOREIRA, Teresa Coelho, A privacidade dos trabalha-
dores e as novas tecnologias de informação e comunicação, 1ª edição, Coimbra, Almedina, (2010),
pp. 119-120.
30
Que, como se sabe, é “uma manifestação do primado da Constituição, pelo menos em face ao
Direito interno”; BETTERMANN, Karl August, Die verfassungskonforme Auslegung – Grenzen
und Gefahren; Heidelberg, C.F. Müller, 1986, p. 19; falando em “interpretação das leis infracons-
titucionais conforme a interpretação das normas constitucionais”; HESSE, Konrad, Grundzüge des
Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, reimpressão da 20ª edição, Heildelberg, C. F.
Müller, 1999, p. 33; EGÍDIO, Mariana Melo, A interpretação conforme à Constituição na jurispru-
dência constitucional da crise, “O Direito”, 149.º III, (2017), pp. 627-652.
31
“A partir da densificação do alto grau de autonomia assumimos uma referência à Lei Básica en-
quanto realidade normativa constitucional, [...] impondo a superioridade normativa interna da
Lei Básica”, CARDINAL, Paulo, Estudos de Direitos Fundamentais no contexto da Jus Macau,
Macau, CRED-DM, (2015), p. 322.
32
SANTOS, Hugo Luz dos/ FIGUEIREDO, José Miguel, Regime Jurídico de Concessão de Crédito
para Jogo ou para Aposta em Casino (Lei N.º 5/2004), Anotado e Comentado, Macau, Centro de
Formação Jurídica e Judiciária, 2018; GONÇALVES, Catarina, Fluxos Transfronteiras de Dados
Pessoais e o Quadro Geral de Protecção em Macau, Macau, CRED-DM, 2017, p. 293.
dados pessoais dos jogadores dos casinos. Este dever de sigilo relativo aos «dados
pessoais» dos jogadores é ainda de louvar pelo facto de se encontrar em perfeito
alinhamento estratégico com a directiva geral que se traduz na obrigatoriedade
de a recolha e tratamento de dados pessoais ter de ser realizada com finalidades
determinadas, explícitas e legítimas e directamente relacionadas com o exercício
da actividade do responsável pelo tratamento de dados pessoais, não podendo ser
posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades (art.º 5.º, n.º
1, alínea 2) e 3) da Lei n.º 8/2005): é a consagração da tese alemã do «princípio
da vinculação ao fim (Zweckbindung)» dos dados pessoais (art.º 7.º, n.º 1, Lei n.º
8/2005)33. Isso significa que, em caso de violação do dever de sigilo profissional,
que não esteja coberto pelas excepções e dispensa desse dever legalmente pre-
vistas, abre-se caminho para a responsabilidade civil por factos ilícitos emergentes
da violação ilícita de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios,
ficando o lesante obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da vio-
lação (art.º 477.º, n.º 1, 2ª parte do Código Civil de Macau, ex vi do art.º 2.º, art.º
7.º, art.º 14.º, n.º 1, 2, e 3, todos da Lei n.º 8/2005)”34.
33
Que é correntemente aplicado no âmbito do processo penal e dos meios de obtenção de prova
(escutas telefónicas) mas que pode (rectius: deve) ser aplicado no âmbito do «direito civil do
jogo»; GUSY, “Polizeiliche Datenverarbeitung zur Gefahrenabvehr”, in: Zeitschrift für das juris-
tische Studium, (2012), pp. 150-163; ROGALL, Festschrift für Kohlmann (FS), (2006), pp. 456-467.
SANTOS, Hugo Luz dos/ FIGUEIREDO, José Miguel, Regime Jurídico de Concessão de Crédito
para Jogo ou para Aposta em Casino, cit.
34
SANTOS, Hugo Luz dos/ FIGUEIREDO, José Miguel, Regime Jurídico de Concessão de Crédito
para Jogo ou para Aposta em Casino, cit.
143
Inez Lopes
Professora-adjunta de Direito Internacional Privado da Universidade de Brasília
(UnB).
1. Introdução
A cooperação jurídica internacional em matérias civil e comercial cons-
titui um dos alicerces para o acesso internacional à justiça e para a solução de
litígios transnacionais. Um dos efeitos da globalização é o aumento na circula-
ção de pessoas e de bens além das fronteiras dos Estados, o que potencializa o
surgimento de litígios transfronteiriços. Com isso, aumenta a necessidade de os
Estados colaborarem uns com os outros, em um ambiente de mútua confiança,
para dar cumprimento a certos atos judiciais e administrativos.
Essa cooperação trata-se de uma assistência jurídica recíproca entre os
países para a prática de uma gama de medidas necessárias para o desenvolvi-
mento de processos que tramitam no território de um Estado, mas que depende
do cumprimento de certas diligências em outro. A cooperação jurídica se fun-
damenta em tratados bilaterais ou multilaterais e, na ausência de instrumento
internacional, pode ocorrer com fundamento na reciprocidade de tratamento.
O objeto da cooperação engloba principalmente a citação ou notificação no ex-
terior, localização do paradeiro de uma pessoa ou de bens, obtenção de provas,
informações sobre o direito estrangeiro, medidas cautelares ou tutelas de urgên-
cia e o reconhecimento de decisões arbitrais ou sentenças estrangeiras.
O artigo demonstra como o uso das tecnologias da informação têm con-
tribuído para facilitar e agilizar a comunicação entre autoridades dos Estados.
145
1
LOPES, Inez, “A Família Transnacional e a Cooperação Jurídica Internacional”, in POLIDO, Fa-
brício, B P A Família Transnacional e a Cooperação Jurídica Internacional, Thompson Reuters
Revista dos Tribunais, 2018 (prelo).
2
PARRA-RODRÍGUEZ, Carmen, “De La Cooperación Adminsitrativa a la Era de los Formuá-
rios”, in BORRÁS, Alegr5ia, La Cooperación Internacional de Autoridades: Ámbitos de Família y
del Processo Civil, Madrid, Iprolex, 2009, p. 218.
146
147
3
McCLEAN, David, International Co-operation in civil and Criminal Matters, Oxford, Oxford
University Press, 2002, p. 19.
4
GARCÍA-CANO, Sandra, Evolución de las Técnicas de Cooperación Internacional entre Autori-
dades en el Derecho Internacional Privado. In “Boletin Mexicano de Derecho Comparado”, 112,
Mexico, Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, p.80.
5
Idem, p. 80.
6
Idem,p. 82.
7
Idem, p. 82.
8
GARCÍA-CANO, Op.Cit., p. 97.
148
9
BORRÁS, Alegría; DEGELING, Jennifer. Relatório Explicativo da Convenção de 23 de novem-
bro de 2007 sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da
Família, com o auxílio de William Duncan e Philippe Lortie, Português: Ministério da Justiça e
Segurança Pública, Secretaria Nacional de Justiça – SNJ, 2017. p. 84 e 85.
10
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, http://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacio-
nal/cooperacao-juridica-internacional-em-materia-civil/formularios-e-modelos-1, acessado em
10/02/2018.
149
11
PARRA-RODRÍGUEZ , Op. Cit., P. 226.
12
Idem.
13
MISTÉRIO DA JUSTIÇA, Manual de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil. Dis-
ponível em http://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/arquivos/manual_
coop_civil.pdf, Accessado 10/02/2018.
150
6. INCADAT
A INCADAT (da sigla em inglês International Child Abduction Data-
base) é a principal base de dados jurídicos sobre a lei internacional de abdução
de crianças na internet. A INCADAT foi criada em 1999 pela Conferência
da Haia de Direito Internacional Privado como uma plataforma disponível
aos operadores do direito para promover uma interpretação uniforme sobre
o assunto.
Considerando que a Convenção da Haia de 1980 sobre Subtração Inter-
nacional de Crianças é aplicada pelas autoridades centrais e tribunais dos Esta-
dos e os diversos sistemas jurídicos, o INCADAT contribui para levantar dados
sobre a jurisprudência dos países, de modo a estar acessível a todas as pessoas
interessadas sobre cooperação jurídica internacional. Isso contribui para tam-
bém levantar as melhores práticas e efetivamente contribuir para proteger as
crianças dos efeitos nocivos do sequestro internacional de crianças nos países
partes da Convenção.16 As informações apresentadas pelo sistema contribuem
para estudos de direito comparado.
A fim de coletar os dados, a Conferência da Haia elaborou um guia para
os correspondentes, cujas principais atribuições são identificar e selecionar
as decisões judiciais/administrativas apropriadas para inclusão no banco de
dados quando estiverem disponíveis, preparar um resumo detalhado da juris-
prudência selecionada no formulário INCADAT e informar a equipe editorial
14
PARRA-RODRÍGUEZ, Op. Cit., p. 224.
15
PARRA-RODRÍGUEZ, Op. Cit., P. 225.
16
INCADAT. https://www.incadat.com/en.
151
7. iSupport
Os formulários também foram desenvolvidos visando sua utilização em
um ambiente eletrônico, à luz do caráter da neutralidade de mídia do texto da
Convenção.
O iSupport, Sistema de Comunicação Eletrônica de Gestão de Proces-
sos e Segurança, é uma ferramenta que objetiva facilitar a cooperação jurídica e
administrativa internacionais. Essa plataforma governamental (e-governo) des-
burocratiza a tradicional forma de cooperação internacional baseada em papel
e facilita a comunicação entre autoridades centrais dos Estados para processar
eletronicamente os pedidos de cobrança internacional de alimentos. O iSupport
objetiva tornar a cobrança transfronteiriça mais rápida, segura e eficiente.
O sistema do iSupport contribuirá para gerar dados estatísticos para su-
pervisionar o funcionamento da Convenção da Haia de 2007 sobre Alimentos
e também poderá dar instruções aos bancos para transferência eletrônica de
fundos para a cobrança de alimentos, podendo receber e enviar comunicações
seguras online.18
Esse sistema facilita a cobrança internacional em dois âmbitos geográ-
ficos: no nível regional, alcançando os países-membros da União Europeia, e
no global, abrangendo os que ratificaram ou aderiram à Convenção da Haia de
2007 sobre Alimentos e que optarem por implementar o sistema do iSupport. A
Convenção da Haia está aberta à participação de outras organizações regionais
de integração econômica.
8. Redes de Cooperação
Há outras formas de cooperação jurídica internacional, que envolvem
tanto as autoridades do Poder Executivo quanto as do Poder Judiciário, como os
17
McELEAVY, Peter; FIORINI, Aude; ELY, Marion, The International Child Abduction Database
(INCADAT) Guide For Correspondents, Hague Conference on Private International Law, Child
Abduction, 2001, p. 5.
18
PARRA-RODRÍGUEZ, Op. Cit., p.222.
152
9. Conclusões
O uso de tecnologias da informação para a cooperação jurídica interna-
cional tem sido cada vez mais frequente entre os Estados e as autoridades que
operacionalizam os pedidos. A solução dos litígios transnacional são facilitados
pelo acesso à informação sobre legislações, decisões e os pontos de contato. O
acesso à justiça transnacional é um direito fundamental e o uso dessas tecnolo-
gias contribui para o desenvolvimento de uma prestação jurídica transfrontei-
riça efetiva.
19
Idem, p. 232.
20
GARRIGA, Georgina, O Espaço Judicial Europeu: a Cooperação Jurídica Penal e Civil, “Rev. Trib.
Reg. Trab. 3ª Reg.”, Belo Horizonte, v.49, n.79, p.163-200, jan./jun.2009, p. 187-188.
21
Disponível em https://iberred.org/pt/node/2
153
Isa António
Professora Adjunta Convidada,
Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo
1
DL n.º 92/2010, de 26 de julho, artigo 6.º criou o “balcão único eletrónico”.
2
(itálico e negrito nossos) Assim, vide Roque, Miguel Prata, “O Procedimento Administrativo
Eletrónico”- p.291, in GOMES, Carla Amado/SERRÃO, Tiago (coord.), Comentários ao Novo
Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., Lisboa, AAFDL, 2015.
Acerca das inovações nos procedimentos urbanísticos, vide MAURÍCIO, Filomena Silvano, Sim-
155
156
157
4
Nesta senda, vide VIEIRA, Flávia Monaco/SANTOS, Vando Batista dos, Governo Eletrônico: a
busca por um governo mais transparente e democrático, In: http://www.escoladegestao.pr.gov.br/
arquivos/File/Material_%20CONSAD/paineis_III_congresso_consad/painel_5/governo_eletro-
nico_a_busca_por_um_governo_mais_transparente_e_democratico.pdf (acesso em 03-02-2018)
5
Neste sentido, Vieira de Andrade, José Carlos, O dever de fundamentação expresa de actos admi-
nistrativos, Coimbra, Almedina, 1992, p.79.
158
6
Com especial enfoque no ajuste direto, referindo que neste tipo de procedimento pré-contratual,
existem outras formas de atuação que não através do recurso às plataformas eletrónicas, o que
resulta em situações nocivas para o interesse público, como a fuga de informação, a perda ou
alterabilidade de dados das propostas, a violação de proteção de dados e de sigilo das propostas
concorrentes (p.5). Vide DURÃO, José Marques, O Ajuste Direto e as Plataformas Eletrónicas,
In: http://www.verbojuridico.net/doutrina/2012/josecarlosdurao_ajustediretoplataformaseletro-
nicas.pdf (acesso em 03-02-2018).
7
Neste sentido, vide Sousa, António Francisco de, Direito Administrativo Procedimental, Porto,
Universidade Católica Portuguesa, 1999, p.70 APUD FERNANDES, Débora Melo, O Princípio
da Transparência Administrativa: mito ou realidade?. In: https://www.oa.pt/upl/%7Bc1851f-
98-4d7f-466d-a433-bcf709436a1e%7D.pdf (acesso em 20-02-2018).
8
Assim, cfr. FERNANDES, Débora Melo, O Princípio da Transparência Administrativa: mito
ou realidade?. In: https://www.oa.pt/upl/%7Bc1851f98-4d7f-466d-a433-bcf709436a1e%7D.pdf
(acesso em 20-02-2018), p.438.
159
e princípios combinados, entre si, contribuem para uma sociedade mais salutar,
com maior confiança do administrado na “sua” Administração.
Somente uma Administração Pública transparente e, necessariamente,
imparcial é suscetível de granjear a confiança e o respeito pelo cidadão para o
qual existe. Ora, é indubitável, o contributo do advento da “Administração Ele-
trónica” para este efeito.
9
(itálico nosso) Neste sentido, Pires, Rita Calçada, O pedido de condenação à prática de acto admi-
nistrativo legalmente devido: desafiar a modernização administrativa?, Coimbra, Almedina, 2004,
p.29.
160
4. Considerações Finais
Os ganhos gerados puramente numa perspetiva de eficiência não é van-
tagem considerada suficiente. São, igualmente, essenciais para um verdadeiro
Estado de Direito democrático, a colocação em prática dos valores de responsa-
bilidade, transparência, participação do cidadão na decisão incutidos na lógica
de funcionamento da Administração Pública11.
A prossecução da melhor opção para o interesse público deverá ser o va-
lor supremo de qualquer medida legislativa, reforma ou inovação administrativa.
De acordo com Miguel Prata Roque, o “balcão único eletrónico” reduz-
-se, no essencial, a um meio de comunicação nas relações estabelecidas entre a
Administração e o cidadão, ao invés de consubstanciar um verdadeiro modelo
de atuação administrativo12.
10
Cfr. Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016.
11
Deste modo, vide, as posições manifestadas por diversos autores, in Associação para a promo-
ção e desenvolvimento da Sociedade da Informação. Ponto de situação da Administração Pública
Eletrónica. O poder do cidadão, Lisboa, 2010, pp.10. Cfr. o seguinte link: http://www.Administra-
çãoPúblicadsi.pt/index.php?mact=News,cntnt01,detail,0&cntnt01articleid=443&cntnt01retur-
nid=122 (acesso em 06-02-2018)
12
Neste sentido, vide Roque, Miguel Prata, “O Procedimento Administrativo Eletrónico”- p.288, in
161
162
17
Neste sentido, CAETANO, Marcello, Tendências do Direito Administrativo Europeu, “Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo”, vol. 62, n.º2, 1967, pp.34-35. In: http://
dx.doi.org/10.11606/issn.2318-8235.v62i2p7-36 (acesso em 03-02-2018).
163
Referências Bibliográficas
Associação para a promoção e desenvolvimento da Sociedade da Informação. Ponto de
situação da Administração Pública Eletrónica. O poder do cidadão, Lisboa, 2010.
In: http://www.Administração Públicadsi.pt/index.php?mact=News,cntnt01,de-
tail,0&cntnt01articleid=443&cntnt01returnid=122 (acesso em 06-02-2018)
CAETANO, Marcello, Tendências do Direito Administrativo Europeu, “Revista da Facul-
dade de Direito da Universidade de São Paulo”, vol. 62, n.º2, 1967. In: http://dx.
doi.org/10.11606/issn.2318-8235.v62i2p7-36 (acesso em 03-02-2018)
DURÃO, José Marques, O Ajuste Direto e as Plataformas Eletrónicas, In: http://www.ver-
bojuridico.net/doutrina/2012/josecarlosdurao_ajustediretoplataformaseletroni-
cas.pdf (acesso em 03-02-2018)
GOMES, Carla Amado/SERRÃO, Tiago (coord.), Comentários ao Novo Código do Proce-
dimento Administrativo, 2.ª reimp., Lisboa, AAFDL, 2015.
GUIMARÃES, Tomás de Aquino/MEDEIROS, Paulo Henrique Ramos, A relação entre
governo eletrônico e governança eletrônica no governo federal brasileiro, “Cadernos
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In: http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512005000400004 (acesso em 27-02-2018)
GREWAL, David Singh/PURDY, Jedediah S., The Original Theory of Constitutionalism.
“The Yale Law Journal”, vol. 127, n.º1, 2018. In: https://pAdministração Públi-
caers.ssrn.com/sol3/pAdministração Públicaers.cfm?abstract_id=3084763 (aces-
so em 25-02-2018)
JARDIM, José Maria, A construção do e-gov no Brasil: confirmações político-informacio-
nais. In: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30772-32926-
1-PB.pdf (acesso em 28-02-2018)
FERNANDES, Débora Melo, O Princípio da Transparência Administrativa: mito
ou realidade?. In: https://www.oa.pt/upl/%7Bc1851f98-4d7f-466d-a433-bc-
f709436a1e%7D.pdf (acesso em 20-02-2018)
FLEURY, Newton Meyer/JÓIA, Luiz António, A Tecnologia da Informação como propicia-
dora de processos de governo electrónico: o caso Detran-RJ, “Revista Eletrônica de
Administração”, edição 31, vol. 9, n.º 1, jan-fev 2003. In http://seer.ufrgs.br/read/
article/view/42707 (acesso em 05-02-2018)
MACHADO, Cristina Navarro, A decisão administrativa electrónica. Emergência da re-
gulação do procedimento administrativo electrónico (tese de mestrado), Lisboa,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2013. In: http://hdl.handle.
net/10451/11953 (acesso em 06-02-2018)
MAURÍCIO, Filomena Silvano, Simplificação e e-Administração no âmbito do Novo Có-
digo do Procedimento Administrativo. Reflexão sobre as comunicações prévias no
RJUE, (dissertação de mestrado) Coimbra 2014/2015. In: https://estudogeral.
sib.uc.pt/bitstream/10316/31351/1/Simplificacao%20e%20administracao%20
no%20ambito%20do%20novo%20codigo.pdf.pdf (acesso em 06-02-2018-)
PEREIRA, Duarte Amorim, Princípios gerais da contratação pública electrónica, “Re-
164
Legislação
165
2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento
de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/
CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados)
_Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
166
O alojamento local é uma figura jurídica que, nos tempos hodiernos, tem
vindo a ser recorrentemente discutida no ordenamento jurídico nacional. Falar
de alojamento local implica procurarmos, na legislação, qual a sua regulação
efetiva.
No ordenamento jurídico português, o alojamento local surge muitas
vezes associado a arrendamentos de curta duração ou aos arrendamentos para
turistas. No entanto, a breve trecho, teremos que realizar a distinção fulcral entre
estes dois conceitos jurídicos.
No que ao alojamento local diz respeito, afigura-se necessário recorrer ao
regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local1. Segun-
do o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 128/2014 de 29 de Agosto, é avançada como
definição de alojamento local o contrato onde exista “[a] prestação de serviços
de alojamento temporário em estabelecimentos que não reunissem os requisitos
1
Regulado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, na sua versão mais atualizada conferida
pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de abril.
167
2
Que, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei em causa poderá configurar uma moradia, aparta-
mento ou estabelecimento de hospedagem.
3
Que, conforme o defende HÖRSTER, Heinrich Ewald, é“[d]e entre os factos jurídicos” o que tem
“[papel] mais importante”, sendo “o próprio facto ao qual se dirige” que provoca o surgimento
do negócio jurídico. Assim, existirá, naturalmente, a certeza de uma conexão intrínseca entre a
vontade das partes, assente na sua livre autonomia para a criação de um qualquer negócio jurídi-
co. Cfr. HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do
Direito Civil, 6.ª Reimpressão da Reedição de 1992, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 210 e ss.
4
Não podemos olvidar o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual previsto no
artigo 405.º do Código Civil.
5
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 27 de Abril de 2017, cujo relator é Ana
Lucinda Cabral, disponível para consulta em www.dgsi.pt (consultado a 06/02/2018).
6
Consultar, para o efeito, Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, na sua versão mais atualizada
conferida pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de abril.
7
Não será despiciendo referir as presunções legais de existência de alojamento local previstas no
169
c) Os sujeitos contratuais
Enquanto efetivo negócio jurídico, este contrato de alojamento local po-
derá ser bilateral ou plurilateral. Nessa medida, teremos de um lado o titular da
exploração do estabelecimento8, que é, em princípio, o prestador de serviços e,
por outro lado, o beneficiário ou, se lhe preferirmos chamar, o “utente”.
Ora, é no campo de existência deste “utente” que teremos de apreciar o
preenchimento do conceito de consumidor, quer de um ponto de vista geral,
quer mais especificamente no sentido do tratamento do tema em mérito.
2. O conceito de consumidor
O conceito de consumidor é um conceito com tutela no ordenamento
jurídico português, muito por força da consideração de que, à semelhança do
que acontece em outros casos na realidade jurídica e social, este se encontra,
à partida, numa posição mais fraca nas relações jurídicas em que é parte. Na
Constituição da República Portuguesa, designadamente no seu artigo 60.º, sob a
epígrafe direitos dos consumidores, é consagrada uma panóplia de direitos cons-
titucionalmente garantidos no sentido de tutelar a posição dos consumidores.
No entanto, antes de compreendermos em específico o conceito de con-
sumidor, teremos de apurar o que é um contrato de consumo, bem como se o
contrato de alojamento local poderá ser, eventualmente, enquadrável neste con-
texto.
O contrato de consumo “[é] o contrato que incide sobre uma coisa, um
serviço ou um direito destinado a uso não profissional de um dos contraentes,
sempre que o outro contraente atue no âmbito da sua atividade profissional”9.
Ainda que o preenchimento desta definição terá sempre que ser ponderada ca-
suisticamente, cremos que, pelo facto de estarmos perante um alojamento local
que implica prestação de serviços, naturalmente não podemos afastar esta reali-
dade da sua esfera jurídica.
artigo 4.º do Decreto-Lei em análise, onde se prevê que: § “1 — Para todos os efeitos, a exploração
de estabelecimento de alojamento local corresponde ao exercício, por pessoa singular ou coleti-
va, da atividade de prestação de serviços de alojamento. § 2 — Presume -se existir exploração e
intermediação de estabelecimento de alojamento local quando um imóvel ou fração deste: § a)
Seja publicitado, disponibilizado ou objeto de intermediação, por qualquer forma, entidade ou
meio, nomeadamente em agências de viagens e turismo ou sites da Internet, como alojamento
para turistas ou como alojamento temporário; ou § b) Estando mobilado e equipado, neste sejam
oferecidos ao público em geral, além de dormida, serviços complementares ao alojamento, no-
meadamente limpeza ou receção, por períodos inferiores a 30 dias”.
8
Que, conforme dispõe o artigo 6.º do Decreto-Lei em análise poderá não ser correspondente ao
proprietário efetivo do estabelecimento onde se instalará o alojamento local.
9
CARVALHO, Jorge Morais, Manual de Direito do Consumo, 3.ª Edição, Almedina, 2016, p. 29.
170
10
Lei n.º 24/96, de 31 de julho, na sua versão mais recente conferida pela Lei n.º 47/2014, de 28/07.
11
Que regula os contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial.
171
A verdade é que, apesar do que se vem referir supra, nem sempre é fácil
assegurarmos que o contrato de alojamento local decorre em total respeito pela
legislação, sendo, aliás, variados os debates acesos acerca desta realidade – prin-
cipalmente ao nível dos problemas relativos à propriedade horizontal12.
O regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento
local impõe, desde logo, no seu artigo 5.º, a obrigatoriedade de um registo do
Alojamento Local que, em caso de inexistência ou irregularidade, será alvo de
fiscalização e acionamento das coimas e sanções acessórias previstas nos artigos
21.º e ss.
Conforme é do conhecimento geral, a internet é, hoje em dia, um dos
meios mais potenciadores da contratação. Claro que, segundo o regime jurí-
dico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, é exigido que em
qualquer local de publicitação do serviço de alojamento local seja identificado,
por exemplo, o número de registo do alojamento. No entanto, também não po-
demos olvidar que muitas das vezes os contratos existentes são potenciadores da
aplicação do regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento
local, mas, na prática, encontram-se subvertidos noutros tipos de contrato tendo
em vista a fuga à aplicação do Decreto-Lei.
A influência da internet e das plataformas digitais são significativas, espe-
12
Ver a este respeito FURTADO, Pinto J., Do alojamento local, na sua relação com a propriedade
horizontal, “Revista de Direito Civil” Número 3, Ano II (2017), pp. 529 a 574.
172
173
174
Carla Machado
Mestre em Direito pela FDUC, Assistente-Convidada da FDUC. Advogada na
PLMJ SP, RL. Membro do Grupo de Contratação Pública do Centro de Estudos de
Direito Público e Regulação (CEDIPRE) da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra
1. Notas Introdutórias
A nanotecnologia está a introduzir alterações significativas e céleres na
forma como a sociedade produz, consome, comunica e vive. Implantes celula-
res, nano-máquinas que entram no corpo humano e navegam para identificar
e eliminar vírus, bactérias ou células cancerígenas, impressão a 3D de órgãos
humanos, materiais ultrarresistentes e autorreparáveis, sensores subcutâneos,
nano-ótica aplicada à realidade aumentada e outras inovações podem ser criadas
num futuro próximo.
O INL, criado em Braga pelos Governos de Portugal e Espanha, é o prin-
cipal hub nacional e um dos maiores do mundo em I&D nesta área. Tem equipas
multidisciplinares de 28 países e atua nos ramos de saúde, alimentar, ambiente
175
1
Falamos da Diretiva 2004/17/CE (relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contra-
tos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais) e da Diretiva 2004/18/
CE (relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras
públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços), ambas do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004.
2
Sobre o diagnóstico (relativamente consensual) dos problemas existentes ao nível do regime jurí-
dico das Diretivas de 2004, cf. RAIMUNDO, Miguel Assis, Primeira Análise das Novas Directivas
(Parte I), “Revista de Contratos Públicos”, n.º 9, Coimbra, CEDIPRE – Universidade de Coimbra,
2013, pp. 6-7.
3
Cf. COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação «EUROPA 2020 – Estratégia para um crescimento
inteligente, sustentável e inclusivo», COM(2010) 2020 final, Bruxelas, 03.03.2010, disponível in
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2010:2020:FIN:PT:PDF.
4
É de realçar que a estratégia «EUROPA 2020» convida, justamente, a lançar mão dos contratos
públicos, nomeadamente, para melhorar as condições-quadro para a inovação empresarial, utili-
zando plenamente as políticas de estímulo à procura, sendo certo que, num contexto de grandes
176
177
cundárias, cf., a título exemplificativo: ARROWSMITH, Sue/KUNZLIK, Peter, Social and En-
vironmental Policies in EC Procurement Law – New Directives and New Directions, Cambridge
University Press, Cambridge, 2009; CAMPOS, Diogo Duarte de, A admissibilidade de políticas
secundárias na contratação pública: a consideração de factores ambientais e sociais”, “Estudos de
Direito Público”, Coleção PLMJ, Vol. 4, Coimbra, Coimbra Editora, 2011; RAIMUNDO, Miguel
Assis, Primeira Análise das Novas Directivas (Parte I), cit., pp. 26 e ss.; e ESTORNINHO, Maria
João, Curso de Direito dos Contratos Públicos – Por uma Contratação Pública Sustentável, Coim-
bra, Almedina, 2013, pp. 415 e ss..
10
Onde se pode ler que: “[a] União e os Estados-Membros zelarão por que sejam asseguradas as
condições necessárias ao desenvolvimento da capacidade concorrencial da indústria da União. Para
o efeito, e no âmbito de um sistema de mercados abertos e concorrenciais, a sua acção tem por ob-
jectivo: (…) fomentar uma melhor exploração do potencial industrial das políticas de inovação, de
investigação e de desenvolvimento tecnológico”.
11
Aí se estabelecendo que: “[a] União tem por objectivo reforçar as suas bases científicas e tecno-
lógicas, através da realização de um espaço europeu de investigação no qual os investigadores, os
conhecimentos científicos e as tecnologias circulem livremente, fomentar o desenvolvimento da sua
competitividade, (…), bem como promover as acções de investigação consideradas necessárias ao
abrigo de outros capítulos dos Tratados”.
178
12
Admitindo, e até defendendo, o caráter legalmente flexível e aberto da estrutura das parcerias
para a inovação, cf., entre outros: SEMPLE, Abby, Procuring innovation – will the new Direc-
tives help?[em linha], 2012, p. 2, disponível in https://www.procurementanalysis.eu/app/down-
load/5804182998/Procuring%2Binnovation_new%2Bdirectives.pdf; ARROWSMITH, Sue, The
Law of Public and Utilities Procurement: Regulation in the EU and UK, Vol. 1, 3rd Ed., London,
179
13
para contratos complexos14 e de elevada especificidade (rectius, com forte com-
ponente de inovação) [cf. artigo 301.º-A do CCPR], o que é evidenciado, de
resto, não só pela estrutura aberta e insuficientemente regulamentada do pro-
cedimento em questão, mas também por ele abranger, na sua contextura, duas
fases pré-comerciais e uma eventual fase comercial. Convinha, pois, gerar um
procedimento elástico que salvaguardasse, concomitantemente, a concorrência
entre operadores económicos e a hipótese de as entidades adjudicantes debate-
rem, com cada candidato, os aspetos dos contratos.
Vem aqui a jeito anotar, como conhecimento propedêutico, que as parce-
rias para a inovação se apresentam, no n.º 3 do artigo 26.º da Diretiva 2014/24,
no n.º 3 do artigo 44.º da Diretiva 2014/25 e, bem assim, na alínea g) do n.º 1
do artigo 16.º do CCPR, como um dos sete procedimentos típicos e autónomos
de formação de contratos públicos, mostrando-se, em geral, dúcteis e dinâmi-
cas, posto que intrincadas; ademais, como veremos mais abaixo, elas configuram
uma espécie de procedimento-contrato(s), atravessando tanto a formação do(s)
contrato(s) de parceria, como a sua execução.
Pese embora as parcerias para a inovação partilhem com o diálogo con-
correncial e com o procedimento de negociação a característica de se tratar de
um procedimento de contratação especial15, i.e., de um procedimento ao qual só
Sweet & Maxwell, 2014, p. 1049; AAVV., Guía 2.0 para la compra pública de innovación. [em
linha], 2015, p. 40, disponível in http://www.idi.mineco.gob.es/stfls/MICINN/Innovacion/FI-
CHEROS/Guia_2_0_CPI_V5_Borrador_web.pdf; GOMES, Pedro Cerqueira, Alterações em pro-
cedimentos, “Relatório de análise e de reflexão crítica sobre o Anteprojeto de Revisão do Código
dos Contratos Públicos” [em linha], Grupo de Contratação Pública do CEDIPRE, 2016, p. 29,
disponível in http://www.fd.uc.pt/cedipre/pdfs/relatorio17set2016.pdf; e MATOS, Sara Younis
Augusto de, Novos tipos de procedimentos pré-contratuais, “Atas da Conferência – A Revisão do
Código dos Contratos Públicos”, cit., pp. 22 e 70-71.
13
Convém salientar, porém, que a (desejada) flexibilidade procedimental das parcerias para a inova-
ção foi entendida (erradamente, a nosso ver!) pelos legisladores europeu e nacional como sinóni-
mo de desprocedimentalização, o que poderá acarretar dificuldades práticas para os operadores
do CCPR em termos de utilização de tal procedimento. Precisamente sobre a necessidade de
não se confundir flexibilidade procedimental com (des)procedimentalização, cf. ESTORNINHO,
Maria João, A transposição das Diretivas europeias de 2014 e o Código dos Contratos Públicos: (2)
Proposta de transposição não minimalista das Diretivas, “A transposição das Diretivas europeias
de 2014 e o Código dos Contratos Públicos”, Maria João Estorninho (coord.), Lisboa, ICJP-CIDP,
2016, p. 31, disponível in http://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/e-book_diretiva-
seuropeias2014eccp_icjp-cidp_0.pdf.
14
A elevada complexidade que é, aqui, trazida à colação prende-se com a complexidade dos pró-
prios projetos de I&D a realizar por via contratual, de tal modo que as entidades adjudicantes
se verão confrontadas com dificuldades inultrapassáveis na elaboração das próprias peças deste
procedimento.
15
No tocante à consideração do diálogo concorrencial e do procedimento de negociação como pro-
cedimentos especiais, ainda que à luz da versão anterior do CCP, pelo facto de só poderem ser
abertos com recurso a critérios materiais, cf., designadamente, KIRKBY, Mark, O Diálogo Con-
correncial, “Estudos de Contratação Pública – I”, AAVV., Pedro Costa Gonçalves (org.), Coim-
bra, Coimbra Editora, 2008, pp. 276-277.
180
se pode recorrer com radicação em critérios materiais (cf. artigos 29.º e 30.º-A
do CCPR) – à margem, portanto, da regra ordinária de liberdade de escolha
do procedimento adjudicatório (cf. artigo 18.º do CCPR) –, certo é que elas se
revestem da singularidade de consistirem numa plena novidade no quadro dos
procedimentos de contratação pública do CCPR.
As parcerias para a inovação não se distinguem do diálogo concorrencial
e do procedimento de negociação pelo facto de visarem a aquisição de soluções
inovadoras, porquanto a conceção de soluções desse tipo e a sua compra também
integram o âmbito de aplicação daqueles dois procedimentos, conforme se retira
da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do CCPR; o traço diferenciador reside, antes,
na minuciosidade de as parcerias envolverem, num só procedimento, uma fase
de elaboração de projetos de I&D, uma fase de I&D e, mais, uma possível fase de
comercialização das soluções finais.
Os pressupostos que permitem a escolha das parcerias para a inovação
são restritivos e concebidos, de determinada ótica, para situações “excecionais”
em que a natureza das prestações a contratar não permita a abertura do diálogo
concorrencial ou do procedimento de negociação por se tratar de bens, serviços
ou obras que, pelo seu caráter novo e inovatório, não se encontrem, ainda, a ser
alvo de comercialização16.
Em palavras correntes, podemos afirmar que, nas parcerias para a ino-
vação, as entidades adjudicantes conseguem identificar a necessidade pública ino-
vadora a prover (ino-necessidade) e sabem o que querem obter, ou seja, sabem
que a satisfação dessa necessidade passará pela aquisição de uma certa solução
inovadora à medida da sua concreta carência (ino-solução), a ser originada pelo
mercado17. Daí as parcerias para a inovação não se confundirem nem com o
diálogo concorrencial – a ser utilizado quando as entidades adjudicantes não
saibam precisar a prestação característica do objeto contratual18 –, nem com o
procedimento de negociação – a funcionar quando as entidades adjudicantes
consigam definir os contornos essenciais da prestação característica a adquirir,
16
Numa linha idêntica, veja-se o que escreveu ARROWSMITH, SUE a esse respeito: “(…) [t]he
decision to add an entirely new award procedure to the directive covering both development and
supply phases is apparently based on the premise that no appropriate procedure would otherwise be
available (…)” – cf. Arrowsmith, Sue, The Law of Public and Utilities Procurement: Regulation
in the EU and UK, cit., p. 1048.
17
Quanto a este assunto, Sara Younis Augusto de Matos avança que: “(…) contrariamente à ló-
gica inerente ao diálogo concorrencial, a entidade adjudicante tem que saber o que quer e, mais,
tem que procurar e tem, ainda, que concluir que nada no mercado se adequa à necessidade que
pretende ver satisfeita com o lançamento do competente procedimento pré-contratual. Tudo isto
ainda antes de, sequer, apurar se é possível escolher o procedimento de parceria para a inovação
(…)” – cf. MATOS, Sara Younis Augusto de, Novos tipos de procedimentos pré-contratuais, cit.,
pp. 68-69.
18
Neste sentido, cf. KIRKBY, Mark, O Diálogo Concorrencial, cit., p. 287.
181
19
Neste sentido, cf. KIRKBY, Mark, O Diálogo Concorrencial, cit., pp. 286-287.
20
Informação extraída de: COMISSÃO EUROPEIA, Comunicado de imprensa «Aumentar o im-
pacto do investimento público graças a uma contratação pública eficiente e profissional» [em
linha], Estrasburgo, 2017, disponível in http://europa.eu/rapid/press-release_IP-17-3543_pt.htm.
21
Neste sentido, cf. COMISSÃO EUROPEIA, União da inovação – Guia de bolso sobre uma ini-
ciativa da «Europa 2020», Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2013, p. 6,
disponível in https://poseur.portugal2020.pt/media/38112/uniaoinovacao_guia.pdf.
22
Sobre isto, cf. COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação «EUROPA 2020 – Estratégia para um
crescimento inteligente, sustentável e inclusivo», cit., p. 5.
23
Sobre isto, cf. o ponto 3 do Despacho do Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional,
do Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade e da Secretária de Estado
da Ciência, de 23.12.2014, disponível in https://www.portugal2020.pt/Portal2020/Media/Default/
Docs/EstrategiasEInteligente/Despacho%20SEDR%20RIS3.pdf.
24
Informação disponível in https://elpais.com/elpais/2017/06/12/ciencia/1497287056_062198.ht-
ml?rel=mas.
182
rados”, logo a seguir aos “modestos”, mas atrás dos “fortes” e dos “líderes”25/26.
Na mesma órbitra, ressalta um ranking elaborado, em 2016, pela Funda-
ção de Inovação e Informação Tecnológica, sobre os países que mais impacto
têm na inovação mundial, o qual denotou que, num conjunto de 56 países ana-
lisados, a Finlândia e a Suécia erguiam-se no topo da lista27; já Portugal ocupou
a 17.ª posição, sendo um país que, a despeito de convergir positivamente para o
sistema global de inovação, não possui um plano estratégico de crescimento para
os avanços científicos empresariais, nem um PIB sólido o bastante que permita
investimentos sérios no domínio da I&D28.
Merecedor de atenção é, igualmente, o relatório «Fiscal Monitor» do Fun-
do Monetário Internacional, publicado em 2016, sobre as previsões orçamentais
para vários países do mundo, o qual demonstrou que Portugal é um país que tem
de redobrar os seus esforços orçamentais para incrementar a inovação29. Conclu-
são essa alicerçada em dados do Eurostat constantes daquele mesmo estudo, os
quais revelaram que, em Portugal, a despesa pública no campo da I&D é equiva-
lente a 0,08% do PIB nacional30.
Talvez por tudo quanto se narrou, e por fazer parte da construção do futu-
ro português, a Proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2018 procure
apostar na melhoria das condições de investimento das empresas e na inovação31
25
Informação disponível in http://observador.pt/opiniao/o-estado-da-inovacao/.
26
Note-se também, a título de curiosidade, que, atendendo ao total de investimento em I&D, de
acordo com os últimos dados publicados pela OCDE, em 2013, as sete economias mundiais cuja
maior percentagem de esforço, naquela componente, cabe às empresas são, por ordem decrescen-
te: Israel, Coreia do Sul, China, Eslovénia, Japão, Irlanda e Estados Unidos – informação disponí-
vel in http://observador.pt/opiniao/o-estado-da-inovacao/.
27
Informação disponível in http://tek.sapo.pt/expert/artigos/portugal-surge-na-17a-posicao-dos-
-paises-que-mais-impacto-tem-na-inovacao-mundial.
28
Informação disponível in http://tek.sapo.pt/expert/artigos/portugal-surge-na-17a-posicao-dos-
-paises-que-mais-impacto-tem-na-inovacao-mundial. Cf. também: EZELL, Stephen J. / NAGER,
Adams B. / ATKINSON, Robert D., Contributors and Detractors: Ranking Countries’ Impact on
Global Innovation [em linha], Information Technology & Innovation Foundation, 2016, dis-
ponível in http://www2.itif.org/2016-contributors-and-detractors.pdf?_ga=1.250811398.167791
5798.1453822371.
29
Informação disponível in http://www.jornaldenegocios.pt/economia/conjuntura/detalhe/mais
_despesa_em_id_pode_aumentar_5_o_pib_portugal_e_dos_que_menos_gasta. Cf. também:
INTERNATIONAL MONETARY FUND, Fiscal Monitor – Acting Now, Acting Together [em
linha], 2016, disponível in http://www.imf.org/en/Publications/FM/Issues/2016/12/31/Act-
ing-Now-Acting-Together.
30
Informação disponível in http://www.jornaldenegocios.pt/economia/conjuntura/detalhe/mais_
despesa_em_id_pode_aumentar_5_o_pib_portugal_e_dos_que_menos_gasta.
31
Informação disponível in http://www.jornaldenegocios.pt/economia/financas-publicas/or-
camento-do-estado/detalhe/costa-orcamento-do-estado-vai-melhorar-o-investimento-das-
-empresas-e-a-inovacao. Cf., ainda, a Proposta do Governo para o Orçamento do Estado para
2018 (PL 401/2017, de 12.10.2017), disponível in http://s3cdn.observador.pt/wp-content/
uploads/2017/10/13232643/ploe-2018.pdf.
183
32
Cf. o conteúdo do «Programa Nacional de Reformas» do XXI Governo Constitucional, disponí-
vel in https://www.portugal2020.pt/Portal2020/Media/Default/Docs/NOTICIAS2020/Apresen-
tacao-Programa-Nacional-de-Reformas-XXIGov_20160329.pdf.
33
Sobre o Orçamento da UE para 2018, consultar informações disponíveis in http://eur-lex.europa.
eu/budget/www/index-en.htm. Cf., ainda, COMISSÃO EUROPEIA, Comunicado de imprensa
«Orçamento da UE para 2018: Comissão propõe um orçamento centrado no emprego, nos in-
vestimentos, na migração e na segurança», Bruxelas, 2017, disponível in http://europa.eu/rapid/
press-release_IP-17-1429_pt.htm.
34
Informação disponível in http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/pme/start-ups/detalhe/ino-
vacao-portugal-e-o-14-mais-inovador-da-ue-estando-abaixo-da-media-europeia. Cf. também:
COMISSÃO EUROPEIA, Comunicado de imprensa «Inovação da UE: os progressos são visíveis
mas é necessário torná-los mais homogéneos», Bruxelas, 2017, disponível in http://europa.eu/
rapid/press-release_IP-17-1673_pt.htm.
35
Sobre isto, cf. COMISSÃO EUROPEIA, Compreender as políticas da União Europeia: Investiga-
ção e inovação, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2014, p. 3, disponível in
https://europa.eu/european-union/file/1487/download_pt?token=Earr8nyE.
36
A necessidade da adoção, pela UE, destas medidas promotoras da inovação já havia sido aponta-
da, pela própria Comissão Europeia, em 2006, na sua Comunicação «O conhecimento em acção:
uma estratégia alargada para a UE no domínio da inovação», onde aquela deu conta, entre outras
coisas, de que, àquela data, a economia europeia não era, ainda, a economia plenamente inovado-
ra que precisava de ser (algo que, de resto, acrescente-se, persiste na atualidade) – cf. COMISSÃO
184
185
3. As Parcerias no CCP
O Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que procede à revisão do
Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29
de janeiro, prevê, no seu artigo 16.º, n.º 1 alínea g), a existência de um novo pro-
cedimento pré-contratual: a parceria para a inovação . Este novo procedimento,
previsto já nas Diretivas n.º 2014/24/UE e n.º 2014/25/UE , que são transpostas
através do referido diploma legal, pretende dar resposta à necessidade de uma
entidade adjudicante realizar atividades de investigação e o desenvolvimento de
bens, serviços ou obras inovadoras, independentemente da sua natureza e das
áreas de atividade, tendo em vista a sua aquisição posterior, desde que estes cor-
respondam aos níveis de desempenho e preços máximos previamente acordados
entre aquela e os participantes na parceria, conforme resulta do artigo 30.º-A do
CCP.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 31.º da Diretiva n.º 2014/24,
a decisão de contratar através do procedimento em apreço assenta na indicação,
40
Sobre isto, cf. COMISSÃO EUROPEIA, Comunicação «Contratos pré-comerciais: promover a
inovação para garantir serviços públicos sustentáveis de alta qualidade na Europa», cit., pp. 2-3.
41
Neste sentido, cf. COMISSÃO EUROPEIA, Comprar ecológico! – Manual de Contratos Públicos
Ecológicos, 3.ª Ed., Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2016, p. 25, disponí-
vel in http://ec.europa.eu/environment/gpp/pdf/handbook_2016_pt.pdf.
42
Tudo isto harmoniza-se, de resto, com o disposto no considerando 35 da Diretiva 2014/24 e no
considerando 42 da Diretiva 2014/25, onde se determina, para o que aqui importa, que essas Di-
retivas só se aplicam na ausência de cofinanciamento e sempre que o resultado das atividades de
I&D reverta a favor da entidade adjudicante em causa.
186
187
188
189
43
Num balanço geral, admitindo a importância da inovação jurídica trazida pelas parcerias para a
inovação, mas manifestando, contudo, algumas dúvidas sobre o potencial de aplicação prática
(generalizada ou não) desse procedimento, cf. GONÇALVES, Pedro Costa, A Reforma Europeia
da Contratação Pública, “Revista de Contratos Públicos”, n.º 11, Coimbra, Almedina, 2016, p. 18.
190
1
Há quem defenda que ganhou, politicamente, uma precedência face ao enfase eminentemente
191
económico associado ao Mercado Interno. Ver, a propósito, PIÇARRA, Nuno, “Espaço de Liber-
dade, Segurança e Justiça”, in BRANDÃO, Ana Paula; PEREIRA COUTINHO, Francisco; CA-
MISÃO, Isabel e COVELO DE ABREU, Joana, Enciclopédia da União Europeia, Petrony, 2017,
pp. 169-174, p. 169.
2
PIÇARRA, Nuno, Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça…, p. 169.
3
COVELO DE ABREU, Joana, “Cooperação judiciária em matéria civil e comercial”, in BRAN-
DÃO, Ana Paula; PEREIRA COUTINHO, Francisco; CAMISÃO, Isabel e COVELO DE ABREU,
Joana, Enciclopédia da União Europeia, Petrony, 2017, pp. 115-118, p. 115.
192
4
Cfr. Regulamento (CE) n.º 1393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro
de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e
comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos) e que revoga o Regulamento (CE)
n.º 1348/2000, do Conselho.
5
MOTA DE CAMPOS, João e MOTA DE CAMPOS, João Luiz, Manual de Direito Europeu, 6.ª
Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 313.
6
Cfr. Acórdão TJ Plumex, de 9 de fevereiro de 2006, processo n.º C-473/04.
7
Cfr. Acórdão TJ Plumex cit., considerando 20.
193
ções de atos judiciais no respeito dos interesses legítimos dos seus destinatários”,
continuando ao desenhar que “[…] se todos os meios de notificação previstos
pelo regulamento podem assegurar, em princípio, o respeito destes interesses,
deve ser possível, tendo em conta a referida finalidade, recorrer a um ou a outro
ou mesmo simultaneamente a dois ou vários desses meios de notificação que
mostrem ser, à luz das circunstâncias do caso concreto, os mais oportunos ou os
mais adequados”8.
É materialmente aplicável em circunstâncias inerentes à noção de matéria
civil e comercial – tal como a mesma foi interpretada, há vários anos, pelo Tribunal
de Justiça, no acórdão Sonntag9 –, havendo a necessidade de transmitir um ato (ju-
dicial ou extrajudicial) de um Estado-Membro para outro, desde que o endereço
do destinatário seja conhecido – artigo 1.º, n.º 1, 1.ª parte e n.º 2 do Regulamento.
Assim, também já se levantaram problemas relativos à citação de atos ex-
trajudiciais, nomeadamente no âmbito do processo que conduziu à prolação do
acórdão Roda Golf10. Afinal, o Regulamento não define documento extrajudicial
para efeitos do Regulamento e tal determinou uma recusa de notificação de um
documento extrajudicial que chegou ao conhecimento do Tribunal de Justiça.
Em causa estava um requerimento dirigido, pela Roda Golf (sociedade de direito
espanhol), ao secretário do tribunal de reenvio para que procedesse à notificação
de determinadas entidades (localizadas no Reino Unido e na Irlanda) de cartas
a resolver contratos de compra e venda celebrados entre a Roda Golf e tais enti-
dades. O secretário, não verificando qualquer vínculo daquele pedido com um
processo judicial, recusou a sua realização, tendo a Roda Golf reclamado para o
juiz de reenvio, invocando que também os atos extrajudiciais podem ser objeto
de notificação à luz do Regulamento, ainda que à margem de um processo judi-
cial e efetuada entre particulares.
Neste cerne, o Tribunal de Justiça começou por entender que o conceito
de “ato extrajudicial” é “um conceito de direito [europeu]”11 na medida em que
depreende uma “[…] vontade dos Estados-Membros de ancorar essas medidas
na ordem jurídica [europeia] e de consagrar o princípio da sua interpretação
autónoma”12.
8
Cfr. Acórdão TJ Plumex cit., considerando 21.
9
Acórdão TJ Sonntag, de 21 de abril de 1993, processo n.º C-172/91. No considerando 18, o Tri-
bunal de Justiça é claro quando afirma, interpretando o artigo 1.º da Convenção antecedente, que
“[…] segundo jurisprudência constante […], a noção de «matéria civil» […] é de considerar como
noção autónoma que deve ser interpretada com referência, por um lado, aos objetivos e ao siste-
ma [do Regulamento] e, por outro, aos princípios gerais que se extraem do conjunto dos sistemas
jurídicos nacionais”. Daqui se retira que a noção de matéria civil é independente da sua definição
jurídica nacional e assume-se como um termo jurídico europeu a interpretar e integrar nessa sede.
10
Acórdão TJ Roda Golf, de 25 de junho de 2009, processo n.º C-14/08.
11
Acórdão TJ Roda Golf, considerandos 47 e 50.
12
Acórdão TJ Roda Golf, considerando 48.
194
Acresce que concluiu que não faria sentido limitar a citação / notifi-
cação de atos judiciais e extrajudiciais à existência de um processo judicial
porque “é suscetível de se manifestar quer no quadro de um processo judicial
quer à margem desse processo, na medida em que a referida cooperação tem
efeitos transfronteiriços e é necessária ao bom funcionamento do mercado in-
terno”13.
Relativamente o artigo 1.º, n.º 2, têm-se levantado algumas dificuldades
– na realidade, este número exige que seja conhecido o endereço do destinatário
para que os mecanismos facilitadores da transmissão transfronteiriça de atos ju-
diciais e extrajudiciais decorrentes do Regulamento possam ser utilizados. Neste
cerne, a doutrina tem sido consensual ao entender que o conceito “endereço do
destinatário” deverá ser interpretado amplamente – afinal “[a]pesar de existirem
várias disposições do Regulamento 1393/2007 que se referem ao local da «resi-
dência» e até ao «local de trabalho», não parece que o termo «domicílio» deva
ser interpretado strictu sensu, mas extensivamente para incluir qualquer lugar
em que o destinatário do documento se possa encontrar noutro Estado-Membro
numa base não temporária”14.
Dito isto, a dinâmica do Regulamento passa por um diálogo jurídico-
-institucional entre tribunais de diferentes Estados-Membros, entre estes e as
competentes entidades centrais e, sempre que seja reputado, entre aqueles e as
autoridades consulares e diplomáticas. Afinal, resultam do artigo 2.º do Regula-
mento as noções de “entidade de origem” e “entidades requeridas”:
- entende-se como “entidades de origem” os funcionários, autoridades
ou outras pessoas que terão competência para transmitir atos judiciais
ou extrajudiciais para efeitos de citação ou notificação noutro Estado-
-Membro – artigo 2.º, n.º 1 do Regulamento;
- entende-se por “entidades requeridas” os funcionários, autoridades ou
outras pessoas que terão competência para receber atos judiciais e ex-
trajudiciais provenientes de outro Estado-Membro – artigo 2.º, n.º 2 do
Regulamento.
13
Acórdão TJ Roda Golf, considerando 56.
14
AGUILERA MORALES, Marien e CUBILLO LÓPEX, Ignacio, “Transmission of judicial and ex-
trajudicial documents for the purposes of service: Regulation 1393/2007”, in CALDERÓN CUA-
DRADO, María Pía; GASCÓN INCHAUSTI, Fernando; SENÉS MOTILLA, Carmen e VEGAS
TORRES, Jaime (Coords.), European Civil Procedure, European Commission, Arazandi, Sweet &
Maxwell, 2011, pp. 283-303, p. 287 (tradução livre).
195
15
Para maiores desenvolvimentos, cfr. COVELO DE ABREU, Joana, Digital Single Market under
EU political and constitutional calling: European electronic agenda’s impact on interoperability
solutions, in “UNIO – EU Law Journal”, Vol. 3, No. 1, pp. 123-140, http://www.unio.cedu.direito.
uminho.pt/Uploads/UNIO%203/UNIO%203%20EN/Joana%20Covelo%20de%20Abreu%20(1).
pdf [acesso: 27.02.2018].
16
Nas palavras de Malcolm Harbour, Eurodeputado, “the Digital Single Market is the Single Mar-
ket, because if you now look at every single business that accesses the single market one of its
strong components will be the Internet or an electronic-based offering”. Apud COVELO DE
ABREU, Joana, Digital Single Market…, p. 125.
196
17
Cfr. Decisão (UE) n.º 2015/2240, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro
de 2015, que cria um programa sobre soluções de interoperabilidade e quadros comuns para as
administrações públicas, as empresas e os cidadãos (Programa ISA2) como um meio para moder-
nizar o setor público.
18
Cfr. Regulamento (CE) N.º 861/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de
2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante.
19
Cfr. Comissão Europeia, Comission Staff Working Document “A Digital Single Market Strategy for
Europe – Analysis and Evidence” – Accompanying the document “Communication from the Com-
mission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee
and the Committee of the Regions”, Bruxelas, 6 de maio de 2015, SWD(2015) 100 final, p. 17.
20
CHARALABIDIS, Yannis, Interoperability in Digital Public Services and Administration: Bringing
197
e-Government and e-Business, Information Science Reference, Nova Iorque, Hershey, 2011, p.
xxvii (“[i]nformation systems and networking infrastructures, hence, need to be or become sca-
lable so they can adjust to emerging and changing needs, which might be of technical nature, or,
organizational and social, or both”).
21
Cfr. Comissão Europeia, Commission Staff Working Document “A digital Single Market Strategy
for Europe – analysis and evidence”, Bruxelas, 25 de maio de 2016, COM(2015) 192 final, p. 65.
22
Cfr. Comissão Europeia, Documento de Trabalho da Comissão (Commission Staff Working Docu-
ment), Implementation and Evaluation report; Communication from the Commission to the Euro-
pean Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of
the Regions – EU e-Government Action Plan 2016-2020 – Accelerating the digital transformation of
government, Bruxelas, 19 de abril de 2017, SWD(2016) 108 final, p. 8.
198
23
Cfr. Conselho, Plano de Ação Plurianual 2014-2018 sobre justiça eletrónica europeia, 2014/C
182/02, de 14 de junho de 2014.
24
Cfr. Conselho, Plano de Ação Plurianual 2014-2018 sobre justiça eletrónica europeia…, ponto 24,
p. 4.
25
Cfr. Conselho, Plano de Ação Plurianual 2014-2018 sobre justiça eletrónica europeia…, ponto 31,
p. 5.
26
Cfr. Conselho, Plano de Ação Plurianual 2014-2018 sobre justiça eletrónica europeia…, ponto 32,
p. 5.
27
Cfr. Comissão Europeia, EU e-Government Action Plan 2016-2020 – Accelerating the digital trans-
formation of government..., p. 40.
28
Cfr. JOUROVÁ, Věra, Futur-e-Justice Conference, 19 e 20 de outubro de 2017, Talin, in https://
www.youtube.com/watch?v=yHCUliEZBIM&feature=youtu.be [acesso: 10.2.2018].
29
Cfr. KING, Julian, Futur-e-Justice Conference, 19 e 20 de outubro de 2017, Talin, in https://www.
youtube.com/watch?v=obw67w4ZefA&feature=youtu.be [acesso: 10.2.2018].
199
30
Cfr. Tallinn Declaration on eGovernment at the ministerial meeting during Estonian Presiden-
cy of the Council, 6 de outubro de 2017, EU2017.EE, in https://www.eu2017.ee/sites/default/fi-
les/2017-10/Tallinn_eGov_declaration.pdf [acesso: 10.2.2018].
31
Cfr. Tallinn Declaration on eGovernment at the ministerial meeting during Estonian..., p. 2 (tradu-
ção livre).
200
32
Para maiores desenvolvimentos sobre a interoperabilidade como o método que corporiza o pa-
radigma da Justiça Eletrónica, SILVEIRA, Alessandra e COVELO DE ABREU, Joana, Interope-
rability solutions under Digital Single Market: European e-Justice rethought under e-Government
paradigm, in “European Journal of Law and Technology”, no prelo.
33
A expressão em inglês é “interoperability by default”.
34
Cfr. Comissão Europeia, Communication to the European Parliament, the Council, the European
Economic and Social Committee and the Committee of the Regions, EU eGovernment Action Plan
2016-2020 – “Accelerating the digital transformation of government”, Bruxelas, 19 de abril de 2016,
COM(2016) 179 final, p. 3 (tradução livre).
201
202
1. Breves considerações
A política e, em especial, o plano da participação dos cidadãos não ficaram
imunes à influência das tecnologias de informação e comunicação (TIC). As
ferramentas de comunicação e as plataformas colaborativas ajudaram a criar
uma nova forma de comunicação, debate e participação social nos assuntos
públicos, colocando em 2.º plano os tradicionais meios de comunicação como
forma de ligação entre cidadãos e política.
De forma paulatina – ou, por vezes, imediata, tanto é a rapidez com que
flui a informação – vivemos um período em que aumentam o descontentamento
e a desconfiança dos cidadãos em relação à própria democracia e ao seu
funcionamento. Apesar de a democracia representativa se encontrar consolidada
no continente europeu, em especial na União Europeia (UE), a sua credibilidade
está a ser afetada pela forma como atuam os agentes e as instituições políticas
em diversas matérias, o que poderá, se não abalar, produzir ruído nas bases do
sistema democrática europeu como o conhecemos.
De forma mais vincada pelos últimos anos de crise económico-financeira
que colocou em crise o estado social europeu como o concebemos, a União e
os seus Estados-Membros (EM) têm sido alvo de crescentes críticas relativas
à necessidade de melhorar o funcionamento interno dos parlamentos ou dos
executivos e das administrações e de fortalecer os mecanismos de controlo
democrático. Desta forma, os cidadãos, que se encontram cada vez mais
informados, reivindicam o aumento da participação e da transparência na
tomada de decisões e mais possibilidades de interação entre a política e a
sociedade.
203
1
Para mais desenvolvimentos ver a Recomendação CM/Rec (2009) do Conselho da Europa.
2
Para mais desenvolvimentos ver Abstract UNITED NATIONS – ECONOMIC AND SOCIAL
COMMISSION FOR ASIA ANDA THE PACIFIC, “What is Good Governance?”, disponível em
https://www.unescap.org/sites/default/files/good-governance.pdf, a 28.02.2018.
204
No primeiro caso, temos para nós que hoje em dia um setor público
que não funcione com as TIC na disponibilização de informações e serviços
ao público pela via eletrónica tenderá a tornar-se menos eficaz e eficiente na
resposta a este problema. Dá-se como exemplo o pagamento de uma coima.
Já no segundo vetor, os canais de comunicação que possam vir a ser
criados com as TIC ao permitirem incluir as diversas partes interessadas que
tenham algo a dizer sobre o processo de elaboração dos mais diversos tipos de
políticas, levará a uma governação mais inclusiva e atenta aos problemas reais
dos destinatários da ação política. Dá-se como exemplo as consultas a nível local
sobre o orçamento ou as consultas eletrónicas sobre determinados documentos.
Para finalizar, o terceiro ramo tem que ver com a criação de canais que
destinam à consulta e à participação do público cada vez mais próxima, aberta
e em tempo real. Dá-se como exemplo a consulta eletrónica, o parlamento
eletrónico, os observatórios das iniciativas legislativas, as iniciativas eletrónicas,
etc.
Na verdade, não podemos deixar de notar que estas conceções de boa
governação e democracia aplicadas às TIC não podem esquecer o seu verdadeiro
conceito para que depois se possa aplicar a estas.
A democracia eletrónica pode favorecer o desenvolvimento de formas
complementares de participação, capazes de contribuir para mitigar o
crescimento do desencanto do público com as formas tradicionais da política;
que esta solução pode, além disso, promover a comunicação e o diálogo,
bem como o conhecimento e o interesse em relação à UE e às suas políticas,
favorecendo, por conseguinte, o apoio popular ao projeto europeu, e reduzindo
o chamado «défice democrático» europeu3.
3
Para mais informações ver Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de março de 2017, sobre a
democracia eletrónica na União Europeia: potencial e desafios (2016/2008(INI)).
205
4
O Parlamento defende que se deve promover e impulsionar mecanismos de participação e de
interação do público com as instituições e os funcionários que os representam. As TIC devem
facilitar o acesso à informação, a transparência, a escuta ativa e o debate pelo que poderão ajudar
a colmatar o fosso entre os cidadãos e o aperfeiçoamento da tomada de decisões. Deve ainda faci-
litar a responsabilização, etc..
206
5
«As soluções adotadas no âmbito do conceito da interoperabilidade devem ser adequadas, ne-
cessárias e proporcionais: Adequadas: devem ser adequadas para assegurar o fim esperado de
acordo com o direito da União; Necessárias: mediante um conjunto de medidas adequadas, terá
de ser aquela menos restritiva/prejudicial; Proporcionais (em sentido estrito): tendo em conta os
benefícios e os prejuízos, os primeiros têm de ser maiores do que os negativos, que apenas devem
ser residuais. Na realidade, estes prejuízos não podem ser desproporcionados relativamente aos
efeitos benéficos que a solução pode criar.»
ABREU, Joana. O Mercado Único Digital e o seu desígnio político-constitucional: o impacto da
Agenda Eletrónica Europeia. “UNIO - EU Law Journal” (Centro de Estudos em Direito da União
Europeia), III, Janeiro 2017, 130-150.
6
O Parlamento considera que a tecnologia digital pode ser utilizada para melhorar os processos de
consulta do público e de análise de impacto como apoio ao processo de tomada de decisões, a fim
de melhorar a governação.
207
4. Que Futuro?
A esfera pública europeia e a internet são espaços globais para a deliberação
política, todavia devem ser preservadas como estruturas ou instituições sociais
no processo de realização. Esta esfera pública que referimos consiste na
especialização em assuntos relacionados com comunidades de especialistas e
com a sociedade civil europeia - um espaço muito enriquecedor para que se
consiga a troca de ideias entre os cidadãos europeus, o que normalmente é
7
ABREU, Joana, op.. Cit.
8
Idem
9
Idem «Na realidade, algumas pessoas percecionam o e-governo como a face visível da interope-
rabilidade – o e-governo desenvolve-se usando as soluções de interoperabilidade adotadas pelas
administrações públicas. O e-governo prende-se com as situações (mais e mais frequentes) em
que o governo depende de soluções baseadas em ferramentas de tecnologias de comunicação e de
informação para desenvolver as suas competências, especialmente quando os governos dos Es-
tados-Membros começaram a implementar portais em linha onde criaram diversos mecanismos
para se interrelacionarem com a população. Estas instalações geraram uma “melhor qualidade e
performance dos serviços”».
208
10
Deve-se fomentar a participação ativa dos representantes públicos nos fóruns existentes com o
objetivo de promover o debate e a troca de pontos de vista e de propostas com o público.
209
11
Devemos propiciar um maior nível de segurança na utilização da Internet, mais propriamente a
segurança da informação e dos dados, a criação de registos digitais públicos seguros e a verificação
das assinaturas digitais únicas para prevenir múltiplas interações fraudulentas é parte do caminho
para combater este desafio e obter uma maior e-inclusão.
210
5. E agora, União?
A União Europeia é um dos projetos políticos mais complexo que
conhecemos. Na verdade, o que nasceu com objetivos claros, foi-se definindo ao
longo dos tempos, trazendo para si diferentes valências e vetores nas quais se foi
considerando competente.
12
ABREU, Joana, op. cit., «O risco mais importante, porque diretamente relacionado com o prin-
cípio democrático, é a falta de controlo – já que o sistema de pesos e contrapesos, mesmo revisto
(como foi e continua a ser na União Europeia), sempre tem de subsistir, uma vez que é necessário
que alguém controle o controlador. Na realidade, já existem algumas manifestações externas des-
te impacto negativo que as ferramentas eletrónicas têm na vida das pessoas. Como elas se encon-
tram apostadas em participar na vida pública – ainda que tendo uma opinião mal conduzida pelos
órgãos de comunicação social – demandam mais e melhores meios de participação democrática.
E é por isto que os meios de participação democrática como é o caso dos referendos – que ficaram
esquecidos durante décadas – estão agora em voga e a ser utilizados repetidamente. Aliás, como
ficou provado no referendo que determinou o (…) “Brexit”, as demandas participativas feitas
especialmente pelo uso de ferramentas da Internet e através de plataformas sociais podem ser
um contrafenómeno à promoção do princípio democrático, sobretudo quando potenciadas por
partes interessadas que representam um interesse particular no processo, de forma a reajustar o
cenário político e democrático: neste contexto específico, não somos capazes de percecionar se os
resultados se adequam à verdadeira vontade da maioria.»
211
212
1. Introdução
As multinacionais, por definição, operam em diversos sistemas jurídicos,
o que implica que estejam frequentemente sujeitas a imposto, não só no Estado
da residência, mas igualmente nos vários Estados onde têm rendimentos. Para
evitar essa dupla tributação são frequentemente implementados mecanismos ou
no plano unilateral, através da legislação interna, ou no plano bilateral ou mul-
tilateral, através de convenções.
O contexto onde existe uma maior prática no combate à dupla tributação
das sociedades é precisamente o das convenções bilaterais que acabam, dada a
sua popularidade e difusão, por influenciar quer as soluções de direito interno
quer as que são consagradas nas menos frequentes convenções multilaterais. O
poder de influência das convenções deve-se, em grande medida, ao facto de exis-
tir uma Convenção Modelo da OCDE (CMOCDE) que tem inspirado a maior
parte das convenções celebradas a nível global, condicionando até as soluções
de direito interno. Verifica-se, com efeito, que, amiúde, as soluções de direito
interno sãs as mesmas que são adotadas no contexto da CMOCDE.
* Estas breves notas correspondem ao texto de apoio à comunicação, com o título Impacto das
novas tecnologias na tributação das multinacionais: o teste do estabelecimento estável, a fazer no
âmbito do Congresso Internacional Direito na Lusofonia, a ter lugar na Escola de Direito da Uni-
versidade do Minho, não tendo a pretensão de ser mais do que isso.
213
1
Ver SKAAR, Arvid, Permanent Establishment: Erosion of a Tax Treaty Principle, Kluwer, De-
venter, 1991, pp. 7, 64-101.
214
2
Ver comentário ao artigo 5.º da CMOCDE, § 28.
215
3
Ver Comentário ao artigo 5.º da CMOCDE, §§ 21 a 30.
4
Cfr. artigo 5.º, n.º 4, alínea e), da CMOCDE.
5
Ver Comentário ao artigo 5.º da CMOCDE, § 59.
6
E continua a indiciar na nova redação.
216
7
Por exemplo, os rendimentos derivados de bens imóveis ou da atuação de artistas ou desportistas.
Cfr. artigos 6.º, n.º 1, e 17.º, n.º 2, da CMOCDE.
8
Para não falar das situações em que é mesmo impossível determinar a localização a partir da qual
são feitas as operações de comércio eletrónico.
9
OECD, In Are the Current Treaty Rules for Taxing Business Profits Appropriate for E-Commerce?,
Final Report, 19 de dezembro, de 1995, http://www.oecd.org/dataoecd/58/53/35869032.pdf, p. 22.
217
10
Cfr. artigo 5.º, n.º 4, da CMOCDE.
11
O que não aconteceria se todas as atividades da empresa fossem levadas a cabo a partir da mesma
localização, na medida em que deixariam de ter carácter preparatório ou auxiliar, por serem to-
madas em conjunto.
12
Cfr. artigos 5.º e 7.º da CMOCDE.
13
Cfr. COCKFIELD, Arthur, Reforming the permanent establishment principle through a quantita-
tive economic presence test, in “Tax notes international”, vol. 33, n.º 7, 2004, pp. 643-654.
218
6. Conclusão
Parece-nos que estas alterações, não obstante terem potencial para pro-
duzir alguns resultados, não resolverão totalmente o problema. Especialmente
num contexto onde a nova tecnologia e a desmaterialização de muitas operações
impedirá frequentemente de detetar as próprias operações, sendo, por conse-
guinte, nesse contexto, impossível fazer qualquer juízo relativamente ao seu ca-
rácter essencial, preparatório ou auxiliar.
Diríamos que os problemas, identificados na ação 7 do BEPS que esteve
na base das alterações abordadas, são certamente mais do que aqueles que pode-
rão ser resolvidos pelos aditamentos e alterações mencionados.
14
Considera-se que as sociedades têm uma relação especial quando uma tem controlo sobre a outra
nos termos descritos no artigo 5.º, n.º 8 da CMOCDE. Número que foi aditado na versão de 2017
da CMOCDE.
15
Cfr. artigo 5.º, n.º 4.1., alíneas a) e b) da CMOCDE.
219
16
Cfr. comentário ao artigo 5.º da CMOCDE, §§ 132 a 169.
220
1. Introdução
Para muitos, a tecnologia é libertadora. Inteligência artificial, criptogra-
fia, blockchain, robótica, automação, big data. Para outros, a tecnologia pode ser
um instrumento perigoso que domina e faz refém a coletividade, mas debates e
ideologias a parte, é fato que as tecnologias vieram para transformar a nossa vida
em sociedade, nesta nova e expansiva Era Digital.
A começar, é indiscutível que a tecnologia no cenário jurídico veio para
otimizar a vida dos operadores do direito. E aqui, importante contextualizarmos
essa mudança da Terceira para a Quarta Revolução Industrial. A primeira Re-
volução Industrial utilizou vapor para mover máquinas. A Segunda empregou
energia elétrica para fabricação de bens de consumo em massa. E a Terceira usou
computadores para automatizar os meios de produção. A Quarta Revolução por
sua vez ocorre pela fusão de várias tecnologias (inteligência artificial, big data,
machine learning) para criar soluções únicas e transformadoras, capazes de pro-
vocar rupturas nos atuais modelos de negócios e mercados de trabalho.1
É inegável, hoje, que os operadores do direito sofrem uma quebra de pa-
radigmas. A inserção das tecnologias no mercado jurídico, por exemplo, não
1
BENVENUTTI, Maurício. Incansáveis: como empreendedores de garagem engolem tradicionais
corporações e criam oportunidades transformadoras. 1ª edição. São Paulo. Editora Gente, 2016.
221
2
ATHENIENSE, Alexandre Rodrigues; RESENDE, Tatiana Carneiro. “A inteligência artificial e
outras inovações tecnológicas aplicadas ao direito”. In: FERNANDES, Ricardo Vieira de Car-
valho; COSTA, Henrique Araújo; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (Coord.). Tecnologia
jurídica e direito digital: I Congresso Internacional de Direito e Tecnologia – 2017. 1ª edição. Belo
Horizonte: Fórum, 2018.
3
TARDELLI, Eduardo. O que são as legaltechs no Brasil? Administradores.com, 18 de agosto de
2017. Disponível em:<http://www.administradores.com.br/noticias/negocios/o-que-sao-as-le-
galtechs-no-brasil/120899/>. Acesso em 16 de fevereiro de 2018.
4
LOPES, André. Elas vão substituir você. “Revista Veja”. Número 5. Edição 2567. Ano 51. Editora
ABRIL. 31 de janeiro de 2018. Acesso em 16 de fevereiro de 2018.
222
5
GABRIEL, Martha. Você, eu e os robôs: pequeno manual do mundo digital. 1ª edição. São Paulo:
Atlas, 2018.
6
LOPES, André. Elas vão substituir você. “Revista Veja”. Número 5. Edição 2567. Ano 51. Editora
ABRIL. 31 de janeiro de 2018. Acesso em 16 de fevereiro de 2018.
7
HASAN, Bakhshi; Downing, Jonathan M.; Osborne, Michael A.; Schneider, Philippe. The Fu-
ture Of Skills Employment 2030. Oxford Martin. Setembro 2017. Disponível em: <https://www.
oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/reports/the_future_of_skills_employment_in_2030_0.pdf>.
Acesso em 17 de fevereiro de 2018.
8
HASAN, Bakhshi; Downing, Jonathan M.; Osborne, Michael A.; Schneider, Philippe. The Fu-
223
ture Of Skills Employment 2030. Oxford Martin. Setembro 2017. Disponível em: <https://www.
oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/reports/the_future_of_skills_employment_in_2030_0.pdf>.
Acesso em 17 de fevereiro de 2018.
9 HASAN, Bakhshi; Downing, Jonathan M.; Osborne, Michael A.; Schneider, Philippe. The Fu-
ture Of Skills Employment 2030. Oxford Martin. Setembro 2017. Disponível em: <https://www.
oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/reports/the_future_of_skills_employment_in_2030_0.pdf>.
Acesso em 17 de fevereiro de 2018.
224
10
Processo. E-4.880/2017 - v.u., em 19/10/2017, do parecer e ementa do Relator Dr. Fagundes, Sér-
gio Kehdi revisor Dr. Fábio Teixeira Ozi - Presidente Dr. Pedro Paulo Wendel Gasparini.Conjur,
31 dezembro 2017. Disponível em:<https://www.conjur.com.br/dl/ementario-oab-sp.pdf>. Aces-
so em 16 de fevereiro de 2018.
225
11
ATHENIENSE, Alexandre Rodrigues; RESENDE, Tatiana Carneiro. “A inteligência artificial e
outras inovações tecnológicas aplicadas ao direito”. In: FERNANDES, Ricardo Vieira de Car-
valho; COSTA, Henrique Araújo; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (Coord.). Tecnologia
jurídica e direito digital: I Congresso Internacional de Direito e Tecnologia – 2017. 1ª edição. Belo
Horizonte: Fórum, 2018.
12
SUSSKIND, Richard. Tomorrow’s Lawyers – An Introduction to Your Future. 2ª edição. United
Kingdom. Editora Oxford University Press, 2017.
13
ADAMS, Colin. Online dispute resolution: an international business approach to solving consumer
complains. Bloomington, IN: AuthorHouse, 2015.
14
INSTITUCIONAL/quadro de advogados. OAB – Conselho Federal. Disponível em: <http://www.
oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados>. Acesso em 26 de fevereiro de 2018.
226
que equivale a 01 advogado para cada 195 pessoas.15 Ainda que não bastasse o
elevado número de profissionais do direito no país, o Brasil, ainda conta com
o maior número de cursos de bacharelado em direito do mundo, com 1.229
instituições registradas no MEC que ofertam cerca de 240 mil vagas por ano.16
O Conselho Nacional de Justiça por sua vez divulgou número preocu-
pante do Poder Judiciário Brasileiro ano-base 2016 com 79,7 milhões de proces-
sos em tramitação com acréscimo de 2,7 milhões de processos judiciais do país
de 2015 para 2016.17 O estoque de processos nos últimos anos só aumentou, su-
biu de 60,7 milhões em 2009 para 79,7 milhões em 2016, crescimento de 31,2%
ao longo de 7 anos.
Diante dessa realidade, é contra intuitivo pensar que o Judiciário brasilei-
ro é eficiente com o crescente número de processos. Assim, o que pode se dizer é
que plataformas digitais como a resolução on-line de conflitos são bem-sucedi-
das por conta de uma ideia simples somada a um amplo interesse de se estimular
a auto composição entre as partes. O que se induz é que os acordos formulados
por meio destas plataformas, também, acabam por desonerar o Estado, desbu-
rocratizar e desjudicializar as pretensões formuladas pelas partes, uma vez que
a forma digital ODR ou online dispute resolutions se mostram eficazes, céleres
e econômicas, mostrando-se uma alternativa viável na solução dos conflitos.18
E no que se refere especificamente ao Direito brasileiro, o próprio Estado
e o mercado jurídico ainda estão em estágio inicial de desenvolvimento dessa
nova modalidade de resolução on-line de conflitos, mas resta claro que a utiliza-
ção destas plataformas online na solução dos problemas propostos pelas partes
litigantes se apresenta como uma medida eficaz e econômica para se por fim ao
litígio das partes.
15
IBGE. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em: <https://
www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>. Acesso em: 26 de fevereiro de 2018. Cálculo a
partir da relação entre o quadro de advogados da OAB e a projeção da população do Brasil do
IBGE.
16
E-MEC. Ministério da Educação. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em 18 de
fevereiro de 2018.
17
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números: ano base 2016. Brasília: CNJ,
2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb-
79337945c1dd137496c.pdf>. Acesso em 18 de fevereiro de 2018.
18
ROSAS, Isabela Magalhães; MOURÃO, Carlos Eduardo Rabelo. “Resolução on-line de conflitos:
o caso europeu e uma análise de contexto jurídico brasileiro”.In: FERNANDES, Ricardo Vieira de
Carvalho; COSTA, Henrique Araújo; CARVALHO, Angelo Gamba Prata de (Coord.). Tecnologia
jurídica e direito digital: I Congresso Internacional de Direito e Tecnologia – 2017. 1ª edição. Belo
Horizonte: Fórum, 2018.
227
1.3. Conclusões
228
1
Somente entrou em vigor no Brasil após duas décadas, sendo referendada pelo Decreto Legislati-
vo 79, de 12 de junho de 1999 e promulgada pelo Decreto 3413, de 14 de abril de 2000.
2
De forma brilhante demonstra Anabela Susana De Sousa Gonçalves de que não se trata do re-
torno ao local físico em que se encontrava, mas sim daquele em que se encontra o seu núcleo
afetivo familiar. “significa que a criança deve regressar ao lugar onde estiver aquele que requereu
o regresso, mesmo que entretanto este tenha alterado o seu local de residência habitual. Esta solu-
ção visa, então, obviar aos problemas que se poderiam colocar na situação enunciada e parte, em
229
nossa opinião, da ideia que o meio familiar da criança não é um local físico, mas o local de afectos
onde se encontra a família.” In. GONÇALVES, Anabela Susana De Sousa. Aspectos civis do rapto
internacional de crianças: entre a convenção de Haia e o regulamento Bruxelas II bis. “Cadernos de
Dereito Actual”, Nº 3 (2015), pp. 173-186.
3
Na última reunião ocorrida em 2 de agosto de 2017, foram contabilizados 98 Estados contratantes
à Convenção. https://www.hcch.net/fr/instruments/conventions/status-table/?cid=24 em 25 fev.
2018.
4
http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/113473.
5
“Para alcanzar este objetivo, el Convenio consagra en primer lugar entre sus objetivos el
restablecimiento del statu quo mediante la “restitución inmediata de los menores trasladados o
retenidos de forma ilícita en cualquier Estado contratante”. Las dificultades insuperables en-
contradas para fijar convencionalmente criterios de competencia directa en la materia, llevaron
en efecto a la elección de esta vía que, aun siendo indirecta, va a permitir en la mayoría de los
casos que la resolución final respecto a la custodia, sea dictada por las autoridades de la residencia
habitual del menor, antes de su traslado”. In Informe explicativo de Dña. Elisa Pérez Vera. “Con-
clusiones de los trabajos de la Conferencia de La Haya de derecho internacional privado”. https://
assets.hcch.net/upload/expl28s.pdf.
6
Dentre outros instrumentos internacionais deve o intérprete ter como parâmetro a aplicação dos
princípios previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pelas Nações Unidas
em 20 de Novembro de 1989.
7
“L’homme est né dans un milieu familial, géographique et culturel et son unicité spirituelle, phy-
sique et sociale est indissociable de la dignité humaine. De nos jours, on parle de « l’identité
unique » dans le cadre de la liberté de circulation des personnes, mais cette spécificité doit ré-
230
pondre à la véritable histoire personnelle qui commence même avant la naissance », mais adinte
a autora destaca a importância cultural da criança para a formação de sua personalidade. concep-
tion de l’être humain, par la date de naissance, par les racines historiques et culturelles – et, de
l’autre côté, l’identité dynamique qui évolue au cours de la vie au fur et à mesure du développe-
ment de la personnalité» NAJURIETA, María Susana. L’adoption internationale des mineurs et les
droits de l’enfant, Recueil des cours, Collected Courses, Tome 376, 2015. p.276.
231
8
É o que ensina Tourinho, ao tratar da identidade física do magistrado durante o interrogatório do
réu no processo penal. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. 11. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2009, às fls. 266.
232
9
Report of the experts’ group on the use of video-link and other modern technologies in the taking
of evidence abroad (Groupe d’experts sur l’utilisation de la liaison video et d’autres technologies
modernes pour l’obtention de preuves à l’étranger).
233
10
Guía de buenas prácticas en virtud del Convenio de La Haya del 25 de octubre de 1980 sobre
los spectos civiles de la sustracción internacional de menores. Cuarta parte – Ejecución. https://
assets.hcch.net/upload/mediation_pt.pdf
11
Dificuldade apontada pelo próprio manual de Boas Práticas da Comissão: “A distância geográfica
entre as partes é outra dificuldade da mediação no contexto do rapto internacional de crianças:
a distância entre o Estado de residência habitual da criança, onde o progenitor cujo direito de
custódia foi violado reside, e o Estado para o qual a criança foi deslocada pode ser considerável”.
https://assets.hcch.net/upload/mediation_pt.pdf.
12
O Guia de Boas Práticas da Convenção da Haia, é um trabalho iniciado em 2009 e foi concluído
em abril de 2012, e possui um manual específico para a mediação e conciliação nos conflitos da
234
Convenção da Haia. “Considerando los beneficios que obtendría el niño mediante un acuerdo
amigable, la Autoridad Central y el tribunal deberán, desde el comienzo y a lo largo de todo el
proceso, incluida la instancia de apelación, trabajar apropiadamente con las partes o sus asesores
jurídicos y considerar la posibilidad de una mediación u otra forma de acuerdo voluntario, sin
perjuicio de la obligación primordial de evitar demoras indebidas en el litigio. 5.2 En la etapa
de la ejecución, se deberá continuar con los esfuerzos para lograr uma solución amigable, espe-
cialmente para acordar las modalidades de la restitución y el cumplimiento voluntario. Con este
propósito, el tribunal, la Autoridad Central y los agentes de ejecución deberán trabajar, según
corresponda, con las partes o sus asesores jurídicos y considerar la posibilidad de una mediación u
otra forma de acuerdo, sin perjuicio de la obligación primordial de evitar demoras indebidas en la
aplicación de la orden de restitución. 5.3. Cuando corresponda, los tribunales deberán solicitar la
asistencia de profesionales del área de la psicología social así como la de mediadores profesionales
con el objetivo de lograr un acuerdo amigable y / o preparar a las partes involucradas, particular-
mente al niño, para la restitución. Esta asistencia deberá estar disponible en todas las instancias
del proceso si fuera necesario, incluida la instancia de ejecución. No obstante, deberá solicitársela
lo antes posible durante el proceso. 5.4 Deberá haber mecanismos efectivos disponibles que ga-
ranticen la ejecutabilidad en los Estados pertinentes de los acuerdos celebrados entre las partes
para poder proceder a la ejecución sin demora en el casode que el acuerdo no se cumpla”. Guide
to Good Practice Child Abduction Convention: Part IV – Enforcement. https://assets.hcch.net/
upload/guide28enf-s.pdf.
13
Sobre a tentativa de Conciliação manual elaborado pela Justiça Federal brasileira aponta que “art.
3º do Código de Processo Civil, o princípio do interesse processual de agir estabelece a exigência
de que o autor demonstre, entre outros aspectos, a necessidade da tutela jurisdicional pedida
para a solução do litígio deduzido em juízo.Esse princípio fundamenta a prevalência jurídica das
formas de solução consensual de conflitos de interesse (autocomposição do litígio) – transação,
conciliação, mediação e arbitragem –, em relação à tutela jurisdicional (heterocomposição
do litígio), ante a evidente necessidade de menor esforço para a efetivação de uma solução do
conflito que tenha sido estabelecida pelos próprios litigantes.E daí a existência de normas como
as dos arts. 125, IV, 447 a 449, 475-L, VI, e 741, VI, todos do Código de Processo Civil – das quais,
as duas últimas chegam, inclusive, a estabelecer a viabilidade e a preferência da solução con-
sensual do litígio, até mesmo, após a formação da coisa julgada material”. http://www.cjf.jus.br/
cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/outras-publi-
cacoes/manual-haia-baixa-resolucao.pdf/.
235
14
“nos termos do art. 11º, n.º 5, do Regulamento, não pode ser proferida decisão de retenção, se a
pessoa que requereu o regresso da criança não tiver tido oportunidade de ser ouvida46. Deve-se
proceder ainda à audição da criança, salvo caso se considere desajustado tendo em conta a idade
ou maturidade da mesma (art. 11º, n.º 2).” GONÇALVES, Anabela Susana De Sousa. Aspectos
civis do rapto internacional de crianças: entre a convenção de Haia e o regulamento Bruxelas II bis.
“Cadernos de Dereito Actual », Nº 3 (2015), pp. 173-186.
15
“Selon l’article 3, premier paragraphe, de la Convention relative aux droits de l’enfant, « dans tou-
tes les décisions qui concernent les enfants, qu’elles soient le fait des institutions publiques ou pri-
vées de protection sociale, des tribunaux, des autorités administratives ou des organes législatifs,
l’intérêt supérieur de l’enfant doit être une considération primordiale ». Dans la matière abordée
dans ce chapitre, où il y a des tensions entre les intérêts des divers acteurs, nous estimons oppor-
tun de souligner que le paradigme de l’intérêt supérieur de l’enfant impose la politique législative
de l’Etat, l’orientation de la société, les décisions des autorités compétentes et la conduite de tous
les opérateurs dans le sens de protéger au mieux la jouissance de tous les droits fondamentaux
des enfants ». NAJURIETA, María Susana. L’adoption internationale des mineurs et les droits de
l’enfant, Recueil des cours, Collected Courses, Tome 376, 2015. p.298.
236
16
A Convenção elabora um formulário a ser preenchido pelos Estados participantes e nele há o
pedido de informações a respeito da oitiva e demais participações das crianças envolvidas com
as seguintes perguntas: ”a)¿Tiene el niño la oportunidad de ser escuchado en el proceso de res-
titución en su Estado? c)¿Cómo garantiza su Estado que escuchar al niño durante el proceso de
restitución no redunde en demoras indebidas? c) ¿Cómo garantiza su Estado que escuchar al niño
durante el proceso de restitución no redunde en demoras indebidas? d) ¿Pueden las autoridades
judiciales o administrativas designar un representante legal (apoderado o curador procesal) que
represente el interés superior del niño en el proceso de restitución?”. O documento está acessível
no sítio da Convenção em Hague Convention on the Civil Aspects of International Child Abduc-
tion: Country Profile (Info Doc. No 2 of March 2011) fls. 21. https://www.hcch.net/pt/publica-
tions-and-studies/details4/?pid=5289.
237
4. Conclusão
Praticamente inexistente tal tecnologia em 1980 quando da edição a Con-
venção, nos dias atuais parece descabida a não utilização do instrumento da vi-
deoconferência tanto para a finalidade a tentativa de uma solução amigável do
conflito quanto para a eficiente apuração das reais necessidades da criança que
sofre o rapto internacional, com evidentes ganhos em segurança, economia, ce-
leridade e efetiva proteção da criança e da família no âmbito internacional.
Portanto, entendemos que a Convenção deve aplicar de forma urgente os
instrumentos tecnológicos por meio de regulamentação em Guia de Boas Prá-
ticas, bem como, estamos certos de que a estrutura criada para essa finalidade
poderá servir aos Estados participantes como base a novas cooperações interna-
cionais, em outras relações internacionais visando a proteção internacional da
família e das crianças com todas as vantagens aqui apontadas.
238
1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar a atuação do Controle Ex-
terno na fiscalização da garantia de acessibilidade aos sítios da internet, e da
provisão de recursos de tecnologias assistivas destinadas a assegurar o exercício
dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil. Esta análise se dará por meio de
estudos de casos de atuação do TCU e dos resultados dessa atuação na sociedade
brasileira.
239
2. Conceituação de acessibilidade
e de tecnologias assistivas
A Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência1, doravante denominada “Convenção”, reconheceu a importância
da acessibilidade como forma de possibilitar às pessoas com deficiência o ple-
no gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, revelando o
aspecto instrumental do direito à acessibilidade, já que, pela observância deste,
torna-se possível a fruição de todos os demais direitos.
No Brasil, a Convenção foi recepcionada como norma de estatura consti-
tucional. No plano infraconstitucional, a Convenção foi regulamentada pela Lei
13.146/20152, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa Com Deficiên-
cia (LBI), destinada, conforme preceitua o seu art. 1º., “a assegurar e a promover,
em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.” A LBI,
assim considera a acessibilidade:
1
BRASIL. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, 2007. Brasília: Câmara dos De-
putados, Edições Câmara, 2015.
2
BRASIL. Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, 2015.
240
241
3
BRASIL. Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de
novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de
dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibili-
dade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, 2004.
4
BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril
de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19
de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, 2005.
5
TCU, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2170. 2012.
6
BRASIL. Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras
e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2002.
242
7
TCU, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 4471. 2016.
243
244
5. Conclusão
No plano normativo, a visão médica da deficiência deu lugar à sua pers-
pectiva social. A Convenção, em âmbito internacional, e a LBI, no ordenamen-
to jurídico brasileiro, assentaram o novo paradigma que reconhece o direito da
pessoa com deficiência a plena e efetiva inclusão social. No entanto, a garantia de
acesso a todos os direitos fundamentais é objetivo que ainda exige permanente
engajamento, não apenas das pessoas com deficiência, mas de toda a sociedade.
245
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Câ-
mara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Coordenação de
Publicações, 1988.
BRASIL. Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais
- Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2002.
BRASIL. Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de
8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especi-
fica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou
com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2004.
BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de
24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art.
18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, 2005.
BRASIL. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, 2007. Brasília: Câmara
dos Deputados, Edições Câmara.
BRASIL. Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União.
TCU, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2170. 2012.
TCU, Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 4471. 2016.
8
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Câmara
dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, 1988.
246
247
1
Cfr. VARELA, Antunes, Direito da Família, 1.º Volume, 5.ª edição, Livraria Petrony,1999, p.343.
2
O adultério abrange todos os actos sexuais realizados com outra pessoa que não o cônjuge: a
copula vaginal, a cópula vulvar ou vestibular, o coito anal, o coito oral, a masturbação com in-
tervenção de terceiro, o auxilio à masturbação, etc.. Cfr. PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito de
Família Contemporâneo, 5ª edição, Almedina, 2016, p.380.
3
O ac. do STJ de 25/05/1987, BMJ 364, p.866, chegou a considerar “infidelidade matrimonial de or-
dem moral” o facto de um dos cônjuges escrever uma peça literária em que “se imagina a copular
com uma personagem desse escrito que não o seu cônjuge”.
4
ALONZO MENDOZA, Pamela, Daños morales por infidelidad matrimonial. Um acercamiento al
derecho español, “Revista Chilena de Derecho y Ciencia Política”, vol.2, n.º2, 2011, p. 47
5
Cfr. VARELA, Antunes, Direito da Família, 1.º Volume, 5.ª edição, Livraria Petrony,1999,
pp. 342-343.
248
6
A ensejar a antiga separação judicial litigiosa por sanção prevista na lei brasileira: cfr. artigos 1.572
c/c art. 1.573, VI, do Código Civil brasileiro.
7
Cfr. 70.º, n.º1, do Código Civil e 26.º, n.º1, da CRP.
8
SOUSA, Rabindranath V. A. Capelo de, O Direito Geral de Personalidade (reimpressão), Coim-
bra: Coimbra Editora, 2011, nota 489, p. 231.
9
Cfr. VARELA, Antunes, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª edição, Coimbra: Almedina, 2010,
p. 534.
249
10
Nestes termos, IORIO, Giovanni, Infedeltà coniugale e risarcimento del dano, Officina Del Diritto,
Giuffrè Editore, 2013, p. 60; e FACCI, Giovanni, Il danno da adulterio, “Revista mensile di dottri-
na, giurisprudenza e legislazione”, n.º5, Giuffè Editore, 2012, p. 1492.
11
FACCI, Giovanni, Il danno da adulterio, “Revista mensile di dottrina, giurisprudenza e legislazio-
ne”, n.º5, Giuffè Editore, 2012, p. 1492.
12
PINHEIRO, Jorge Alberto Duarte faz referência à questão na sua tese de doutoramento O núcleo
intangível da comunhão conjugal: os deveres conjugais sexuais, p. 719.
13
SOUSA, Rabindranath V. A. Capelo de, O Direito Geral de Personalidade..., 2011, p.231.
14
Cfr. MIOTTO, Giampaolo, “La responsabilità civile dell´amante”..., 2013, p. 1106; e FACCI, Gio-
vanni, Il danno da adulterio, “Revista mensile di dottrina, giurisprudenza e legislazione”, n.º5,
Giuffè Editore, 2012, p. 1489.
250
15
STJ. AREsp 1176712 de 26.10.2017.
16
STJ. AREsp 1116006 de 13.11.2017.
251
Neste sentido, aliás, Maria Berenice Dias defende igualmente não existir
o dever de indenizar pela infidelidade virtual quando não há dano grave: não
cabe qualquer “descumprimento do dever de fidelidade” quando não exista uma
verdadeira afronta ao dever de respeito que deve reger as relações interpessoais,
ou seja, não cabe considerar culpado aquele que faz uso de um espaço imaginá-
rio e que se relaciona com uma pessoa “invisível” 17.
Nestes termos, é inegável que a infidelidade virtual poderá causar uma
crise de confiança nos deveres matrimoniais de fidelidade recíproca, respeito e
consideração mútua. Mas também é inegável que a tutela jurídico-civil apenas
se justifica quando as repercussões são tão graves e lesivas ao equilíbrio psíquico,
emocional e social do cônjuge traído, que violam os bens jurídicos personalida-
de e honra.
Por fim, surgem ainda perguntas no âmbito da teoria da prova e do
processo civil. A infidelidade virtual é documentada por via de comunicações
eletrônica, colocando, inclusive, interessantes questões do ponto de vista da
proteção da privacidade do cônjuge infiel: até onde podem ser valoradas as co-
municações e como podem ser obtidas?
Como estamos falando de infidelidade virtual, dificilmente o cônjuge le-
sado conseguirá comprovar a realidade dos fatos através de uma prova obtida
de uma forma lícita. Não se está esperando que o cônjuge infrator ou o terceiro
confessem a troca de mensagens extramatrimoniais de natureza sexual, poden-
do ser legítima a recusa dos mesmos no “dever de cooperação para a descoberta
da verdade”. Sobretudo pela elevada probabilidade de importar uma violação da
integridade moral, da intromissão na vida privada, no domicílio, na correspon-
dência ou nas telecomunicações (cfr. n.º 3 do artigo 417.º do CPC português).
A dificuldade em obter provas diretas da infidelidade virtual também se
associa à prova testemunhal: alguém terá oportunidade de testemunhar as con-
cretas condutas do terceiro com o cônjuge lesante?
Assim, teremos que aprofundar a questão de saber em que termos se po-
derá recorrer à prova ilícita. Essa prova será essencial para o acesso aos tribunais
e à tutela jurisdicional efetiva do cônjuge que eventualmente terá sofrido danos.
Por exemplo, o cônjuge lesado acedeu, sem consentimento do outro cônjuge, ao
seu computador próprio, ao correio eletrônico, à correspondência no facebook,
ao quarto de hotel ou ao domicilio ocasional, ao celular ou às telecomunicações,
tudo por forma a obter indícios suficientes da infidelidade. E será desse modo
que procura responsabilizar civilmente o cônjuge lesante em tribunal.
Por outro lado, há suficientes argumentos em desfavor da obtenção de
prova ilícita para responsabilizar o terceiro. Desde logo a inadmissibilidade no
17
DIAS, Maria Benenice, Manual de Direito das Famílias, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2016, p.177.
252
processo de provas obtidas por meios ilícitos ou o direito a não ter contra si
uma prova produzida ilicitamente, em particular, quando está em causa o direi-
to fundamental à vida íntima da pessoa18.
A final, não estamos esperando que o tribunal decrete o cumprimento
coercivo dos deveres de fidelidade, mas apenas que concretize a obrigação de
indenizar com base numa prova ilícita que é imprescindível para o apuramento
da verdade e para ressarcir civilmente o cônjuge lesado.
18
Ver DIDIER, Fredie Jr, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de, Curso de Direito
Processual Civil, Teoria Da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela
Provisória, v. 2, 10.ª Edição, Salvador: Editora Juspodivm, 2015, p. 100.
253
Larissa A. Coelho
Doutoranda em Ciências Jurídicas, vertente Ciências Jurídicas Públicas, pela Uni-
versidade do Minho. Investigadora no Centro de Estudos em Direito da União
Europeia, Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar e no Sistema
de Información sobre Institucionalidad en Derechos Humanos del MERCOSUR/
IPPDH
1. Introdução
Refletir sobre a política na era digital nos permite perceber a interação de
fenômenos que surgem em momentos longínquos um do outro, mas que com-
põem o quadro da evolução social do homem. Com a comercialização da inter-
net a partir da década de 1990, o ciberespaço populariza-se, impactando os mais
diversos setores da vida social, da cultura à economia. A chamada revolução
digital, fruto da terceira revolução industrial, tem início na década de 1960 com
o desenvolvimento da computação em mainframe e culmina com a liberalização
do acesso às plataformas digitais1, até então de uso exclusivo do poder militar.
Com a passagem para o século XXI, o progresso tecnológico, promovido por
uma maior interação entre os mundos físico, digital e biológico, permite-nos
1
SCHWAB, Klaus, A quarta revolução digital, trad. por Daniel Miranda, São Paulo, Edipro, 2016,
p. 25.
255
2
SCHWAB, 2016, p. 27.
3
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco, Dicionário de política, Bra-
sília, Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 954.
4
PEREIRA MENAUT, Antonio-Carlos, Teoría Política, Santiago de Compostela, Andavira Edito-
ra, S.L., 2015, p. 15.
5
BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 954.
6
KURY, Mário da Gama, Apresentação in ARISTÓTELES, “Política”, trad. por Mário da Gama
Kury, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 7.
7
ARISTÓTELES, Política, trad. por Mário da Gama Kury, Brasília, Editora Universidade de Brasí-
lia, 1985, p. 1253a. De acordo com interpretações a obra de Aristóteles, “[…] a política tem duas
256
funções: 1) descrever a forma de Estado ideal; 2) determinar a forma do melhor Estado possível
em relação a determinadas circunstâncias. Efetivamente a política como teoria do Estado seguiu o
caminho utópico da descrição do Estado perfeito […] ou o caminho mais realista dos modos e dos
instrumentos para melhorar a forma do Estado […]” ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de filo-
sofia, trad. por Alfredo Bossi e Ivone Castilho Benedetti, São Paulo, Martins Fontes, 2007, p. 773.
8
MAAR, Wolfgang Leo, O que é política, São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 8 – 30.
9
ABBAGNANO, 2007, p. 773; BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 954. Para os citados
autores (loc. cit.) essa atividade do Estado pode ser percepcionada quando estamos diante de atos
como “ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um
determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre determinado território, o
legislar através de normas erga omnes, o tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para
outros, etc […] [como também] ações como a conquista, a manutenção, a defesa, a ampliação, o
robustecimento, a derrubada, a destruição do poder estatal”.
10
PEREIRA MENAUT, 2015, p. 28.
257
11
PEREIRA MENAUT, 2015, p. 28 – 31; FUKUYAMA, Francis, As origens da ordem política, trad.
por Ricardo Noronha, Alfragide: Dom Quixote, 2012, p. 686.
12
PEREIRA MENAUT, 2015, p. 33 – 35.
13
PEREIRA MENAUT, 2015, p. 36. MAAR, 1982, p. 29. Em razão de tal concepção tem crescido na
doutrina a opinião de que a política atual se encontra em crise, uma vez que, o próprio conceito
de Estado assim se encontra, URIBE, Héctor González, Reflexiones sobre el problema político fun-
damental de nuestros días, México, Universidad Nacional Autónoma de México, 2004.
258
a equação entre política e Estado, [e] entre a política e o sistema político […]”,
desvinculando-se de posturas tradicionais em que “[a]s pessoas esperam encon-
trar a política nas arenas a ela designadas, e executada pelos agentes devidamente
autorizados: parlamento, partidos políticos, sindicatos, etc”, florescendo a teoria
que designa de subpolítica, assim, o fracasso da política ativa a subpolítica14.
Esta mudança na compreensão da política ocorre, sobretudo, a partir dos
anos de 1980, em que grupos de cidadãos passam a ter iniciativas e comporta-
mentos que obrigam os governantes a tomar certas posições, quebrando uma
velha subentendida relação hierárquica e distante existente entre os agentes do
poder e o povo, o que possibilitaria à sociedade um papel mais ativo no exercício
do poder político em si. Movidos muitas vezes sem uma orientação ideológica
definida, não vinculados a uma classe social ou a partidos políticos, esses grupos
não possuem uma organização definida. Muitas vezes criminalizados e margi-
nalizados, passam nos últimos anos a conseguir ter uma voz ativa, participando
e influenciando programas políticos, inclusive com a derrubada de governos. O
que consequentemente gera o renascimento de uma subjetividade política, pois
“[…] ora as pessoas estão do lado da revolução, ora estão apoiando a reação; ora
estão se afastando, ora se envolvendo”, dificultando o papel dos especialistas que
planejam e pesquisam o mapa político15.
Neste contexto, a internet adquire uma posição fundamental e privilegia-
da na difusão da subpolítica. Promovendo uma interconexão em todo o globo,
o ciberespaço permite uma comunicação integrada, fazendo nascer um novo
espaço público, “[e]sse novo espaço redefine radicalmente as condições de go-
vernança […] [engendrando] novas formas políticas”16, difundindo a ideia de
que estamos diante de um espaço de plena liberdade individual e coletiva. A
chamada Web 2.0 passa a permitir a colaboração em rede, criando e populari-
zando as redes sociais, em que o individuo recebe, cria e difunde informação,
indo muito além da sua mera leitura17.
O avanço tecnológico permite o desenvolvimento do ciberativismo; a
criação de regiões, cidades e nações virtuais; de governos eletrônicos baseados
14
BECK, Ulrick, A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GID-
DENS, Anthony; BECK, Ulrick; LASH, Scott, “Modernização reflexiva: política, tradição e es-
tética na ordem social moderna”, trad. por Magda Lopes, São Paulo, Editora da Universidade
Estadual Paulista, 1997, p. 11 – 29.
15
BECK, 1997, p. 30 – 33. Sobre esta alteração no status quo da política, o pensamento de Beck
resume bem o cenário: “[e]sta rebelião dos indivíduos da vida real contra um ´sistema` que su-
postamente os dominava por completo em sua existência cotidiana é inexplicável e inconcebível
nas categorias e teorias prevalecentes […] [pois] as formas de envolvimento político, protestos e
retirada misturam-se em uma ambivalência que desafia as velhas categorias de clareza política”.
16
LEMOS, André; LÉVY, Pierre, O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária,
São Paulo, Paulus, 2010, p. 52.
17
LEMOS; LÉVY, 2010, p. 52.
259
4. Considerações finais
Face ao exposto, verifica-se que, com o surgimento e a popularização da
internet, com a Web 2.0, o comportamento comum dos indivíduos passa a ser
influenciado por informações e pela capacidade de acesso a temas dantes dis-
tantes de sua realidade, tornando oportuno novas organizações e manifestações,
seja a nível individual ou coletivo. Por outro lado, torna-se também plataforma
para campanhas políticas, onde os partidos tradicionais procuram uma aproxi-
mação do eleitor, abrindo novos canais e formas de interação. Em paralelo, as
instituições governamentais passam também a estar acessíveis online, promo-
18
LEMOS; LÉVY, 2010, p. 55 – 60.
19
LEMOS; LÉVY, 2010, p. 63.
20
BERNERTT, Steven. New Media, Old Problems: new technology and political process. “European
Journal of Communication”, v. 12, n.º 2, 1997.
260
vendo uma mudança no paradigma, em que deixa de existir “[…] uma relação
de autoridade sobre os sujeitos [para tornar-se] uma relação de serviço aos cida-
dãos”21.
Visto possuir a internet uma capacidade ilimitada de armazenamento e
distribuição de informações, que possibilita a interação entre os cidadãos (pelo
menos aos digitalmente incluídos) independente da sua localização geográfi-
ca, torna-se um espaço adequado para o movimento da subpolítica, permitindo
que, de forma mais global e intensa, grupos de pressão ou atores que dantes não
figuravam no cenário político, influenciem mudanças político-sociais, boas ou
não, de baixo para cima, perdendo força o poder político tradicional. Ao promo-
ver uma mudança do sistema de regras, permite à doutrina inclusive questionar
se já não estaríamos diante da necessidade de formular uma teoria política da in-
ternet22. Embora transpareça a ideia de que passamos a ter um empoderamento
do cidadão, com uma participação cívica ativa, em que sua opinião é relevante
não apenas como promessa eleitoral, o cidadão passa a estar exposto a infor-
mações que embora sejam indiscriminadas e de livre acesso, acabam por gerar
também fragmentação social, uma vez que permite a filtragem de informações,
abrindo espaço para discursos polarizados e com incitamento ao ódio, prejudi-
cando muitas vezes o debate político23.
Deste modo, em resposta às questões inicialmente colocadas, a internet
impacta a vida política da sociedade, colocando-nos diante de duas espécies de
política, “[…] a política dirigida por regras e a política que altera as regras”24,
modificando a relação entre o cidadão e os agentes governamentais, que passam
a estar numa relação mais próxima do tipo prestação de serviços. Em concomi-
tância, a participação do cidadão no debate político difere da sua participação
nos meios tradicionais, uma vez que se faz ouvir diretamente, influenciando
programas públicos e outros atores sociais. A política manifesta-se não apenas
nas ruas, mas com grande impacto nas redes, como foi possível acompanhar
nas corridas presidenciais norte-americanas, nas manifestações brasileiras no
período do impeachment da presidente Dilma Roussef e nas manifestações que
culminaram na Primavera Árabe. Assim, a atividade social desenvolvida pelo
homem da polis, no século XXI, transpõe fronteiras e deixa os limites do Esta-
21
LEMOS; LÉVY, 2010, p. 140. Mais sobre ver: BRAGA, Sérgio Soares; CHAIA, Vera, Dossiê “Inter-
net e Política”, “Revista de Sociologia e Política”, v. 17, n.º 34, out., 2009, p. 7 – 12.
22
BECK, 1997, p. 35 - 49; EISENBERG, José, Internet, Democracia e República, “DADOS – Revista
de Ciências Sociais”, v. 46, n.º 3, 2003, p. 493.
23
EISENBERG, 2003, p. 508-509; CANAVILHAS, João, A comunicação política na era da internet,
“Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação”, Covilhã: Universidade Beira Interior, 2009
[consult. 24.02.2018], disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-comunicacao-
-politica-na-era-da-internet.pdf.
24
BECK, 1997, p. 49.
261
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URIBE, Héctor González, Reflexiones sobre el problema político fundamental de nuestros
días, México, Universidad Nacional Autónoma de México, 2004.
262
1. Introdução
A velocidade tecnológica é algo magnífico e sem dúvida a proliferação
de “objetos inteligentes” aumentou de forma exponencial nos últimos anos, ao
ponto de levar muitos de nós a refletir acerca da possibilidade do “mundo dos
Jetsons” ser finalmente alcançável.
A Internet das coisas (IoT) certamente mudará o curso da tecnologia e
talvez até mesmo o da humanidade. Quando visualizamos o crescente aumento
das casas e cidades inteligentes, surgem diversos questionamentos acerca dos
termos inseridos em nosso dia a dia e que foram cunhados para definir ferra-
mentas utilizadas pela indústria tecnológica ligada à IoT, como por exemplo:
“M2M”, Indústria 4:00, e etc.
O termo que define a internet das coisas é proveniente do inglês: Internet
of Things – IoT e um tópico muito popular na indústria e engenharia, adicional-
mente conhecida também como “a inteligência das coisas”. Acredita-se que o
1
ASHTON, Kevin. That Internet of Things thing. 2009. Disponível em: < http://www.rfidjournal.
com/articles/view?4986>. Acesso em 2 fevereiro de 2018.
263
termo foi cunhado por K. Ashton em 1999, em uma apresentação para Procter
& Gamble, não obstante, a popularização ocorreu apenas anos depois com a
publicação de um artigo esrito pelo mesmo, intitulado de “A Coisa da Internet
das Coisas”2.
É possível afirmar que a IoT trata de um conceito tecnológico relaciona-
do à infraestrutura da sociedade da informação, ligando o mundo físico a um
sistema operacional de computador; Uma conexão entre o mundo real e o digi-
tal, ou seja, uma extensão da internet, embora encontremos aqui uma divergên-
cia do conceito tradicional conhecido.
Verifica-se uma tendência global de transformação na forma de como os
negócios são conduzidos, principalmente a automatização de várias tarefas do
cotidiano, trata de uma área tecnológica objeto de muita atenção da indústria,
devido ao potencial de aplicabilidade.
Santaella et al.3 defendem que a IoT está se tornando cada vez mais per-
vasiva, inteligente e interativa não somente em smartphones, tablets, desktops,
mas também inseridos em outros contextos como por exemplo, pombos com
RFID implantados e sensores enviam informações sobre a poluição do ar via
internet; médicos podem monitorar o estado de saúde dos pacientes à distância;
a indústria farmacêutica pode combater largamente a falsificação; governos vi-
sualizam o movimento das pessoas nos pedágios e alfândegas; lojas controlam
remotamente e em tempo real entradas e saídas de mercadorias assim como
sua localização em trânsito; sensores percebem a umidade da terra e informam
quando as plantas precisam ser regadas.
Há uma série de situações, ou aplicações, nas quais se pensa em internet
das coisas, por exemplo, ambiente inteligente, computação ubíqua, web das coi-
sas, internet do futuro ou cidades inteligentes4. Por conta de toda essa variedade,
também há uma série de definições para a Internet das Coisas5.
Aos poucos toda essa movimentação no mercado tem introduzido novos
conceitos e alterando alguns, nesse sentido, podemos mencionar a noção de in-
ternet que tínhamos conhecimento para o que temos acesso atualmente, em que
os objetos inteligentes desempenham papel fundamental nessa nova realidade.
2
ZAMBARDA, Pedro. Internet das Coisas: entenda o conceito e o que muda com a tecnologia. 2014.
Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/08/internet-das-coisas-en-
tenda-o-conceito-e-o-que-muda-com-tecnologia.html>. Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
3
SANTAELLA, L et al. Desvendando a Internet das Coisas. 2013. Disponível em:<http://www.re-
vistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/viewFile/141/pdf>. Acesso em 20 de fevereiro
de 2018.
4
SINGER, 2012.
5
GALEGALE, Gustavo Perri. Internet das coisas aplicada a negócios – um estudo bibliométrico.
2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jistm/v13n3/1807-1775-jistm-13-03-0423.pdf.>.
Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
264
2. Desafios
A interação de objetos com provedores de serviços e o controle remoto
proporcionam uma série de oportunidades, mas também acarretam uma série
de riscos. O presente estudo pretende provocar uma reflexão acerca do impacto
das novas tecnologias no Direito, principamente do ponto de vista da proprie-
dade intelectual.
Com o desenvolvimento das tecnologias, o Direito encontra-se inserido
em uma série de desafios, uma vez que servirá como instrumento para a pres-
tação da devida tutela e tende a acompanhar as mudanças sociais a passos mais
lentos.
A Europa já há quase uma década inclui o assunto em estudo pelas res-
pectivas autoridades competentes. Em março de 2015, a Comissão Europeia
lançou a Alliance for Internet of Things Innovation (AIOTI) para promover o
desenvolvimento do IoT7 na União Européia. Além disso, foi adotado o plano
estratégico do mercado único digital (DSM), que visa colocar a Europa um pas-
so à frente da comunidade global no desenvolvimento da tecnologia IoT, bem
como promover a interoperabilidade necessária entre os dispositivos para sua
implementação efetiva8.
3. Propriedade Intelectual
A Imaterialidade definitivamente se faz presente na nova economia e
tomou as rédeas da sociedade da informação, contudo, há diversas situações
6
HO Kenie, Internet of Things: Another Industry Patent war?. 2015 Disponível em: < https://www.
finnegan.com/en/insights/internet-of-things-another-industry-patent-war.html>. Acesso em 5
de fevereiro de 2018.
7
A Comissão Europeia afirma que até 2020, haverá 50 – 100 bilhões de objetos conectados a inter-
net.
8
COMISSÃO EUROPEIA. The Internet of Things, 2013. Disponível em: <https://ec.europa.eu/di-
gital-single-market/en/internet-of-things>. Acesso em 25 de fevereiro de 2018.
265
9
FRANKLIN, Jonathan. International Intellectual Property Law. 2013. Disponível < https://www.
asil.org/sites/default/files/ERG_IP.pdf> Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
10
Definição disponível no site da OMPI:< http://www.wipo.int/patents/en/> acesso em 27/02/18.
11
(art. 52(2)(c) and (3) EPC). Patents are not granted merely for program listings, which are
protected by copyright. If a technical problem is solved in a novel and non-obvious manner,
a CII patent may be granted. (Tradução: Artigo 52 (2) (c) e (3) EPC). As patentes não são
apenas reservadas para listagem de programação, que são protegidas por direitos autorais. Se
um problema técnico for resolvido de uma maneira nova e não óbvia, a patente CII pode ser
concedida).
266
12
Exceto quanto a funcionalidade, linguagem de programação e formatos de texto.
13
LA DIEGA, Dr. Guido Noto. Internet of things and patents: towards the iot patent wars. 2017. Dis-
ponível em: <http://dergipark.gov.tr/download/article-file/394290>. Acesso em 25 de fevereiro
de 2018.
14
BLOOM, Rob. Protecting intelectual property in internet of things. 2018. Disponível em:
<http://www.ipwatchdog.com/2017/10/05/protecting-intellectual-property-internet-of-things/
id=88653/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
15
HO Kenie, Internet of Things: Another Industry Patent war?, op. cit.
267
16
Idem.
17
Pode ser definido como um acordo entre vários titulares de patentes visando licenciar direitos
para terceiros. (PEPE, Steven. Internet of em Things: Next Patent War Zone. 2018. Disponível <
https://biglawbusiness.com/internet-of-things-next-patent-war-zone> Acesso 20 de Fevereiro de
2018.).
268
4. Conclusão
O aumento da tecnologia em IoT e crescente número de patentes depo-
sitadas em combinação com o crescimento do número de empresas e segmen-
tos de negócio, certamente culminara no surgimento de novas problemáticas,
novos competidores e batalhas judiciais intermináveis, haja vista a natureza de
integração de tecnologias característica da área.
A indústria certamente já gera grande impacto na sociedade e no de-
senvolvimento de padrões não só no âmbito jurídico, mas também em várias
esferas da interação humana, em uma visão mais positiva, talvez essa massiva
indústria contribua para uma melhoria nas políticas de proteção da propriedade
intelectual e harmonização das legislações, promovendo um fortalecimento dos
pilares legais para acompanhar o passo acelerado das novas tecnologias.
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com a tecnologia. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/noticias/noti-
cia/2014/08/internet-das-coisas-entenda-o-conceito-e-o-que-muda-com-tecno-
logia.html>. Acesso em 20 de fevereiro de 2018.
270
1. Introdução
A possibilidade de modificação de seres humanos através da engenharia
genética (eugenia) deixou de ser tema de ficção científica e se tornou uma reali-
dade há alguns anos, no entanto, a discussão sobre seus limites e proibições ain-
da permanecem turvos, muitas vezes sendo necessário acionamento das cortes
judiciais para delimitar até que ponto pode a ciência avançar sobre a manipula-
ção genética do Ser Humano.
É o que se observa nas reiteradas pautas da Corte Européia de Direitos
Humanos (Caso nº 33.011/08, nº 54.270/10, nº 57.375/08, entre outros tantos).
Longe de serem casos ultrapassados, percebemos que o tema tratado vem se repe-
tindo e agregando, a cada dia, argumentos favoráveis e contrários a realização da
eugenia em Seres Humanos; discussões sobre a possibilidade de diagnósticos pré-
-implantação de embriões, desdobradas em debates sobre possibilidade de mani-
pulações positivas (acrescentar qualidades e determinar características dos fetos) e
negativas (caráter terapêutico, de tratamento de doenças genéticas) dos referidos
embriões, culminando com o debate sobre a possibilidade de aborto de fetos com
deficiências irreversíveis, permanecem na pauta de debate de todo o mundo.
Diante de tais discussões a bioética não tem sido capaz de dar respos-
tas aceitas universalmente, cabendo, consequentemente, ao direito, determinar
caso a caso o procedimento cabível.
271
1
GALDIN, 1865, apud GOLDIM, José Roberto. Eugenia. UFRGS. 1998. Disponível em < https://
www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm >. Acesso em 22 jul. 2017.
2
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Pau-
lo: Martins Fontes, 2004.
272
3
HABERMAS, 2004, p. 29.
4
Idem.
273
5
Idem.
6
Idem, p. 44.
7
FUKUYAMA, Francis. Nosso futuro pós-humano - Conseqüências da revolução da biotecnologia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
274
8
BROWNSWORD, Roger. “What the world needs now: Techno-regulation, human rights and
human dignity”. Global governance and the quest for justice. Hart Publishing, Oxford, p. 203-234,
2004.
9
Idem, p.220.
275
10
HABERMAS, 2004.
11
FUKUYAMA, 2003.
276
4. Conclusão
Por tudo exposto, buscamos estudar o desafio do desenvolvimento da
eugenia, analisando o referido tema com enfoque no estudo de Jürgen Haber-
mas, e, tendo por base sua classificação. Nesse sentido, desenvolvemos entendi-
mento no sentido de que a eugenia negativa, ou seja, de correção de possíveis
doenças do embrião deve ser desenvolvida e fomentada, já que vai ao encontro
da perspectiva da dignidade humana, sem alteração da capacidade de autodeter-
minação individual.
Em contrapartida, em relação à eugenia positiva – aquela que vislumbra
acréscimo de habilidades ou características físicas ao embrião – essa deve ser
restringida, uma vez que é insidiosa para com a capacidade de autotutela do
indivíduo, que teria uma vida traçada por terceiros, perdendo a capacidade de
determinar seu caminho, e, de forma ainda mais assustadora, sem que este se-
quer saiba que não está seguindo passos por ele traçados, mas sim por outrem.
Nesse sentido, havendo necessidade de regulação do tema, caminhamos
para a adoção da eugenia conservadora, que tem parâmetros éticos, técnicos e
morais como limitadores de seu exercício pelos cientistas.
Ato contínuo, concluímos pela necessidade de regulamentação, e, diante
desse desafio, buscamos traçar um esboço dos principais desafios que seriam en-
contrados pelo órgão normatizador do tema, dentre os quais demos destaque à
agilidade com que se desenvolvem novas tecnologias, e, portanto o instrumento
regulador deveria ser construído de forma a permanecer o maior tempo possí-
vel vigente, sem delimitar técnicas específicas proibidas ou permitidas, devendo
focar nos bens jurídicos tutelados e impedindo que os mesmos sejam vilipendia-
dos, independentemente da técnica utilizada.
Além disso, uma grande dificuldade a ser minimizada seria a diversida-
de das regulamentações locais e regionais, o que prejudicaria sobremaneira a
comunidade global como um todo, tendo em vista o fato de que os indivíduos
geneticamente modificados jamais ficariam restritos ao local em que houve a
alteração genética, o que influenciaria a comunidade mundial como um todo, à
medida que houvesse o trânsito desses indivíduos; portanto, é importante que
sejam traçadas diretrizes gerais globais, evitando a guerra comercial de interes-
ses por zonas livres de regulamentação.
O presente estudo, longe de buscar esgotar as respostas sobre o tema, visa
trazer à tona a necessidade de envolvimento de toda comunidade científica – de
reguladores da área jurídica, aos desenvolvedores da área biológica – e explicitar
que, a posição neutra somente favorece a eugenia liberal (tendenciosa à eugenia
positiva). Dessa forma, importante que haja estudo do ponto de vista ético e
moral sobre os possíveis efeitos da eugenia na sociedade, para que possamos nos
posicionar de forma firme sobre o tema; independentemente do “lado” que se
tome nesse embate, o que não pode prevalecer é a passividade.
277
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and human dignity”. Global governance and the quest for justice. Hart Publishing,
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278
1
SPADARO, Antonio. Ciberteologia Pensar o Cristianismo na Era da Internet (Trad.). Paulinas,
Lisboa, 2013, p. 94.
279
Pelo que a realização deste Congresso é uma boa razão para rever as
questões ligadas ao “acesso ilícito”, agora atendendo à dinâmica das Fontes por-
tuguesas. Por isso mesmo, da Bibliografia apenas constam obras de Autores dos
dois países.
Porém, atendendo às limitações de espaço, ficar-nos-emos pelas Fontes
Legislativas e por uma Bibliografia específica, esta o mais exaustiva possível.
2. As Fontes Legislativas
2.1.
Além de que, nos termos do Art.º 42.º, “[…] a tentativa é sempre puní-
vel”.
2
Embora a Convenção, do Conselho da Europa, para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tra-
tamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal (STE 108), de 21 de janeiro de 1981, apenas
exigisse, no Art.º 10.º (Sanções e recursos), que “As Partes comprometem-se a estabelecer sanções
e vias de recurso apropriadas em face da violação das disposições do direito interno que confiram
eficácia aos princípios básicos para a protecção dos dados, enunciados no presente capítulo.”
280
3
A qual apenas previa, no Art.º 24.º (Sanções), que “Os Estados-membros tomarão as medidas
adequadas para assegurar a plena aplicação das disposições da presente directiva a determinarão,
nomeadamente, as sanções a aplicar em caso de violação das disposições adoptadas nos termos da
presente directiva.”
4
Por força duma opção legislativa constante do Art.º 3.º n.º 1 e explicitada no Considerando n.º 27
da Diretiva 95/46/CE.
281
282
“1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo
proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, de
qualquer modo aceder a um sistema informático, é punido com pena de
prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Na mesma pena
incorre quem ilegitimamente produzir, vender, distribuir ou por qualquer
outra forma disseminar ou introduzir num ou mais sistemas informáti-
cos dispositivos, programas, um conjunto executável de instruções, um
código ou outros dados informáticos destinados a produzir as acções não
autorizadas descritas no número anterior. 3 - A pena é de prisão até 3 anos
283
284
5
Em cujos termos, “Os Estados-Membros estabelecem as regras relativas às outras sanções aplicá-
veis em caso de violação do disposto no presente regulamento, nomeadamente às violações que
não são sujeitas a coimas nos termos do artigo 7983.o, e tomam todas as medidas necessárias para
garantir a sua aplicação. As sanções previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.”
285
teção de Dados). Pelo menos, é o que consta do texto do Art.º 52.º do Projeto de
Proposta de Lei em Consulta Pública.
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WENDT, Emerson. Internet & Direito Penal, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2017.
Todas as URL foram verificadas a 27/2/2018.
288
Marcelo Crespo
Doutor e Mestre em Direito Penal pela FADUSP. Profissional certificado em
Compliance Internacional (CCEP-I) pela Society of Corporate Compliance and
Ethics, possui pós-graduação em Segurança da Informação e também em Direito
Penal pela Universidade de Salamanca. Sócio do Escritório Patricia Peck Pinheiro
Advogados. Professor titular da Faculdade de Direito de Sorocaba onde coordena
grupo de pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação, coordenador da pós-gra-
duação em Direito Digital e Compliance do Damásio Educacional
289
zas, dilemas e conflitos, por vezes já conhecidos por nossa sociedade, por vezes
inovadores, resultados da expansão da Era Digital. As discussões da sociedade
digital abrangem não apenas aspectos legais, já devidamente regulamentados e
discutidos. Pelo contrário, nesta sociedade, discute-se também se as normas já
positivadas são suficientes para gerenciar e resolver conflitosas. Assim, temas
como a educação digital, a privacidade e a proteção de dados pessoais, os crimes
digitais, o direito ao esquecimento e a inteligência artificial passam a ser discuti-
dos com maior intensidade. Por tal razão, estes temas merecem algumas breves
reflexões, as quais fazemos abaixo.
Na Era Digital os dados são o novo petróleo, tão ou mais valiosos que as
moedas em curso. Aliás, cabe mencionar que na era digital, as moedas também
podem ser digitais, tal como a famigerada Bitcoin.
Fato é que atualmente, para que os negócios sejam bem sucedidos, é im-
prescindível que sejam permeados por estratégias de dados. Estratégias essas
que passam pela coleta, armazenamento e tratamento de dados pessoais e em-
presariais, sempre com a finalidade de que sejam minuciosamente analisados e
possam permitir a oferta de produtos e serviços melhores e mais especializados
aos cidadãos.
Nesta perspectiva, empresas responsáveis e éticas possuem a responsabi-
lidade de conscientizar seus colaboradores sobre a forma adequada de receber,
utilizar e manter dados. Do mesmo modo, é importante destacar que parte desta
proteção efetiva resulta no dever de não compartilhamento e proteção destes
290
dados. E, ainda, tais empresas têm obrigação de seguir padrões técnicos e éticos
para a proteção dos dados pessoais. É o que determina, por exemplo, a Reso-
lução 679/2016 da União Europeia, que ficou conhecida como o Regulamento
Geral de Proteção de Dados Pessoais e que será amplamente aplicável a partir
de maio de 2018. A exemplo a Europa, em outros continentes há leis setoriais e
propostas de leis gerais de proteção de dados, o que eleva o tema a um dos pon-
tos importantes nas políticas dos programas de compliance.
Ainda sobre o Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais, a ex-
traterritorialidade desta resolução implica na necessidade de conhecê-la, inde-
pendente de sua nacionalidade, pois se aplica ao processamento de dados de
pessoas naturais que residam na União Europeia, ainda que seus dados sejam
coletados em outros continentes. Por esta razão, por exemplo, empresas brasi-
leiras também são impactadas por ela. Eis, assim, motivos mais do que suficien-
tes para o tratamento do tema de programas de compliance.
1.4. Drones
Embora falar sobre drones não seja uma verdadeira novidade, fato é que
ainda há muito espaço para a evolução destes gadgets e muito espaço no merca-
do para que as pessoas os adquiram. Tratam-se de veículos não tripulados, com
diversos tamanhos (geralmente parecidos com aeromodelos) e funcionalidades,
controlados por controles remotos ou atividades pré-programadas em seus sis-
temas e que podem voar a centenas de metros de altura, muitos deles com câme-
ras fotográficas embutidas.
291
292
2. Compliance na atualidade
Empresas norte-americanas tratam de aspectos de transparência e que
coíbem a corrupção desde 1977 com a Foreign Corrupt Practices Act – FCPA. A
possibilidade de solicitar e garantir a transparência, bem como de orientar sobre
como monitorá-la, seguiu-se em 2002 com a Lei Americana de Sarbanes-Oxley,
que veio normatizar aspectos de auditoria e segurança para as empresas.
O resultado da regulação americana refletiu-se também em outros paí-
ses. Assim, em 2010 adveio a UK Bribery Act, que, de forma muito semelhante
à FCPA, levou à Europa os mesmos cuidados sobre o tema “corrupção”. Com o
passar do tempo, estas normativas atingiram outros países e, com não poderia
deixar de ser, chegaram ao Brasil.
De forma tropicalizada – como chamamos na América Latina, a lei
12.846 de 2013 trouxe um pouco dos reflexos das leis americanas e europeia ao
sistema jurídico nacional, restando conhecida como “Lei da Empresa Limpa”
porque atribui, também à pessoa jurídica, a responsabilização das ações tomadas
por seus colaboradores por atos de corrupção. Mencionada lei foi regulamenta-
da pelo Decreto 8.420/15.
293
294
1. Introdução
A lei de processo civil vigente não descurou a importância das novas tec-
nologias para a eficiência da justiça. Com efeito, entre outros aspetos, há a des-
tacar a tramitação e a consulta eletrónica dos processos judiciais, a apresentação
de atos processuais a juízo através de transmissão eletrónica de dados, a emissão
eletrónica de certidões judiciais, a distribuição por meios eletrónicos, a notifica-
ção eletrónica de atos processuais, a obtenção do depoimento das partes ou dos
intervenientes processuais através de meios tecnológicos, a comunicação entre o
tribunal e o agente de execução por via eletrónica, a informatização dos registos
de execuções, a consulta eletrónica de bens penhoráveis, a penhora eletrónica de
bens ou ainda a venda de bens penhorados através de leilão eletrónico.
Simplesmente, não obstante as vantagens inegáveis que decorrem da im-
plementação da tecnologia na justiça cível, a verdade é que são ainda muitos
os problemas e os desafios que se colocam neste domínio. É o que sucede, no-
meadamente, com a segurança jurídica atinente à realização da citação pessoal
e edital por via eletrónica, com a utilização das novas tecnologias como meio de
obtenção de prova, com a inquirição dos sujeitos ou intervenientes processuais
através de meios tecnológicos e com o registo da audiência final.
295
Apesar de o art. 225.º, n.º 2, al. a)1, prever a realização da citação pessoal
através de transmissão eletrónica de dados2, o certo é que, ressalvada a citação
de instituições públicas no âmbito do processo executivo (art. 786.º, n.º 2)3, o
legislador ainda não regulamentou essa modalidade de citação.
A realização da citação pessoal através de transmissão eletrónica de da-
dos coloca alguns problemas e desafios no que concerne à segurança jurídica
da citação4,5, sendo que existem, fundamentalmente, dois modelos possíveis de
citação eletrónica:
a) num primeiro modelo, o sistema informático certifica quer a data do
envio, quer a data da leitura da citação6, considerando-se o réu citado
nesta última data7, sem prejuízo de poder demonstrar que, por causa
que não lhe seja imputável, não teve conhecimento efetivo da cita-
ção8. Se o sistema não certificar a data da leitura da citação – porque,
por exemplo, o citando não procedeu à abertura eletrónica da comu-
1
Pertencem ao Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, as dispo-
sições legais citadas sem indicação da respetiva fonte.
2
O mesmo sucede, entre outros, nos ordenamentos jurídicos alemão (§§ 130a e 174 da ZPO),
espanhol (Lei n.º 18/2011, de 05 de julho), italiano (art. 149-bis do Codice di Procedura Civile),
finlandês (secção 3b do capítulo 11 do Código de Processo Judicial) e brasileiro (art. 246, V, do
Código de Processo Civil Brasileiro).
3
Cfr. os arts. 9.º a 11.º da Portaria n.º 331-A/2009, de 30 de março.
4
Vide, a este propósito, FREITAS, José Lebre de/ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil
Anotado, vol. I, 3.ª ed, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 426. No sentido de a citação por
transmissão eletrónica de dados não violar os princípios constitucionais da igualdade, da propor-
cionalidade e do processo devido, vide o ac. do STA de 08.11.2017, proc. 01117/17.
5
Veja-se, por exemplo, o caso do Reino Unido, onde, ao abrigo da regra 6.15 das Civil Procedure
Rules, o High Court, no caso AKO Capital LLP & Ako Master Fund Limited vs TFS Derivatives Li-
mited & Others, autorizou que o demandado fosse citado através do Facebook e, no caso Blaney’s
Blarney, através da rede social Twitter. Cfr., a este propósito, SCAIFE, Laura, Handbook of Social
Media and the Law, Oxon, Informa Law from Routledge, 2015, p. 93, bem como LOUGHLIN,
Paula/GERLIS, Stephen, Civil Procedure, 2.ª ed., Londres, Cavendish Publishing, 2004, p. 161.
6
Defendendo que deve ser o próprio sistema informático a certificar a data da leitura da comuni-
cação, não sendo desejável que a confirmação do recebimento da mensagem dependa de um ato
do destinatário, sob pena de possível manipulação dessa confirmação, vide ROVER, Aires José,
et al., Engenharia e Gestão do Judiciário Brasileiro: Estudos Sobre E-Justiça, Florianópolis, Editora
Deviant, 2016, p. 536.
7
Cfr., a este respeito, o art. 10.º, n.º 1, da Portaria n.º 331-A/2009, de 30 de março, à luz do qual a
citação considera-se efetuada na data em que o citando procede, pela primeira vez, à consulta da
citação, tendo-se por efetuada na própria pessoa do citando.
8
Vide, a este propósito, o ac. do STA de 03.11.2016, proc. 01049/16, disponível in www.dgsi.pt.
296
nicação que lhe foi dirigida – a citação deve ser repetida, sem prejuízo
da possibilidade de ser realizada por outras vias, maxime por carta
registada com aviso de receção ou por contacto pessoal de agente de
execução, oficial de justiça ou mandatário judicial, assegurando-se,
desse modo, o conhecimento efetivo do ato pelo citando. Este mo-
delo, apesar de oferecer maiores garantias em termos de segurança
jurídica, tem, no entanto, como desvantagem o facto de facilitar a
frustração da citação, bastando ao citando não proceder à abertura da
comunicação eletrónica que lhe é dirigida;
9
É essa, por exemplo, a solução consagrada no art. 191.º, n.º 6, do Código de Procedimento e de
Processo Tributário, bem como no art. 10.º, n.º 4, da Portaria n.º 331-A/2009, de 30 de março.
10
Vide, quanto ao âmbito deste princípio, RODRIGUES, Fernando Pereira, O Novo Processo Civil.
Os Princípios Estruturantes, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 195 a 199.
11
Nos termos do art. 24.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, o anúncio relativo à citação
edital deve ser publicado no sítio da internet de acesso público com o endereço eletrónico http://
www.citius.mj.pt.
12
Trata-se, com efeito, da mesma solução que constava do art. 5.º do Regime Processual Civil de
Natureza Experimental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 108/2006, de 08 de junho.
297
13
Vide, a este respeito, o ac. do TRL de 29.09.2009, proc. 454/05.9GAMTA.L1-5, o ac. do TRP
de 26.10.2010, proc. 6462/07.8TBMTS.P1, bem como o ac. do TRG de 01.06.2017, proc.
1227/15.6T8BGC.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
298
14
No sentido de serem admissíveis como meios de prova, para a demonstração da aquisição de uma
faixa de terreno por usucapião, impressões de imagens obtidas através do Google Street View e do
Google Earth, vide o ac. do TRP de 12.07.2017, proc. 3546/15.2T8LOU.P1, in www.dgsi.pt.
15
Vide o ac. do TRP de 14.03.2017, proc. 149/15.5T8AMT.P1, in www.dgsi.pt.
16
Cfr. o ac. do TRG de 25.05.2017, proc. 1837/11.0TJVNF.G1, in www.dgsi.pt.
17
Note-se que, por força da alteração introduzida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, o
art. 502.º passou a prever a audição das testemunhas residentes fora do município “por meio
de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo
real”. Nessa exata medida, a inquirição da testemunha não tem, necessariamente, de ser realizada
através dos equipamentos de “teleconferência” tradicionalmente utilizados pelos tribunais, sendo
possível o recurso a outros meios tecnológicos. Aliás, mesmo antes desta alteração legislativa, a
prática judiciária já vinha admitindo a possibilidade de realização de videoconferência através do
programa informático “Skype” (cfr., a este propósito, o ac. do TRC de 24.02.2010, proc. 195/02.9
GBTMR.C2, in www.dgsi.pt).
18
Muito embora na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 30/XIII – a qual esteve na base da
Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro – o legislador tenha considerado preferível a “utilização
da expressão «equipamento tecnológico que permita a interação, por meio visual e sonoro, em
tempo real» ao invés de «teleconferência» por se tratar de uma expressão mais abrangente, que
possibilita a utilização de tecnologias já existentes e cujas características técnicas não são recon-
duzíveis ao vocábulo «teleconferência»”, a verdade é que o Código de Processo Civil continua a
aludir ao termo “teleconferência” nos seus arts. 456.º, n.º 2, 486.º, n.º 2, 500.º e 507.º, n.º 2. Na
verdade, face aos atuais avanços tecnológicos, o termo “teleconferência”, sinónimo de inquirição
através de telefone, está totalmente desatualizado.
299
19
Quanto ao âmbito dos princípios da oralidade e da imediação, vide SOUSA, Miguel Teixeira de,
Introdução ao Processo Civil, Lisboa, Lex, 1993, p. 54, bem como FREITAS, José Lebre de, Intro-
dução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, 4.ª ed., Coimbra,
Gestlegal, 2017, pp. 195 a 197.
20
Cfr., a este respeito, CHIOVENDA, José, Principios de Derecho Procesal Civil, Tomo II, Madrid,
Instituto Editorial Reus, 1977, pp. 136 e 137, segundo o qual o contacto direto do juiz com as
testemunhas permite-lhe apreciar melhor a espontaneidade das declarações, bem como LEUZZI,
Salvo, I Mezzi di Prova nel Processo Civile: Formazione, Acquisizione, Integrazione, Milão, Giuffrè
Editore, 2013, pp. 424 e 425. Quanto à importância da deteção da mentira através do comporta-
mento não verbal do depoente, vide SOUSA, Luís Filipe Pires de, Prova Testemunhal, Coimbra,
Almedina, 2016, pp. 89 e 90.
21
De resto, como bem salienta Antunes Varela, a prova testemunhal é “particularmente falível e
precária”, o que exige, por parte do tribunal, um particular cuidado no que concerne à valoração
e à ponderação do depoimento prestado (VARELA, Antunes, Manual de Processo Civil, Coimbra,
Coimbra Editora, 1984, pp. 598 e 599.
22
Vide, no mesmo sentido, CABEZUDO RODRÍGUEZ, Nicolás, “Los Dispositivos Audiovisuales
al Servicio de la Justicia. La videoconferencia y la grabación audiovisual de las vistas”, in Inclusión
Digital: Perspectivas y Experiencias, Saragoça, Prensas Universitarias de Zaragoza, 2011, pp. 188 e
189.
23
É esta, por exemplo, a solução prevista em Espanha no art. 169.º, n.º 4, da Ley de Enjuiciamien-
to Civil (LEC), à luz do qual as testemunhas devem prestar declarações no tribunal onde corre
termos o processo, só sendo possível a prestação de declarações num local distinto por razões
relacionadas com a distância, dificuldades de deslocação, circunstâncias pessoais da parte, da tes-
temunha ou do perito, ou qualquer outra circunstância que torne impossível ou muito gravosa a
comparência física da pessoa no tribunal.
300
24
Observe-se, aliás, que a lei de processo civil não é congruente neste domínio, pois que, se, em
relação às testemunhas, prevê a sua inquirição por meios tecnológicos quando residam fora do
município (art. 502.º, n.º 1), já em relação às partes, o art. 456.º, n.º 2, continua a dispor que estas
são ouvidas por “teleconferência” quando residam fora da comarca.
25
Cfr., a este respeito, RODRIGUES, Fernando Pereira, Os Meios de Prova em Processo Civil, 2.ª ed.,
Coimbra, Almedina, 2016, p. 256.
26
Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de fevereiro.
27
Veja-se, aliás, o problema, não raras vezes frequente, de se tornar necessário proceder à repetição
de parte ou da totalidade da audiência final por falta ou deficiência da gravação da prova, nos
termos do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de fevereiro, ou ainda o da recusa do tribunal
da Relação em proceder à reapreciação da matéria de facto em caso de falta ou deficiência da
gravação da prova que não tenha sido arguida junto do tribunal de primeira instância (vide, a este
propósito, com um voto de vencido, o ac. do TRG de 11.09.2014, proc. 4464/12.1TBGMR.G1).
No sentido de a deficiência da gravação só implicar a verificação de uma nulidade se a sanação
dessa deficiência for essencial para a descoberta da verdade, devendo, em todo o caso, o vício ser
arguido junto do tribunal de primeira instância, vide RODRIGUES, Fernando Pereira, A Prova
em Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 225 e 226.
301
28
É esse, de resto, o regime consagrado no art. 147.º da LEC, à luz do qual as audiências judiciais
devem ser registadas em suporte apto à gravação e reprodução do som e da imagem, não podendo
ser transcritas. Por seu turno, o art. 187.º da LEC dispõe que a audiência deve ser registada em
suporte adequado para gravação do som e da imagem ou, se tal não for possível, apenas do som.
29
Defendendo ser preferível a gravação da audiência através de sistema audiovisual, por contraposi-
ção a um sistema meramente sonoro, vide FREITAS, José Lebre de/ALEXANDRE, Isabel, Código
de Processo Civil Anotado, vol. I, op. cit., p. 311, bem como RANGEL, Rui, A Prova e a Gravação
da Audiência no Direito Processual Civil, Lisboa, Edições Cosmos, 1998, p. 52.
30
Cfr., a este propósito, RODRIGUES, Fernando Pereira, Noções Fundamentais do Processo Civil,
Coimbra, Almedina, 2015, pp. 301 e 302.
31
VAZ, Alexandre Mário Pessoa, Direito Processual Civil, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 404.
32
Como bem refere Nicolas Cabezudo Rodríguez, a gravação audiovisual da audiência de julga-
mento permite “perpetuar a imediação do julgador, projetando-se essa possibilidade na segunda
instância” (CABEZUDO RODRÍGUEZ, Nicolas, “Las reformas tecnológicas esperadas por la Ad-
ministración de Justicia española. Estado de la cuestión”, in Derecho, Gobernanza y Tecnologías
de la Información en la Sociedad del Conocimiento, Saragoça, Prensas Universitarias de Zaragoza,
2014 p. 115).
33
Cfr., nesse sentido, GALLEGO GARCÍA, Rodrigo, Comentarios a la Ley de Enjuiciamiento Civil,
Fernando Toribio Fuentes, Miguel Ángel Álvarez González (ed.), Valladolid, Lex Nova, 2012, pp.
328 e 329, CABEZUDO RODRÍGUEZ, Nicolas, “Los dispositivos audiovisuales al servicio de la
Justicia. La videoconferencia y la grabación audiovisual de las vistas”, op. cit., pp. 196 e 197, bem
como VAZ, Alexandre Mário Pessoa, Direito Processual Civil, op. cit., p. 421.
34
Vide a este propósito, o ac. do TRP de 27.09.2001, proc. 0131216, o ac. do TRE de 27.02.2003,
proc. 1535/02-2, o ac. do TRP de 19.02.2004, proc. 0350455, o ac. do TRL de 19.02.2004, proc.
10446/2003-2, o ac. do TRL de 18.07.2013, proc. 1/05.2JFLSB.L1-3, o ac. do TRE de 06.01.2015,
proc. 293/09.8PALGS.E3, e o ac. do TRC de 03.06.2015, proc. 12/14.7GBSRT.C1, todos dispo-
níveis in www.dgsi.pt. No sentido de a modificação da decisão da matéria de facto não poder ser
negada pelo facto de existirem “elementos não verbalizados (gestos, hesitações, postura no depoi-
mento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo”, vide GERALDES,
António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina,
2017, p. 285.
302
Acresce que mesmo que as partes optem por proceder à transcrição dos excertos
das gravações que considerem importantes, ao abrigo do art. 640.º, n.º 2, o certo
é que a transcrição da prova não é suscetível de captar ou de registar a “lingua-
gem não verbal”, como sejam “os silêncios, o grau de firmeza nas respostas [ou]
a convicção demonstrada pelo tom de voz”35. Daí que, também neste domínio,
as novas tecnologias desempenhem um papel essencial para a descoberta da ver-
dade material e para a justa composição do litígio.
6. Conclusões
Apesar de o novo Código de Processo Civil reconhecer a importância das
novas tecnologias como ferramenta indispensável à administração da justiça, a
verdade é que continuam a subsistir problemas e desafios a que urge dar respos-
ta. Neste enquadramento, afigura-se, salvo melhor opinião, que as propostas de
solução que adiantamos na presente comunicação, concretamente a implemen-
tação de um modelo de citação eletrónica de dupla certificação, a repristina-
ção do regime da citação edital ou, no mínimo, a sensibilização das populações
para o regime atualmente vigente, o incentivo à utilização das novas tecnologias
como meios de obtenção de prova, a consagração da natureza excecional da in-
quirição por meios tecnológicos e a implementação, como regra, da gravação
audiovisual da audiência final, poderão contribuir, na medida do possível, quer
para o desenvolvimento do processo civil, quer para uma maior efetividade da
tutela jurisdicional.
35
GÓMEZ MARTÍNEZ, Carlos, “La grabación del sonido y de la imagen en los juicios civiles. Del
juez lector al juez espectador”, in Jueces Para la Democracia, n.º 48, Madrid, 2003, p. 82.
303
Helena Grangeia
Membro Integrado do Centro de Investigação de Justiça e Governação (Univer-
sidade do Minho) e da Unidade de Investigação em Criminologia e Ciências do
Comportamento (ISMAI)
1. Introdução
A Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, em cumprimento do disposto na
Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência
Contra as Mulheres e a Violência Doméstica1, procedeu a importantes altera-
1
A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mu-
lheres e a Violência Doméstica, designada por Convenção de Istambul, foi aprovada a 11 de maio
de 2011, tendo sido ratificada por Portugal pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013,
de 21 de janeiro, e entrado em vigor a 1 de agosto de 2014. A Convenção compreende diferentes
âmbitos, englobando, desde logo, as matérias da prevenção, proteção e apoio, direito civil e penal,
direito processual e medidas de proteção, migração e asilo, prevendo, igualmente, um mecanismo
de monitorização. Especificamente no que diz respeito ao direito material (art.os 29.º a 48.º da
Convenção), a Convenção impõe aos Estados-partes a obrigação de adotar medidas que assegu-
rem que os atos de violência aqui contemplados sejam tidos em conta nas decisões respeitantes
ao direito de guarda, direito de visita das crianças e sua segurança (art.º 31.º da Convenção); de
criminalização dos atos de violência psicológica, física, sexual, perseguição, de casamento força-
305
do, de mutilação genital feminina, aborto forçado e esterilização forçada e assédio sexual (art.os
33.º a 40.º da Convenção), devendo existir “sanções efetivas, proporcionais e dissuasoras, tendo
em conta a sua gravidade” (art.º 45.º, n.º 1, da Convenção). Em sequência, especificamente no que
concerne ao direito penal substantivo, foram publicadas, desde logo, as Leis n.os 83/2015, de 5 de
agosto, e 103/2015, de 24 de agosto. Para uma visão panorâmica da Convenção de Istambul, ver
Santos, Margarida, “A Convenção de Istambul e a proteção das Mulheres contra a violência: uma
visão panorâmica”, Maria Elizabeth Rocha, Marli M. Moraes da Costa e Ricardo Hermany (org.),
O alcance dos Direitos Humanos nos Estados Lusófonos, 4.º Congresso Internacional de Direito na
Lusofonia, EDUNISC – Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul / RS, 2017, disponível em
https://issuu.com/comunicadireito/docs/e-book_lusofonia.
2
Cf. SANTOS, Margarida, “Implicações da Convenção de Istambul para o ordenamento jurídico-
-penal português: algumas reflexões a propósito dos novos tipos legais de crime de mutilação ge-
nital feminina, casamento forçado e perseguição”, in Igualdade de Género: Velhos e Novos Desa-
fios, no prelo. Assim, ver MONTE, Mário, “Mutilação genital, perseguição (stalking) e casamento
forçado: novos tempos, novos crimes… comentários à margem da Lei 8372015, de 5 de agosto”,
306
Como já noutro escrito apontámos, estamos com aqueles que que en-
tendem que existem considerações relacionadas com o bem jurídico e com as
exigências de prevenção, nomeadamente de prevenção geral, que justificam a
opção legislativa de autonomização do crime de Mutilação genital feminina
(art.º 144.º - A do CP) e de consagração dos crimes de Perseguição (art.º 154-A
do CP) e Casamento forçado (154.º - B do CP).
No novo tipo legal de perseguição entendemos que se procedeu, em par-
te, a uma neocriminalização, na medida em que antes desta inovação legislativa
havia condutas que ficavam de fora do âmbito de proteção de vários tipos legais
que poderão estar em concurso com o novo tipo legal perseguição3.
Foi só depois da entrada em vigor da Convenção de Istambul que Por-
tugal iniciou o processo de criminalização no sentido do cumprimento do art.º
34.º da Convenção (Perseguição): “[a]s Partes deverão adotar as medidas legis-
lativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da
conduta de quem intencionalmente ameaçar repetidamente outra pessoa, levan-
do-a a temer pela sua segurança”.
Com efeito, apenas com a revisão do Código Penal de 2015 se introdu-
ziu o novo crime de Perseguição no ordenamento jurídico português, no art.º
154.º-A do CP, estipulando-se que: “1 – [q]uem, de modo reiterado, perseguir
ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma
adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade
de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se
pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”. No n.º 2
refere-se que a tentativa é punível. Os n.os 3 e 4 deste artigo dizem respeito às
penas acessórias, estatuindo-se que: “3 – [n]os casos previstos no n.º 1, podem
ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a
vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de pro-
gramas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. 4 - A pena
acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da
residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscali-
zado por meios técnicos de controlo à distância”. No n.º 5 atribui-se natureza
Julgar, n.º 28, 2016, p. 83. Ver, em sentido semelhante, sobretudo no que diz respeito à mutila-
ção genital feminina, FARIA, Paula Ribeiro de, “A Convenção de Istambul e a mutilação genital
feminina”, in CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da (Org.), Combate à Violência de Género.
Da Convenção de Istambul à Nova Legislação Penal, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016
e SOTTOMAYOR, Maria Clara, “Assédio sexual nas ruas e no trabalho: uma questão de direitos
humanos”, in CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da (Org.ª), Combate à Violência de Género.
Da Convenção de Istambul à Nova Legislação Penal, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016.
Em sentido contrário, se bem interpretamos, no que diz respeito ao crime de mutilação genital
feminina, ver já LEITE, André Lamas, “As alterações de 2015 ao Código Penal em matéria de cri-
mes contra a liberdade e autodeterminação sexuais – nótulas esparsas”, Julgar, n.º 28, 2016, p. 63.
3
Cf. SANTOS, Margarida, “Implicações da Convenção…cit.
307
semipública ao crime. Prevê-se, ainda, uma agravação nos termos do art.º 155.º,
do CP.
O tipo objetivo consiste na perseguição ou no assédio, reiterados, inde-
pendentemente do meio usado, direto ou indireto, mas que seja adequado a pro-
vocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de ação.
Cumpre, desde logo, expressar que o fenómeno subjacente ao crime de
perseguição não é fácil de definir. Na verdade, podemos apreender, com Helena
Grangeia e Marlene Matos, que “[o] stalking caracteriza-se precisamente por um
conjunto de ações e não por actos isolados. É justamente pela sua persistência e
contexto de ocorrência que os comportamentos de stalking se revestem de um
carácter intimidatório” 4.
Ainda assim, apesar de não existir uma tipificação legal antes de 2015, era
possível subsumir alguns dos seus comportamentos (analisados isoladamente)
noutros tipos legais de crime, como por exemplo, no crime de Violência domés-
tica (art.º 152.º do CP); no crime de Ameaça (art.º 153.º do CP); no crime de
Coacção (art.º 154.º do CP), no crime de Violação de domicílio ou perturbação
de vida privada (art.º 190.º do CP); no crime de Devassa da vida privada (art.º
192.º do CP) ou no crime de Gravações e fotografias ilícitas (art.º 199.º do CP),
entre outros.
Não obstante, como bem alertavam Helena Grangeia e Marlene Matos,
a ausência deste reconhecimento legal impossibilitava “… a definição das expe-
riencias de perseguição e assédio persistente como formas específicas de vitima-
cão, constituindo apenas episódios isolados…”5. Numa palavra, “a ausência de
uma terminologia clara e comum impossibilita[va] a perceção das condutas de
stalking como um fenómeno específico” 6. Neste sentido, podemos pois encarar
que muitos episódios de stalking permaneciam sem enquadramento legal, se do
contexto não fosse possível traduzir atos que consubstanciassem outros tipos
legais de crime7. Numa palavra, esta nova tipificação legal revela a consciencia-
lização de um fenómeno que carece da tutela penal, assistindo-se igualmente a
um reconhecimento de uma nova categoria de vítima8.
4
GRANGEIRA, Helena e MATOS, Marlene, “Da invisibilidade ao reconhecimento do stalking”, in
Ana Sani (coord.), Temas em vitimologia: realidades emergentes na vitimação e respostas sociais,
Coimbra, Almedina, 2011, p. 75.
5
Idem, ibidem.
6
Idem, p. 61.
7
Com interesse, ver também das Autoras: “Stalking – the Portuguese Case: Discursive construc-
tions of stalking and their implications” in S. Petrie (coord.), Controversies in policy research:
critical analysis for a new era of austerity and privation, Hampshire, Palgrave, 2013, pp.53-81 e
“Persistent Harassment: Targets and Perpetrators Among Young Adults”, Victims & Offenders:
An International Journal of Evidence-based Research, Policy, and Practice, 2017.
8
Ver GRANGEIA, Helena / SANTOS, Margarida “Stalking by women: another side of gender
violence”, in Sílvia Gomes e Vera Duarte (Org.), Female Crime and Delinquency in Portugal: In
and Out of the Criminal Justice System, London, Plagrave Macmillan, 2018, no prelo.
308
9
GARCIA, M. Miguez/ RIO, J. M. Castela, “Comentário ao art.º 154.º - A”, in Código penal, Parte
geral e especial, com notas e comentários, 2.ª Edição, Lisboa, Almedina, 2015, p. 674. Na esteira
dos Autores “[o] bem jurídico é a paz jurídica da pessoa perseguida, a ausência absoluta de qual-
quer forma de medo ou inquietação”. Ou na linha de MONTE, Mário, “Mutilação genital,…cit.,
p. 78: “…o bem jurídico protegido é tanto a paz pessoal como a liberdade de decisão e ação: a paz
pessoal, no sentido de sentimento de segurança, ou seja, sempre que a ação do agente possa colo-
car em causa o sentimento de segurança, pela provocação de medo ou inquietação. E a liberdade
de decisão e ação, na medida em que aquela ação possa prejudicar a liberdade de determinação
- na decisão e no agir de cada um”.
10
MONTE, Mário, “Mutilação genital, …cit., p. 78, nota de rodapé 9.
11
Cf. SANTOS, Margarida, “Implicações da Convenção …cit. Relembra-se que a Lei n.º 83/2015, de
5 de agosto, também alterou o art.º 163.º, n.º 2, do CP.
12
Como retrata LEITE, Inês Ferreira, “Crimes novos, lei nova”, 2015, disponível em http://capa-
zes.pt/cronicas/crimes-novos-lei-nova-por-ines-ferreira-leite (última consulta a 1-2-2018): “[a]
incriminação do crime de perseguição poderá revelar-se pouco útil, já que não foi alterado, em
simultâneo, o Código de Processo Penal. (…) os casos de perseguição não se resolvem com um
julgamento penal (o julgamento vai ser apenas a comprovação da censura penal). Resolvem-se
com medidas coativas instantâneas, que imponham um afastamento imediato do agressor. Re-
solvem-se (…) com as (…) restraining orders …” e parecer elaborado pela Autora ao projeto
de Lei 663/XII, disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/Deta-
lheIniciativa.aspx?BID=38691 (última consulta a 22/7/2017): “[n]o que respeita à política crimi-
nal, tem-se revelado que a melhor forma de suster e combater estas formas de perseguição não
309
3. Perseguição e Ciberperseguição14
O stalking, mais tarde tipificado em Portugal como perseguição, como su-
pra referimos, é um fenómeno de violência interpessoal cujo reconhecimento é re-
lativamente recente, apesar de se reportar a comportamentos há muito existentes
e legitimados nas sociedades ocidentais15. Desde o final do século XX, o termo an-
glosaxónico stalking tem vindo a ser aplicado a uma diversidade de atos e contex-
tos de prática desses comportamentos sempre que está em causa uma “presunção
unilateral de uma relação com o alvo”16, com intenções tão diversas como moni-
torizar, assediar, importunar a vítima ou de, simplesmente, marcar presença na
sua vida. Para além disso, trata-se de um conjunto de atos que podem adquirir
um caráter intimidatório pela sua persistência e contexto de ocorrência. Não se
é através das formalidades morosas do processo penal, mas mediante a previsão de verdadeiras
restraining orders, de aplicação célere e independente das exigências mais formais das medidas
de coação. Veja-se que a pena acessória pouco interessa à vítima, pois só seria aplicada ao fim de
anos de processo penal. A vítima precisa de uma resposta imediata”.
13
Embora existam, como se sabe, outros regimes legais aqui aplicáveis, como o (novo) Estatuto da
Vítima e a Lei n.º 93/99, de 14 de julho (Lei de Protecção de Testemunhas).
14
Adotamos neste subtítulo deliberadamente a denominação “ciberperseguição” para irmos ao en-
contro da opção do legislador penal que acolheu a designação “perseguição”. Com o conceito de
“ciberperseguição” estamo-nos a referir aos atos de perseguição cometidos através das tecnologias
de informação e comunicação. Nesta medida, este fenómeno enquadra-se na “cibercriminalidade
em sentido amplo” (a informática é apenas um meio para praticar o comportamento ilícito),
por oposição à “cibercriminalidade em sentido estrito (onde a informática é uma componente
do tipo legal de crime). Sobre os conceitos de cibercriminalidade, ver, entre outros, Venâncio,
Pedro Dias, Lei do Cibercrime – Anotada e Comentada, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 17.
Não obstante, estes fenómenos são comumente designados na literatura científica como stalking
e ciberstalking, pelo que a estes conceitos também recorremos ao longo do texto.
15
Ver GRANGEIA, Helena e MATOS, Marlene, “Da invisibilidade ao reconhecimento do stalking”,
in Ana Sani (coord.), Temas em vitimologia: realidades emergentes na vitimação e respostas sociais,
Coimbra, Almedina, 2011 e GRANGEIA, Helena, “Assédio persistente, perseguição, stalking”, in
NEVES, Ana Sofia e COSTA, Dália (org.), Violência de Género, Lisboa, ISCSP, 2017.
16
GRANGEIA, Helena, Stalking entre jovens: da sedução ao assédio persistente, Dissertação de Dou-
toramento em Psicologia na Especialidade de Psicologia da Justiça, Braga, Escola de Psicologia,
Universidade do Minho, 2012, inédito, p.5.
310
17
Como defende Helena Grangeia “[t]al desdobramento deve ser valorizado, por só assim poder re-
velar características específicas de cada uma das suas configurações. Não obstante, não se defende
que tal deva implicar a compartimentação do fenómeno em subfenómenos sem relação entre si,
sob pena de se ocultar a sua etiologia social e cultural” – cf. GRANGEIA, Helena, “Assédio per-
sistente, perseguição, stalking”, in NEVES, Ana Sofia e COSTA, Dália (org.), Violência de Género,
Lisboa, ISCSP, 2017, p. 132.
18
CASTRO, Teresa S. e OSÓRIO, António J., “Online Violence: Listening to Children’s Online
Experiences”, in CRUZ-CUNHA, Maria Manuela e PORTELA, Irene Maria (eds.), Handbook of
Research on Digital Crime, Cyberspace Security, and Information Assurance, Hershey PA USA,
IGI Global, 2015.
19
LAPIDOT-LEFLER, N. e BARAK, A., “Effects of anonymity, invisibility, and lack of eye-contact
on toxic online disinhibition” in Computers in Human Behavior, 28, pp. 434-443, 2012.
20
CITRON, D. K., Hate Crimes in Cyberspace. Cambridge, Harvard University Press, 2014. Veja-se,
por exemplo, o estudo de SHERIDAN, L. E GRANT, T., “IS CYBERSTALKING DIFFERENT?”,
IN PSYCHOLOGY, CRIME & LAW, 13, PP. 627-640, 2007,
311
4. Conclusão
No novo tipo legal de perseguição procedeu-se, em parte, a uma neocri-
minalização, na medida em que antes desta alteração legislativa havia condutas
que ficavam de fora da tutela penal. Com efeito, esta nova tipificação revela a
consciencialização de um fenómeno que carece efetivamente da tutela penal, as-
sistindo-se igualmente a um reconhecimento de uma nova categoria de vítima.
O conceito de ciberperseguição dá-nos conta das potencialidades que as
novas tecnologias e o mundo online oferecem para a prática de comportamentos
de perseguição. A ausência de fronteiras físicas e do contacto face-a-face permi-
te maior versatilidade e alcance dos comportamentos, assim como possibilita o
anonimato e a omnipresença do perseguidor na vida da vítima. Tais vantagens
na prática de atos de perseguição/assédio refletem diretamente maiores dificul-
dades para as vítimas de perseguição, que importa atender.
A tipificação legal não foi acompanhada de um regime processual espe-
cífico, que permitisse, por exemplo, a aplicação de uma medicação de coação
de proibição e imposição de condutas (art.º 200, do CPP), durante o decurso
processual. Apena está prevista a aplicação de determinadas penas acessórias
específicas.
Esperemos, pois, que, esta inovação legislativa, que acolhemos, seja
acompanha de uma prática judiciária que vá de encontro aos desideratos da sua
consagração legal e consiga colmatar eventuais dificuldades que agora vislum-
bramos.
312
1
Data Protection and Public Policy in Europe and the United States, Colin J. Bennett, Cornell
University Press, Ithaca and London, 1992.
2
https://www.droit-technologie.org/wp-content/uploads/2018/02/LOPEZ-RIBALDA.pdf
313
3
O pedido foi apresentado ao TEDH a 28-12-2012.
4
Nomeadamente através da prova testemunhal prestada pelos Colegas de trabalho.
5
Em particular, na hashtag em: https://twitter.com/hashtag/tedh?lang=en.
6
A título exemplificativo no programa RTVE “Dez minutos bem gasto. Controle e privacida-
de do trabaljo” com a opinião dos juristas (Pere Vidal, José Antonio González) e sindicalistas
(Isabel Araque e Ana Oller) disponível in http://mvod.lvlt.rtve.es/resources/TE_SDIEZMI/
mp3/3/4/1516007193243.mp3. e http://www.juecesdemocracia.es/.
314
7
Convenção Europeia dos Direitos do Homem disponível em: https://www.echr.coe.int
8
Tal conceito pode estender-se à dignidade, bom nome ou a imagem de uma pessoa – Schüssel
v. Austria n.º 42409/98, 21 de fevereiro de 2002; e Von Hannover v. Germany n.º 59320/00, § 50,
CEDH 2004-VI, podendo nela se incluir actividades de natureza profissional ou comercial Peck v.
United Reino, §§ 57-58; Perry v. Reino Unido, §§ 36-37; e Benediktsdóttir v. Iceland, n.º 38079/06,
16 de junho de 2009. O direito à proteção da própria imagem é, portanto, um dos principais com-
ponentes do desenvolvimento pessoal e pressupõe o direito ao controlo da sua utilização - Reklos
e Davourlis v. Grécia, nº 1234/05 de §40, de 15 de janeiro de 2009 e Halford c. Reino Unido, 25 de
junho de 1997, § 45, Relatórios de Julgamentos e Decisões 1997-III; e Perry, § 37; e Bărbulescu,§ 73).
315
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equi-
tativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal indepen-
dente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre
a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer
sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigi-
da contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala
de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a
totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da or-
dem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática,
quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das
partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente
necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a pu-
blicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
316
9
A origem do conceito de direito à reserva da intimidade da vida privada é reconduzida por al-
guma literatura jurídica à publicação, em 15 de Dezembro de 1890, de um art.º na Harvard Law
Review da autoria de SAMUEL WARREN e LOUIS BRANDEIS.
10
Cfr. Acórdão n.º 186/2000, de 10-07-2000.
11
Enquadrando os factos como sendo circunstâncias especiais que justificaram a ingerência dada
a apropriação ilegítima por parte das trabalhadoras, revelando-o o despedimento necessário e
proporcional.
317
Foi ainda sublinhado que, além das provas descritas juntas e arroladas,
foram juntos comprovativos da contabilidade diária que denotava irregularida-
des, além da confissão prestada aquando do confronto pelo empregador.
Requerido competente recurso para a instância superior, foi mantida a
decisão, reconhecendo que a conduta do empregador podia consubstanciar na
aplicação de sanção administrativa por violação do dever de informação das tra-
balhadoras antes da instalação dos sistemas de vigilância.
Porém, a conclusão de que a vigilância tinha justificação (na medida em
que havia razoáveis suspeitas de furto), era assim, pelas circunstâncias, legitima,
necessária e proporcional.
O TEDH considera que não houve violação do direito a um julgamento,
referindo-se aos mecanismos que os Tribunais devem implementar para pro-
teção os direitos dos indivíduos nas relações entre indivíduos em que o direito
fundamental de um individual (as trabalhadoras neste caso) entra em conflito
com os interesses legítimos de outrém (o direito de propriedade do proprietário
do supermercado).
Feita apreciação geral, o TEDH teve oportunidade de retirar as seguintes
conclusões:
318
DANO PATRIMONIAL:
O TEDH rejeitou haver qualquer nexo de causalidade entre a violação
e o dano patrimonial requeridos por todos os requerentes pelos salários (não
auferidos).
DECISÃO TEDH13:
• juntar todos os pedidos apresentados pelas 5 requerentes;
• 6 votos a favor (violação do art.º CEDH);
• por unanimidade pela inexistência de violação do art.º 6.º§ 1 CEDH;
• relativa à utilização das provas obtidas em violação do art.º 8 da Con-
venção;
• por unanimidade, pela inexistência de violação do art.º 6.º§ 1 CEDH,
considerando válidos os acordos celebrados;
• condenação de Espanha a pagar aos requerentes €4.000,00 (quatro mil
euros) a título de danos não patrimoniais;
12
Este normativo legal assenta no princípio primário da restauração natural, pressupondo, como é
óbvio, o princípio da subsidiariedade da restauração por equivalente, tendo o TEDH considerado
a reabertura do processo como uma medida próxima das exigências da «restitutio in integrum»,
apontando para uma solução alternativa entre a reabertura do processo ou o pagamento de uma
satisfação equitativa – Ac. Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 5817/2TBOER.L1.S1,
Helder Roque (Relator), in www.dgsi.pt .
13
O Juiz Dedov conclui no seu voto vencido que não se pode compensar aquele que comete um
crime ou punir aquele que se defende contra os infratores, o que não deixa de ser interessante do
ponto de vista da análise crítica. Lê-se em jeito de síntese que parece punir-se aquele que coopera
na busca de infractores, sendo fraca a defesa de que a entidade empregadora poderia feito “e,
portanto, que a gravação feita com as câmaras de vigilância ocultas não se revelaram uma medida
necessária à protecção dos seus direitos, observando que, “além de colocar câmaras voltadas para
a parte de trás das caixas, não teria sido igualmente eficaz na deteção para prova dos furtos, não de-
vendo ser consideradas abusivas, arbitrárias ou desproporcionais. Porém, os tribunais espanhóis
consideraram que a decisão de despedimento foi justa porque o material audiovisual não foi a
única prova em que se basearam no momento em que sustentaram as decisões de despedimento,
além de que as próprias trabalhadoras puderam ser confrontadas com tais gravações.
319
6. Em Portugal
O direito à reserva da intimidade da vida privada encontra-se protegido
na ordem jurídica portuguesa a diversos níveis, designadamente constitucional,
penal, civil e laboral. A defesa incondicional da dignidade da pessoa humana
postula o reconhecimento do direito à reserva da intimidade da vida privada,
consagrado simultaneamente como direito fundamental, no art.º 26.º da Cons-
tituição da República Portuguesa e, como direito de personalidade, no art.º 80.º
do Código Civil.
14
Câmara Social da TS emitiu uma decisão, datada de 13 de maio de 2014 (apelação nº 1685/2013),
15
A título meramente exemplificativo, quando uma mulher é despedida por engravidar, é crucial
que tal circunstância seja valorada por violar um direito fundamental, sendo que, no presente
caso, as trabalhadoras foram despedidas por apropriação indevida.
320
7. Notas conclusivas
Trata-se de uma sentença exemplar e pouco prudente na linha de pen-
samento do Prof. Jesús Alfaro Águila-Real da Universidade Autônoma de
Madrid18, porquanto não tomou em consideração a margem de apreciação dos
Estados e dos Tribunais nacionais na balança da apreciação dos conflitos entre
direitos fundamentais.
O contraste de entendimentos é maior, se olharmos de perto, a decla-
ração de voto individual no caso “KARIN köpke against Germany” em que a
situação fatual é análoga, entendendo os juízes alemães que o despedimento era
legítimo.
Nessa sequência o Tribunal Constitucional rejeitou o recurso de amparo,
conduzindo o processo ao TEDH que, nessa altura, se pronunciou no sentido de
16
É ilícita, por violação do direito de reserva da vida privada, a captação de imagem através de câ-
maras de vídeo instaladas no local de trabalho e direcionadas para os trabalhadores, de tal modo
que a actividade laboral se encontre sujeita a uma contínua e permanente observação – Ac. STJ de
08-02-2006, processo n.º 05S3139, Fernandes Cadilha (Relator) in www.dgsi.pt.
17
É uma entidade administrativa independente com poderes de autoridade, que funciona junto da
Assembleia da República, tendo como atribuição genérica controlar e fiscalizar o processamen-
to de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garan-
tias consagradas na Constituição e na lei, sendo a Autoridade Nacional de Controlo de Dados
Pessoais, cooperando com as autoridades de controlo de proteção de dados de outros Estados,
nomeadamente na defesa e no exercício dos direitos de pessoas residentes no estrangeiro, consul-
tável in https://www.cnpd.pt/.
18
“O acórdão López Ribalda do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Almacén Dereceho,
10-01-2018, direito Civil, Direito Constitucional, consultável in http://almacendederecho.org/
la-sentencia-lopez-ribalda-del-tribunal-europeo-derechos-humanos/.
321
Referências bibliográficas
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FFESTAS, David de Oliveira, O direito à reserva da intimidade da vida do trabalhador no
Código do Trabalho, Ano 64, Vol. I/II, artigos doutrinais OA, 2004
19
Recordando o “caso do romeno Bogdan Mihai Barbulescu, despedido por trocar mensagens pri-
vadas durante o horário de trabalho Em que foi decidido que as empresas devem têm de avisar
as trabalhadoras antes de acederem ao seu correio electrónico e não podem reduzir a zero a vida
social provada no local de trabalho. O direito à vida e à privacidade da correspondência continua
a existir, mesmo que tenha de ser restringido. O tribunal concluiu, a partir dos autos do processo,
que Barbulescu não tinha sido formalmente informado antecipadamente da extensão e da natu-
reza do acompanhamento do seu empregador, ou da possibilidade de ter acesso ao conteúdo real
das suas mensagens - Acórdão “Bogdan Mihai Bărbulescu”.
322
https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2004/ano-64-vol-i-ii-nov-2004/
art.ºs-doutrinais/david-de-oliveira-festas-o-direito-a-reserva-da-intimidade-da-
-vida-privada-do-trabalhador-no-codigo-do-trabalho-star/
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C3%A7%C3%A3o_Criminal_-_algumas_implica%C3%A7%C3%B5es_nacio-
nais_das_op%C3%A7%C3%B5es_europeias
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Hiperligações
European Data Protection Supervisor
Portal da União Europeia
Unidade de Protecção de Dados da Comissão Europeia
Protecção de Dados da Comissão Europeia
Eurojust
20
Aconselha-se a pesquisa para efeitos de atualização da legislação indicada no sítio in www.pglis-
boa.pt
323
Outra legislação
324
1. Introdução
Há quarenta anos ter uma linha telefônica era um luxo. Falar com pa-
rentes e amigos ou estabelecer contatos comerciais e profissionais exigia o es-
forço de ir até as centrais telefônicas e solicitar uma chamada por intermédio de
uma telefonista. Outra via de comunicação era enviar cartas e, pacientemente,
esperar pelo carteiro. Ainda que tivessem um particular encanto, as relações se
desenvolviam dentro de espaços limitados e o tempo empregado era maior.
De repente, ocorre uma revolução: a tecnologia transforma nossas vidas
modificando radicalmente a forma de comunicação. Nasce a web e a Era digital.
A Era digital globaliza a comunicação, cria novos cenários para as rela-
ções humanas, agiliza as interações, abre espaços para o exercício de liberdades
informativas, amplia fronteiras, acelera o tempo...
A mudança de paradigma suscita questões sobre os direitos e obrigações
dentro do espaço digital, especialmente diante da ausência de disciplina jurídica
sobre a matéria.
Desde o aparecimento da Internet a questão da proteção dos direitos fun-
damentais dos cibernautas é fonte de debate. Como resultado das discussões
foram produzidos vários documentos com a intenção de elencar os direitos di-
gitais. O conjunto das propostas de regulação da Internet deu lugar à construção
do constitucionalismo digital, cuja intenção é proclamar os direitos fundamen-
tais dos internautas em uma Declaração formal e universal.
Por influência deste movimento, o Conselho de Europa adotou um Guia
325
2. O espaço digital
O desenvolvimento das tecnologias da informação e das comunicações
possibilitou a criação de um novo espaço de interação para os atores sociais: a
rede mundial de computadores, também conhecida como World Wide Web.
A Internet nasceu na segunda metade do século XX e, atualmente, permi-
te que os cidadãos, as empresas e as instituições tenham acesso a qualquer lugar
do mundo e com uma rapidez que somente se concebia nos filmes de ficção.
A princípios do século XXI surgiu a web de segunda geração: a web 2.01.
A web 2.0, ou web social, é uma “denominação de origem” que inclui uma ampla
variedade de redes sociais, blogs, wikis e serviços multimídia cujo objetivo é per-
mitir o intercâmbio rápido de informação entre os usuários e a colaboração na
produção dos conteúdos. O denominador comum dos sites de segunda geração
está na participação coletiva com o intuito de proporcionar serviços interativos
na rede. Ademais, os usuários assumem o controle para publicar seus dados pes-
soais e compartilhar informação com quem queiram. A web 2.0 contem as redes
sociais, como Facebook, os portais de alojamento de vídeos e imagens, como
YouTube e Instagram, e os serviços wikis.
Conforme leciona Pere Simón Castellano2, as características essenciais da
web 2.0 são: a extinção da distância espaçotemporal entre a ação e a publicidade;
a formulação de novos espaços de deliberação pública sem controle estatal; os
cidadãos como emissores e difusores da informação; a incorporação dos aspetos
afetivo, passional ou emocional e a despreocupação na transmissão da informa-
ção; e, a perenidade da informação em Internet.
A desaparição da distância entre a ação e a publicidade resulta das condi-
1
Em 2004, Dale Dougherty, da Editora O’Reilly Media, utilizou o termo web 2.0 em uma Confe-
rência para indicar os novos sitios web que se diferenciavam dos sites tradicionais englobados sob a
denominação web 1.0.
2
SIMÓN CASTELLANO, Pere. El régimen constitucional del derecho al olvido digital. Valencia,
Tirant lo Blanch, 2012, p. 26.
326
327
3
FRANCO ÁLVAREZ, Guillermina. Tecnologías de la comunicación: producción, sistemas y difu-
sión digital. Madrid, Editorial Fragua, 2005, p. 109.
4
SIMÓN CASTELLANO, Pere. Obra citada, p. 52.
328
5
GILL, Lex. REDEKER, Dennis. GASSER, Urs. Towards Digital Constitucionalism? Mapping at-
tempts to craft an Internet Bill of Rights. https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/28552582/
SSRN-id2687120.pdf?sequence=1. Página consultada em 15 de dezembro de 2017.
329
330
6
CONSELHO DE EUROPA. Guia dos Direitos Humanos para os utilizadores da Internet. Reco-
mendação CM/Rec(2014)6. Adotada pelo Comitê de Ministros em 16 de abril de 2014, na 1197ª
reunião dos Delegados de Ministros. https://rm.coe.int/16804c177e. Página consultada em
12/02/2018.
331
4. Considerações finais
As reflexões realizadas neste estudo permitem esboçar algumas conside-
rações a modo de conclusão:
1. A sociedade da informação apresenta novos desafios para a proteção
dos direitos fundamentais. O primeiro deles é o acesso â Internet.
Vimos que o Conselho de Europa, em sua Recomendação, considera
a acessibilidade à Internet como um direito necessário para o exercí-
cio de outros direitos fundamentais. Entretanto, ainda são muitos os
excluídos digitais.
2. As interações na rede supõem o exercício pleno das liberdades de ex-
pressão e comunicação. Mas, o exercício destes direitos muitas vezes
colide com outros direitos fundamentais, o que exige a adoção de cri-
térios objetivos e comuns de ponderação.
3. A adoção de critérios de ponderação impõe a prevalência de alguns
direitos. Como consequência, é possível estabelecer restrições justi-
ficadas dos direitos. No entanto, as limitações injustificadas ao exer-
cício dos direitos fundamentais são atos arbitrários que lesionam os
direitos dos cibernautas. Enquanto não houver uma regulação uni-
forme da matéria, a solução destes conflitos dependerá unicamente
das orientações normativas e jurisprudenciais dos Ordenamentos na-
cionais.
4. A tentativa de internacionalização dos direitos fundamentais dos
usuários da rede corresponde aos esforços teóricos do movimento
denominado constitucionalismo digital. Neste sentido, se reveste de
importância a Recomendação do Conselho de Europa que anima os
Estados-Membros da Convenção Europeia de Direitos Humanos a
adotar uma conduta uniforme para a proteção dos direitos funda-
mentais da Internet.
Bibliografia
CONSELHO DE EUROPA. Guia dos Direitos Humanos para os utilizadores da Inter-
net. Recomendação CM/Rec(2014)6. Adotada pelo Comitê de Ministros em 16
de abril de 2014, na 1197ª reunião dos Delegados de Ministros.
FRANCO ÁLVAREZ, Guillermina. Tecnologías de la comunicación: producción, sistemas
y difusión digital. Madrid, Editorial Fragua, 2005.
GILL, Lex. REDEKER, Dennis. GASSER, Urs. Towards Digital Constitucionalism? Ma-
pping attempts to craft an Internet Bill of Rights.
SIMÓN CASTELLANO, Pere. El régimen constitucional del derecho al olvido digital. Va-
lencia, Tirant lo Blanch, 2012.
332
1
Sobre as necessidades de criação e surgimento das autoridades administrativas independentes,
vide GUÉDON, Marie José - Les autorités administratives indepéndantes. Paris: LGDJ, 1991. ISSN
0987-9927, pp. 16 e ss; GARCÍA LLOVET, Enrique - Autoridades administrativas independientes
y estado de derecho. “Revista de Administración Pública”. ISSN 0034-7639. 131 (1993), pp. 61-
118, pp. 92 e ss; MOREIRA, Vital; MAÇÃS, Fernanda - Autoridades Reguladoras Independentes:
estudo e Projeto de Lei-Quadro. Coimbra: Coimbra editora, 2003. ISBN 9789723211610, pp. 21
333
334
estas está assegurada, e que é essencial para a boa prossecução das finalidades de
que estão imbuídas, mas também da necessidade de competência técnica para
dispor com maior densidade e celeridade sobre as matérias que lhes estão atri-
buídas para equilibrar o subsistema regulado.
Contudo, esta nova forma de regulação, como manifestação da “partici-
pação de órgãos não legislativos na construção do ordenamento normativo”5,
tem gerado alguma discussão em torno da possível violação do princípio da se-
paração de poderes e da falta de legitimidade democrática destas autoridades6.
5
Cf. ROCHA, Joaquim Freitas da - Constituição, ordenamento e conflitos normativos: esboço de uma
teoria analítica da ordenação normativa. Coimbra: Coimbra editora, 2008. ISBN 9789723215182,
p. 694.
6
Leiam-se, entre outros, STEWART Richard - Il Diritto amministrativo nel XXI secolo. “RTDP”.
ISSN 0557-1464. I (2004), pp. 1-29, pp. 4 e ss.
7
Cf. OTERO, Paulo - Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa
à juridicidade. 2ª reimp. Coimbra: Almedina, 2003. ISBN 9789724071527, p. 621.
8
Cf. CARDOSO, José Lucas Cardoso - Autoridades administrativas, op. cit., p. 418.
335
que, sendo direta ou indiretamente eleitos por sufrágio, encontram aí a sua fonte
de legitimidade.
E, mais do que isso, (ii) a independência orgânica, técnica e funcional de
que estas instâncias são dotadas, manifesta-se na “ausência de vínculos sujeição
(…) seja no âmbito do exercício das suas competências, seja quanto ao estatuto
dos seus titulares”9. Significa isto que as entidades não estão subordinadas à di-
reção ou orientação do Governo, nem submetidas a formas de tutela ou controlo
de legitimidade ou mérito; que não respondem funcional ou politicamente pe-
rante o Parlamento; e que os seus titulares não gozam de legitimidade democrá-
tica fundada no sufrágio universal, sendo designados pelo reconhecimento da
idoneidade que demonstram para o exercício do cargo, beneficiando ainda de
um regime de inamovibilidade e irresponsabilidade pelas condutas que adotem
no exercício das suas funções.
Daqui resulta que as competências conferidas às autoridades indepen-
dentes estão subtraídas ao universo da Administração do Estado e, consequen-
temente, de um controlo democrático, pelo que são inúmeros os riscos asso-
ciados à atribuição de poderes regulamentares a estas entidades. Efetivamente,
não vendo eleitos por sufrágio universal e direto os seus titulares, nem existindo
um controlo direto sobre as suas decisões, parece que as mesmas se encontram
subtraídas a qualquer responsabilidade política e democrática e os riscos daí de-
correntes são reais e constituem verdadeiras ameaças à neutralidade que atual-
mente se exige na nova conceção de Estado e do seu papel regulador.
9
Cf. MORAIS, Carlos Blanco de – As autoridades administrativas, op. cit., p. 105. Itálicos no ori-
ginal, interpolação nossa. Ainda de acordo com o autor, à primeira vista parece que estamos a
aceitar “micro-governos de peritos, carentes de legitimidade democrática plena”, com poderes para
executar leis em diversas áreas da Administração, sem responderem, política ou administrativa-
mente, pela regularidade das suas condutas. Idem, p. 150.
336
10
É neste sentido que se poderá afirmar que, em última instância, se deve reconhecer legitimidade
democrática a estas autoridades reguladoras já que, mesmo indiretamente, estão sujeitas a um
controlo político indireto ou imediato da Administração pública, porque sujeitas à lei. De acordo
com este entendimento, CARDOSO, José Lucas - Autoridades administrativas, op. cit., pp. 471 e
472.
11
Vejam-se os arts. 162.º, al. a), 156.º, al. e), 156, al. f), 178, n.ºs 1,4 e5 e 180.º, n.º 2, al. f) da CRP.
12
Sobre o problema da politização da designação dos membros das autoridades independentes,
designadamente em Itália, e a expansão dos fenómenos da incompatibilità sucessiva e revolving
doors, leia-se deve ler-se MANETTI, Michela - Autorità indipendenti e parlamenti nazionali
nell’Unione europea: alla ricerca di una ragionevole indipendenza. “Le attualità nel diritto”. 26
(2014), pp. 105-119, pp. 117-119.
337
13
Cf. MOREIRA, Vital; MAÇÃS, Fernanda - Autoridades Reguladoras, op. cit., p. 132. Aspas con-
forme original.
14
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed.
Coimbra: Edições Almedina, 2003. ISBN 9789724021065, pp. 567 e 568.
15
Cf. MORAIS, Carlos Blanco de – As autoridades administrativas, op. cit., p. 151. Aspas no origi-
nal.
338
16
Usamos a expressão de MOREIRA, Vital - A Governabilidade – comentário. “A Administração
Pública no limiar do Século XXI: os grandes desafios”. Lisboa: INA, 2001. ISBN 972-9222-25-8, p.
151.
339
17
Sobre o tema, ALENCAR, Leandro Zannoni Apolinário de - Guidance no contexto do estado re-
gulador: subsídios para uma nova compreensão da função administrativa (reguladora) nas socie-
dades complexas. Disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/43580126.pdf [02.03.2018],
pp. 67 e ss.
18
Cf. GOUVEIA, Rodrigo - Os serviços de interesse geral em Portugal. Coimbra: Coimbra editora,
2001. ISBN 972-32-1059-2, pp. 51 e ss. Sugere o autor uma responsabilização face à Administra-
ção central, ao Parlamento e aos tribunais, uma maior intervenção nos mecanismos decisórios das
340
entidades representantes dos diversos interesses do setor regulado e uma forte publicidade dos
atos reguladores, assegurando a mediatização uma forma de controlo público da sua atuação.
341
1
COOK, Rebecca J., Women’s Health and Human Rights - The Promotion and Protection of Wom-
en’s Health through International Human Rights law, Geneva, World Health Organization, 1994.
343
2
“Os Direitos Humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino constituem uma parte ina-
lienável, integral e indivisível dos Direitos Humanos universais. A participação plena das mu-
lheres, em condições de igualdade, na vida política, civil, económica, social e cultural, aos níveis
nacional, regional e internacional, bem como a erradicação de todas as formas de discrimina-
ção com base no sexo, constituem objectivos prioritários da comunidade internacional [...] Os
Direitos Humanos das mulheres deverão constituir parte integrante das actividades das Nações
Unidas no domínio dos Direitos Humanos, incluindo a promoção de todos os instrumentos de
Direitos Humanos relativos às mulheres.” Cf. Declaração e Programa de Acção de Viena, Confe-
rência Mundial sobre Direitos Humanos, de 25 de Junho de 1993, in “Gabinete de Documentação
e Direito Comparado”, disponível em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacio-
nais-dh/tidhuniversais/decl-prog-accao-viena.html [02.02.2018].
3
MATTAR, Laura Davis, Os direitos reprodutivos das mulheres, [s.d.], texto disponível em http://
www.al.sp.gov.br/repositorio/ilp/anexos/1160/YY2013MM6DD4HH10MM35SS5-Mattar_Di-
reitos%20reprodutivos%20das%20mulheres.pdf [03.11.2017].
4
Cf. Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento - Plataforma de
Cairo – texto disponível em http://www.unfpa.org.br/Arquivos/relatorio-cairo.pdf [09.01.2018].
5
ALVES, Fernando de Brito, e PEGORER, Mayara Alice Souza, Direitos da mulher: alguns aspectos
polêmicos quanto à afirmação da igualdade e à efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos, “Re-
vista Crítica do Direito”, vol. 53, n.º 3, 2003.
344
6
Cf. Lei n.º 23/80, de 26 de Julho, que ratifica a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres, texto disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mos-
tra_articulado.php?nid=1549&tabela=leis [04.01.2018].
7
THE COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN,
General Recommendation No. 24 (20th session, 1999), texto disponível em: http://www.un.org/
womenwatch/daw/cedaw/recommendations/recomm.htm#recom24 [29.12.2017].
345
reprodutiva sem a atividade sexual traz uma série de novos desafios à ideia de
liberdade e autonomia de decidir sobre o planejamento familiar, bem como am-
pliam o rol de sujeitos de direito no exercício da parentalidade8.
Dessa forma, considerando a proteção dos direitos reprodutivos enquan-
to direitos humanos das mulheres, as possibilidades trazidas pelas tecnologias
reprodutivas acabam por ser uma forma de ampliar o acesso a um alegado di-
reito à parentalidade, promovendo uma maior justiça entre os indivíduos que
desejam ser pais.
Todavia, a existência de tais tecnologias não são garantia de uma dis-
tribuição equitativa da justiça, uma vez que a sua utilização depende de re-
gulamentação, a qual, consoante o contexto social em questão, pode ser mais
ampla ou mais restritiva. Ou seja, embora tais tecnologias reprodutivas este-
jam largamente avançadas, nem todos os países permitem a sua utilização de
forma a atender a todos os seus cidadãos, impondo-se restrições que, baseadas
em noções bioéticas, morais e jurídicas, irão delimitar os sujeitos que a elas
terão acesso9.
Dessa forma, é importante analisar como na prática os Estados têm tra-
tado efetivamente a questão dos direitos reprodutivos e as novas tecnologias
reprodutivas e a consequente promoção de uma justiça material nesse tema, no-
meadamente quando tratamos dos direitos humanos das mulheres.
No presente caso, optamos por estudar a proteção dos direitos reprodu-
tivos em Portugal, tendo em consideração as alterações ocorridas em 2016 na
legislação portuguesa referente às práticas de PMA, as quais trouxeram modifi-
cações significativas no que toca à promoção da justiça e da igualdade de género,
nomeadamente com a ampliação do acesso às técnicas de PMA.
8
OLIVEIRA, Fátima, Biotecnologias de procriação e bioética, “Cadernos Pagu”, n.º 10, 1998,
pp. 53-81.
9
ALVES, Sandrina Maria Araújo, e OLIVEIRA, Clara Costa, Reprodução medicamente assistida:
questões bioéticas, “Revista bioética”, vol. 22, n.º 1, 2014, pp. 66-75.
346
10
O Decreto Regulamentar n.º 6/2016, de 29 de dezembro, veio regulamentar as alterações trazidas
pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho de 2016. Já o Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho,
regulamenta a Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
347
se não for possível obter gravidez ou gravidez sem doença genética grave com
eles, quando, então, pode-se recorrer a ovócitos, espermatozoides ou embriões
doados por terceiros. No entanto, a interpretação do artigo passa a abranger
também o caso das mulheres solteiras ou casais homossexuais, em que a doação
faz-se essencial.
Já o artigo n.º 19, referente à possibilidade da inseminação artificial ocor-
rer com o sémen de dador, teve seu texto alterado para abranger as novas be-
neficiárias da lei. O diploma original estabelecia que a técnica da inseminação
artificial só poderia ocorrer com sémen de um terceiro doador nos casos em que
não se pudesse obter gravidez com o sémen do marido ou com o daquele que
vivesse em união de fato com a mulher a inseminar. Atualmente, o artigo apenas
diz que é permitida a inseminação com sémen de um doador quando não puder
obter-se a gravidez de outra forma. Em todo caso, segundo a lei, é proibida a
compra ou venda de óvulos, sémen ou embriões ou de qualquer material bioló-
gico decorrente da aplicação de técnicas de PMA.
Essa alteração da lei também promoveu mudanças na determinação da
parentalidade11. O diploma original dizia que a criança fruto de inseminação
artificial era havida como filha do marido ou daquele que estivesse vivendo em
união de facto com a mulher inseminada, desde que tenha havido consentimen-
to na inseminação, sem prejuízo da presunção de paternidade estabelecida no
art. 1826.º do Código Civil. Atualmente, a lei diz que a criança é também havida
como filha de quem, com a pessoa beneficiária, tiver consentido no recurso à
técnica em causa, sendo estabelecida a respetiva parentalidade no ato de regis-
to. No diploma original, se não fosse exibido, no ato de registro de nascimento,
documento comprovativo do consentimento prestado nos termos do art. 14.º,
deveria lavrar-se registro de nascimento apenas com a maternidade estabeleci-
da, para depois ser aplicado o disposto nos arts. 1864.º a 1866.º do Código Civil,
com vista a determinar a existência de consentimento sério, livre e esclarecido,
prestado por qualquer meio, à inseminação e consequente estabelecimento da
paternidade de quem o prestou. Nos termos do diploma atualizado, se apenas
teve lugar o consentimento da pessoa submetida à técnica de PMA, lavra-se ape-
nas o registro de nascimento com a sua parentalidade estabelecida, sem neces-
sidade de ulterior processo oficioso de averiguação. O diploma original falava
de presunção de paternidade, o atual diz estabelecimento da parentalidade, e
estabelece que o mesmo pode ser impugnado pela pessoa casada ou que viva
em união de fato com a pessoa submetida à técnica de PMA, se for provado que
não houve consentimento ou que a criança não nasceu da inseminação para que
o consentimento foi prestado. Quando se trate de sémen doado, o doador não
11
MOTTA, Kátia Borges, Direitos reprodutivos, direitos humanos e bioética: repercussões éticas e
jurídicas do projeto monoparental feminino, 2007, texto disponível em http://www.repositorio.
jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2399 [03.01.2017].
348
pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quais-
quer poderes ou deveres em relação a ela.
Em todos os casos, o assento de nascimento não pode conter a indicação
de que a criança nasceu da aplicação de técnicas de PMA, uma vez que a aplica-
ção das técnicas de PMA rege-se pelo princípio da confidencialidade, de forma
que todos aqueles que por alguma forma, tomarem conhecimento do recurso a
essas técnicas, ou da identidade de qualquer dos participantes nos respectivos
processos, estão obrigados a manter sigilo sobre a identidade dos mesmos e so-
bre o próprio ato da PMA. As pessoas nascidas do uso das técnicas de PMA com
recurso a dádiva de gametas ou embriões não podem obter informações sobre
a identificação do/a doador(a), apenas podem saber informações de natureza
genética que lhes digam respeito. Podem, entretanto, informar-se sobre a exis-
tência de impedimento legal a projetado casamento, mantendo-se a confiden-
cialidade da identidade do/a doador(a), exceto se este expressamente o permitir.
A identidade do/a doador(a), todavia, poderá ser obtida por razões ponderosas
reconhecidas por sentença judicial.
3. Conclusão
A Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, trouxe uma série de alterações ao texto
original da lei que regula a utilização das técnicas de PMA em Portugal, mas
teve como mudança principal a ampliação do rol de beneficiárias das técnicas
de PMA. Quando analisamos sob a perspectiva de que cabe aos Estados Partes
garantir a homens e mulheres os mesmos direitos de decidir livremente sobre
seus direitos reprodutivos, bem como lhes cabe assegurar a supressão de todas
as barreiras ao acesso das mulheres aos serviços de saúde sexual e reprodutiva,
nomeadamente pelo simples fato da sua condição de ser mulher, temos que a
alteração legislativa ocorrida em Portugal avança significativamente na promo-
ção de uma maior igualdade de género no exercício dos direitos reprodutivos.
Afinal, ao permitir que, independentemente do seu estado civil ou orien-
tação sexual, as mulheres possam exercer seu direito a decidir livremente e com
todo o conhecimento de causa do número e do espaçamento dos nascimentos e
de ter acesso à informação, à educação e aos meios necessários para permitir o
exercício destes direitos, dá-lhes maior controle sobre suas capacidades repro-
dutivas, garante-lhes maior autonomia frente a uma sociedade ainda marcada-
mente patriarcal e promove uma justiça mais equitativa entre as mulheres em si
no acesso a tais direitos.
Quando mulheres solteiras ou homossexuais passam a poder exercer a
maternidade, o que em meios naturais não poderia ocorrer, temos um empode-
ramento das mulheres que durante muito tempo na história e na ciência tiveram
seus direitos e sua saúde negligenciados perante outros interesses; temos as mu-
349
lheres assumindo um maior controle sobre seus corpos e, assim, sobre seus des-
tinos; temos novas estruturas familiares que já fazem parte do nosso cotidiano,
como as famílias monoparentais e famílias de casais homossexuais com crianças
adotadas, ganhando um impulso da ciência para se tornarem realidade12.
Ademais, a Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, ao retirar a obrigatoriedade
do critério da infertilidade, abre as portas das técnicas de PMA às mulheres que
mesmo tendo um companheiro fértil, não querem, pelos mais variados motivos,
se submeter a uma gravidez pelas vias normais, ampliando a proteção do exercí-
cio dos direitos reprodutivos e do direito a fundar uma família.
Dessa forma, analisando sob o prisma normativo, na forma como estão
dispostas as alterações legais trazidas pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, não
podemos deixar de visualizar uma maior promoção da igualdade de género en-
tre homens e mulheres e entre as mulheres entre si, o que por sua vez garante
uma maior justiça no exercício dos direitos reprodutivos e consequentemente
no exercício das mais diversas formas de parentalidade presenciadas no mundo
contemporâneo.
Todavia, importa considerar que uma maior promoção de justiça formal
conforme consta da atual lei portuguesa de PMA, não necessariamente garan-
te uma maior promoção de justiça material na prática diária, principalmente
quando se tem em vista os outros sujeitos de direito envolvidos na utilização
dessas técnicas, bem como quando consideramos a capacidade distributiva do
Estado.
Afinal, no que toca ao acesso às técnicas de PMA nos tratamentos rea-
lizados com a comparticipação do Estado, estaria a estrutura deste preparada e
devidamente sensibilizada para atender de forma igualitária ao aumento de de-
manda daí advindo13? Pois, se antes o tempo de resposta aos casais nas unidades
de reprodução públicas, demorava anos, como o Estado irá atuar para garantir
a aplicação da lei com igualdade e eficácia, tendo em vista o alargamento do
âmbito de beneficiárias das técnicas de PMA?
Ademais, para muitas mulheres de coletivos feministas, a questão da in-
fertilidade sempre foi um dos fundamentos ideológicos de inferioridade femi-
nina, sob o fundamento de que existe um instinto materno intrínseco a toda
mulher, de que há, portanto, um dever em ser mãe para se alcançar a plenitude
12
SCHIOCCHET, Taysa, e CARLOS, Paula Pinhal de, A necessária interface entre gênero, bioética
e direitos humanos: o emponderamento das mulheres frente às novas biotecnologias, 2006, texto
disponível em https://www.academia.edu/11466401/A_necess%C3%A1ria_interface_entre_g%-
C3%AAnero_bio%C3%A9tica_e_direitos_humanos_o_empoderamento_das_mulheres_fren-
te_%C3%A0s_novas_biotecnologias?auto=download [14.12.2017].
13
Notícia veiculada no dia 30.12.2016 no portal eletrônico do Público, texto disponível em https://
www.publico.pt/2016/12/30/sociedade/noticia/saude-sem-capacidade-de-resposta-para-mulhe-
res-solteiras-que-queiram-engravidar-1756495 [03.02.2017].
350
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o dador - ou a omnipotência do sujeito, “Revista da Ordem dos Advogados”, Vol.
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14
VIEIRA, Elisabeth Meloni, A Medicalização do Corpo Feminino, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,
2002.
15
CAMPOS, Diogo Leite de, A procriação medicamente assistida heteróloga e o sigilo sobre o dador
- ou a omnipotência do sujeito, “Revista da Ordem dos Advogados”, Vol. III, Ano 66, 2006.
351
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C3%A9tica_e_direitos_humanos_o_empoderamento_das_mulheres_frente_%-
C3%A0s_novas_biotecnologias?auto=download [14.12.2017].
VIEIRA, Elisabeth Meloni, A Medicalização do Corpo Feminino, Rio de Janeiro, Editora
Fiocruz, 2002.
352
1. Introdução
Os conflitos trabalhistas entre os motoristas e a empresa Uber se espalha-
ram pelo mundo ocidental, pois a empresa se acha no direito de, por ser a pro-
prietária dos direitos de utilização do aplicativo, estabelecer regras contratuais
próprias que, praticamente, instituem um regime jurídico de trabalho particular
supostamente autônomo, sem qualquer participação do Poder Público, delegan-
do os poderes patronais de fiscalização dos seus empregados para os seus clientes,
e se apoderando do espaço público como ambiente dos seus negócios, se achando
imune ao cumprimento da regulação do trabalho dos motoristas que trabalham
no transporte público urbano de passageiros, mais conhecido como “taxi”.
A solução judicial desses conflitos tem causado polêmicas, devido à di-
ficuldade que os julgadores encontram para enfrentar os domínios fronteiriços
entre a verdadeira autonomia da vontade individual e a subordinação trabalhista.
353
1
ROXO, Manuel M. Nota Editorial. “Trabalho Sem Fronteiras?”. Coimbra. Edições Almedina.
2017. p. 10.
354
2
Idem, p.11.
3
LEME, Ana Carolina Reis Paes. El Caso Uber Bajo la Perspectiva del Derecho del Trabajo Post
Material. “Direito Material e Processual do Trabalho; V Congresso Latino-Americano de Direito
Material e Processual do Trabalho”. São Paulo. Editora LTR. 2017. p. 217.
355
(ERA), das regulations 2(1) e 36(1) da Working Time Regulations 1998 (WTR),
e da section 54(3) da National Minimum Wage Act 1998 (NMWA) (UNITED
KINGDOM EMPLOYMENT APPEAL4.
4
TRIBUNAL. Uber B.V. and Others v Mr Y Aslam and Others: UKEAT/0056/17/DA .https://
www.gov.uk/employment-appeal-tribunal-decisions?keywords=UKEAT+0056+17+DA&tribu-
nal_decision_categories%5B%5D+employment-agencies-act-1973&tribunal-decision-dec; aces-
so em 29 nov.2017).
5
ROXO, Manuel M. Nota Editorial. “Trabalho Sem Fronteiras?”. Coimbra. Edições Almedina.
2017. p. 10.
356
4. Considerações finais
6
WITTE, Edwin. Five lectures on Social Security. Rio Piedras: University of Puerto Rico/Labor
Relations Institute. 1951.
7
LEME, Ana Carolina Reis Paes. El Caso Uber Bajo la Perspectiva del Derecho del Trabajo Post
Material. “Direito Material e Processual do Trabalho; V Congresso Latino-Americano de Direito
Material e Processual do Trabalho”. São Paulo. Editora LTR. 2017. p. 215/216).
357
Referências bibliográficas
LEME, Ana Carolina Reis Paes. El Caso Uber Bajo la Perspectiva del Derecho del Trabajo
Post Material. “Direito Material e Processual do Trabalho; V Congresso Latino-
-Americano de Direito Material e Processual do Trabalho”. São Paulo. Editora
LTR. 2017.
ROXO, Manuel M. Novos sentidos do trabalho – (Des)emprego, tecnologia e aceleração.
“Trabalho Sem Fronteiras?”. Coimbra. Edições Almedina. 2017.
UNITED KINGDOM EMPLOYMENT APPEAL TRIBUNAL. Uber B.V. and Others v
Mr Y Aslam and Others: UKEAT/0056/17/DA. https://www.gov.uk/employ-
ment-appeal-tribunal-decisions?keywords=UKEAT+0056+17+DA&tribunal_
decision_categories%5B%5D+employment-agencies-act-1973&tribunal-de-
cision-dec… Acesso em 29 nov.2017.
WITTE, Edwin. Five lectures on Social Security. Rio Piedras: University of Puerto Rico/
Labor Relations Institute. 1951.
358
1. Informação de saúde
No ordenamento jurídico português não existe um diploma legal que re-
gule, unitariamente, todos os aspetos relevantes da informação de saúde1.
Entre a legislação existente ao nível nacional, destaca-se a Lei nº 12/2015,
de 26 de janeiro2, sobre informação genética pessoal e informação de saúde
(LIS), cujo artigo 2º determina que a informação de saúde «abrange todo o tipo
de informação direta ou indiretamente ligada à saúde, presente ou futura, de
uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica
e familiar»3.
Também o Regulamento Geral da Proteção de Dados4 (RGPD) presta
um esclarecimento nesta matéria, ao definir por via legislativa que são «dados
relativos à saúde» os «dados pessoais relacionados com a saúde física ou mental
1
Rocha, Miriam – O direito à informação e o dever de informar em contextos de saúde. Braga:
Escola de Direito da Universidade do Minho, 2012. Tese de mestrado, pp. 159 e ss.; Leite, Inês
Ferreira – Direito à saúde – direto à informação médica – sigilo médico – interesse público: critérios
de orientação do juízo de concordância prática. «Anatomia do Crime: Revista Ciências Jurídico-
-criminais». N.º 0 (2014), p. 148.
2
Alterada pela Lei nº 26/2016, de 22 de agosto e regulamentada pelo Decreto-Lei nº 31/2014, de 29
de agosto.
3
Vd. também artigo 3º da LIS, que especifica o conceito de informação de saúde e o artigo 5º, refe-
rente à informação médica.
4
Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016. Ten-
do em consideração a aproximação da data de aplicabilidade deste Regulamento (25/05/2018),
que substituirá a Diretiva 95/46/CE, o presente texto tomará o RGPD como diploma de referência
no quadro da União Europeia (UE).
359
5
Além da proteção constitucional (essencialmente, por via dos artigos 26º e 35º da CRP) – única
que será tratada no corpo do texto – deixamos apenas uma referência aos artigos 80º do Código
Civil e 190º e seguintes do Código Penal, que ilustram a proteção civil e penal concedida ao direito
à privacidade, sem esquecer outras garantias que o ordenamento jurídico também estabelece (por
exemplo, regime do sigilo profissional).
6
Canotilho, J. J. Gomes; Moreira, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada. 4ª ed.
revista. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. Vol. I, p. 467.
7
Vd., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [em linha], de 24-09-2008 (processo
nº 07S3793), relatado pelo Conselheiro Mário Pereira [consult. 04/01/2018] e Acórdão do Tribu-
nal da Relação de Lisboa [em linha], de 26-06-2012 (processo nº 1269/09.0TVLSB.L1-7), relatado
pelo Desembargador Pimentel Marcos, ambos disponíveis em WWW: <www.dgsi.pt>. Para uma
apreciação crítica da questão subjacente ao primeiro dos acórdãos referidos, vd. Vicente, Joana
Nunes; Rouxinol, Milena Silva – Entre o direito à saúde e o direito a estar doente. «Lex medicinae».
Nº 10 (Jul.-Dez. 2008), pp. 181-198.
8
Para uma definição de tratamento de dados, vd. artigo 4º, nº 2 do RGPD e o artigo 3º, al. b) da
LPDP.
9
Lei nº 67/98, de 26 de outubro, corrigida pela Retificação nº 22/98, de 28 de novembro e alterada
pela Lei nº 103/2015, de 24 de agosto.
10
Vd. artigos 7º, nº 2 da LPDP e 9º, nº 2, alíneas a) e g) do RGPD. Além destas, existem outras
exceções previstas no nº 3 da LPDP e nas restantes alíneas do artigo 9º, nº 2 do RGPD. Para um
360
aprofundamento deste regime de exceções, vd. Voigt, Paul; Bussche, Axel von dem – The EU
General Data Protection Regulation: A Practical Guide. Springer International Publishing, 2017;
em especial, pp. 112-115.
11
Cf. Deodato, Sérgio – A Proteção dos dados pessoais de saúde. Lisboa: Universidade Católica Edi-
tora, 2017, p. 16; vd. também Parecer da ERS, sobre o acesso a informação de saúde, disponí-
vel em WWW:<https://www.ers.pt/uploads/writer_file/document/1582/Publica__o_Parecer__
ERS_016_2015.pdf>
12
A referência ao conceito de propriedade no artigo 3º/1 da LIS não é isenta de críticas, porquanto
a informação de saúde dificilmente se enquadrará como objeto de um direito real, contudo, como
refere Deodato, Sérgio – Direito à Saúde. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, p. 237: «[…] podemos
interpretar esta opção do legislador com a necessidade de vincar a noção de titularidade dos dados
de saúde pelo próprio e não como acervo da organização ou dos profissionais de saúde […]»
13
Durante largas décadas, considerou-se que a informação de saúde pertencia aos profissionais de
saúde, por serem estes quem registava os dados de saúde e os interpretava. Para uma ampla enu-
meração de situações geradoras de dados de saúde, vd. considerando (35) do RGPD.
14
Cf. Artigo 97º-c) do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, artigos 39º e 40º do Código Deontológi-
co da Ordem dos Médicos, artigo 20º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas,
artigo 11º-b) do Código Deontológico da Ordem dos Nutricionistas e princípio específico «2.
Privacidade e Confidencialidade», do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos. Sobre a
questão do dever de documentação, vd. ainda Pereira, André Gonçalo Dias – Dever de Documen-
tação, Acesso ao Processo Clínico e sua Propriedade. Uma Perspetiva europeia. «Revista Portuguesa
do Dano Corporal». Ano XV, N.º 16 (2006), pp. 9-24.
361
saúde da pessoa assistida compõem o «processo clínico», o qual pode ser infor-
matizado ou não (artigo 5º, nº 2 da LIS).
O mesmo normativo, no seu nº 4, dispõe que cabe ao médico (ou a outro
profissional igualmente sujeito ao dever de sigilo, sob a supervisão do médico)
proceder aos registos de saúde. Entendemos que esta formulação é muito infe-
liz, porquanto ignora o atual modelo complementar e diferenciador dos vários
profissionais de saúde, no qual o trabalho prestado por cada profissional é autó-
nomo e não subordinado à medicina15.
Os registos têm três finalidades principais: (1) substituir a memória, pro-
movendo a segurança e qualidade dos cuidados de saúde; (2) facilitar a comuni-
cação entre os profissionais de saúde, nomeadamente, para o cumprimento do
dever de assegurar a continuidade dos cuidados16; e (3) servir de meio de prova
em caso de litígio, uma vez que toda a informação de saúde deve ficar registada
no processo clínico.
O reconhecimento legal de que a pessoa a quem a informação se refere
é o seu titular não se traduz, contudo, num acesso automático ao mesmo. De
facto, não obstante a existência de querelas relativamente ao regime de acesso
à informação de saúde, é possível afirmar que o legislador privilegia (embora
não obrigue) neste domínio, um acesso intermediado pelo médico, que pode
ser o interessado a escolher17. Esta opção legislativa é compreensível à luz do
15
Vd. Lopes, Noémia Mendes – Equipas de Saúde: uma perspetiva sociológica sobre o exercício Pro-
fissional. «Re(habilitar) – Revista da ESSA». Nº 3 (2006), p. 25-35 e Fidalgo, Sónia – Responsabili-
dade Penal na Equipa Hospitalar: a Responsabilidade do Farmacêutico. «Lex Medicinae». Ano 7,
nº 14 (2010), p. 96. Numa posição com a qual não concordamos, vd. Leite, Inês Ferreira – op. cit.,
pp. 152 ss., em defesa do papel central do médico, atentos os especiais deveres que a lei lhe atribui.
16
Rocha, Miriam – op. cit., p. 141 e ss., onde defendemos, no quadro de um modelo de comple-
mentaridade funcional entre os profissionais de saúde, a existência de um dever de colaboração
entre os profissionais que participam do plano terapêutico do paciente. Vd. ainda Pereira, André
Gonçalo Dias – Dever de Documentação..., p. 11.
17
Recorda-se, a este propósito, a querela sobre a qualificação, como documentos administrativos,
dos processos clínicos que se encontram à guarda de unidades de saúde públicas. Este facto, tem
vindo a sujeitar o acesso a tais documentos a regras diferentes das que regulam as entidades pri-
vadas, uma vez que o acesso a informação administrativa é regulado pela Lei nº 26/2016, de 22 de
agosto (sobre o acesso à informação administrativa e ambiental, doravante designada LADA, e
apreciada pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos - CADA), e não pela LPDP
(logo, não pela Comissão Nacional da Proteção de Dados - CNPD). Para um aprofundamen-
to desta questão, vd. Deliberação nº 241/2014, da CNPD (disponível em WWW: <https://www.
cnpd.pt/>) e o Parecer nº 132/2014, da CADA (disponível em WWW: <http://www.cada.pt/>).
Acresce que a atual legislação é contraditória quanto à intermediação médica, na medida em que
a LPDP parece estabelecer uma obrigatoriedade da intermediação médica, ao contrário do que
sucede, atualmente, com a LIS e a LADA. Sobre esta questão (embora com um enquadramento
jurídico, à época, distinto), vd. Pereira, André Gonçalo Dias – Medicina na era da cidadania: pro-
postas para pontes de confiança. «Separata de Estudos de Direito da Bioética, Vol. IV». Coimbra:
Almedina, 2012, pp. 26-28.
362
18
Deodato, Sérgio – A Proteção..., p. 19.
19
Leite, Inês Ferreira – op. cit., p. 152. Sobre o direito a não saber e o privilégio terapêutico, vd.
também Rocha, Miriam – op. cit., pp. 108-112.
20
Vd. Comunicação da Comissão Saúde em linha – melhorar os cuidados de saúde para os cidadãos
europeus: Plano de acção para um espaço europeu da saúde em linha, notificada com o número
COM (2004) 356.
21
Notificada com o número C(2008) 3282.
22
Vd. KPMG Baltics OÜ - Mapping out the obstacles of free movement of electronic health records
in the EU in the light of single digital market [em linha]. 2017 [Consult. 13/02/2018]. Disponível
em WWW:<https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/new-study-shows-europe-rea-
dy-freemovement-electronic-health-records>.
363
23
Sobre esta questão, vd. a secção 2 do RGPD, em especial, o artigo 32º, o qual, não deixando de
enunciar um conjunto de medidas de segurança concretas, impõe ao responsável pelo tratamento
(e subcontratante) a adoção de «medidas técnicas e organizativas adequadas para assegurar um
nível de segurança adequado ao risco», o que permite uma avaliação das medidas face ao estado
da arte em matéria de segurança de dados.
24
Cf. Bates, David W. [et al.] - Reducing the Frequency of Errors in Medicine Using Information
Technology. «Journal of the American Medical Informatics Association» [em linha]. Volume 8,
Issue 4 (2001), pp. 299–308 [consult. 05/02/2018 14:26]. Disponível em: <https://doi.org/10.1136/
jamia.2001.0080299>; Singh, Hardeep [et al.] - Reducing Diagnostic Errors through Effective Com-
munication: Harnessing the Power of Information Technology. «Journal of General Internal Medi-
cine» [em linha]. Volume 23, Issue 4 (2008), pp 489-494. [consult. 05/02/2018 13:57]. Disponível
em < https://link.springer.com/article/10.1007/s11606-007-0393-z>.
25
Vd. Milieu Law and Policy Consulting – Overview of the national laws on eletronic health records
in the EU Member States and their interaction with the provision of cross-border eHealth services:
final report and recommendations [em linha]. 2014 [Consult. 16/01/2018]. Disponível em WWW:
<https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/eu-activities-field-ehealth-interoperability-
-and-standardisation-overview>.
364
exemplo, em caso de litígio judicial. Isto porque os RSE permitem o registo au-
tomático e inalterável de logs, ou seja, dos acessos que são realizados, das altera-
ções realizadas aos registos e do momento em que tal alteração ocorreu26.
Em conclusão, os RSE são instrumentos fundamentais na promoção do
direito à saúde, na medida em que promovem a melhoria dos cuidados de saúde
prestados e permitem o titular dos dados de saúde um controlo sobre a forma
como é efetivamente cuidado.
26
Mangalmurti, Sandeep S.; Murtagh, Lindsey; Mello, Michelle M. - Medical Malpractice Liability in
the Age of Electronic Health Records. «The New England Journal of Medicine» [em linha]. Nº 363
(2010), p. 2063 [consult. 17/12/2017]. Disponível em: < http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/
NEJMhle1005210>.
365
1. Introdução
Qual o elemento de conexão é mais adequado para determinar o Estatuto
Pessoal de um indivíduo? A doutrina responde a esta questão relacionando os
conceitos de “espaço” e de “estabilidade”. Porém, qual seria o comportamento
ótimo do Direito quando não há estabilidade?
O presente trabalho dedica-se a esta questão e, para responde-la, come-
çar-se-á por uma breve análise sobre a relação entre o espaço e a determinação
do Estatuto Pessoal; em seguida, apresentar-se-á uma sucinta discussão sobre
os chamados Nômades Digitais, indivíduos cujo trabalho é realizado exclusiva-
mente pela Internet e que não estabelecem morada fixa; para, ao final, traçar um
paralelo entre os elementos de conexão adotados por legislações pós-modernas
e a tendência social de abraçar a mobilidade.
1 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Editora
367
Forense, 2011. 299 p.et RAMOS, Andre de Carvalho. Estatuto Pessoal No Direito Internacional
Privado: Evolução E Perspectivas No Brasil. “Revista da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo”, São Paulo, v. 110, n. 1, p.451,01.2015. Anual. Disponível em: <file:///C:/Users/NADJA
NOGUEIRA/Downloads/115502-210983-1-SM.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2018.
2
Op. Cit. DOLINGER 229p.
3
MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Controle de Constitucionalidade da Lei Estrangeira. São
Paulo: QuartierLatin, 2013. 17 p.
4
Op. Cit., MONACO, 19 p.
368
5
Op. Cit. DOLINGER 301 p.
6
Op. Cit. DOLINGER, 303 p.
7
Op. Cit. DOLINGER, 305 p.
8
Op. Cit. DOLINGER, 307 p.
369
Por outro lado, da mesma maneira que ocorre com o conceito de domi-
cílio, também não há consenso sobre as características essenciais do que confi-
guraria a residência habitual.
Perceba que há um aspecto em comum a esses três elementos de conexão:
a estabilidade. Todos primam pela observação daquilo que é estável na vida de
um indivíduo aliado àquilo que é conveniente ao sistema jurídico do foro. Pro-
cura-se pelo elemento que represente com maior fidelidade os valores e hábitos
que circundam a vida humana e elegeram-se diferentes combinações dos con-
ceitos de “espaço” e “estabilidade”. Cada um dos elementos é largamente adota-
do por distintos ordenamentos jurídicos e convenções internacionais, cada um
9
CARAVACA, Alfonso-luis Calvo. Residência Habitual E Lei Aplicável À Sucessão Causa Mortis
Internacional. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito, Porto Alegre, v. 11, n. 2,
p.15, 2016. Anual. Tradução de Silvio Brambila Fragoso Junior. Disponível em: < http://seer.ufr-
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10
Op. Cit. CARAVACA, 4 p.
11
Op. Cit. CARAVACA, 10 p.
370
12
NASCIMENTO, Naiara Oss-emer do. Nomadismo Digital E Comunicação Na Web 2.0: Uma aná-
lise do blog Nômades Digitais. 2015. 93 f. TCC (Graduação) - Curso de Biblioteconomia e Comu-
nicação, Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. Cap. 2.
15 p.
13
Op. Cit. NASCIMENTO, 15 p.
14
Op. Cit, NASCIMENTO, 16 p.
371
15
Op. Cit, KAPLAN, 37 p.
16
Op. Cit. KAPLAN, 37 p.
372
17
URRY, John. Mobility and Proximity. Sociology, Sage Publications, Ltd, v. 36, n. 2, p.257, maio
2002. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/42858091>. Acesso em: 27 jan. 2018.
18
Op. Cit. URRY, 257 p.
19
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373
20
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2018.
21
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Acesso em: 25 jan. 2018.
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MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. Controle de Constitucionalidade da Lei Estran-
geira. São Paulo: QuartierLatin, 2013. 17 p.
375
376
1. Síntese da Investigação
Os direitos à intimidade e à vida privada (art. 5º, inciso X, da Constitui-
ção Federal brasileira - CF) são resguardados como direitos fundamentais dos
indivíduos, de modo a proteger o foro mais íntimo do ser humano, a privaci-
dade. O sigilo das comunicações e de dados (art. 5º, inciso LVI, da CF) tem por
377
378
lefônico. Por fim, argumentou que o acesso aos dados constantes do telefone
só poderia ser efetivado mediante decisão judicial, tratando-se então de prova
ilícita, nos moldes do preceituado pelo art. 157, caput, do Código de Processo
Penal - CPP.
O juízo que referendou a prisão em flagrante, transformando-a em pre-
ventiva, informou que o aparelho de telefone celular foi apreendido com o pa-
ciente por ocasião de sua prisão em flagrante, apontando que a perícia realizada
no aparelho tem fundamento no art. 6º, II, III e VII do CPP, em que se deter-
mina à autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática delituosa:
a) apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos
peritos criminais; b) colher todas as provas que servirem para o esclarecimento
do fato e suas circunstâncias; e c) determinar, se for caso, que se proceda a exame
de corpo de delito e a quaisquer outras perícias.. Informou ainda que o acesso
aos dados constantes do aparelho, no caso dos autos, não encontra o mesmo
impedimento da interceptação telefônica e que a autoridade policial agiu estri-
tamente para cumprimento da lei.
O TJRO negou a ordem de habeas corpus, citando precedente do Supre-
mo Tribunal Federal (STF)1, em que a proteção conferida pela CF seria ineren-
te apenas à comunicação de dados e não aos dados em si mesmos, ainda que
armazenados em computadores ou similares. Em razão desta decisão, a defesa
recorreu ao STJ por meio de RHC, sustentando a mesma tese já apresentada ao
TJRO.
Em abril de 2016, o STJ, no julgamento do RHC 51.531/RO, considerou
ilícita a vistoria realizada pela autoridade policial das mensagens e dos dados
arquivados no aparelho de telefonia móvel da pessoa em situação de flagrância,
sem a devida autorização judicial prévia, por se tratar de violação da intimidade
e da vida privada do investigado. A autoridade policial, após a apreensão do
smartphone, deveria ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados ar-
mazenados. Por fim, restou reconhecida a ilicitude das provas produzidas, bem
como as derivadas desta (Art. 157 do CPP), que deveriam ser desentranhadas
dos autos2.
1
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 418.416/SC. Plenário. Julgamen-
to em 10.05.2006. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/
jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28418416%2ENUME%2E+OU+418416%2EA-
CMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/hews2gu. Acesso em 25 de fevereiro
de 2018.
2
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 51.531/RO.
6a.Turma. Julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/
processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1497056&num_regi
stro=201402323677&data=20160509&formato=PDF. Acesso em 25 de fevereiro de 2018.
379
3
KNIJNIK, Danilo. A trilogia Olmstead-Katz-Kyllo: o art. 5º da Constituição Federal do século XXI.
“Revista da EMAGIS - Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região”, Abril/2016.
4
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 91.867/PA. 2a. Turma. Julgamento em
24.02.2012. Rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagi-
nador.jsp?docTP=TP&docID=2792328. Acesso em 26 de fevereiro de 2018.
380
4. Reflexões Conclusivas
A proteção da CF à intimidade a vida privada no caso do acesso ao con-
teúdo de dados e mensagens dos telemóveis sem a devida autorização judicial,
mesmo se desprovido de senha de acesso8, confere uma visão atemporal ao texto
5
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 372.762/MG. 5a. Turma. Julgamen-
to em 03 de outubro de 2017. Relator Min. Felix Fischer. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/
processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1631821&num_regi
stro=201602540301&data=20171016&formato=PDF. Acesso em 26 de fevereiro de 2018.
6
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 372.762/MG. 6a. Turma. Julgamento
em 19 de outubro de 2017. Rel.Min. Sebastião Reis Júnior. Disponível em https://ww2.stj.jus.
br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1649453&num_regi
stro=201701528146&data=20171212&formato=PDF. Acesso em 26 de fevereiro de 2018.
7
PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia
das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
8
LEMOS, Bruno Espiñera; CALDEIRA, Felipe Machado; QUINTIERE, Vitor Minervino. “So-
381
bre as (i)legalidades no processo penal: breve reflexão a respeito do Whatsapp a partir da Lei n.
9.296/96 – um estudo de caso”. In: SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; MADURO, Flávio
Mirza (orgs.). Interceptação Telefônica: os 20 anos da Lei n. 9.296/96. Belo Horizonte: D’Plácido,
2016.
9
BADARÓ, Gustavo. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 351; SCHREIBER, Simone.
“Algumas reflexões sobre a medida cautelar de interceptação telefônica, 20 anos depois”. In: SAN-
TORO, Antonio Eduardo Ramires; MADURO, Flávio Mirza (orgs.). Interceptação Telefônica: os
20 anos da Lei n. 9.296/96. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 445-463.
10
SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna; COSTA, Daniela Karine de Araújo. “Garantismo, en-
contro fortuito decorrente de interceptações telefônicas e a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça: rumo à ilicitude das provas”. In: SANTORO, Antonio
Eduardo Ramires; MADURO, Flávio Mirza (orgs.). Interceptação Telefônica: os 20 anos da Lei n.
9.296/96. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016, p. 319- 346.
382
1
Comunicação da Comissão Europa 2020, “Uma estratégia para um crescimento inteligente, sus-
tentável e integrador”, COM (2010) final, de 3 de Março de 2010.
383
2
Comunicação da Comissão ao Conselho, Parlamento Europeu, Comité Económico e Social Euro-
peu e Comité das Regiões, COM (2003) 567 final, de 26 de Setembro de 2003.
384
3
Sem prejuízo do seu preâmbulo proclamar que “o Programa do XXI Governo Constitucional es-
tabelece como uma das prioridades fortalecer, simplificar e digitalizar a Administração, com o pro-
pósito de a tornar mais eficiente e facilitadora da vida dos cidadãos e das empresas (…)”, o recente
Decreto-Lei nº 93/2017, de 1 de Agosto, limita-se (reconhecida esteja, como está, a sua evidente
importância) a criar a morada única digital e o serviço público de notificações eletrónicas, uti-
lidades estas que, aliás, sendo geridas por um instituto público de âmbito nacional (a A.M.A.,
IP) (seu artigo 5º), ainda necessita de adesão por parte das estruturas públicas da administração
direta, indireta e autónoma (seu artigo 7º) para a sua aplicação efetiva em território nacional, o
que aparenta constituir uma indubitável fraqueza.
4
A título meramente exemplificativo, Espanha conta, desde 2007, com um instrumento norma-
tivo de âmbito geral sobre administração eletrónica, a Ley 11/2007, de 22 de Junho (designada
“Ley de Acesso Eletrónico de los Ciudadanos a los Servicios Públicos”), cujo regime jurídico foi
modificado e decisivamente impulsionado pela nova lei de procedimento administrativo comum,
a Ley 39/2015, de 1 de Outubro.
385
5
Neste sentido, ALMEIDA Cerreda, Marcos e MIGUEZ MACHO, Luís, La Atualización de la
Administración Eletrónica, Andavira, Santiago de Compostela, 2016, página 14.
6
QUADROS, Fausto de/ CORREIA, Sérvulo/ MACHETE, Rui/ VIEIRA DE ANDRADE/ GAR-
CIA, Maria Glória/ ALMEIDA, Mário Aroso de/ HENRIQUES, António Políbio/ SARDINHA,
José Miguel, MACIEIRINHA, Tiago, Comentários à revisão do Código do Procedimento Adminis-
trativo, Coimbra, Almedina, 2016, página 145.
386
7
Ver, por todos, OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de, Estudos de Contratação Pública – I, Cedipre,
Coimbra, 2008, páginas 51 a 115, e VIANA, Cláudia, Os Princípios Comunitários da Contratação
Pública, Coimbra Editora, 2007.
387
388
entre aqueles que têm e aqueles que não têm, por motivos tão díspares como a
geografia ou a condição social, acesso à internet, não permite perspetivar os pro-
cedimentos eletrónicos como procedimentos de acesso livre e universal, o que
acarreta a conclusão de que há cidadãos aos quais não é garantido o efetivo exer-
cício de um direito subjetivo legalmente reconhecido; em segundo lugar, e em
plano de detalhe, a omissão legislativa – em sede de procedimento comum – das
formas de auxílio a todos aqueles que, deparando-se com um balcão eletrónico,
não tenham a capacidade, por circunstâncias várias, de, através dele, realizarem
os pedidos que são necessários à proteção dos seus direitos. Sem prejuízo de ter
sido expressamente prevista a necessidade de prestação de “informação clara e
acessível a qualquer interessado” (alínea a) do nº 1 do artigo 62º do CPA), bem
como, no mesmo artigo, de garantia “de condições para a obtenção dos efeitos
jurídicos pretendidos”, julgamos que, na atual fase, ainda se deveria ter consa-
grado as formas gerais através da quais as administrações públicas garantirão
aquilo que, em Espanha, por exemplo, se designou pelo “dever de assistência
no uso de meios eletrónicos”, plasmado no artigo 12º da respetiva lei de pro-
cedimento administrativo comum, que assim se constitui em dever jurídico a
cargo da administração e que, situando-se na órbita dos direitos subjetivos dos
administrados, melhor garante a sua efetiva realização e proteção. Em terceiro e
último lugar, uma nota final para os perigos que decorrem da “corrida” à digita-
lização e desmaterialização dos procedimentos: as visões que otimizam os prin-
cípios da transparência, da eficácia, da eficiência ou da concorrência – para as
quais os meios eletrónicos concorrem com indisputada valia – determinam, por
vezes, a menorização de outros valores jurídicos, cuja prossecução também cabe
à administração pública, como a certeza, a segurança, a justiça ou razoabilidade.
O setor das compras públicas, em especial, já reconheceu que o zelo aposto na
promoção da concorrência determinou o prejuízo de valores sociais, ambientais
e laborais. É uma lição a tirar para o futuro das fórmulas de desmaterialização
dos procedimentos administrativos.
389
1. Da interoperabilidade digital
A Diretiva 2009/24/CE, de 23 de Abril de 2009, relativa à tutela de pro-
gramas de computador, apresenta uma explicitação de interoperabilidade digi-
tal1 nos seguintes termos: «a função de um programa de computador é comunicar
e trabalhar com outros componentes de um sistema de computador e com os utili-
zadores e, para este efeito, é necessária uma interconexão e uma interação lógica
e, quando necessário, física, no sentido de permitir o funcionamento de todos
os elementos do suporte lógico e do equipamento com outros suportes lógicos
e equipamentos e com os utilizadores, e todas as formas de funcionamento pre-
vistas. As partes do programa que permitem tal interconexão e interação entre
os componentes de um sistema são geralmente conhecidas como “interfaces”. Esta
interconexão e interação funcionais são geralmente conhecidas como «intero-
perabilidade»; esta interoperabilidade é definida como a capacidade de trocar
informações e de reciprocamente utilizar as informações trocadas» (conside-
rando 10).
No vasto universo das Tecnologias da Informação e da Comunicação
1
No ordenamento jurídico nacional, a Lei n.º 36/2011, de 21 de junho, define no seu artigo 3.º n.º
2 a interoperabilidade como «a capacidade de dois ou mais sistemas, designadamente computa-
dores, meios de comunicação, redes, software e outros componentes de tecnologia da informação,
de interagir e de trocar dados de acordo com um método definido de forma a obter os resultados
esperados».
391
2
Nesse sentido, cfr. SAMUELSON, Pamela, Are Patents on Interfaces Impending Interoperabili-
ty?, “Minnesota Law Revue”, 93, 2009, pp. 1943 a 2019(p. 1950); MELÉNDEZ-JUARBE, Hiram,
DRM Interoperability, “Journal of Science & Technology Law”, 2, 2009 (http://www.bu.edu/law/
central/jd/organizations/journals/scitech/volume152/documents/Melendez-Juarbe_WEB.pdf) e
GASSER, Urs; PALFREY, john, Breaking Down Digital Barriers - When and How ICT Interoper-
ability Drives Innovation, “The Berkman Center for Internet & Society”, Harvard University and
Research Center for Information Law, University of St. Gallen, 2007(p. 5).
3
Sucintamente podemos definir um “protocolo de comunicação” como o conjunto de regras que
permitem que dois ou mais elementos de um ou mais sistemas informáticos comuniquem entre
si.
4
VAN ROOIJEN, Ashwin, The software interface between copyright and competition law: a legal
analysis of interoperability in computer programs, Kluwer Law International, The Netherlands,
2010, (pp. 8 e 9).
5
Por força desta interoperabilidade, as “interfaces” ganham um valor acrescido, que extravasa a
sua função primária, por permitirem a criação daquilo que o autor designa de “efeito de rede”. De
acordo com esta teoria do “efeito de rede”, quanto mais utilizadores usarem determinado produto
informático (p.e. um programa de computador) maior é a probabilidade de outros utilizadores
estarão interessados em utilizar esse produto a fim de poderem beneficiar das sinergias criadas
por esta interoperabilidade [Idem, (p. 9).
392
2. Do interesse público
A interoperabilidade tem sido internacionalmente apontada, quer como
um fator essencial de promoção da liberdade de acesso à informação e à cultura
através das TIC7, quer como um fator de desenvolvimento e promoção da ino-
vação8.
A doutrina vem associando a importância da interoperabilidade no seio
das TIC a três valores fundamentais: «(1) autonomia, escolha e flexibilidade; (2)
a diversidade cultural; (3) a concorrência e inovação»9 (tradução nossa).
A “autonomia, escolha e flexibilidade” significa que a interoperabilidade
deve permitir a liberdade de escolha quanto ao hardware e ao software a utilizar,
sem dependência técnica de escolhas anteriores. A promoção da “diversidade
cultural” pela interoperabilidade resulta desta permitir uma maior liberdade de
escolha e, logo, maior diversidade técnica e com isto evitar a limitação de opções
técnicas no processo criativo. E, por fim, essa liberdade de escolha e de opções
criativas promove a concorrência e com esta estimula-se a inovação.
Enquanto meio de realização destes valores fundamentais, a interopera-
bilidade digital vem sendo igualmente reconhecida como essencial para o bom
funcionamento do Estado e plena realização do interesse público. Este reconhe-
cimento tem levado Estados em todo o globo a considerarem a interoperabilida-
de digital uma questão de política pública essencial.
Este reconhecimento tem levado os Estados, em particular no seio da
União Europeia, a consagrar nas respetivas legislações normas que promovem
6
Idem, (p. 14).
7
SAMUELSON, “Are Patents on Interfaces Impending Interoperability?”, (p. 2018).
8
BEYDOGAN, Turgut Ayhan, Interoperability-Centric Problems: New Challenges and Legal Solu-
tions, “International Journal of Law and Information Tecnology”, 18, 4, 2010, pp. 301 a 331(p.
329).
9
MELÉNDEZ-JUARBE, “DRM Interoperability”,
393
10
Exploramos já esta questão no artigo: Venâncio, Pedro Dias, O princípio geral da livre interopera-
bilidade, “SCIENTIA IVRIDICA”, LXV, 341, 2016.
11
DENARDIS, Laura, “The Global Politics of Interoperability”, Krikorian and Kapczybski, (Eds.),
Access to Knowledge in the Age of Intellectual Property, Zone Books, New York, 2010, pp. 497 a
515(p. 511).
394
395
Para além da aprovação das tabelas que contêm esta enumeração das es-
pecificações técnicas e formatos digitais classificadas como «normas abertas»,
este regulamento apresenta como principal novidade face ao regime da Lei, o
facto de prever no seu número 5 a divisão destas «normas abertas» em normas
«obrigatórias» e normas «recomendadas», cuja aplicação o RNID define nos se-
guintes termos:
“a) Especificações técnicas classificadas de «obrigatório» - são especifi-
cações técnicas cuja aplicação é obrigatória por parte das entidades
abrangidas pelo presente Regulamento, em todos os processos de imple-
12
Preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 91/2012, de 8 de novembro de 2012, que
aprova o Regulamento Nacional de Interoperabilidade Digital que define as normas e formatos
digitais a adotar pela Administração Pública.
396
397
6. Conclusão
Cinco anos e alguns meses depois, com mais de 2 (dois) anos de atraso,
o novo RNID limita-se a uma atualização das especificações técnicas e formatos
digitais classificadas como «normas abertas» para efeitos da Lei.
O novo RNID, na linha do aprovado em 2012, continua a ser um mero
instrumento técnico de classificação legal das especificações técnicas e formatos
digitais classificadas como «normas abertas» para efeitos da Lei, não avançando,
como pensamos que poderia, para a introdução de mecanismos formais de pro-
moção, controlo e monotorização da efetiva aplicação destas «normas abertas».
Acresce que, apesar do artigo 7.º n.º 2 da citada Lei 36/2011 prever que
“a Agência para a Modernização Administrativa apresenta e publica em forma-
to digital o Relatório Anual da Interoperabilidade Digital”. Publicação que nos
termos do n.º 9 da Resolução 91/2012, devia ocorrer no site oficial desta agên-
cia. Não encontramos nenhum destes relatórios no site www.ama.pt (que aliás é
www.ama.gov.pt), nem a sua elaboração vem referida nos Relatórios Anuais de
Atividade da AMA.
Aliás, não resulta do preâmbulo da Resolução 2/2018 qualquer aprecia-
ção crítica da aplicação prática do anterior regulamento e da sua efetiva imple-
mentação pelos órgãos e serviços abrangidos.
Seria interessante saber se estas normas estão a ser implementadas pelos
serviços da administração pública, e se da experiência dessa implementação re-
sulta ou não a necessidade de introdução de outros mecanismos de promoção a
interoperabilidade. Sendo que a importância da interoperabilidade digital para
a realização do interesse público justificaria uma efetiva e abrangente monotori-
zação da sua implementação.
Dos citados relatórios anuais da AMA salienta-se, no ano de 2015, a
“Resolução de Conselho de Ministros que consagra a Plataforma de Interopera-
bilidade da Administração Pública (iAP) como veículo preferencial na troca de
informação entre os serviços e organismos da administração direta e indireta do
Estado, garantindo assim a capacidade de múltiplos sistemas dos diferentes orga-
nismos trocarem e reutilizarem informação sem custo de adaptação, preservando
o seu significado, alavancando a capacidade de resposta da AP na prestação dos
serviços aos Cidadãos”. E, no ano de 2016, salienta-se o crescente número de
entidades públicas que utilizam a citada Plataforma de Interoperabilidade da
Administração Pública, assim como os serviços de promoção da interoperabili-
dade digital prestados por esta plataforma.
Fica por analisar nestes relatórios se os serviços que ainda não recorrem a
esta plataforma estão a cumprir as obrigações decorrentes do RNID.
398
1. Organização Política
1.1. O Domínio Político
1
Ver a este propósito NKRUMAH, Nkwame. Africa Must Unit. London: Heinemann,1963.
pp. 69-70.
399
2
Ver, sobre este assunto, M´BOKOLO, Elikia. África Negra- História e Civilizações do Século XIX
aos Nossos dias. Lisboa: Edições Calibri. 2011.
3
Ibid.,
4
MBOKOLO, 2011, PP. 538 SS.
5
Ibid., pp. 538-539.
6
Ibid., pp.539 ss
400
2. Estratégia Organizacional
2.1. Objetivos da Organização da Unidade Africana (OUA)
7
Ibid., pp. 482 ss.
8
READER, John. África Biografia de um Continente. Lisboa. – Publicações Europa – América.
1998, p.652.
9
Ibid., pp. 648 ss.
401
10
READER, 1998.
11
Cf, Ibid, p. 640.
12
Ver, sobre este assunto, KABOU, Axelle. E Se a África Recusasse o Desenvolvimento? 1ª ed. Trad.
Gloria Sousa. Lisboa: Edições Pedago. 2012.
402
13
SEN, 2003.
14
KABOU, 2012.
15
NGUESSO, 1988.
403
16
Cf., KABOU, 2012.
17
BENOT, Yves. Ideologias das Independências Africanas. 1ª ed. Lisboa: Sá da Costa. 1981.p. 2.
18
Ibid., p.2.
19
Ibid, p.2.
404
20
Apud., NKRUMAH, 1963, PP. 69-70.
21
KAUNDA, 1969, p.106.
22
AZIKIWE, N. ZiK: a Selection from the Speechers of Nuamdi Azikiwe. 1ª ed. Cambridge: CUP.
1961.
23
COLLIER, David et al., Democracy With Adjectives: Conceptual Innovation in Comparative Reser-
arch. “World Politics”, nº 49, 1997, pp. 430-451.
24
VAZ, Rodrigo. Regimes Autoritários em África: o caso da Guine Equatorial. “European Scientific
Journal.” Nº 1, pp. 624-630. 2013, p.625.
405
4. Conclusão
Fica concluído que a problemática da governação e democracia nos paí-
ses africanos, está diretamente ligada a atitude das elites africanas. Os líderes
africanos após independência adotaram regimes políticos que tornaram refém
o desenvolvimento dos povos e facilitaram o surgimento de comportamentos
antidemocráticos com a adoção por quase toda a África de regimes políticos
de partido único, como forma de organização política. Inegavelmente, os Es-
tados independentes da África nascem à sombra de um clima de competição
da política externa de dois blocos dominantes no panorama internacional, que,
irão protagonizar o período que ficou conhecido como o de Guerra Fria. Não
é menos verdade, que, esta realidade determinou sobre maneira, o futuro dos
Estados africanos, ainda inexperientes no campo das relações internacionais.
Fica também subjacente a ideia de que a União Africana, está abraços com di-
ficuldades para se afirmar como um verdadeiro desígnio para os anseios de de-
senvolvimento dos povos africanos. Ainda assim, apesar de se constituir uma
mais-valia enquanto espaço de convergência para os africanos resolverem os
vários problemas de que padecem, a verdade é esta, a UA, não consegue granjear
o mesmo entusiasmo e esperança como aquela que granjeou a sua antecessora
OUA, que tinha como bandeira a independência de todos os países africanos do
colonialismo. Alcançado este desiderato, a OUA entrou em profunda crise de
identidade, agora transferida para a UA. Entende-se que a África neste momen-
to, não precisa de uma união política, ou económica, necessita antes de tudo o
mais, de uma organização social em cada um dos seus Estados.
Referências Bibliográficas
AZIKIWE, N. ZiK: a Selection from the Speechers of Nuamdi Azikiwe. 1ª ed. Cambridge:
CUP. 1961.
BENOT, Yves. Ideologias das Independências Africanas. 1ª ed. Lisboa: Sá da Costa. 1981.
CABRAL, Amílcar. Guinée, Cap-Vert face au colonialismo portugais. “Revista Partisans”,
nº 7, 1962, pp. 80-91.
COLLIER, David et al. Democracy With Adjectives: Conceptual Innovation in Compara-
tive Reserarch. “World Politics”, nº 49, 1997, pp. 430-451.
FAGE, J. D.. História da África. Trad. Aida F., G. S. 1ª ed. Lisboa: edições 70. 1997
406
407
1. Introdução
No Brasil, o advento da TV Justiça, um canal televisivo que tem a prerro-
gativa de transmitir, ao vivo, os julgamentos ocorridos no Supremo Tribunal Fe-
deral, permitiu que não só os temas mais relevantes julgados pela Corte fossem
levados ao conhecimento amplo da população – com a sua repercussão sendo
televisionada, em réplica, pelas principais emissoras de notícia da televisão bra-
sileira –, como passou a criar uma gama ampla de críticos populares do trabalho
judicial realizado pelo Tribunal, em um reflexo de transparência e publicidade.
Ao mesmo tempo que a amplitude da divulgação dos temas e decisões to-
mados pelo Supremo Tribunal Federal teve o condão de popularizar os debates
sobre importantes questões constitucionais que, em verdade, constituem efeti-
vas demandas do cotidiano de cada cidadão, a politização da Corte, decorrente
dessa amplitude de sua divulgação e, muitas vezes, a dificuldade em exercer o
seu papel contramajoritário – já que sob o escrutínio direto popular –, são pon-
tos negativos que merecem destaque e reflexão.
Dessa forma, em uma sociedade de informação em que os dados, jul-
gamentos, debates e decisões são não só televisionados, como também reper-
cutidos e discutidos socialmente, é de se perguntar se temos a prevalência da
transparência e publicidade ou se tais aspectos são indevidamente sobrepostos
409
1
A concepção da Constituição como um pré-compromisso e, portanto, como uma forma de
restrição das gerações passadas às gerações futuras, não impede o reconhecimento de que re-
ferido compromisso somente seria válido na medida em que permanecesse condizente com
os anseios populares e com a realidade social, sob pena de se comprometer a força normativa
da Constituição. Nesse sentido, vide ELSTER, Jon. Ulisses Liberto - estudos sobre racionalida-
de, pré-compromisso e restrições. 1ª Edição. São Paulo: Editora UNESP, 2009, pp. 151-152.
2
“Costumam-se fazer certas objeções a esse sistema [de jurisdição constitucional]. A primeira,
naturalmente, é que tal instituição seria incompatível com a soberania do Parlamento. Mas, à
parte o fato de que não se pode falar de soberania de um órgão estatal particular, pois a sobe-
rania pertence no máximo à própria ordem estatal, esse argumento cai por terra pelo simples
fato de que é forçoso reconhecer que a Constituição regula no fim das contas o processo le-
gislativo, exatamente da mesma maneira como as leis regulam o procedimento dos tribunais
e das autoridades administrativas, que a legislação é subordinada à Constituição exatamente
com o a jurisdição e a administração o são à legislação. E que, por conseguinte, o postulado
da constitucionalidade das leis é, teórica e tecnicamente, absolutamente idêntico ao postula-
do da legalidade da jurisdição e da administração.” KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucio-
nal. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007. pp. 150-151. Também analisando de forma
concreta a constatação de que o sistema republicano não é por si só suficiente para preservar
o direito das minorias, vide especificamente quanto ao modelo norte-americano, ELY, John
Hart. Democracia e Desconfiança - uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. 1ª
Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2010. pp. 106-115.
410
3
KELSEN, Hans. A Democracia. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 67.
4
A esse respeito, vide, por exemplo, ACKERMAN, Bruce. The New Separation of Powers.
“Harvard Law Review”, Janeiro 2000, Número 3, pp. 633-725. Disponível em: https://www.
jura.uni-hamburg.de/media/ueber-die-fakultaet/personen/albers-marion/seoul-nation-
al-university/course-outline/Ackerman-2000-the-new-separatio n-of-powers-pdf.pdf. Aces-
so em 26/02/2018. No mesmo sentido, Nowak e Rotunda afirmam: “While people sometimes
refer to the three branches of the federal government as a three-layer cake, it is more accurate to
think of it as a marble cake. For example, Congress enacts legislation, but the President can veto
it, and Congress can override the veto. The judiciary is independent, but the President appoints
the judges, who must be confirmed by the Senate”. NOWAK, John E. e ROTUNDA, Ronald
D. Constitutional Law. 7ª Edição. Saint Paul: Thomson West, 2004. p. 149.
411
5
http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=58773. Acesso em 26/02/2018.
412
6
“Seja como for, quando se fala em personalização das eleições se entende que valem mais
as ‘caras’ (se são telegênicas, se ‘furam’ na televisão ou não), e que a personalização se torna
generalizada, considerando que a política ‘pelas imagens’ se centraliza na exibição de pessoas.
Isso implica também que a personificação da política se desdobra em todos os níveis, incluin-
do nela – especialmente se a votação ocorre em circunscrições uninominais – o nível dos
líderes locais” SARTORI, Giovanni. Homo videns – Televisão e pós-pensamento. 1ª Edição.
Bauru: EDUSC, 2001, p. 93.
413
7
Conforme lembra Giovanni Sartori: “De fato, opinião significa doxa e não epistème, não é
saber e ciência ao mesmo tempo; é simplesmente um ‘saber’, um opinar subjetivo para o qual
não se exige comprovação. Nesse sentido, dizemos que a matemática não é uma opinião.
Expressando isso de forma inversa, pode-se dizer que uma opinião não é como uma ver-
dade matemática. Do mesmo modo, as opiniões são convicções fracas e variáveis. Quando,
porem, tais opiniões se tornam convicções profundas e profundamente radicadas, então de-
vem ser chamadas de crenças mas, nesse sentido, o problema muda.” SARTORI, Giovanni.
Homo videns – Televisão e pós-pensamento. 1ª Edição. Bauru: EDUSC, 2001 p. 53. Para Niklas
Luhman, a opinião pública estaria refletida nos meios de comunicação de massa e não seria
reproduzida por ela. E tal mecanismo derivaria uma relação de transparência e não-transpa-
rência ao mesmo tempo, levando em consideração a produção e divulgação de informações
resultantes desse processo, mas também originárias dele. LUHMANN, Niklas. The Reality of
the Mass Media. 1ª Edição. Stanford: Stanford University Press, 2000, pp. 103-106.
414
5. Conclusão
A nossa sociedade de informação, de fato, impõe novos desafios ao Direi-
to, desafios esses que implicam consequências ao Estado Democrático de Direi-
to, ao Poder Judiciário e sua imagem, e à sociedade como um todo.
Um desses desafios é a necessidade cada vez maior de informação por
parte da população, necessidade essa que não se supre mais satisfatoriamente
por meio das tradicionais técnicas de publicidade e transparência jurisdicionais.
E foi atento a esse desafio que o Supremo Tribunal Federal houve por
bem criar a TV Justiça e determinar a transmissão ao vivo de todos os julga-
mentos realizados em seu Plenário, permitindo o amplo conhecimento dos
jurisdicionados não apenas em relação aos temas tratados e às decisões finais
publicadas, mas também relativamente a todo o debate em volta de cada uma
das decisões tomadas.
Mas esse desafio trouxe também consequências diretas à atuação da Cor-
te, que passou a enfrentar uma politização maior de seus julgados, além de pas-
sar a estar submetida ao escrutínio popular e à opinião pública, muitas vezes
deficientes de argumentos técnicos e jurídicos, mas sempre repletas de críticas
ásperas que por diversas vezes chegaram a desacreditar o Supremo Tribunal Fe-
deral perante a sociedade.
O agravamento de tais riscos pela superexposição da Corte, todavia, deve
ser enfrentado de maneira corajosa pelos Ministros que a integram, especial-
mente porque não podem implicar prejuízo a uma das principais e mais rele-
vantes funções do Supremo Tribunal Federal enquanto tribunal constitucional:
o seu papel contramajoritário.
Isso porque esse munus é precisamente aquele que, por óbvio, possuirá
o menor respaldo popular, acarretará as mais árduas críticas e poderá originar
relatos de que a Corte esteja “desacreditada” por estar em descompasso com os
anseios da população.
Contudo, a Constituição fornece aos Ministros integrantes da Corte to-
dos os requisitos de independência necessários para que se portem de forma a
priorizar, em todas as vezes, os aspectos técnicos e jurídicos dos julgados, não
deixando que o clamor popular reforçado pela superexposição televisiva impeça
o exercício de suas funções, notadamente do seu papel contramajoritário.
Afinal, apenas tendo a independência necessária para o exercício pleno
desse papel é que o Supremo Tribunal Federal estará funcionando como efetivo
guardião da Constituição e garante da democracia.
415
Referências bibliográficas
ACKERMAN, Bruce. The New Separation of Powers. Harvard Law Review, Janeiro 2000,
Número 3, pp. 633-725. Disponível em: https://www.jura.uni-hamburg.de/me-
dia/ueber-die- fakultaet/personen/albers-marion/seoul-national-university/cou-
rse-outline/Ackerman-2000-the
-new-separation-of-powers-pdf.pdf. Acesso em 26/02/2018.
ELSTER, Jon. Ulisses Liberto - estudos sobre racionalidade, pré-compromisso e restrições.
1ª edição. São Paulo: Editora UNESP, 2009
ELY, John Hart. Democracia e Desconfiança - uma teoria do controle judicial de constitu-
cionalidade. 1ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
KELSEN, Hans. A Democracia. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
______. Jurisdição Constitucional. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
LUHMANN, Niklas. The Reality of the Mass Media. 1ª Edição. Stanford: Stanford Uni-
versity Press, 2000.
NOWAK, John E. e ROTUNDA, Ronald D. Constitutional Law. 7ª edição. Saint Paul:
Thomson West, 2004.
SARTORI, Giovanni. Homo videns – Televisão e pós-pensamento. 1ª Edição. Bauru:
EDUSC, 2001.
416
1. Introdução
417
2. Informação Pública
Ao abrigo do princípio da administração aberta, quase toda a informação
gerada no exercício de funções públicas deve estar acessível aos cidadãos. Os
deveres de informação foram pensados para fazer face aos abusos da justiça e,
em especial da justiça criminal, pelo que é fundamental distinguir as diferentes
funções do Estado, orientadas para fins diversos e, por isso, sujeitas a diferentes
deveres na relação com os cidadãos em matéria de informação pública. Em Ti-
mor-Leste, o princípio da Administração Aberta encontra-se previsto no art. 24.º
Lei do Procedimento Administrativo (aprovada pelo DL n.º 32/2008, de 27 de
Agosto), excepcionando os casos de investigação criminal, segurança nacional
e a identidade dos indivíduos. Além destas estão, sistematicamente, excluídos o
exercício da função judicial, orientada pelas regras de processo, e o exercício da
função legislativa. O carácter reservado da informação gerada na investigação
criminal, além de estar excluída do âmbito do princípio da administração aberta
(art. 24.º LPA), decorre da regra da exclusão de publicidade, sujeita ao segredo
de justiça, previsto no art. 74.º Código do Processo Penal (aprovado pelo DL n.º
13/2005, de 1 Dezembro, doravante CPP). Processualmente, a regra do sigilo
no processo penal cessa apenas com a acusação, nos termos do art. 74.º CPP.
A regra da publicidade aplica-se, em especial, às audiências de julgamento e ao
momento da leitura da sentença. Mesmo nestes casos, pode justificar-se a manu-
tenção da exclusão de publicidade, em especial, na protecção da reserva de vida
privada dos envolvidos (art. 74.º CPP). A regra no processo civil é da publicidade
(art. 132.º do Código do Processo Civil, aprovado pelo DL n.º 1/2006, de 21 de
Fevereiro, doravante CPC), mas pode ser limitada nos termos do art. 133.º CPC.
O n.º 2 exemplifica alguns casos de limitação de publicidade, como no caso da
reserva de vida privada dos envolvidos, mas outras deverão ser procuradas na
cláusula geral do n.º 1, como a protecção de direitos de propriedade intelectual
ou industrial. As regras do processo civil são, subsidiariamente, aplicáveis aos
demais âmbitos processuais.
Os processos, depois de terminados, são tratados como arquivos do Esta-
do sujeitos às regras de publicidade e à reserva da administração aberta – regra
da publicidade, excluída no caso de investigação criminal, segurança nacional e
da identidade das pessoas, em especial se disciplinando o acesso a dados nomi-
nativos dos cidadãos (art. 24.º LPA). O art. 134.º, n.º 2 CPC disciplina o acesso
ao regime da confiança dos processos findos.
418
1
Já se viu como o artigo 13.1.f) da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, dispo-
nível na página http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31995L0046:p-
t:HTML.
2
A informação aqui referida foi recolhida em “Justice Sector Project Management Plan for Courts,
OPGR, OPD, PNTL and Prisons”, disponível na página http://www.apjrf.com/Beijing_Timor.pdf,
consultado em 29/10/2012, páginas 20-22. Pretende-se desenvolver e instalar um sistema de ges-
tão de informação nos 4 tribunais distritais de Timor-Leste, bem como na Defensoria e serviços
prisionais, que através da implementação de um sistema de pesquisa permita gerir os processos
judiciais e os agendamentos e notificações de julgamentos e audiências em todos os quatro distri-
tos judiciais.
419
4. Os limites Constitucionais
A recolha de informações, em especial de informações pessoais suscep-
tíveis de tratamento informático, surge sempre como uma restrição aos direitos
fundamentais dos cidadãos à reserva de vida privada (art. 36.º da Constituição
da República Democrática de Timor-Leste, doravante CRDTL ou Constituição),
no qual também se encontrará o fundamento para a previsão constitucional re-
lativa à protecção de dados pessoais (art. 38.º CRDTL).
3
AA.VV. - Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, DH-CII, Braga – Uni-
versidade do Minho, 2011, página 149. Este entendimento amplo do conceito é aquele que tem
vindo a ser defendido pelo Comité dos Direitos do Homem relativamente ao art. 17.° do PIDCP.
420
4
Acórdão do Tribunal Constitucional n.o 182/89 de 01-02-1989, publicado no DR I-A, de 2 de
Março de 1989. Para mais desenvolvimentos v. VENÂNCIO, Pedro Dias - A previsão constitucio-
nal da utilização da Informática, in “Tékhne”, Vol V, n.º 8, 2007, páginas 243-264.
421
5. Conclusão
A gestão da informação do sector da Justiça é uma importante excepção
ao princípio da administração aberta, imposta pela especificidade da informação
aqui gerada e exige uma qualificada protecção dos direitos à reserva da vida
privada e dos dados pessoais dos cidadãos. A CRDTL garante a específica pro-
tecção destes direitos, em especial, do direito à protecção dos dados pessoais, no
art. 38.º da Constituição, e do direito de reserva da vida privada no art. 36.º da
Constituição, construído também como direito análogo a direito fundamental
pela abertura que o art. 17.º faz do respectivo catálogo a Direitos em legislação
ordinária, como no caso da reserva da vida privada, previsto no art. 77.º do Có-
digo Civil. Em Timor-Leste falta ainda o cumprimento da obrigação legislativa
em matéria de protecção de dados pessoais, uma das construções normativas
que mais claramente se pode reconduzir ao conceito de imposição legislativa
422
423
Ricardo Hermany
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Pós-Doutor na
Universidade de Lisboa; Professor da graduação e do Professor Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Direito- Mestrado/Doutorado da Universidade
de Santa Cruz do Sul – UNISC; Advogado.
1. Notas Introdutórias
No ano de 1822, período em que ocorreu a proclamação da Indepen-
dência do Brasil, o País perpassava por um período marcado em três séculos de
colonização, com uma sociedade dominável, escravocrata e sem um sentimento
de identidade nacional, onde a escravidão marcou a história da cidadania. Foi
nesse panorama de restrição de direitos e dominação que o Estado brasileiro
se desenvolveu. E nesse sentido pode-se observar que a história não contribuiu
para uma maior participação ativa da cidadania por meio de mecanismos e pro-
cessos de tomada de decisão em exercer direitos e deveres.
Isso ocorre por variadas determinantes seja ela relacionada ao acesso a
gestão ora privilégio das elites, ou mesmo pelo motivo de os cidadãos estarem
alienados temendo um maior envolvimento com questões em que se julgam in-
capacitados para deliberar, ou porque vislumbram o Estado com descrença e
desprestígio preferindo permanecer como meros espectadores.
425
1
GURVITCH, Georges. La idea de derecho social. Noción del sistema de derecho social, historia doc-
trinal desde el siglo XVII hasta el fin del siglo XIX. Tradução de José Luis Monereo Pérez e Antônio
Márquez Prieto. Comares: Granada, 2005.
2
MORAIS, José Luis Bolzan de. A ideia de Direito Social: o pluralismo jurídico de Georges Gurvitch.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
426
3
GURVITCH, 2005.
4
GURVITCH, 2005.
5
GURVITCH, 2005.
6
DELORS, Jacques. O princípio da subsidiariedade. In: “Revista Nova Cidadania”, ano II. n. 5.
Cascais: Princípia, 2000. p.40-47.
427
sociais tem a sua eficácia maximizada a partir do espaço local, onde o Estado se
coloca subsidiariamente possibilitando a divisão interna das competências entre
o ente e a sociedade baseando-se na relação de coordenação e cooperação.
7
FISCHER, Tânia. Poder local: um tema em análise. “Revista de Administração Pública”. Rio de
Janeiro, v. 4, 1992, p. 105-113.
8
FISCHER, 1992, p. 106.
428
9
VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Re-
cord, 2001.
10
REZENDE, Denis Alcides. Engenharia de Software e Sistemas de Informação. 3. ed., Rio de Janei-
ro: Brasport Livros e Multimídia, 2005.
429
5. Considerações finais
Do exposto, observa-se a importância de uma sociedade ativa e reconhe-
cedora de seus direitos e deveres, que atua em prol do comum. Do mesmo modo
os governos também devem planejar as suas cidades e conferir meios de acesso
à informação. Integrando os seus conhecimentos, informações e bases de dados
para o sucesso de suas ações, e isto é possível por meio da utilização de tecnolo-
gias da comunicação que integram todos os dados estruturados.
A partir das bases teóricas revistas tanto do apresentado por Gurvitch
que evidencia uma sociedade como sujeito ativo no controle das decisões pú-
11
Trata-se de um sistema desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul
para controle e monitoramento das licitações e contratos administrativos firmados pelos órgãos,
poderes e entidades das esferas públicas municipal e estadual do Estado Rio Grande do Sul. (TCE-
-RS).
12
REZENDE, 2005.
430
Referências
CASTELLS, Manuel. “Internet e sociedade em rede”. In: MORAES, Dênis (Org.) Por
uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro:
Record, 2012.
________________.”A era da informação: economia, sociedade e cultura”. In: A Socie-
dade em rede. São Paulo : Paz e Terra, 2000.
DELORS, Jacques. O princípio da subsidiariedade. In: “Revista Nova Cidadania”, ano II.
n. 5. Cascais: Princípia, 2000. p.40-47.
GURVITCH, Georges. La idea de derecho social. Noción del sistema de derecho social, his-
toria doctrinal desde el siglo XVII hasta el fin del siglo XIX. Tradução de José Luis
Monereo Pérez e Antônio Márquez Prieto. Comares: Granada, 2005.
FISCHER, Tânia. Poder local: um tema em análise. “Revista de Administração Pública”.
Rio de Janeiro, v. 4, 1992, p. 105-113.
MARTINS, Margarida Salema d’Oliveira. O princípio da subsidiariedade em perspectiva
jurídico-política. Coimbra Editora, 2003.
431
MORAIS, José Luis Bolzan de. A ideia de Direito Social: o pluralismo jurídico de Georges
Gurvitch. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
REZENDE, Denis Alcides. Engenharia de Software e Sistemas de Informação. 3. ed., Rio
de Janeiro: Brasport Livros e Multimídia, 2005.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo – razão e emoção. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Ja-
neiro: Record, 2001.
432
1. A violência da palavra
Salgado, em seu artigo Semiótica estrutural e transcendentalidade do dis-
curso sobre justiça1, apresenta-nos o conceito de violência da palavra. Diferente-
mente da violência vermelha e da violência branca, esta última identificada com
a fome, a ignorância e outra formas, a violência da palavra é aquela que impede
“o pensar livre, sem o qual não há o agir livre”2.
Salgado identificava, já nos anos 2000, a prática da violência da palavra
com o sistema de comunicação e de forma assistemática nas próprias comunica-
ções entre as pessoas e decorrentes das relações sócio-jurídicas.
1
SALGADO, Joaquim Carlos. Semiótica estrutural e transcendentalidade do discurso sobre justiça,
“Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais”, nº 37, 2000, p. 79-
101.
2
SALGADO, Semiótica... p. 87.
433
Para Salgado:
“De tal forma essa violência se exerce, que mesmo os que dispõem de
informações, capacidade crítica e formação para encontrar debaixo da
intenção manifesta das informações significados diversos que lhe podem
proporcionar o exercício da liberdade, que em primeiro lugar ocorre no
seu plano mais elementar: dizer ‘não’, estão a ela sujeitos.3”
3
SALGADO, Semiótica... p. 88.
4
SALGADO, Semiótica... p. 88.
5
HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência, Trad. Enio Paulo Giachini, 1ª ed., Petrópolis-RJ,
Vozes, 2017.
6
BAUMAN, Zigmunt. Vigilância Líquida, Trad. Carlos Alberto Medeiros, 1ª ed., Rio de Janeiro,
Zahar, 2013.
434
“Hoje, o sistema social submete todos os seus processos a uma coação por
transparência, para operacionalizar e acelerar esses processos. A pressão
pelo movimento de aceleração caminha lado a lado com a desconstrução
da negatividade. A comunicação alcança sua velocidade máxima ali onde
o igual responde ao igual, onde ocorre uma reação em cadeia do igual. A
7
SALGADO, A Ideia de Justiça no Mundo Contemporâneo: fundamentação e aplicação do Direito
como maximum ético. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 10.
8
HAN, Sociedade..., p. 9.
9
HAN, Sociedade..., p. 9.
435
10
HAN, Sociedade..., p. 11.
11
HAN, Sociedade..., p. 13.
12
FACEBOOK, INC. ANNUAL REPORT PURSUANT TO SECTION 13 OR 15(d) OF THE SECU-
RITIES EXCHANGE ACT OF 1934, For the fiscal year ended December 31, 2017, Washington,
D.C, 2018, p. 34. https://investor.fb.com/financials/?section=quarterlyearnings Acessado em:
20.02.2018.
13
HAN, Sociedade..., p. 24.
436
14
HAN, Sociedade..., p. 25
15
Para um estudo aprofundado do sistema de necessidades na sociedade civil além do próprio
Hegel, cf.: SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de Justiça Hegel. São Paulo: Loyola, 1996, p. 365
e segs.
437
Continua Bauman:
16
BAUMAN, Vigilância..., p. 39.
17
SALGADO, O Estado Ético, s/p.
438
A par desse Estado ético tal qual nos apresenta Salgado, ele identifica
uma cisão no Estado de Direito: o Estado poiético, em que
439
18
SALGADO, A Ideia de Justiça no Mundo Contemporâneo: fundamentação e aplicação do Direito
como maximum ético. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 10.
440
1
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília. Dis-
ponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em 10 fev. 2018.
2
BEHRING, Elaine, BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e História. 9ª ed., São
Paulo, Ed. Cortez, 2011.
3
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contri-
buição à seguridade social, e tem por objetivos:
441
“Pode-se dizer assim, que o Bolsa Família [...] representou uma ruptu-
ra com a trajetória do sistema de proteção social brasileiro criado nos
anos 1920, fundamentalmente voltado para a concessão de benefícios
(preferencialmente pela via contributiva) para aqueles que perderam a
442
6
PAIVA, Luis Henrique; FALCÃO, Tiago; BARTHOLO, Letícia. “Do Bolsa Família ao Brasil Sem
Miséria: Um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema”.
In: CAMPELLO, Thereza; NERI, Marcelo Cortês (Org.). Programa Bolsa Família: Uma década de
inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013. Cap. 2. p. 27. (grifo nosso).
7
AMARAL, Aline. O Papel do Cadastro Único no Plano Brasil Sem Miséria. Brasília, 2014, p. 9.
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/brasil_sem_miseria/livro_o_
brasil_sem_miseria/artigo_3.pdf>. Acesso em 10 dez. 2017.
443
8
FARIAS, Luciana de. O Cadastro Único: Uma infraestrutura para programas sociais. 2016. 170 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Instituto de Geociências, Unicamp, Campinas, 2016. Disponí-
vel em: <http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/305755>. Acesso em: 15 dez. 2017.
9
AMARAL, 2014.
10
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília. Dis-
ponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em 10 fev. 2018.
11
PAIVA; FALCÃO; BARTHOLO, 2013.
444
12
BRASIL, Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007. Dispõe sobre o Cadastro Único para Progra-
mas Sociais do Governo Federal e dá outras providências. Decreto Nº 6.135. Brasília. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6135.htm>. Acesso em
10 jan. 2018.(grifo nosso).
13
“Art. 2°. São requisitos da adesão do município ao Programa Bolsa Família: I – a existência for-
mal e o pleno funcionamento de um comitê ou conselho local de controle social do Programa
Bolsa Família; e II – a indicação do gestor municipal do Programa”(MDS, Portaria nº 246, de 20
de maio de 2005. Aprova os instrumentos necessários à formalização da adesão dos municípios
ao Programa Bolsa Família, à designação dos gestores municipais do Programa e à informação
sobre sua instância local de controle social, e define o procedimento de adesão dos entes locais
ao referido Programa. Brasília. Disponível em <http://www.mds.gov.br/webarquivos/legislacao/
bolsa_familia/_doc/portarias/2005/Portaria%20GM%20MDS%20246%2020-5-05.pdf>. Acesso
em 17 fev. 2018).
14
“Art. 8º A execução e a gestão do Programa Bolsa Família são públicas e governamentais e dar-
-se-ão de forma descentralizada, por meio da conjugação de esforços entre os entes federados,
observada a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social” (BRASIL, Lei nº
10.836, de 09 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Lei
10.836. Brasília. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/
l10.836.htm>. Acesso em 05 fev. 2018.)
15
MDS. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Portaria nº 148, de 27 de abril de
2006. Estabelece normas, critérios e procedimentos para o apoio à gestão do Programa Bolsa Fa-
mília e do Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal no âmbito dos municípios,
e cria o Índice de Gestão Descentralizada do Programa. Brasília. Disponível em <http://www.
445
mds.gov.br/webarquivos/publicacao/bolsa_familia/Cadernos/Coletanea_LegislacaoBasica.pdf>.
Acesso em 15 jan. 2018.
16
PAIVA; FALCÃO; BARTHOLO, 2013.
17
AMARAL, 2014.
18
BRASIL, 2007.
19
A título exemplificativo, o Bolsa Família inclui no conceito de família, para além dos laços de
parentescos, os laços de afinidade, conforme art. 2º, §1º, I, da Lei 10.836/2004.
20
FARIAS, 2016.
21
AMARL, 2014, p.15.
22
FARIAS, 2016, p.59.
446
“Portanto, haviam [sic] 5.565 bases locais que não se comunicavam entre
si [...] Mas o principal problema da operacionalização do software inci-
diu sobre a unicidade de cadastros levando a ocorrência de cadastros
repetidos, principalmente para as crianças, e a geração de vários núme-
ros de identificação do beneficiário para a mesma pessoa a cada novo
cadastramento [...]”24.
23
FARIAS, 2016.
24
FARIAS, 2016, p.58. (grifo nosso).
25
FARIAS, 2016.
26
MINISTÉRIO DA DEFESA (Brasil). Sipam inicia instalação de antenas para cadastrar famílias
em programas sociais na Amazônia. 2011. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/noticias/
3838-16112011-defesa-sipam-inicia-instalacao-de-antenas-para-cadastrar-familias-em-progra-
mas-sociais-na-amazonia->. Acesso em 16 fev. 2018.
447
27
PAIVA; FALCÃO; BARTHOLO, 2013.
28
Informação disponibilizada pela Caixa Econômica Federal, encontrada em <http://www.caixa.
gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/Paginas/default.aspx>. Acesso em 10 jan. 2018.
29
PAIVA; FALCÃO; BARTHOLO, 2013.
30
Informação disponível em <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/05/cidadaos-
-tem-acesso-a-dados-do-cadastro-unico-na-internet>. Acesso em 18 jan. 2018.
31
AMARAL, 2014.
448
Referências
AMARAL, Aline. O Papel do Cadastro Único no Plano Brasil Sem Miséria. Brasília, 2014.
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/brasil_sem_
miseria/livro_o_brasil_sem_miseria/artigo_3.pdf>. Acesso em 10 dez. 2017.
BEHRING, Elaine, BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e História. 9ª ed.,
São Paulo, Ed. Cortez, 2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasí-
lia. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui-
caocompilado.htm>. Acesso em 10 fev. 2018.
______. Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001. Institui o Cadastramento Único para
Programas Sociais do Governo Federal. Decreto Nº 3.877. Brasília. Revogado
pelo Decreto nº 6.135, de 2007. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/decreto/2001/D3877.htm>. Acesso em 10 jan. 2018.
______. Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007. Dispõe sobre o Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal e dá outras providências. Decreto Nº
6.135. Brasília. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2007/decreto/d6135.htm>. Acesso em 10 jan. 2018.
______. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assis-
tência Social e dá outras providências. Lei 8.742. Brasília. Disponível em <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm>. Acesso em 05 jan. 2018.
449
450
1. Introdução
Neste pequeno texto trazemos para reflexão uma temática premente
que julgamos ainda pouco trabalhada juridicamente: a vivência das crianças no
mundo virtual, em particular nas redes sociais1. Importará refletir não apenas
sobre a atuação das crianças nas suas redes sociais mas também sobre a atua-
ção dos seus pais. Os pais, enquanto guardiões do desenvolvimento saudável e
harmonioso dos seus filhos, poderão monitorizar e/ou vetar os conteúdos par-
tilhados pelos filhos? E quando os progenitores têm perspetivas distintas a este
propósito?
Ao mesmo tempo, importará aludir às situações em que são os próprios
pais que decidem partilhar a imagem ou intimidade dos seus filhos numa rede
social. Ser-lhes-á lícita tal atuação?
1
Tema por nós já aludido noutros ensejos (tais como ¿Pueden los padres difundir imágenes de sus
hijos menores en las redes sociales? Ponderación del interés superior del menor in «Fodertics
5.0 – Estudios sobre nuevas tecnologías y justicia», Granada, Editorial Comares, 2016, pp. 445
e ss.; e A divulgação da imagem do filho menor nas redes sociais e o superior interesse da criança
in «Direito e Informação na Sociedade em rede: Atas do IV Colóquio Luso-Brasileiro Direito e
Informação», Porto, 2016, pp. 279 e ss.), pelo que, desde já, se alerta para a existência de reinci-
dências no presente texto. Todavia, nas iniciativas referidas supra, o enfoque da nossa intervenção
incidia primordialmente sobre a atuação dos pais enquanto perpetradores da disposição dos direi-
tos de personalidade dos filhos e não tanto na exposição levada a cabo pela própria criança.
Remetemos para estes textos o leitor que pretenda uma análise um pouco mais detalhada e com
mais apontamentos doutrinais.
451
2. As responsabilidades parentais
As responsabilidades parentais não se limitam a ser uma forma de suprir
a incapacidade da menoridade, tal como disposto nos artigos 123.º e seguintes
do Código Civil2. São uma importante figura jurídica com o supremo objetivo
de zelar pelo superior interesse da criança.
A criança é um sujeito de direitos que se encontra sob a alçada e amparo
dos pais que agem, ou devem agir, no exclusivo interesse dos seus filhos (cfr. art.
1878.º do Código Civil). Em princípio, serão os pais que exercem as responsabi-
lidades parentais e devem fazê-lo de modo abnegado, protegendo e beneficiando
os filhos menores nessa atuação.
Não existe um livre arbítrio na atuação dos pais no âmbito das respon-
sabilidades parentais, o legislador balizou a sua atuação. E, não só existe uma
imposição legal de como as responsabilidades parentais devem ser exercidas,
como estas são irrenunciáveis (art. 1882.º). Sem prejuízo, a criança deve ser en-
volvida nas determinações importantes da sua existência, sendo a sua opinião
tomada em devida conta de acordo com a sua maturidade e capacidade de en-
tendimento.3
No que ao exercício das responsabilidades parentais respeita é impor-
tante distinguir se os progenitores vivem numa plena comunhão de vida, isto
é, se são casados ou unidos de facto; ou se estão divorciados, separados de facto
ou dissolveram a união de facto por rutura4. Comecemos pela vivência comum
dos progenitores (quer na constância do casamento, quer numa convivência
análoga): aqui o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os
progenitores (n.º 1 do artigo 1901.º e n.º 1 do artigo 1911.º). Estes exercerão
este poder-dever de comum acordo e, se discordarem, quanto às questões de
particular importância, qualquer um dos pais poderá recorrer ao tribunal que
tentará a conciliação (n.º 2 do artigo 1901.º). Se esta conciliação não for possível,
o tribunal decidirá, devendo, para tal, ouvir o menor sempre que possível, exceto
quando circunstâncias sérias o contraindiquem (n.º 3 do artigo 1901.º).
2
As normas aludidas – sem qualquer outra referência – reportam-se ao Código Civil.
3
Como está consagrado, desde logo, na Convenção Europeia sobre os Direitos da Criança, nos art.s
5.º, 12.º e n.º 2 do art. 14.º; bem como no n.º 2 do art. 1878.º do Código Civil.
4
Ou nunca tiveram uma vida em comum.
452
5
Cfr., ainda, o art. 1904.º-A aditado pela Lei n.º 137/2015, de 7 de setembro.
6
Exposição de Motivos do Projeto de Lei n.º 509/X (que esteve na origem da Lei n.º 61/2008, de 31
de outubro).
7
Nos termos do artigo 1612.º do Código Civil.
8
E qual a exposição que advém desse mesmo programa. Aproveita-se o ensejo para uma breve
referência à recente polémica em torno do programa de televisão «Supernanny», exibido em ja-
neiro de 2018 pelo canal de televisão SIC, sendo cancelado pouco depois (última notícia à qual
tivemos acesso quando escrevíamos estas linhas, estando a questão ainda em desenvolvimento).
Neste programa televisivo uma psicóloga observa uma criança - apresentada como problemática
e sendo retratada nesses moldes com imagens dos seus comportamentos desviantes - para depois
analisar o seu comportamento e sugerir formas de intervenção.
453
Por seu turno, os atos da vida corrente do menor são aqueles que con-
cernem ao seu dia-a-dia; que, atendendo à sua índole rotineira, o exercício com-
partido traria dificuldades decorrentes da recapitulação de determinados atos
que, pela sua natureza, se repetem frequentemente, sendo inexigível uma atua-
ção conjunta a todo o tempo. Assim, estas questões cabem ao progenitor com
quem o menor reside ou, em certos casos, com quem o menor se encontre em
determinado momento.
De seguida, cotejaremos estas normas com a realidade do mundo virtual,
designadamente quando os pais têm opinião distinta quanto à atuação dos filhos
nas redes sociais.
Muitas das considerações que teceremos neste texto serão aplicáveis, mutatis mutandis, à reali-
dade versada nesse «reality show». Podem os pais, enquanto representantes legais dos seus filhos,
autorizar uma disposição dos seus direitos de personalidade, expondo a sua imagem e intimidade
perante o público? Será lícita e conforme ao Direito uma atuação desta natureza? Parece-nos
evidente que não.
9
Capelo de Sousa define direitos de personalidade como direitos «subjectivos, privados, absolutos,
gerais, extrapatrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo
por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoas humana, visando tutelar a integridade e
o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-
-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a per-
sonalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências
cíveis adequadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida.».
SOUSA, R. Capelo de, Direito Geral de Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora 1995, pág. 195.
454
10
Neste sentido, LIMA, Fernando Andrade Pires de e VARELA, João de Matos Antunes, Código
Civil Anotado Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987 (reimp. 4ª ed. 2010), pág. 109.
11
Este preceito dispõe algumas exceções à incapacidade dos menores, por exemplo, quando os ne-
gócios jurídicos estão ao alcance da sua capacidade natural e impliquem atos de disposição de
pequena importância.
12
A este propósito, o Código Civil espanhol demonstra a pessoalidade inerente aos direitos de per-
sonalidade dos filhos menores quando dispõe, no art. 162:«Los padres que ostenten la patria potes-
tad tienen la representación legal de sus hijos menores no emancipados. Se exceptúan: 1.º Los actos
relativos a los derechos de la personalidade que el hijo, de acuerdo con su madurez, pueda ejercitar
por si mismo. No obstante, los responsables parentales intervendrán en estos casos en virtud de sus
deberes de cuidado y asistencia.»
13
Sem prejuízo de existirem eventuais situações concretas em que a ponderação possa ser diferen-
te. Por exemplo, para melhor sensibilizar a doação decerto material genético indispensável para
tratar uma determinada condição de saúde grave. Ainda assim, a partilha terá de ser feita com
especial cautela, quer quanto à imagem escolhida e meio de difusão da mesma, quer considerando
a vontade da criança nesse sentido.
455
Direitos que os pais não podem dispor mas que têm a obrigação de salvaguardar
(quer quando se abstêm de partilhar fotos dos seus filhos, quer quando limitam
a partilha feita pelas próprias crianças).
Uma das decisões jurisprudenciais pioneiras nesta temática foi a profe-
rida pelo Tribunal de Évora em 25 de junho de 2015,14 que determinou que a
imposição aos pais do dever de abstenção de divulgar fotografias ou informa-
ções que permitam identificar a filha nas redes sociais é adequada a salvaguardar
o direito à reserva da intimidade da vida privada e proteção da segurança do
menor no ciberespaço. Entendeu este tribunal que «[n]a verdade, os filhos não
são coisas ou objetos pertencentes aos pais e de que estes podem dispor a seu belo
prazer. São pessoas e consequentemente titulares de direitos. Se por um lado os
pais devem proteger os filhos, por outro têm o dever de garantir e respeitar os seus
direitos. É isso que constituiu o núcleo dos poderes/deveres inerentes às responsa-
bilidades parentais e estas devem ser sempre norteadas, no «superior interesse da
criança» (…). Quanto ao perigo adveniente da exposição da imagem dos jovens
nas redes sociais, as organizações internacionais e os Estados têm manifestado
crescente preocupação porquanto é sabido que muitos predadores sexuais e pe-
dófilos usam essas redes para melhor atingirem os seus intentos.» Embora esta
argumentação encerre com a lógica dos perigos do cibermundo, não deixa de
levantar a questão do domínio ilegítimo que os pais têm sobre a imagem dos
seus filhos quando a divulgam nas redes sociais15 ou não têm um qualquer en-
volvimento na gestão e partilha de conteúdos feitos pelo seu filho.
14
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25-06-2015, Proc. nº 789/13.7TMSTB-B.E1, dispo-
nível em www.dgsi.pt [consultado em 12 de janeiro de 2018].
15
Existindo, a este propósito, a expressão «sharenting» combinando as expressões «share» e «paren-
ting».
456
16
A proteção da intimidade e da privacidade da criança é igualmente uma preocupação consagrada
na Convenção dos Direitos da Criança (art.16.º).
A título de curiosidade veja-se que em Angola a Lei Sobre a Proteção e Desenvolvimento Integral
da Criança (Lei n.º 25/12, de 22 de agosto) veio demonstrar uma preocupação com esta temática
no art. 30.º (cuja epígrafe é «Protecção da criança na internet) que dispõe: «1. O Estado, a família
e a comunidade devem assegurar que a utilização das novas tecnologias de informação seja feita
com a salvaguarda do superior interesse da criança. 2. (…) 3. As medidas tecnológicas referidas no
número anterior devem assegurar, designadamente: (…) d) A protecção contra inadequada exposi-
ção, uso ou disseminação de informações relativas às crianças;». (sublinhado nosso)
17
Sem prejuízo de entendermos que não existem perfis verdadeiramente limitados, só o sendo apa-
rentemente.
18
Veja-se, por exemplo, que o Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento
de dados pessoais e à livre circulação desses dados, prevê que os menores podem consentir no tra-
tamento dos seus dados pessoais (no que concerne à oferta direta de serviços da sociedade de in-
formação) a partir dos dezasseis anos. Em caso de idade inferior será necessário a autorização dos
457
5. Conclusão19
A proteção da criança abrange todos os seus direitos de personalidade
cabendo aos progenitores, no âmbito das responsabilidades parentais, a sua sal-
vaguarda. A divulgação de imagens nas redes sociais não é isenta de perigos pelo
que devem os pais ser os guardiões desta realidade.
A repercussão que aquelas imagens podem vir a ter no dia-a-dia da crian-
ça (por exemplo, sendo alvo de troça e comentários jocosos por parte dos co-
legas) ou no seu futuro (por hipótese, se atinge um determinado estatuto de
notoriedade na sociedade e são recuperadas imagens suas embaraçosas outrora
disponíveis numa rede social) é também relevante nesta ponderação.
Existe mais mundo para além do mundo virtual e este pode ser parti-
cularmente cruel, ainda mais se o alimentamos sem a parcimónia e bom senso
necessários. A ânsia de nos enquadrarmos nestes meios de confraternização vir-
tual não pode levar a uma derrogação de direitos essenciais sem qualquer pon-
deração, principalmente quando se trata de crianças que devem ser preservadas
e não expostas.
458
1. Introdução
Na atualidade está em curso a revolução tecnológica, que tem avançado
com o desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial, o que leva alguns
autores1 a falar que num futuro próximo a sociedade deparar-se-á com um subs-
tancial problema de “desemprego tecnológico”, conjugado com a transformação
profunda das sociedades, do ponto de vista económico, social e cultural2.
A robótica e a inteligência artificial como causas da automação não po-
dem apenas ser observadas pelo lado negativo, pois têm o potencial de criar
benefícios para a sociedade, designadamente ao nível do aumento da produtivi-
1
MANYIKA, James; LUND, Susan; CHUI, Michael [et. al], Job Lost, Job Gained: Workforce Tran-
sitions in a Tine of Automation, McKinsey Global Institute, 2017. Disponível em:
https://www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Global%20Themes/Future%20of%20Organi-
zations/What%20the%20future%20of%20work%20will%20mean%20for%20jobs%20skills%20
and%20wages/MGI-Jobs-Lost-Jobs-Gained-Report-December-6-2017.ashx. Consultado em 31
janeiro 2018.
2
FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael, The Future of Employment: How Susceptible Are Jobs
to Computerisation?, Working Paper, Oxford, Oxford Martin Programme, University of Oxford,
2013. Disponível em: <https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/future-of-em-
ployment.pdf>. Consultado em 31 janeiro 2018.
459
3
SCHWAB, Klaus; SAMANS, Richard, The Future of Jobs, Preface, World Economic Forum, 2016.
Disponível em: <http://reports.weforum.org/future-of-jobs-2016/preface/>. Consultado em 31
janeiro 2018.
4
KREMEN, Gladys Roth, MDTA: The Origins of the Manpower Development and Training Act of
1962, United States Department of Labor, 1974. Disponível em: <https://www.dol.gov/general/
aboutdol/history/mono-mdtatext>. Consultado em 31 janeiro 2018.
5
PARIJS, Philippe Van, A Basic Income for All, “Boston Review”, 2000. Disponível em: <http://
bostonreview.net/forum/ubi-van-parijs>. Consultado em 31 janeiro 2018. MALLETT, Whitney,
The Town Where Everyone Got Free Money, Motherboard, 2015. Disponível em: <https://mo-
therboard.vice.com/en_us/article/nze99z/the-mincome-experiment-dauphin>. Consultado em
31 janeiro 2018.
460
6
Em janeiro de 2017, o McKinsey Global Institute estimou que cerca de metade das atividades de
trabalho atuais poderiam ser automatizadas, o que eliminaria nos EUA $ 2,7 triliões de dólares em
salários anuais.
7
O Banco da América Merrill Lynch sustenta que até 2025 a inteligência artificial pode eliminar $
9 triliões de dólares em custos de emprego ao automatizar o trabalho de conhecimento. O Fórum
Económico Mundial estima que a automação pode implicar a perda líquida de 5,1 milhões de em-
pregos até 2020. Também a consultoria Deloitte sustenta que 35% dos empregos no Reino Unido
estão em alto risco, devido à automação nos próximos 10 a 20 anos. SCHWAB, Klaus; SAMANS,
Richard, op. cit. DELOITTE, Agiletown: the relentless march of technology and London’s response,
UKFutures, 2014. Disponível em: <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/uk/Docu-
ments/uk-futures/london-futures-agiletown.pdf>. Consultada em 31 janeiro 2018.
461
8
MANYIKA, James; LUND, Susan; CHUI, Michael [et. al], op. cit. FREY, Carl Benedikt; OS-
BORNE, Michael, op. cit.
9
SCHWAB, Klaus; SAMANS, Richard, op. cit.
10
MILL, John Stuart, Principles of Political Economy, Great Minds Series, New York, Prometheus
Books, 2004. ISBN 1-59102-151-0.
11
REMUS, Dana; LEVY, Frank S., Can Robots Be Lawyers? Computers, Lawyers, and the Practice
of Law, 2016. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2701092>.
Consultado em 31 janeiro 2018.
12
SCHWAB, Klaus; SAMANS, Richard, op. cit.
462
13
PARIJS, Philippe Van, op. cit. MALLETT, Whitney, op. cit.
463
14
MUSGRAVE, Peggy, Tax Policy in the Global Economy, Studies in Fiscal Federalism and State -
Local Finance Series, Edward Elgar, 2002. ISBN 978-1-84064-313-8.
464
465
15
MEISEL, William, The Software Society, Cultural and Economic Impact, New York, Trafford,
2013. ISBN 978-1-4669-7411-1.
16
ABBOTT, Ryan; BOGENSCHNEIDER, Bret, Should Robots Pay Taxes? Tax Policy in the Age
of Automation, “Harvard Law & Policy Review”, Forthcoming, 2017, pp. 31-32. Disponível em:
<https://ssrn.com/abstract=2932483>. Consultado em 31 janeiro 2018.
17
ABBOTT, Ryan; BOGENSCHNEIDER, Bret, op. cit., pp. 32-33.
466
aumento nas taxas de imposto sobre as empresas pode levá-las a transferir esse
custo para os trabalhadores e os consumidores.
5. Conclusão
A título de conclusão importa referir que a automação promete ser um
dos grandes dilemas e desafios sociais da pós-modernidade. Efetivamente, po-
derá beneficiar toda a sociedade ou, pelo contrário, beneficiar um grupo muito
restrito. O resultado final poderá ser consequência direta das opções políticas de
cada Estado acerca do modo como pretendam lidar com o desafio da automa-
ção, que segundo se pretendeu deixar claro não irá passar pela introdução de um
rendimento básico incondicional, embora a solução possa e deva ser encontrada
na política fiscal, sempre com as devidas cautelas para que o Estado não inter-
venha em excesso nos mercados e, bem assim, não implemente restrições ao seu
livre funcionamento.
O imposto é assim um componente critico de qualquer politica de auto-
mação, uma vez que na atualidade é patente a falta de neutralidade dos sistemas
fiscais, que incentivam as empresas a optar pela automação, com o objetivo de
reduzir drasticamente a carga fiscal, o que conduzirá a uma brutal redução das
receitas fiscais dos Estados. Isto implica a necessidade de se olhar para o proble-
ma fiscal, caso contrário, quaisquer políticas, serão insustentáveis do ponto de
vista financeiro.
467
1. Introdução
A Internet surgiu nos anos 60 do século passado, como resultado de
projetos de investigação por parte de agências militares nos Estados Unidos da
América num clima de forte tensão bélica. A evolução da Internet (enquanto
rede que liga dois pontos terminais) decorreu da necessidade de troca de ideias
dentro da comunidade científica por forma a facilitar o contacto e fomentando-
-o entre várias instituições de ensino e investigação, máxime, as universidades1.
Todavia, a Internet assume hoje uma dimensão extraordinária, estabele-
cendo ligação entre vários pontos, não apenas para fins pedagógicos, tornando-
-se numa verdadeira extensão daquilo que é a sociedade. Falamos hoje de uma
e-sociedade onde a Internet desempenha o papel principal na troca e acesso à
informação.
Em consonância com a Estratégia Europa 2020 – “Estratégia para um
crescimento inteligente, sustentável e inclusivo” 2, a iniciativa da Agenda Digi-
tal para a Europa Digital Single Market – Mercado Único Digital surge no ano
de 2010 surge como uma verdadeira tomada de posição por parte da União
Europeia no sentido de tornar as TIC numa prioridade de primeira linha, pre-
tendendo-se a transição e adoção do Mercado Único para o campo da Infor-
mática.
1
KUROSE, James F.; ROSS, Keith W. Computer networking: a top-down approach. 6 ª ed. Pearson,
2012, p.60-65.
2
Estratégia Europa 2020, apresentada pela Comissão Europeia: https://ec.europa.eu/digitalsingle-
market/en/europe-2020-strategy (acesso: 15 de novembro de 2017).
469
3
MIQUEL RODRÍGUEZ, Jorge, Problemática Jurídica de la Publicidad en Internet. Comercio Elec-
trónico y Protección de los Consumidores. Madrid, La Ley, 2001, p.245–246.
470
4
TATO PLAZA, Anxo, “Internet, a Publicidade e a Concorrência”. Temas de Direito da Informá-
tica e da Internet. Porto, Coimbra Editora, 2004, p.182.
5
ID., Publicidad y Comunicaciones Comerciales: Aspectos jurídicos de la publicidad y de las comu-
nicaciones comerciales en Internet. Comercio Electrónico en Internet. Madrid, Marcial Pons, 2001,
p.189-190.
6
Ibid.
7
TATO PLAZA, Anxo Internet, a Publicidade... p.183-185.
471
8
Ibid.
9
Ibid.
10
MIQUEL RODRÍGUEZ, Jorge, Problemática Jurídica de la Publicidad..., p. 255–256.
11
Caso C-00-21275 JF
12
Indo de encontro à não aplicação da jurisdição de um país que não é Estado Membro perante
a falta de uma conexão suficiente com a relação litigiosa extraterritorial, conclui também nesse
sentido a Dr.ª Anabela Gonçalves aquando da aplicabilidade da Diretiva 95/46/CE que em face
de uma fraca conexão com a jurisdição de um Estado Membro não será aplicada a jurisdição
de um Estado terceiro. “Would a Member State court have jurisdiction in a situation where the
controller is not established in the EU, but uses equipment located in the EU to process data of
nonEU residents? On which grounds would it have jurisdiction? If it did have jurisdiction, would
its decision be enforceable in a third State? If it did not have jurisdiction, would a court of a third
State apply EU law? The answer to these questions can be summarize concluding that EU data
protection standards will not be enforceable in most situations of extraterritorial application of
472
the Directive, and this is a reasonable outcome, at least in those situations where a sufficient
connection with a Member State lacks.” - GONÇALVES, Anabela Susana De Sousa, The Extra-
territorial Application of the EU Directive on Data Protection, “Spanish Yearbook of International
Law”, 2015, p.208-209.
473
por este código no que diz respeito a uma ou várias práticas comerciais ou sec-
tores de atividade específicos” como o descreve a Diretiva 2005/29/CE, artigo 2º.
Os benefícios da adoção de códigos de conduta são simples, tratando-se
de uma resolução alternativa de litígios. Estamos perante o proferir de decisões
rápidas e em tempo útil (garantia que os tribunais judiciais e administrativos
não conseguem satisfazer) e um consequente alívio do sistema judicial, para
além de oferecerem uma fácil adaptação a mudanças económicas, sociais e tec-
nológicas13.
O consumidor pode efetivar os seus direitos quer pela via judicial quer
pela via extrajudicial, gozando esta última opção de um leque amplo de opções
em concordância com a realidade da autorregulação da publicidade14.
Caso o consumidor veja a sua esfera jurídica afetada por uma campanha
e esta violação esteja prevista num código de conduta, este goza de legitimidade
ativa para interpor uma queixa15.
Em conformidade com o artigo 17º Diretiva 2000/31/CE, os Estados
Membros não podem colocar entraves ao recurso a vias extrajudiciais de re-
solução de litígios existentes no seu ordenamento, destacando-se para aqui as
entidades de autorregulação.
Em Portugal, esta regulação está sob a domínio da entidade da Auto Re-
gulação Publicitária. Para reclamar, basta fazer uma queixa, por correio ou por
fax, através do preenchimento de um formulário disponível no website desta
entidade. Esta queixa é enviada para um júri de ética que, caso reconheça que há
uma violação de normas, aborda o anunciante por forma a que afaste a publici-
dade em causa, sendo este processo gratuito para os consumidores16.
A European Advertising Standards Alliance disponibiliza17 também a
possibilidade de se efetuar uma queixa, remetendo-a para a entidade nacional
responsável. À EASE estão associadas as demais entidades nacionais e interna-
cionais responsáveis pela autodisciplina da publicidade nos Estados Membros
da União Europeia, mas também a nível internacional. Esta interoperabilidade
13
TATO PLAZA, Anxo, Autorregulación publicitaria y Códigos de Conducta sobre publicidad en
Internet. Comercio Electrónico en Internet. Madrid, Marcial Pons, 2001, p.227–229.
14
MIQUEL RODRÍGUEZ, Jorge, Problemática Jurídica de la Publicidad..., p.269–272.
15
Ibid.,p.265.
16
Auto Regulação Publicitária: https://www.auto-regulacaopublicitaria.pt/ (acesso: 24 de novem-
bro de 2017).
17
EASA. Want to complain?: http://www.easa-alliance.org/about-ad-standards/want-complain
(acesso: 24 de novembro de 2017).
474
18
TATO PLAZA, Anxo, Autorregulación publicitaria..., p.259.
475
19
Estes certificados são emitidos por Autoridades de Certificação, as quais desempenham um papel
fulcral na segurança na Internet. A Autoridade de Certificação valida a identidade da entidade,
p.ex. uma pessoa coletiva, que solicita esse mesmo reconhecimento. Caso se verifique esta corres-
pondência, é atribuído um certificado no qual se reconhece a sua autenticidade e, por conseguin-
te, a segurança na troca de informações entre servidor e utilizador. Trata-se de um importante
mecanismo, cada vez mais usual, de proteção e segurança do utilizador na internet. Crf. KUROSE,
James F.; ROSS, Keith W. Computer networking…, p.700-708.
476
Solano de Camargo
Doutorando e mestre em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisador (split-site doctoral program)
pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Graduando em Direito
Francês pela Université Jean Molin (Lyon 3 - França). Advogado em São Paulo.
1
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36
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Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
484
Sónia Moreira
Prof.ª Auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho
e Membro Integrado do JusGov
485
3
Dando-nos conta de que hoje, através, por exemplo, dos posts de fotografias colocadas on-line,
que tenham associados dados de localização geográfica (coordenadas de latitude e longitude) é
possível saber “por onde anda o Senhor X, com quem anda, em que momento e com que fre-
quência”, o que “pode ajudar a prever o futuro”, sendo estes dados não só utilizados para efeitos
de marketing mas também de vigilância, CASTRO, Catarina Sarmento e, A jurisprudência do
Tribunal de Justiça da União Europeia, o Regulamento Geral sobre a proteção de dados pessoais e
as novas perspectivas para o direito ao esquecimento na Europa, in “Estudos em Homenagem ao
Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos”, vol. I, Coimbra, Almedina, 2016, p. 1056.
4
O Considerando 9 do Regulamento refere o facto de as diferenças de transposição da Directiva
poderem constituir um obstáculo ao exercício das atividades económicas a nível da União e dis-
torcer a concorrência.
486
5
Cfr. CASTRO, Catarina Sarmento e, Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais, Coim-
bra, Almedina, 2005, pp. 74 e ss.
6
Sobre o respeito pela vida privada e familiar neste contexto, v. PEREZ, Sophie, Comentário ao
artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, in SILVEIRA, Alessandra/CA-
NOTILHO, Mariana (coord.), “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comenta-
da”, cit., pp. 103 e ss.
7
Entre nós a protecção dos dados pessoais não se limita à transposição da Directiva referida, mas já
consta do art. 35.º da CRP, como direito fundamental, desde 1976. Sobre esta norma v. anotação
ao art. 35.º da CRP em CANOTILHO, José Joaquim Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da
República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 547. e ss. e
anotação ao art. 35.º da CRP em MIRANDA, Jorge/MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa
Anotada, vol. I, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 779 e ss.
8
Defendendo já um direito à identidade informacional, v. PINHEIRO, Alexandre Sousa, Privacy
e Protecçao de Dados Pessoais: a Construção dogmática do Direito à Identidade Informacional,
Lisboa, AAFDL, 2015, pp. 778 e ss.
9
Em sentido contrário, entendendo que não se está perante um direito novo, autonomizado do
direito à privacidade, mas apenas perante a concretização do direito à intimidade no novo campo
das tecnologias da informação, RUIZ MIGUEL, Carlos, El Derecho a la Protección de los Datos
Personales en La Carta de Derechos Fundamentales de la Union Europea, in AAVV., “Temas de
direito da informática e da internet, Coimbra Editora, 2004, p. 47.
10
CASTRO, Catarina Sarmento e, Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais, cit., pp. 28
e 29. Entendendo que o direito à privacidade deve prevalecer sobre as necessidades de recolha e
tratamento de dados pessoais, a não ser que haja um interesse público que os justifique, VAS-
CONCELOS, Pedro Pais, Protecção de dados pessoais e direto à privacidade, in MELLO, Alberto
de Sá et. alt. (coord.), “Direito da Sociedade da Informação”, vol. I, Coimbra, 1999, p. 249 e ss.
487
11
Considerando que a Directiva esvaziava o princípio do consentimento prévio ao admitir que este
pudesse ser prestado implicitamente ou que a sua exigência pudesse ser afastada em várias cir-
cunstâncias, “indicadas de modo relativamente amplo”, GONÇALVES, Maria Eduarda, Direito
da Informação. Novos Direitos e Formas de Regulação na Sociedade da Informação, Coimbra,
Almedina, 2003, p. 99.
12
CASTRO, Catarina Sarmento e, Comentário ao artigo 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia, cit., p. 126.
13
Idem, pp. 124 e 125.
14
Idem, p. 125. O art. 8.º, n.º 1, da Directiva proíbe “o tratamento de dados pessoais que revelem
a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação
sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual”.
15
Entendendo nós que o consentimento, para ser livre, deve poder ser livremente revogável. No
488
sentido de ser aplicável ao direito à autodeterminação informacional o art. 81.º do CC, visto tra-
tar-se de um direito de personalidade, v. o nosso SILVA, Eva Sónia Moreira da, Como escapar
às malhas da política de privacidade das redes sociais? Uma análise à luz da lei portuguesa, in
BUENO DE MATA, Federico (coord.), “FODERTICS II: Hacia una Justicia 2.0. Estudios sobre
Derecho y Nuevas Tecnologías”, Salamanca, Ratio Legis Editiones, 2014, p. 423.
489
Justiça da União Europeia (TJUE), que a definiu como actividades que permitem
de forma automatizada, constante e sistemática, encontrar informações na Inter-
net (recolha de dados), indexá-las automaticamente, armazená-las temporaria-
mente e disponibilizá-las aos internautas. Ou seja, quando a pesquisa se refira a
informações que identifiquem uma pessoa, estaremos perante várias operações
de tratamento de dados pessoais, que permitem criar um perfil da pessoa in-
vestigada a partir de várias fontes (o próprio titular dos dados incluído)16. Os
resultados apresentados são disponibilizados por várias entidades e são estas que
respondem pela inexactidão dos dados que publicaram, mas a sua disponibiliza-
ção ao público internauta de forma ordenada é, ela própria, uma operação de tra-
tamento de dados pessoais, pelas quais responderá o motor de pesquisa17. Assim,
se a informação em causa não respeitar o princípio da proporcionalidade – pois
é certo que há aqui vários interesses conflituantes: de um lado temos o direito à
privacidade do titular dos dados, do outro, o interesse dos internautas em aceder
à informação; interesses de segurança; interesses económicos de empresas pres-
tadoras de serviços, etc. – o titular dos dados pode exigir ao motor de pesquisa
que desassocie esta informação do seu nome, para que os resultados de uma
pesquisa feita ao seu nome não elenquem esta informação, assim se respeitando
o seu direito ao esquecimento.
Este direito ao esquecimento surge reforçado no novo Regulamento, já
que se encontra agora tratado em artigo autónomo, o art. 17.º, que prevê o direito
ao apagamento dos dados («direito a ser esquecido»)18. Nos termos desta norma,
o titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento o apa-
gamento dos seus dados pessoais quando, por exemplo, os dados deixarem de ser
necessários para a finalidade que motivou a sua recolha ou tratamento; quando o
titular revogue o consentimento que tinha prestado para o seu tratamento e não
haja outro fundamento jurídico para a sua existência; quando o titular se oponha
ao tratamento e não existam interesses legítimos prevalecentes que justifiquem
o tratamento, etc. E não se considera um interesse prevalecente o interesse eco-
nómico das empresas em adquirir informação para estabelecer perfis dos consu-
midores e melhor poder orientar a sua política de produção ou comercialização!
As empresas são explicitamente obrigadas a respeitar os direitos que protegem
os titulares dos dados pessoais nos termos do Regulamento. Mesmo terceiros a
quem tenha sido transmitida informação sobre dados pessoais estão obrigados
16
Cfr. Acórdão Google Spain SL e Google Inc v. Agencia Española de Protección de Datos, de 13 de
Maio de 2014 (Processo C-131/12, §§ 28 e 41), cfr. CALVÃO. Filipa Urbano, A proteção de dados
pessoais na internet: desenvolvimentos recentes, “Revista de Direito Intelectual”, n.º 2 (2015), p. 70
e 71.
17
Idem, pp. 71 e 72.
18
CASTRO, Catarina Sarmento e, A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (…),
cit., p. 1066.
490
19
Uma outra forma de efectivar o direito ao esquecimento é a de anonimizar a informação em causa
(v. relativamente aos problemas nesta sede, CASTRO, Catarina Sarmento e, A jurisprudência do
Tribunal de Justiça da União Europeia (…), cit., p. 1052 e ss.).
491
20
Neste sentido, CASTRO, Catarina Sarmento e, A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia (…), cit., p. 1067.
492
1. Introdução
Como é do conhecimento público, ao longo dos últimos anos, jurisdição
comum e jurisdição administrativa e fiscal têm sido objeto de reformas, mais ou
menos amplas, mas cujo denominador comum, numa concreta vertente, poderá
ser sintetizado em desmaterialização. Desmaterialização ao serviço do cidadão,
desmaterialização ao serviço da justiça ou desmaterialização ao serviço de si
mesma?
No caso da jurisdição administrativa e fiscal, os primeiros passos no sen-
tido da desmaterialização deram-se com a implementação da plataforma SITAF.
Pioneira naquele momento temporal, esta plataforma rapidamente evi-
denciou défices e constrangimentos, que fizeram dela uma plataforma pouco
user friendly. O mais evidente dos constrangimentos era o da lentidão, que con-
duzia a que grande parte dos atos fossem incomparavelmente mais rápido se
praticado nos moldes tradicionais.
Por outro lado, o envio das peças processuais através do SITAF nunca foi
obrigatório (nem nessa altura nem hoje).
Não obstante os diversos constrangimentos da plataforma que, ao longo
dos anos, foram sendo elencados e catalogados, a mesma foi-se mantendo em
funcionamento, tendo sido melhorados alguns dos seus aspetos em termos de
performance, tornando-a numa ferramenta menos disfuncional.
Paralelamente houve alterações legislativas, mais evidentes no âmbito do
493
CPTA (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 2.º, al. c), do
CPPT), cuja relevância é indiscutível porquanto tornaram regra a tramitação
eletrónica no processo administrativo, em termos idênticos ao já há muito plas-
mado no CPC.
Este alargamento foi ainda acompanhado de regulamentação, através de
portaria, com base a incentivar justamente a desmaterialização dos processos e
cujos termos pretendemos, ainda que sumariamente, analisar.
1
Cfr. o Relatório Anual – 2016, do CSTAF (p. 83, disponível para consulta em http://www.cstaf.
pt/Documents/Relatório%20CSTAF2016.pdf), no qual se refere que, em 2016, as impugnações
judiciais representavam 45,5% dos processos pendentes e que as oposições/embargos 37,2%.
494
3. A desmaterialização a montante
Dada a circunstância de, no caso das execuções fiscais, grande parte do
processo correr junto do OEF e de, no caso das impugnações judiciais, ter, por
norma, importância fulcral o procedimento administrativo-tributário que lhe
está na génese, revela pertinência aferir dos níveis de desmaterialização existen-
tes a montante.
Assim, no caso dos PEF, e concretamente dos que correm termos junto
dos serviços periféricos locais da ATA2, já há muito que os mesmos são trami-
tados informaticamente, no chamado Sistema de Execuções Fiscais (SEFWeb).
A informatização das execuções fiscais tem sido um processo já longo,
que começou por uma solução de configuração local. A sucessão de diversas
soluções conduziu ao sistema atualmente existente, que funciona sem interação
com o tribunal.
Significa isto que, perante uma oposição à execução fiscal, todos os atos
praticados diretamente no sistema têm de ser (ou devem ser) imprimidos para
que o PEF físico acompanhe a oposição, como legalmente exigido. Já no caso
do ou dos procedimentos subjacentes às impugnações judiciais, a questão é
mais complexa. Com efeito, os elementos relevantes para efeitos de instrução
do processo administrativo da impugnação abrangem, desde logo, informação
residente em diversas aplicações informáticas, verificando-se ainda uma franca
relevância do suporte físico (papel).
Por outro lado, o PA, como já referido, pode abranger uma panóplia de
procedimentos, todos eles com tramitações autónomas entre si, sem que exista
um sistema de tramitação eletrónica que abranja a globalidade dos procedimen-
tos e permita a interoperabilidade com o SITAF.
2
Sublinha-se que os OEF não são exclusivamente os serviços periféricos locais da ATA, sendo que,
no entanto, os mesmos tramitam uma significativa percentagem dos PEF.
495
4. A desmaterialização a jusante
A jusante, nos TT, a desmaterialização teve a sua génese em 2003. Com
efeito, foi nessa altura publicado o DL n.º 325/2003 de 29 de dezembro3, que pre-
tendeu implementar uma tramitação essencialmente informática dos processos
nos TAF (cfr. o preâmbulo do diploma).
Nesse conspecto, o seu art.º 4.º prevê, globalmente, a tramitação eletróni-
ca dos processos dos processos nos tribunais da jurisdição administrativa e fis-
cal, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela
área da justiça.
Sublinha-se que já nesse momento se previu a remessa ao tribunal, neces-
sariamente por meios eletrónicos, do PA [cfr. art.º 4.º, n.º 1, al. e)].
Da análise deste art.º 4.º decorre que a perspetiva do legislador era a de
total desmaterialização, intenção essa particularmente patente no n.º 3 do art.º
4.º, que previa a digitalização, por parte da secretaria judicial, das peças proces-
suais e dos documentos apresentados pelas partes em suporte de papel, com
ulterior devolução dos mesmos ao apresentante.
Neste seguimento foi publicada a Portaria n.º 1417/2003, de 30 de dezem-
bro, que regula o funcionamento do sistema informático dos tribunais adminis-
trativos e fiscais (SITAF), estabelecendo aspetos específicos da apresentação de
peças processuais e documentos por via eletrónica, bem como a tramitação e
acesso informático dos processos entrados nos tribunais da jurisdição adminis-
trativa e fiscal a partir de 1 de janeiro de 2004. Esta portaria definiu os aspetos
principais do SITAF, reiterando a pretensão já manifestada anteriormente de
constituir este sistema uma ferramenta de combate à morosidade processual e
de simplificação de procedimentos no tratamento dos processos.
Sublinhe-se que, não obstante a manifestação de um conjunto de inten-
ções cuja implementação efetiva trataria vantagens, a verdade é que foram, ab
initio, feitas opções que constituíam um verdadeiro entrave a essa mesma im-
plementação.
A primeira dessas opções foi a do caráter facultativo do envio das peças
processuais através do sistema. Esse caráter facultativo implicava, como con-
traponto, uma sobrecarga da secretaria judicial: não sendo enviadas as peças
processuais eletronicamente, caberia à secretaria judicial a tarefa de digitaliza-
ção de todos os elementos remetidos. Sublinhe-se que esse caráter facultativo se
mantém até hoje.
A segunda das opções prende-se com as exceções às digitalizações. Com
efeito, atento o disposto no art.º 4.º, n.º 2, da referida Portaria, não era obriga-
tória a digitalização em determinados casos atinentes às próprias caraterísticas
3
Alterado pelos DLs n.º 182/2007, de 9 de maio, e 190/2009, de 17 de agosto.
496
4
Refira-se que paralelamente a tramitação eletrónica dos processos tem sido alvo de intensa regu-
lamentação no que respeita ao sistema implementado junto dos tribunais comuns. Neste aspeto
em particular, é de chamar à colação a Portaria n.º 170/2017, de 25 de maio, que alterou a Portaria
n.º 280/2013, de 26 de agosto, e que foi retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2017, de 06
de junho.
5
Cfr. os art.ºs 24.º, n.º 1 (que remete para portaria a definição da tramitação eletrónica do pro-
cesso), 25.º, n.ºs 1 a 3 (atinente a citações e notificações), 26.º, n.º 1 (respeitante à distribuição),
79.º, n.º 2 (relativo ao comprovativo do pagamento prévio de taxa de justiça ou de concessão de
benefício de apoio judiciário) e 84.º (respeitante ao envio do processo administrativo), todos do
CPTA.
497
498
5. A desmaterialização desejável
Os esforços no sentido da desmaterialização processual, face ao que foi
referido e apesar de algumas reservas que suscitam, são, inegavelmente, meritó-
rios. É incontestável que os processos físicos tradicionais continham não raras
vezes demasiadas versões dos articulados ou requerimentos, muitas vezes reme-
tidos via fax, via correio eletrónico e/ou via postal. É igualmente inegável que a
remessa das peças processuais via eletrónica (que é ainda uma faculdade e não
uma obrigatoriedade – cfr. o art.º 24.º, n.º 1, do CPTA), com conteúdo pesquisá-
vel, se revela uma mais-valia em termos de eficiência. O mesmo se refira quanto
ao PA, cuja remessa em formato digital representa um passo à frente.
Não obstante, esta desmaterialização de per si tem de ser encarada, por
um lado, não como um fim em si mesmo, mas como um meio, e, por outro, não
como um ponto de chegada, mas como um ponto de partida.
Quanto ao primeiro aspeto, não se pode descurar que estamos em imen-
sos casos perante processos que já chegam ao tribunal com uma dimensão con-
siderável, atentos o ou os procedimentos graciosos que o antecederam. Não são
raros os processos cujos PA atingem as milhares de páginas e cujos manusea-
mento, consulta, análise, estudo exclusivamente desmaterializados nem sempre
se revelarão fáceis e céleres. Isto para não falar nos próprios casos, já referidos
supra e previstos na Portaria, de PA cujos suportes não são passíveis de digita-
lização com qualidade. Portanto, a necessidade de um suporte físico comple-
to parece-nos que em muitos casos será sentida, desde logo pela dimensão do
processo que, ainda que não queiramos, é muitas vezes mais fácil de manejar
fisicamente.
Por outro lado, pugnar por um modelo que exige um despacho funda-
mentado do juiz de cada vez que o mesmo queira incorporar no suporte físico
um documento pode conduzir a que o que se ganha de um lado com a desma-
terialização se perca do outro com uma necessidade constante de justificar a
necessidade de um suporte físico. Entre uma solução de desmaterialização total
e uma solução de processo físico integral existiria uma solução intermédia, em
que bastaria um simples despacho ou provimento do juiz titular do processo
para determinar o que constaria do processo físico, sem necessidade de fun-
damentação, o que lhe é admitido, atento o facto de ser um despacho de mero
expediente.
No tocante ao segundo aspeto, há que ter em conta, como já mencio-
nado, que junto da administração já há muitos procedimentos com tramitação
eletrónica. Por outro lado, em termos práticos, não são raras as vezes em que,
quando o PEF ou o PA são enviados ao tribunal, os mesmos vêm incompletos,
obrigando a sucessivos despachos solicitando a remessa dos elementos em falta.
Revela-se, pois, como uma futura mais-valia a interoperabilidade entre os siste-
mas, permitindo que, por exemplo, através do SITAF ou outro sistema satélite
499
500
1
O artigo 12.º da DUDH prescreve que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida pri-
vada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência (…). Contra tais intromissões
ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei”. Vd. Ac. do TRL, de 24/09/2014, proc.
431/13.6TTFUN.L1-4.
2
Cf. VITAL MOREIRA; GOMES CANOTILHO, José Joaquim, Constituição da República Portu-
guesa Anotada, Vol. I, 4.ªedição, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pág.471.
501
3
Vd. CABRAL, Rita Amaral, O direito à intimidade da vida privada: breve reflexão do artigo 80.º do
Código Civil, Sep. Dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha, Lisboa, [s.n.], 1988,
págs.35 e segs..
4
Cf. MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ªedição,
Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pág.620.
Vd., a este respeito, Lei da Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 26 de outubro) e Regu-
lamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo
à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre
circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção
de Dados).
5
Vd. a este respeito CARRERAS SERRA, Lluís de, Las normas jurídicas de los periodistas: Derecho
español de la información, Barcelona, Editorial UOC, 2008, pág.136.
6
Vd. QUINTAS, Paula; QUINTAS, Hélder, Código do Trabalho Anotado e Comentado, X edição,
Coimbra, Almedina, 2016, págs.112 e segs.; COSTA ANDRADE, Manuel da, Sobre as Proibições
de Prova em Processo Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, págs.94 e segs..
7
Vd. VITAL MOREIRA; GOMES CANOTILHO, José Joaquim, Constituição da República Portu-
guesa… op.cit., pág.468, “O critério constitucional deve talvez arrancar dos conceitos de «privacida-
de» (n.º1, in fine) e «dignidade humana» (n.º2), de modo a definir-se um conceito de esfera privada
de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea. O âmbito normativo do direito
fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base
num conceito de «vida privada» que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspetos: (1)
o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito de vida em relação.”
502
Por sua vez, a esfera privada goza de uma proteção relativa, já que pode
ter de ceder, em alguns casos, perante direitos e interesses superiores.8
E, por último, a esfera pública concerne a situações de conhecimento pú-
blico, pelo que já não se fala de uma reserva.
Neste sentido, conforme defende Luís Menezes Leitão, existe, no do-
mínio das relações laborais, uma proteção absoluta da esfera íntima e da esfera
privada, no entanto, esta última pode sofrer alguma limitação quando exista um
direito e interesse superior que mereça tutela.9
8
Vd. GONZÁLEZ, José, Código Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral, 1.ªedição, Lisboa, Quid Juris,
2011, pág.113.
9
Cf. MENEZES LEITÃO, Luís, Direito do Trabalho, 5.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2016, pág.
169.
10
Vd. GOMES CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª edição, Coimbra,
Almedina, 2017, págs. 1178 e segs..
11
MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 1.ªedição, Coimbra, Almedina, 2016, pág. 365.
12
Vd. Ac. do TRP, de 08/09/2014, proc.101/13.5TTMTS.P1.
503
13
Cfr. art.80.º, n.º2, do CC.
Vd. GONZALEZ, José, Código Civil… op.cit., pág.114.
14
Cf. NETO, Abílio, Código Civil Anotado, 19.ª edição, Lisboa, Editorial Minerva, 2016, págs. 72
e segs.
15
Esta norma consubstancia uma importante exceção à regra contida no n.º 1, do artigo 406.º, do CC.
Vd. GONZALEZ, José, Código Civil… op.cit., pág.115, “De harmonia com a máxima “volenti non
fit iniuria”, admite-se que o titular de algum direito de personalidade possa dar consentimento a
que uma conduta alheia suscetível de o lesar, efetivamente sobrevenha, legitimando assim, através
da autolimitação permitida, o comportamento de quem produzir uma intromissão na sua esfera
jurídica. Não se pode descartar, porém, a regra “dominus membrorum suorum nemo videtur”. O
que significa que nem qualquer consentimento é valido ou, que o é o mesmo, que nem todo o
consentimento legitima a intervenção na esfera jurídica de quem em tal assentiu”; VASCONCE-
LOS, Pedro Pais de, Direitos de personalidade, 1.ªedição (reimpressão), Coimbra, Almedina, 2017,
págs.165-168.
504
16
Cfr. Art.16.º, n.º2, do CT.
17
Neste sentido, vd. Ac. do STJ, de 25/09/2003, proc.03B2361.
18
Vd. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional…, op.cit., págs.266 e segs.; e MIRANDA, Jor-
ge, Direitos Fundamentais, op. cit., págs.327 e segs..
Vd. “Princípios sobre a utilização de dados biométricos no âmbito do controlo de acessos e de
assiduidade”, da CNPD, considerandos 33, 42, 47 e 49, disponível em https://www.cnpd.pt.
19
Cfr. Art.18.º, n.º3, do CT.
20
Cfr. Art.20.º, n.º1, in fine.
505
21
Cf. GOMES, Júlio, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, págs.339 e segs.
22
Vd. KÜHLING, Jürgen, Die Berufsfreiheit des Arbeitnehmers, Richterliches Arbeitsrecht, Fets-
tschrift für Thomas Dieterich, Beck, München, 1999, págs.325 e segs., apud GOMES, Júlio, Di-
reito do Trabalho, op.cit., pág.343, “a circunstância de que o trabalhador se expõe, caso opte por
506
507
25
Sobre a informação pessoal publicada nas redes sociais e sobre a tutela da privacidade aplicável
a estes casos, vd., entre outros, Ac. do TRP, de 13/04/2016, proc.471/15.0T9AGD-A.P1; Ac. do
TRP, de 08/09/2014, proc.101/13.5TTMTS.P1; e Ac. do TRL, de 24/09/2014, proc.431/13.6TT-
FUN.L1-4.
26
Vd. Ac. do TRP, de 20/12/2009, proc.520/08.9TTMTS.P2.
27
MOREIRA, Teresa Coelho, A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Infor-
mação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo eletrónico do
empregador, 1.ªedição, Coimbra, Almedina, 2010, págs.782 e ss.. No mesmo sentido, VASCON-
CELOS, Joana, O Contrato de Trabalho. 100 Questões, 5.ªedição, Universidade Católica, Lisboa,
2017, págs.91-93. Vd., entre outros, Ac. do STJ, de 05/07/2007, proc.07S043; Ac. do TC, acórdão
n.º241/2002, de 29/05/2002; Ac. do TRP, de 08/09/2014, proc.101/13.5TTMTS.P1; e ainda Ac. do
TRE, de 07/04/2015, proc.13/15.8PAOLH-A.
508
28
Vd. Ac. do TRP, de 20/12/2009, proc.520/08.9TTMTS.P2.
29
Cfr. Considerando 5 do RGPD.
509
7. Síntese
O CT concretiza, nos artigos 14.º a 22.º, o direito fundamental de reserva
da vida privada. A dignidade da pessoa humana exige que se reconheça aos ci-
dadãos, por regra, um espaço de privacidade em que possam estar à vontade, ao
abrigo da curiosidade dos outros, pelo que qualquer limitação a esse espaço de
privacidade deve ser encarada como uma exceção.
O “direito de mentir” que assiste ao trabalhador tem sido afincadamente
defendido na doutrina e na jurisprudência como sendo a única tutela possível ao
dispor do trabalhador contra o abuso do empregador.
O empregador está impedido, em qualquer circunstância, de ler, o con-
teúdo dos emails pessoais do trabalhador (ainda que rececionados na conta
de endereço eletrónico profissional), já que o legislador consagrou o direito à
reserva de privacidade de mensagens e informações pessoais em geral (abran-
gendo, portanto, email, cartas, faxes, sms, chamadas telefónicas, sites consul-
tados, etc.).
30
Cfr. Considerando 6 do RGPD.
31
Cfr. Arts.94.º e 99.º, do RGPD.
510
511
1. Introdução
Hodiernamente os sistemas informáticos representam ferramentas in-
dispensáveis à actividade humana, visto que se encarregam de facilitar o traba-
lho tradicional que era executado de forma complexa e que hoje é feito de forma
célere, coadjuvando na entrega de dados e informações sobre milhares de pes-
soas naturais e jurídicas, em aspectos tão fundamentais para o norma desenvol-
vimento e funcionamento de várias tarefas, tais como os movimentos bancários,
financeiros, tributários, ficheiros pessoais, conteúdos em multimédia etc.
Se paralelamente às benesses que as tecnologias de informação nos for-
necem, agregarmos que na atualidade existem cada vez mais bases de dados,
comércio electrónico, redes sociais e empresas ou entidades dedicadas a propor-
cionar qualquer informação, sejam elas de carácter pessoal ou sobre matérias
das mais diversas áreas e disciplinas de uma sociedade, Estado ou particular,
não será difícil compreender que tudo o que oferece vantagens ao homem, o
mundo criminoso tira proveito delas para colocar em causa direitos individuais
e coletivos que, por conseguinte, representam bens jurídicos que o ordenamento
e o Direito institucional devem proteger.
513
514
1
Mata y Martín, Ricardo Manuel. Delinquência informática e Direito Penal. Madrid, 2001, p. 21;
González de Chaves Calamita, Maria. “O chamado delito informático”. Em: Anal da Faculdade de
Direito. Universidade de Barcelona, 2014, p. 45.
515
2
Ortega Giménez, Alfonso. A regulação da Internet. “Revista de Derecho Informático Alfa-Redi”.
No. 61, Agosto del 2003, p.31. Disponível: http://www.alfa-redi.org/enlinea.shtml. Fecha de con-
sulta 12 de septiembre de 2017.
516
3
ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Direito Penal, sociedade e novas tecnologias. Colex. Madrid,
2001, p.43.
4
Picotti, Lorenzo. “Sistemática dei reati informatici, tecniche di formulacione legislativa e beni
giuridici tutelati”. Em: Enciclopédia Giuridica Treccani. Volume XXVI, 1999, p. 324.
517
518
5
SILVA SÁNCHEZ, José María. A expansão do Direito Penal –Aspectos da política criminal nas
sociedades pos-industriais-. 1ª edição, reimpressão. Madrid, 2006, p.54.
6
MONTANO, Pedro. As falsificações electrónicas. “Revista da INUDEP” (Montevideo, 1988) Dis-
ponível: http://revistaderecho.um.edu.uy/wp-content/uploads/2012/10/DERECHO-20.pdf. Data
de consulta: 12 de Fevereiro de 2018.
519
520